• Nenhum resultado encontrado

DIEUDONNÉ BUKASA N'DALA OS GÊMEOS AFRO-BRASILEIROS E O SINCRETISMO RELIGIOSO: O CULTO AOS GÊMEOS: ENTRE ÁFRICA E BRASIL

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2019

Share "DIEUDONNÉ BUKASA N'DALA OS GÊMEOS AFRO-BRASILEIROS E O SINCRETISMO RELIGIOSO: O CULTO AOS GÊMEOS: ENTRE ÁFRICA E BRASIL"

Copied!
81
0
0

Texto

(1)

DIEUDONNÉ BUKASA N'DALA

OS GÊMEOS AFRO-BRASILEIROS E O SINCRETISMO RELIGIOSO:

O CULTO AOS GÊMEOS: ENTRE ÁFRICA E BRASIL

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

(2)

OS GÊMEOS AFRO-BRASILEIROS E O SINCRETISMO RELIGIOSO:

O CULTO AOS GÊMEOS: ENTRE ÁFRICA E BRASIL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais, sob a orientação do Professor Doutor Josildeth Gomes Consorte.

(3)

BANCA EXAMINADORA

______________________________________

______________________________________

(4)
(5)

Agradecemos a todas as pessoas que me ajudaram a realizar esta

(6)

O nosso objetivo é de escrever sobre o sincretismo afro-brasileiro,

em geral, o sincretismo afro-católico com o caso dos Ibeji e santos

Cosme e Damião, em particular.

Por isso, analisamos os gêmeos na África primeiro para depois

escrever sobre os gêmeos no Brasil. Depois disso, fizemos as

nossas considerações.

(7)

Our objective for this study is to write about the Syncretism Afro

Brazilian, particularly, and the syncretism Afro Catholic with the

case of Ibeji e saints Cosmas and Damian, particularly. This way we

wrote about the twins in Africa first and about the twins in Brazil at

the second moment. After this, we made our considerations

(8)

INTRODUÇÃO... 09

1 O SINCRETISMO AFRO-CATÓLICO... 17

1.1 Uma breve história do sincretismo... 17

1.2 Sincretismo a partir do princípio de corte... 22

1.3 Os pontos onde coincidem o catolicismo e a religião africana... 23

1.4 Sincretismo: fenômeno de aproximação... 24

1.5 Sincretismo religioso no caso dos gêmeos: Ibejis e São Cosme e Damião... 28

1.5.1 Quem são os Ibeji? Como veio esse culto aos Ibeji e como sobreviveu ao longo do tempo?... 28

1.5.2 Quem são os Santos Cosme e Damião?... 31

1.5.3 O sincretismo entre São Cosme e São Damião com os orixás Ibeji... 32

1.6 Conclusão... 33

2 OS GÊMEOS NA ÁFRICA... 34

2.1 Os gêmeos Iorubas... 34

2.1.1 Yoruba, povo gemelário... 34

2.1.2 Nascimento gemelário, antigamente e hoje... 34

2.1.3 Nascimento gemelário, uma bênção!... 36

2.1.4 Nascimento gemelário, uma festa!... 36

2.1.5 Nascimento gemelário, uma nova ordem... 37

2.1.6 Os gêmeos e a morte... 38

2.2 Os gêmeos na África em geral... 39

2.2.1 Os nomes dos gêmeos em algumas etnias africanas... 39

2.2.2 Dos gêmeos, quem é o mais velho?... 41

2.2.3 Proibições e cerimônias... 42

2.2.4 Gêmeos, gênios!... 44

2.2.5 Morte e reencarnação dos gêmeos... 44

(9)

2.2.9 Casamento de uma das Gêmeas... 49

3 OS GÊMEOS NO BRASIL... 50

3.1 Cândido Godói, Terra dos Gêmeos... 50

3.2 O Que é o Caruru?... 52

3.3 Por que deve oferecer o Caruru?... 53

3.4 Quem deve oferecer o Caruru?... 54

3.5 A quem deve ser oferecido o Caruru?... 55

3.6 Com que é feito o Caruru... 57

3.7 Quando é oferecido o Caruru... 58

3.8 Comportamentos dos pais dos Gêmeos... 58

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 61

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 65

(10)

INTRODUÇÃO

As Motivações do Trabalho

Uma pequena apresentação do Autor

Eu sou Dieudonné BUKASA N’DALA nascido na cidade de Mbandaka, capital da Província de EQUATEUR na República Democrática do Congo.

Alguns dados sobre a República Democrática do Congo

É um país da África central com área de 2.345.000 km2. A sua capital é Kinshasa. A sua população é estimada hoje em 66 milhões de habitantes espalhados em 26 províncias. O governo é presidencialista.

A República Democrática do Congo foi chamada Congo desde a Conferência Internacional de Berlim de 1885. Conferência que repartiu a África geográfica para a colonização, momento em que nessa época o Congo foi dado ao rei da Bélgica Leopoldo II. Este, segundo a história e por sua vez, entregou o Congo para o reinado da Bélgica como pagamento da sua dívida com o reino. A partir daí começa a colonização, no fim do século XIX e vai ter fim em 30 de Junho de 1960.

Após, a colonização, o Congo passou de governo de Colônia para o presidencialismo. Tem como primeiro presidente KASA VUBU com seu primeiro ministro Emery Patrice LUMUMBA. Em novembro 1965, Joseph MOBUTU realiza o golpe de Estado e toma o poder para sair dele após 32 anos. Neste período, o Congo passou a ser chamado de República do Zaïre. Em 1997, com a rebelião que começou no leste, MOBUTO é derrubado e Joseph KABILA assumiu o poder. Este morreu assassinado em 2001 e o seu filho, até então comandante do exército nacional, assumiu o poder até hoje.

(11)

periferia de Kinshasa no propedêutico. Três anos de filosofia em Kisangani, uma cidade à nordeste do Congo. Dois anos de noviciado, um ano em Isiro, à nordeste e um ano em Kinshasa. Terminei o noviciado em 1998 e fui enviado para o Brasil para missão.

Vim diretamente para São Paulo, capital, para completar a formação teológica (Unifai, hoje PUC-SP) e fazer a pastoral. Na zona leste de São Paulo e na cidade de Santo André trabalhei com a Pastoral Afro. Neste período participei também do Grupo de Reflexão dos religiosos negros e indígenas. Período em que comecei a sentir a necessidade de conhecer as religiões de matriz africana devido à falta de conhecimento. Motivo pelo qual multipliquei as minhas idas para Salvador desde 1999 até hoje.

Em dezembro de 2002, terminei o período da missão e voltei por um ano ao Congo e um ano a Nairobi – Quênia para a missão. Voltando para o Brasil em Julho de 2004, fui trabalhar como padre na Paróquia Nossa Senhora Aparecida em Santa Isabel, cidade da grande São Paulo, onde fiquei pouco mais de dois anos. Foi nesta paróquia, na condição de padre, nos meus atendimentos, que tive vontade de conhecer o sincretismo. Alguns paroquianos negros que tinham vivência sincrética como muitos brasileiros, e um pouco de consciência de fidelidade religiosa, chegavam a me perguntar o porquê da dupla pertença. Um casal, que preferiu ficar anônimo, era motivado pelos parentes a oferecer o caruru para obter bênção para os seus filhos. O seu questionamento era como eu, negro e católico, devo oferecer oferta aos Ibeji, que são orixás.

Um pouco da Cidade de Santa Isabel

(12)

A cidade teve o seu início em 10 de Julho de 1832 e o nome que leva é em homenagem a Santa Isabel, rainha de Portugal.

Na cidade, encontram se duas paróquias, a mais velha é a Santa Isabel com mais de 100 anos e a mais nova é a Nossa Senhora Aparecida com quase 27 anos. Foi nesta segunda paróquia que trabalhei. A paróquia Nossa Senhora Aparecida foi fundada em 1986, ela se estende do Bairro do Cruzeiro até o Monte Negro, interior da cidade, ao lado de Jacareí.

Em 05 de novembro de 2006, tomei posse como Pároco na Paróquia Nossa Senhora da Paz, em Mogi das Cruzes, no Conjunto Habitacional Ana Paula chamado carinhosamente pelos moradores de Vila da Prata.

Um pouco da Cidade de Mogi das Cruzes

A cidade de Mogi das Cruzes é localizada na região metropolitana da capital São Paulo. Segundo o censo demográfico de 2010, sua população é de 387.779 habitantes. Hoje, está na casa de 400 mil. A densidade demográfica de Mogi das Cruzes é de 543, 65 hab./km2. A sua área é de 725.300 km2. A cidade começou como povoado por volta de 1560.

A Paróquia Nossa Senhora da Paz é uma paróquia territorialmente um pouco diferente das outras paróquias que têm um centro paroquial e as comunidades em volta. Ela começa na saída para Bertioga e acompanha a Rodovia Mogi-Bertioga ao longo dos 20 km. Desde a minha posse até hoje já se passaram mais de 6 anos. O casal Maurilho e Érika, que entrevistamos, mora aqui na nossa paróquia. Na paróquia, nós estamos desenvolvendo o trabalho pastoral e social. Com passos, um pouco tímidos, estamos também realizando o trabalho da pastoral Afro no aspecto cultural e litúrgico. Com as missas afro e o resgate da cultura com a questão de vestimenta e culinária africana.

(13)

A partir disso, colocamos a nossa problemática: como podemos oferecer a são Cosme e Damião, cultos que não são deles? Por que não deveriam ser oferecidos aos Ibeji? Como podem oferecer aos Ibeji alguns cultos, quando quem oferece é católico? Os filhos de santo podem oferecer cultos aos são Cosme e Damião?

Estes casos representam todo um universo enorme de pessoas que vivem práticas religiosas de diversas culturas sem nenhuma dificuldade. Entender isso é nosso objetivo. Motivado por isso, procuramos conhecer o candomblé e o sincretismo para entender melhor e poder ajudar mais os que nos procuram. Depois de um tempo, tivemos a convicção de levar o problema para academia, motivo pelo qual estamos fazendo este mestrado.

Metodologia

Para realizarmos este trabalho, nós adotamos o método de observação participante ou observação sistemática, método consagrado no trabalho de campo antropológico.

O recolhimento de dados na pesquisa de campo foi feita por nós através de observação sistemática e as entrevistas com dois senhores africanos, pais e mães de gêmeos, com sacerdotes das religiões de origem africana, utilizando gravador e filmadora para o registro dos acontecimentos importantes para a nossa pesquisa na África e no Brasil.

Os Entrevistados

(14)

1. O primeiro entrevistado é o senhor Lenga Kangundya Benjamim, com pouco mais de 60 anos. Ele é comummente chamado por nós de Tutu Benjamim. Tutu quer dizer irmão mais velho em Tshiluba, a língua dos Luba da República Democrática do Congo. Ele é um dos meus primos, considerando as nossas famílias africanas. O Sr. Lenga é Pós-graduado em Economia e tem um grande conhecimento de cultura Luba pela sua vivência. Ele tem parentes gêmeos, por isso foi escolhido para entrevista. No nosso texto, ele será identificado como Tutu Benjamim.

2. O segundo entrevistado é o senhor Mboyo Ivon Bolemba. Pelo nome sabemos que é gêmeo e tem a felicidade de ter um casal de filhos gêmeos. Tem mais de 60 anos, é inspetor federal dos impostos, aposentado e mora na cidade de Kinshasa, capital da República Democrática do Congo. Ele pertence à etnia Mongo e é um conhecedor da cultura mongo e da realidade dos gêmeos. Por isso o escolhemos para as nossas entrevistas.

Em Julho de 2012, viajando para a África do Sul, tivemos a oportunidade de consultar as pesquisas particulares de um Missionário Africano que trabalhou muito tempo na África do Oeste. Isso nos permitiu saber algumas detalhes sobre os gêmeos yorubas. Completamos esta consulta com a pesquisa da internet e a consulta bibliográfica.

Desde o início do Curso de Pós Graduação em Ciências Sociais, tivemos a oportunidade de ir a Salvador (Bahia) para conhecer um pouco as religiões tradicionais africanas, mas de modo particular o Candomblé, continuando a nossa aproximação com as culturas Afro-Brasileiras. Voltamos a Salvador (Bahia) em janeiro de 2009 para participar das festividades do dia primeiro de janeiro. Neste ocasião entrevistamos:

(15)

ajuda nas oficinas de arte, percussão e danças. A entrevista com Dona Ceci prosseguiu nas outras três viagens feitas à Bahia: na ocasião da lavagem da escadaria do Bonfim de 2011 e 2013 e em outra viagem em setembro de 2012 na ocasião da festa de são Cosme e Damião.

2. Numa destas reuniões com Dona Ceci, tivemos oportunidade de conhecer e entrevistar o senhor Carlos Miranda (Bibliotecário e coordenador do espaço cultural Pierre Verger), cuja esposa chama-se Isabel Matos. Eles têm hoje dois filhos gêmeos que são: Cauã Matos e Caerê Matos. O seu primeiro filho faleceu há pouco tempo.

3. Senhor Areelson Antônio da Conceição Chagas. Ele já passou dos 60 anos e tem participado do Candomblé desde os seus 6 anos. A família inteira também é do Candomblé. Ele é o Ogan mais velho do terreiro da Casa Branca do Engenho Velho de Salvador.

4. Em janeiro deste ano de 2013, tivemos a oportunidade de entrevistar a Mãe Stella que é Maria Stella de Azevedo Santos, Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonja. Ela tem mais de 80 anos e é uma das iyalorixás de mais respeito na Bahia e no Brasil.

Nas nossas entrevistas aqui em São Paulo, muito mais precisamente aqui em Mogi das Cruzes, entrevistamos dois casais pais de gêmeos, mas resolvemos publicar o nome de um só:

* O casal Maurílio Rodrigues de Oliveira, de 34 anos e Érika Aparecida do Espírito Santo Oliveira, de 31 anos. Eles têm um casal de gêmeos chamados Carlos Eduardo e Pedro Henrique.

5. Após esta entrevista e para completar as entrevistas com os terreiros do Candomblé, entrevistamos a Iyalorixá Sandra Epega de Tradição de Orisa, de Guararema – SP.

(16)

Roteiro das Entrevistas

Como os nossos entrevistados eram diferentes uns dos outros assim como o objeto específico da entrevista com cada entrevistado não era o mesmo, decidimos de não ter um roteiro específico e fechado. Partimos de uma conversa para deixá-los à vontade para falar. Temos a certeza que isso foi o melhor procedimento que poderíamos adotar para este trabalho.

Também, não estipulamos o tempo. No total das entrevistas, gravamos entre voz e vídeos em torno de 13 horas. Uma entrevista demorou mais do que outra de acordo com a necessidade.

Após as gravações, ouvimos todas as entrevistas e transcrevemos tudo para depois retirar o que era útil ao nosso trabalho. Depois disso, nós as analisamos e refletimos sobre as informações para depois passar à elaboração deste texto.

O que observamos no campo é fundamentado com a literatura específica. Para tanto, tivemos que fazer também uma pesquisa bibliográfica. Com isso, concluímos que duas atividades foram importantes para o nosso trabalho: pesquisa de campo e leitura bibliográfica.

Resumo e Divisão do Trabalho

A nossa dissertação inicia se com uma introdução que contém as motivações do trabalho nas quais nós nos apresentamos como autor e falamos um pouco da nossa trajetória de vida. O corpo da dissertação comporta quatro capítulos.

(17)

nossa reflexão sobre o sincretismo entre Ibeji e são Cosme e Damião. Fechamos o capítulo com uma conclusão.

No segundo capítulo, falamos dos gêmeos na África. Para mostrar essa realidade, decidimos fazê-lo em duas partes. A primeira fala dos gêmeos ioruba tendo em vista a importância desta cultura para as tradições afro-brasileiras e vimos o povo ioruba como o povo mais gemelario. Falamos do nascimento de gêmeos no passado e hoje, como este nascimento é uma bênção e uma festa e como traz uma nova ordem na família. E terminamos falando dos gêmeos e da morte. Na segunda parte do capítulo, refletimos sobre os gêmeos na África em geral pegando como exemplo os gêmeos Minas, Mongo, Luba e Kongo. E para terminar o capítulo falamos da idade dos gêmeos, proibições e cerimônias, gêmeos como gênios, morte e reencarnação dos gêmeos e algumas considerações.

No terceiro capítulo, tratamos dos gêmeos no Brasil, para depois refletirmos sobre o caruru. Procuramos saber o que é o caruru, como é feito, quais são os ingredientes que são usados, quem oferece o caruru e o comportamento dos pais dos gêmeos.

(18)

1 O SINCRETISMO AFRO-CATÓLICO

O primeiro capítulo é fruto de pesquisa bibliográfica e das aulas que tivemos sobre o sincretismo.

1.1 Uma breve história do sincretismo

A escravidão fez com que os povos africanos se dispersassem por todo o Novo Mundo e suas heranças culturais e, sobretudo, religiosas seguiram com eles1. Em meio à violência, ao sofrimento, ao sequestro dos negros africanos, quando de sua chegada ao Brasil, Orixás, engungus, voduns e inquices vieram juntos e aqui se instalaram2. Assim, estas inúmeras tribos e etnias vieram para o Brasil durante o período da escravidão trazendo sua cultura.

“O processo era iniciado com o batismo, ao chegarem, embora algumas vezes já chegassem batizados. Ganhavam, assim um nome cristão. Expropriados de sua condição jurídica de pessoa, ao serem transformados em escravos, seu reconhecimento como humanos só poderia encontrar guarida em condição de cristãos, ainda que de segunda ou terceira categoria. O compromisso moral assumido pela Igreja Católica com sua cristianização quando legitimou sua escravidão através da figura do resgate a obrigava a isto3”.

Daqui aparece uma grande motivação ao sincretismo que discutimos em aulas com a Josildeth; o batismo exigido pela Igreja passava a ser um passaporte para ingresso no mundo dos cristãos para o escravo. Com o batismo como passaporte, o negro escravizado renascia para a vida eterna como todos os cristãos,

1 MEDEIROS, Sandra. Epega: a volta à África. Na contramão do Orixá in Faces da Tradição Afro-Brasileira. Religiosidade, Sincretismo, Anti-sincretismo, Reafricanização, Prática terapêuticas, Etnobotânica e Comida. CIP-Brasil, p. 159.

2 Idem.

(19)

por ordem de Cristo: “Portanto, vão e façam com que todos os povos se tornem meus discípulos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo4”, e no final da sua vida teria direito digno de um sepultamento que lhe garantisse a passagem adequada para a vida eterna.

Lembrando a importância do sepultamento e dos ritos de passagem para os povos africanos, isso pode ser uma das razões que os levariam a aderir à Igreja com a vontade própria, ao contrário do que muitos autores escrevem e afirmam.

Membro da Igreja, o negro escravo teria acesso também à sociedade que o acolheu, mesmo que na condição de escravo, ou seja, pertencente a um senhor a quem ele tinha deveres e obrigação. Isso levaria por exemplo a não aceitação da sua crença, realidade vivida por muitos escravos tanto aqui na América do Sul como na América do Norte, sem esquecer o que aconteceu na colonização da África.

Por isso, segundo Roger Bastide, para subsistir, durante todo o período de escravidão, os deuses negros foram obrigados a se dissimular atrás da imagem de um santo ou de uma virgem católica. Assim, a formação do sincretismo católico-africano parte da imposição que o regime de escravidão coloca ao negro a fim de salvar seus próprios valores5 no país em construção. Isso foi o ponto de partida de um casamento entre o cristianismo e a religião africana no qual, como em todos os casamentos, os dois cônjuges devem igualmente mudar profundamente, mais ou menos, para poder se adaptar um ao outro. Este casamento é o que chamamos de sincretismo6. Esta opinião é de muitas pessoas, também as ialorixás baianas que irão assinar, séculos depois, o manifesto antissincretista. Mas se o sincretismo assim fosse, seria como se afirmassem que: “as crenças e práticas católicas impostas aos escravos teriam assim permanecido como um corpo estranho, como algo sobreposto às suas crenças e práticas de origem, cuja adoção era apenas de fachada, um artificio para enganar seus senhores ou a sociedade, de um modo geral. Assim superpostas, tais crenças e práticas católicas atravessaram os tempos, porque outra

4 Mateus 28, 19 in Bíblia Sagrada. Edição Pastoral de Paulus. 1990.

5 BASTIDE, Roger. Sociologie du folklor bresilien: Etudes afro-brésiliennes. Paris: L´harmattan, 2007, p. XIII.

(20)

coisa a condição escrava não permitiria em razão, sobretudo, da ausência da liberdade religiosa reinante7”.

O sincretismo compreendido desta maneira não vai ao encontro do que Josildeth entende. Segundo ela, “o catolicismo, longe de permanecer como exterior, epidérmico, foi sendo incorporado às suas existências, processo em que, ao contrario do que se supõe, assumiram o papel de sujeitos. O sincretismo tornou-se, então, fruto do modo como incorporaram o catolicismo que lhes foi sendo ensinado... O catolicismo foi imposto pela Igreja, mas o que dele fizeram foi obra sua8”. O negro escravizado encontrou no catolicismo aonde preservar a sua religião. Assim, o sincretismo não seria um disfarce. Mesmo assim o sincretismo não deixou de ser uma união de cretenses e por extensão significa “combinação pouco coerente (diferente de ecletismo), mistura de doutrinas e de sistemas” ou ainda a fusão de diferentes cultos ou doutrinas religiosas9.

Nina Rodrigues foi a primeira, antes de todos, a chamar a atenção sobre o sincretismo entre a cruz de Cristo e a pedra dos orixás. Ela considera o sincretismo um processo a acontecer e cujos graus devem ser distintos. Depois de ter feito a distinção entre os africanos, que ainda existiam na sua época, e os crioulos, que começaram a fundar os seus próprios candomblés, ele argumentou: “Os africanos se limitam a justapor os santos às suas próprias divindades considerando-os como categorias iguais, mas perfeitamente distintas. Só que para os crioulos o catolicismo começa a penetrar a fé africana para chegar à idolatria das estátuas como imagens dos orixás10”. Se o negro africano tinha e tem ainda justaposição das ideias religiosas mergulhadas no ensinamento católico e nas ideias e nas crenças fetichistas de origem africana, o crioulo e o mulato têm tendência que os leva ao esmagamento destas crenças e a identificar estes ensinamentos.

7 Idem, pag. 201. 8 Ibidem.

9 PEREIRA, José Carlos. Sincretismo religioso e rito sacrificais: Influências das religiões afro no catolicismo brasileiro. São Paulo: Zouk, 2004. p. 7.

(21)

O que impressionava Nina Rodrigues, como um observador, na cidade de Salvador, onde não tinha perseguição policial, era a preocupação dos padres de distinguir estas crenças ao mesmo tempo das crenças católicas e do espiritismo.

Segundo Edison Carneiro “o sincretismo religioso se desenvolveu na Bahia (ou no Brasil), ora entre as seitas africanas, ora entre estas e as religiões cristãs, de preferência a católica, que durante muito tempo foi a religião oficial do país, ...”. Fato verídico que mostra que o sincretismo não só aconteceu aqui e nem somente entre o catolicismo e as religiões de origens africanas. “A assimilação com o catolicismo continua a verificar-se hoje e até em maior escala: tendo começado como um subterfúgio para escapar da reação policial, ...” Neste sentido, muitos afirmam que o sincretismo é resultado da imposição da religião católica da sociedade branca dominante. Com a opressão existente, o escravizado precisava se submeter, fingir ser católico, embora não o fosse. Diante dessa pressão e para fugir da repressão policial, muitos negros afirmavam que nos batuques estariam louvando os santos católicos em seu próprio jeito. Com o tempo e com o desaparecimento da repressão, o sincretismo se fortaleceu através da propagação do catolicismo popular, praticado pelo povo, principalmente nas irmandades..., de acordo com José Jorge de Morais Zacharias, onde havia liberdade de práticas religiosas. Mas, isso não é a única verdade, pois, “sabe-se que a devoção à Nossa Senhora do Rosário já chegou com os escravos de língua banto porque já surgira em Angola, com a chegada dos portugueses àquelas paragens, em razão da conversão do rei do Congo11. Ou seja, alguns escravos bantos já chegaram católicos ao Brasil. Isso nos leva a afirmar que nem para todos os escravos o sincretismo teria seu início aqui no Brasil.

O sincretismo explica a presença de vários elementos do catolicismo nos candomblés, como por exemplo: altares, a cruz, correspondência entre os orixás e os santos da Igreja católica, no nosso caso Ibeji com os santos Cosme e Damião, etc.

(22)

O catolicismo oficial que apadrinhou a escravidão, não organizou ou protagonizou uma sólida catequese para os negros escravizados. Mas por outro lado,

A possibilidade aberta pela Igreja de que os africanos se organizassem em irmandade, no século XVIII, ensejou a construção de seus próprios templos. Foi assim, o primeiro espaço em que os africanos puderam livremente se organizar para a prática religiosa.12

Não tendo acontecida a conversão dos negros de um lado, do outro surgiu uma adaptação com base na identificação tribal. Daí a combinação pouco coerente e a mistura de doutrinas. Assim surgiu, no catolicismo popular brasileiro, a acomodação das devoções aos santos e orixás das religiões de origem africana, ou seja, o paralelismo sincrético que mostra que para cada santo da devoção católica há um correspondente nos orixás.

Como o sincretismo acontece? Por que acontece o sincretismo? O sincretismo não é uma confusão mental?

Roger Bastide também se questionava pois queria entender o sincretismo por dentro, saber que atitudes afetivas ou mentais caracterizam a psique do negro quando identifica o seu orixá com um santo católico e queria saber que sentimentos interiores ou que imagens este sincretismo carrega. Em suas pesquisas, percebeu que o problema posto por ele, não existia em relação aos negros, que isso era um falso problema. Ele pensava que a cada sincretismo externo deveria corresponder um sincretismo psíquico; todavia o negro não percebia as contradições e para ele o sincretismo psíquico tem formas muito diferentes do sincretismo externo. Por isso, alguns representantes do povo de santo afirmam até não ter diferença entre santos e orixás e que são os mesmos espíritos com nomes diferentes, ou seja, o santo é o nome português do orixá, concluiu Roger Bastide. Além disso, uma das grandes contribuições de Roger Bastide que responde a este questionamento é o princípio de corte.

(23)

1.2 Sincretismo a partir do princípio de corte

Quando um membro do candomblé afirma o seu catolicismo, ele não mente, ele é ao mesmo tempo católico e feiticista. Não são situações opostas, mas distintas13. De modo que encontramos agindo a lei da analogia entre os compartimentos do real, que facilita esta dualidade sem marginalidade. Da mesma maneira que os católicos podem alcançar Deus através de uma série de intermediários: da Virgem e dos santos, a religião africana atinge Olorum através do intermédio dos orixás, Exu (Edschou) e os tambores. Da mesma maneira que há várias virgens (a da Piedade, a da Conceição, a das Dores, etc.) há vários orixás femininos14. A lavagem da Igreja do Bonfim é de origem portuguesa, mas logo, os Negros notaram a analogia desta lavagem com aquela das pedras do “pegi”, a festa de Oxalá. Enfim, para não abusar dos exemplos, cada família tem o seu santo de predileção com sua capela votiva num canto da sala; assim cada indivíduo negro tem o seu orixá para protegê-lo. Mas as analogias não funcionam sempre. O catolicismo estabelece uma hierarquia dos intermediários. No mais alto nível é o Cristo, a Virgem Maria vem depois, para no final encontrarem os santos. Seus correspondentes africanos Oxalá (o Cristo), as divindades femininas (para a Virgem Maria) e os outros orixás (para os santos). Os santos e os orixás são colocados sobre a mesma linha. Oxalá é somente o primeiro entre eles. Exu (Edschou) é o mercúrio afro-brasileiro, o mensageiro dos homens junto aos deuses e reciprocamente. Ele é às vezes identificado com o diabo, sobretudo entre os bantos; contudo, o diabo não é um intermediário, mas um “refratário”. O que é chamado de “sincretismo católico-africano” não é, portanto, uma identificação pura e simples, mas o catolicismo é aceito como fazendo parte da realidade brasileira, ele não é julgado como contrário à religião africana, porque há corte entre dois domínios; um e outro são verdadeiros nos seus mundos respectivos e há entre eles as correspondências. Este corte é fácil de revelar: no templo, há um altar católico e um “pegi” africano, eles podem se corresponder, mas não se identificam e nem têm o mesmo papel. O ritual católico e o ritual africano podem ter um lugar na vida do terreiro. Por exemplo: celebra-se o mês de maio recitando as litanias diante do altar

(24)

católico, sem a mistura com o culto do mundo africano. E em outros momentos, no mesmo terreiro, vão ser celebradas as grandes festas africanas, sem colocar algo de católico. Nas cerimônias de iniciação, há etapas africanas e etapas católicas, como a missa terminal; mas estes momentos não se interferem. Eles se seguem. Por isso o termo “sincretismo” é justo, mas sem explicações, corre-se o risco de levar à confusão. Não se trata de mistura, o sincretismo é como no “role playing” de substituição de papéis, de acordo com a sua participação de um compartimento do real ou do outro, afirma Roger Bastide.

1.3 Os pontos onde coincidem o catolicismo e a religião africana

Citando Roger Bastide, o catolicismo e a religião africana coincidem ou são parecidos, mas com algumas diferenças. Um membro da religião africana afirma que todos nós, africanos ou católicos, temos um anjo da guarda para cada um. Isso é de conhecimento de ambos. Mas o africano além de ter conhecimento do seu anjo da guarda sabe o seu nome - seu orixá, protetor da sua cabeça-, só que o católico não sabe15. Por outro lado, para o católico e para o africano, os orixás e os santos viveram no passado, isto é, o ponto de partida neste tipo de culto: o culto aos antepassados ou o culto aos egouns ou ainda ao evemerismo. Mas há diferença: o católico canoniza os santos e o africano ignora a canonização, os orixás se manifestam, quer dizer, descem nos corpos de seus fiéis, causando o transe extático, contrariamente aos católicos cujos párocos interdizem as manifestações dos santos16.

O espiritismo, por sua vez, é um culto dos mortos. Os médiuns recebem os espíritos dos mortos para falar aos fiéis por seus intermediários. Entretanto, para a religião africana, os egouns - almas dos mortos – não se manifestam com transe, não descem nos adeptos, mas aparecem sob a forma de personagens mascaradas, para assim fazer ouvir a voz dos mortos, como presenciamos nos culto dos egouns

15 BASTIDE, Roger. Les religions africaines au Brésil. Paris: Presses Universitaires de France, 1960, p. 363.

(25)

na periferia de Salvador. Desta maneira, a manifestação dos orixás é interna, diferentemente daquela dos egouns que é externa17.

A religião espírita é triste, até pelo ambiente do local, mas a religião africana é alegre, ela celebra no clima de músicas, cantos, danças, no clima de festa onde todos os rostos são de alegria18.

1.4 Sincretismo: fenômeno de aproximação

De acordo com Roger Bastide, o sincretismo não tem nada de particularmente brasileiro, visto que ele é anterior ao tráfico negreiro. Ele argumenta que isso se dá pelo fato dos africanos terem tido contato com o catolicismo, já um século ou dois, antes do tráfico dos negros para o Brasil19.

O sincretismo como fenômeno, em geral, pode ser explicado pelas aproximações estruturais, culturais e sociológicas que facilitaram a introdução do catolicismo nas seitas africanas. Estas aproximações podem ser expressas nestes termos:

9 A aproximação estrutural: observando a teologia católica de intercessão dos santos à virgem, da virgem a Jesus e de Jesus ao seu Pai (embora a teologia católica sobre a intercessão não seja assim), a cosmologia africana dos orixás assimilou o fato e associou os orixás como intercessores do homem a Oloroun.

9 A aproximação cultural (que se coincidiu à concepção funcional) diz que cada santo preside uma atividade humana ou é encarregado de curar uma ou outra doença. Essa mesma concepção confirma que os vodouns ou os orixás também presidem, cada um, setor da natureza ou que são como santos

(26)

protetores das profissões ou dos caçadores, dos ferreiros, dos curandeiros, etc.

9 A aproximação sociológica se faz entre as nações brasileiras ou as de Cuba de um lado e as confrarias católicas de outro.

Algumas justaposições dos santos com os deuses africanos e as suas justificativas:

A estas aproximações que facilitaram a associação dos santos aos deuses africanos foram juntadas outras particularidades que levaram à justaposição entre os santos e os deuses africanos:

¾ Omoulou, Deus da varíola, só pode ser identificado com São Lázaro, cujo corpo é coberto de feridas e cura as doenças de pele ou com São Roque, cujo cachorro lambe as feridas ou, ainda, com São Sebastião que é representado sobre as litografias populares amarrado a uma árvore e sangrando da flecha que lhe foi atirada.

¾ Da mesma maneira Oxossi, o deus da caça, só poderia se unir aos santos guerreiros como São Jorge ou São Miguel, cujas estatuetas os mostram com a lança matando o dragão ou pisoteando um ser monstruoso.

¾ Nesta mesma concepção, Iansã, que come a magia do seu marido Xangô e consequentemente cospe relâmpago, é edificada a Santa Bárbara, a patroa dos artilheiros e a protetora contra raios e incêndio.

¾ São Francisco, o santo da natureza que muitas vezes é representado sob uma árvore frondosa conversando com passarinhos se une a Iroco.

¾ Os Ibeji, gêmeos sagrados, vão naturalmente procurar na hagiografia católica outros gêmeos como São Cosme e Damião.

(27)

¾ O fato de que Nanã Borocô seja identificada a Sant´Ana, mãe da virgem Maria, portanto avó de Jesus, passa a ser para os afrodescendentes a divindade mais velha e o antepassado de todos os orixás.

Assim, o parentesco mitológico entre diversas divindades do panteão africano, como, por exemplo, a posição hierárquica que elas ocupam, deve ser considerado quando se analisa as identificações entre as divindades africanas e os santos católicos equivalentes, ao lado das suas funções específicas e ao lado das suas representações de arte.

De forma que, um mesmo orixá, dependendo do lugar ou da época ou ainda da situação, pode ser identificado a este santo ou a outro. Como por exemplo, Eshou pode ser o diabo quando ele é considerado como um dos mestres da magia negra ou pode ser Santo Antônio quando ele induz à tentação, sopra os maus pensamentos e perturba as cerimônias porque Santo Antônio foi perturbado pelos demônios. Ele é sincretizado também a São Pedro, o porteiro do Paraíso, quando ele abre e fecha os caminhos e por ser o porteiro dos candomblés. Por fim, ele também é sincretizado com São Bartolomeu que, no seu dia devocional, popularmente, o povo costuma dizer que todos os diabos estão soltos.

Reciprocamente, um santo também pode ser identificado com vários orixás. Por exemplo, Nossa Senhora dos Prazeres é identificada com Obá, que na África, é a protetora das prostitutas ou com Oshoun que é a deusa de amor sensual. Ampliando os exemplos, podemos falar de São Jorge, com toda a sua armadura, pode ser considerado Ogoun, o deus da guerra ou Oxossi o deus da caça.

(28)

Estas justaposições ou correspondências dos santos com os orixás nascem e morrem de acordo com as épocas. Mas, não é a época ou o tempo que nos mostra sua grande variedade, mas é o espaço. Cada região brasileira descobriu por sua própria conta a sua lista de correspondências. Por isso, na Bahia, Iemanjá é Nossa Senhora da Conceição da Praia. Em Porto Alegre, Iemanjá é Nossa Senhora dos Navegantes. Na Bahia, Ogoun é Santo Antônio da Barra e no Rio de Janeiro Ogoun é São Jorge.

Esta variabilidade de correspondências depende, também, dos pais de santo ou dos terreiros. Por isso, Bastide conta que na sua passagem por Recife, na época de Gonçalves Fernandes, Oshoun era Nossa Senhora dos Prazeres (para Pai João Batista) e Nossa Senhora do Carmo (para Mestre Apolinário).

A diferença na lista das correspondências vem também das diferenças das nações de origem do Candomblé. Sem deixar de lado também as formas dos orixás, por exemplo, só Eshou tem 21 formas, Xangô 12, Oshoun 16. Por isso, um orixá pode ser identificado por vários santos dependendo da forma do orixá20. É Por isso que, o paralelismo sincrético é uma das caraterísticas fundamentais da religiosidade popular brasileira21.

Além da complexidade na associação dos santos com os orixás, Bastide percebeu que o sincretismo também afetava o calendário das festas dos Santos com os orixás. A passagem de cerimônias africanas trazidas por negros de um hemisfério a outro encontrava dificuldade quanto a sua realização de acordo com o ritmo da natureza. Por isso, em muitos lugares, a solução foi de aproximar o calendário cristão do iorubano e celebrar os orixás nos mesmos dias dos santos correspondentes.

Os negros tinham que, muitas vezes, se mostrar como bons católicos, por isso, em alguns terreiros, em particular os bantos, ornavam ambiente de acordo com o que eles encontravam de bonito no catolicismo. Nisso, mesmo um altar com as imagens dos santos ocupava um lugar de destaque no terreiro simplesmente para

(29)

aparentar se. Por isso, Bastide afirma que os graus do sincretismo psíquico vão junto com os graus de sincretismo ecológico e a distância espacial é acabada muito mais que a distância social, quer dizer que o sincretismo morfológico não se traduz por uma identificação de divindades e dos santos.

1.5 Sincretismo religioso no caso dos gêmeos: Ibeji e São Cosme e Damião.

Para descrevermos o sincretismo entre Ibeji e santos gêmeos, nós iremos antes de tudo conhecer Ibeji e os santos Cosme e Damião.

1.5.1 Quem são os Ibeji? Como veio esse culto aos Ibeji e como sobreviveu ao longo do tempo?

Os negros escravizados, vieram para o Brasil com as suas crenças e práticas religiosas. Estas “ao travessarem o oceano, sofreram as consequências inevitáveis das perdas de toda a ordem que os africanos viveram no processo de escravidão e foram reorganizadas como as contingências que o momento permitiu22”. Com perda e ganho, uma nova realidade religiosa foi surgindo na nova terra. Por isso, “o Candomblé tal qual existe entre nós é coisa nossa, obra da diáspora23”. “em todos esses quatrocentos anos de convivência forçada, os inúmeros deuses africanos fundiram-se em uma grande religião, chamada candomblé24”.

Com este procedimento, não conseguimos dados exatos sobre a vinda do culto aos Ibeji ou gêmeos. Portanto, afirmamos que o que veio para o Brasil é a tradição do culto ao gêmeos, mas não exatamente como era e é vivido na África. Isso se comprova quando comparamos, por exemplo, alguns fatos religiosos e

22 CONSORTE, Josildeth Gomes. Sincretismo ou Antissincretismo? Aspectos Politicos e Religiosos da Construção de uma identidade Negra na Diáspora in Dos yorùbá ao camdomblé Ketu. p. 204.

23 Idem.

(30)

culturais. Na República Democrática do Congo, por exemplo, não existe o caruru como oferta. Mas aos gêmeos é oferecido alimento. O caruru oferecido no Brasil é algo bem brasileiro baseado na tradição iorubana dos Ibeji.

Ibeji é o menor dos orixás segundo Ladislas Segy. Este orixá é tutor, guardião e bom protetor dos gêmeos. Não há um consenso sobre a sua natureza. Ibeji aparece ora ligado a Iansã e Oxossi, ora ligado a Xangô e a Oxun. Os Ibeji são gulosos e travessos e recebem o carinho de todos os orixás25. Por outro lado, Oxun, por ser encarregada do útero, é considerada a mãe de Ibeji, como é a mãe adotiva de todas as crianças até certa idade26.

Na língua iorubá Ibeji significa gêmeos: IBI = Nascido e EJI = dois (cfr. Fausto Polo Jean David: Catalogue des Ibeji). Ibeji ou “dois” e Dona Ceci sublinhava o aspecto de nascido em dois. Por isso, a tradição religiosa iorubá considera os gêmeos como seres que têm uma única alma, unida e inseparável (aqui, diga-se de passagem, Monique Augras nos traz um aspecto muito importante sobre a alteridade: o outro que é intimamente ligado com a questão da dualidade). Por esse motivo, quando um gêmeo morre, a vida do outro está em perigo visto que a sua alma não tem mais equilíbrio (cfr. Fausto Polo Jean David: Catalogue des Ibeji).

Deste modo, a raiva do gêmeo morto pode fazer acontecer graves riscos a toda a família, visto que esta raiva pode trazer doença e falta de sorte ou até mesmo provocar a esterilidade da mãe.

Para evitar estas consequências nefastas na família, deve se achar o meio de reunir de novo as almas dos gêmeos. Para isso, é necessário consultar o Babalaô para que depois possa encomendar uma pequena figura de madeira a um escultor. Essa figurinha será a morada da alma do gêmeo morto.

Para isso, o Babalaô deve presidir uma cerimônia pública que tem como objetivo transferir a alma do gêmeo para a escultura de madeira. Assim, o Ibeji é o

25 SOUZA JUNIOR, Vilson Caetano de. O banquete Sagrado. Notas sobre os “de Comer” em terreiro de Candomblé. p. 171.

(31)

guardião da alma do gêmeo morto. Por esta razão, o Ibeji é tratado com as mesmas atenções que o gêmeo vivo. Exemplificando, quando a mãe amamenta o gêmeo vivo, o Ibeji é posicionado no outro seio. Quando o gêmeo vivo toma banho, o Ibeji também é lavado e depois passa por cima dele uma massa vermelha chamada Camwood que é uma mistura de madeira vermelha com o azeite de dendê.

Na teoria, não é necessário esculpir as estátuas de madeira quando os dois gêmeos morrem, visto que a união das suas almas não é compromissada. Mas no caso iorubano, os gêmeos mortos são dotados de poderes sobrenaturais mais fortes do que os dos ancestrais. Por isso é esculpida uma imagem de um casal de Ibeji para levar aos gêmeos as oferendas ou os sacrifícios. Esta atitude é para que a mãe e toda a família tenham a proteção dos Ibeji. As estátuas não são feitas somente quando um ou dois gêmeos morrem cedo (como por exemplo no nascimento), mas também quando morrem mais tarde (Cfr. Fausto Polo Jean David: Catalogue des Ibeji).

A morte de um ou dos dois gêmeos, quando criança, é ligada a um tema muito interessante que trataremos mais tarde, com a ajuda de Monique Augras: Os Abiku.

Os cuidados dos Ibeji esculpidos (como a limpeza, alimentação, etc.), são confiados à mãe. É ela quem no dia das festas ou de cerimônias importantes os colocam nas costas embalados na sua túnica como se fossem crianças vivas. As estátuas são colocadas perto da sua cama. E quando a mãe morre, os Ibeji são levados ao santuário. E no caso da morte da mãe e de um dos gêmeos é ao gêmeo vivo que cabe os cuidado da imagem do irmão falecido.

Diante de algumas situações como doenças na família, implora-se a intercessão e a ajuda dos Ibeji seguindo as prescrições do Babalaô (cfr. Fausto Polo Jean David: Catalogue des Ibeji).

(32)

mãe que pode implorar a intercessão e a ajuda dos Ibeji, contrariamente, nas culturas Luba e Kongo, qualquer pessoa da família pode fazer isso.

Para Edison Carneiro, no Brasil, os Ibeji, os gêmeos, são espíritos inferiores, orixás-meninos, coletivamente chamados êrês ou meninos. Possuída pelo êrê, a pessoa fala e se comporta como criança, para divertimento geral. Aos meninos é oferecido um culto que é um costume tradicional mais frequente entre a população pobre.

A Ibeji são confiadas todas as crianças de modo geral, mas em particular os gêmeos ou meninos mabaços que gozam da sua proteção especial. Diz-se dos gêmeos que “com eles ninguém pode”. São danados, teimosos, travessos, estão sempre aprontando, fazendo coisas, como se diz: “coisas do outro mundo”, “eles não são gente”. O Ibeji, na explicação do povo de santo, tudo resolve, para eles nada é impossível, pois não têm intermediários, assim como Exu. Eles tudo descobrem e revelam. Daí o dizer corrente que “menino descobriu o pé do cão”. Ibeji, todavia, é implacável com qualquer quebra de promessa, aliança. Por isso é melhor nada lhe prometer27.

1.5.2 Quem são os Santos Cosme e Damião?

Segundo o missal romano do Paulo VI, os dois são santos e mártires. Cosme e Damião eram médicos que exerciam gratuitamente a profissão. Segundo a antiga tradição da Igreja, padeceram o martírio em Ciro (Síria) e seu culto difundiu-se muito em toda a Igreja desde o século IV. Deles se faz memória no Cânon Romano (Missal Romano de Paulo VI).

Mario Sgorbossa nos dá mais informações sobre os dois santos médicos. Eles eram gêmeos e nasceram na Arábia. A tradição da Igreja acrescenta que eles foram à Síria para completar seus estudos medicinais e se estabeleceram em Egera,

(33)

na Cilicia, para exercer a profissão. Eles curavam mais por meio dos dons sobrenaturais, como autênticos taumaturgos, do que com a arte médica. Eles curavam mesmo quando o paciente não tinha dinheiro. Apesar de toda a sua dedicação, com a perseguição de Diocleciano, eles foram presos, induzidos a negar a fé, depois submetidos à tortura e por fim decapitados. Os seus corpos foram trasladados à Síria e sepultados em Ciro. Mais tarde, o imperador Justiniano construiu a Igreja em sua honra por ser curado pela intercessão dos santos gêmeos. No culto dado a eles, são considerados padroeiros dos médicos (Mario Sgarbossa). Para o catolicismo popular, são Cosme e Damião são protetores das crianças, dos gêmeos e dos partos de gêmeos. Neste sentido, Edison Carneiro nos oferece mais informações. Cosme e Damião - os Ibeji nagôs - são objeto de grande culto essencialmente doméstico, familiar na Bahia. Muitas famílias têm sempre duas velas diante da imagem dos meninos: os gêmeos são casamenteiros, ajudam a encontrar objetos perdidos, protegem contra doenças, abrem os caminhos, - mudam para melhor a sorte dos devotos. Diante desta imagem, nos dias de quarta-feira e de sábado, põem-se pequeninos pratos de barros com caruru e quartinhas de água nova da torneira. Esta água não deveria ser desperdiçada e nem desrespeitada.

1.5.3 O sincretismo entre são Cosme e Damião com os orixás Ibeji

Os santos médicos são associados com o Ibeji. O sincretismo que ocorre aqui é de oferecer culto a são Cosme e Damião que deveria ser oferecido aos Ibeji: culto aos deuses de alegria, das brincadeiras e protetores da infância e dos pequenos. Os Ibeji são considerados protetores dos gêmeos, dos partos múltiplos e da fecundidade e também são invocados nas festas de aniversário de crianças.

Segundo o calendário oficial da Igreja Católica, a festa dos santos médicos acontece no dia 26 de setembro, adiantado de um dia devido à festa de são Vicente de Paula. No catolicismo popular, a festa acontece no dia 27 de setembro.

(34)

obrigações estabelecidas (fato sincrético, visto que para o catolicismo oficial não existem obrigações). Três vezes, em dias diversos, antes do sábado ou do domingo geralmente escolhidos para festa, saem os santos dentro de uma caixa de papelão cheia de pétalas de rosa, a pedir esmolas publicamente, conduzidos por algumas crianças. O dinheiro recebido deve ser gasto com as crianças. Existem obrigações de ir à missa e de oferecer comida para a criançada.

1.6 Conclusão

Escrevendo este primeiro capítulo, optamos por conhecer um pouco da história do sincretismo antes de mostrarmos o que leva uma pessoa a acreditar em duas religiões, sem confusão, que poderia ser óbvia numa mistura. É isso que foi chamado por nós como princípio de corte seguindo Roger Bastide.

(35)

2 OS GÊMEOS NA ÁFRICA

Para este capítulo, falaremos dos gêmeos na África, primeiro dos gêmeos Iorubas, em particular, para depois falar dos gêmeos africanos em geral. Este capítulo é resultado de pesquisa de campo com muitas pessoas conhecedoras da cultura e das religiões tradicionais africanas e também resultado de pesquisa bibliográfica.

2.1 Os gêmeos iorubanos

2.1.1 Yoruba, povo gemelário

A cada oitenta nascimentos de crianças no mundo, um é gemelário. No território iorubano, a cada vinte nascimentos há um gemelário. (Cfr. Fausto Polo Jean David: Catalogue des Ibeji). Monique Augras confirma esse alto índice de nascimentos de gêmeos no território ioruba. Ela afirma que o Yoruba é o povo mais fértil em gêmeos. De acordo com um censo de 1969, a proporção dos gêmeos iorubanos era de 45,1 para mil nascimentos (Monique Augras citando Pemberton – 1982 -). Este fato justifica a escolha que fazemos dos ioruba como povo mais gemelário que existe, embora a cidade de Cândido Godói, no Rio Grande do Sul tenha um índice bem maior que este como mostraremos quando falaremos dos gêmeos brasileiros.

2.1.2 Nascimento gemelário, antigamente e hoje

(36)

causava medo, como nos fala Ladislas Segy. A este respeito, Monique Augras argumenta que este nascimento era considerado monstruoso no passado.

Para explicar esta realidade, os ioruba, como os seus povos vizinhos, evocavam duas razões:

9 A infidelidade da mãe ao seu marido. Ela dormiu com ele e logo depois dormiu com outro, por isso ela teve dois filhos ao mesmo tempo. Assim, segundo eles, os gêmeos tinham cada um o seu pai. Isso implicava muitas vezes a morte da mãe e dos gêmeos.

9 Gêmeos nascem por causa de um espírito maléfico e por isso, representam um perigo para a família e a sociedade.

A partir desta segunda razão, o nascimento gemelário era atribuído, no caso dos ioruba, aos orixás Ibeji, visto que, para os Yoruba, o ser humano não poderia gerar dois seres ao mesmo tempo (cfr. Fausto Polo Jean David: Catalogue des Ibeji). Assim, uma imagem era esculpida para localizar a causa do evento a fim de se poder lidar com ele ou, ainda, como pode nos dizer Ladislas Segy, diante deste nascimento, algumas tribos africanas matavam os gêmeos (de vez em quando também a mãe era morta). A maioria das tribos, porém, os acolhia para superar o medo do nascimento misterioso e assim poder trocar um evento medroso por um alegre e assim, aliviar a situação. Em algumas outras aldeias, a mãe tinha um dos seios cortado e era mandada embora da aldeia.

(37)

Alguns fiéis do Candomblé no Brasil dizem que é santa Bárbara, Iansã, a mãe mística dos Ibeji - algo de misterioso. Eles marcam o dia de nascer e o dia de morrer (alusão aos abiku).

Alguns mitos iorubanos explicam como se chegou, hoje, a esta representação dos gêmeos, como conta um mito iorubano: “um dia a tristeza tomou conta das suas aldeias e das almas dos seus habitantes. Consultado, o oráculo de Ifa, este ordenou que parassem com os assassinatos dos gêmeos e que passassem a honrá-los daí em diante”.

Outra história fala que o legendário rei ioruba AJAKA, irmão do deus Shango parou o assassinato dos gêmeos, depois que a sua mulher teve dois gêmeos (cfr. Fausto Polo Jean David: Catalogue des Ibeji).

2.1.3 Nascimento gemelário, uma bênção!

A situação e as atitudes diante do nascimento gemelário mudaram radicalmente no território ioruba. Pouco a pouco, eles começaram a acreditar que os gêmeos possuem poderes sobrenaturais. Eles são capazes de trazer bênção ou ventura, saúde e prosperidade para as famílias. Por isso, os gêmeos deviam ser tratados com respeito e consideração. Eles deviam receber os melhores alimentos, roupas e as joias mais bonitas. Eles deviam estar no centro das atenções (cfr. Fausto Polo Jean David: Catalogue des Ibeji).

2.1.4 Nascimento gemelário, uma festa!

(38)

alegria para toda a sociedade, imagine o nascimento de dois ou três ao mesmo tempo, por isso deve festejar-se. Para os ioruba esta festa é em honra da mãe que deu à luz aos gêmeos e também a todas as mães que têm gêmeos. Uma dança específica é reservada para elas no centro das festividades. Aqui pode ser associada a importância dada as mulheres que tiveram “barriga de dois”28.

Certos movimentos desta dança ilustram os pedidos específicos de prosperidade, de ventura, de saúde para os gêmeos e também os pedidos de proteção contra os poderes maléficos dos bruxos (cfr. Fausto Polo Jean David: Catalogue des Ibeji). É neste último pedido que vemos, em muitos casos, quando é preciso fazer sacrifícios e inúmeras cerimônias (Tutu Benjamin).

Também o povo Kongo (do antigo reinado Kongo) como o povo Luba celebra a vida dos gêmeos e da mãe também que venceu a morte com o nascimento dos seus filhos. Esta celebração da vida é caracterizada pelos gestos e movimentos das danças nesta ocasião. Os que vão dançar refazem o gesto do ato sexual, o gesto do nascimento etc.

Para os ioruba, alguns dias depois do nascimento dos gêmeos, o Babalawo (o sacerdote da aldeia) faz uma visita aos novos nascidos para consagrá-los ao Orixá Ibeji e dar conselhos à mãe sobre os alimentos indicados, sobre os dias do augúrio negativo na semana, sobre os animais perigosos e as cores a evitar.

2.1.5 Nascimento gemelário, uma nova ordem

Monique Augras traz para nós um elemento muito importante que acontece com o nascimento de todos os gêmeos africanos: a nomeação. Quando nascem crianças gêmeas, elas não recebem quaisquer nomes, nem as crianças que vêm depois delas e até aquela que nasceu antes delas tem troca de nome. Isso

(39)

especifica a nova ordem colocada pelo nascimento gemelário. Os pais dos gêmeos Luba recebem os nomes de Sha Mbuyi e Ma Mbuyi. Mudando portanto a identidade a partir dos filhos gêmeos.

2.1.6 Os gêmeos e a morte

A morte de um ou dos dois gêmeos, enquanto crianças, leva-nos a pensar no caso das crianças que nascem para morrer: Abiku. Assim, os gêmeos são chamados de Abiku, somente quando elas morrem enquanto crianças como Segy nos significa.

Em geral, a morte de um ou dos dois gêmeos é considerada uma grande desgraça. Assim, no enterro, muitas cerimônias são exigidas a fim de evitar que a alma dos mortos se apegue com os viventes. Os gêmeos são enterrados em lugar especial, não junto às outras pessoas no cemitério, no caso de grandes cidades ioruba. Nas cidades pequenas, os gêmeos mortos são enterrados perto da casa onde eles moravam. Nesse mesmo sentido, Segy foi informado que no nascimento dos gêmeos, se fazem logo duas estátuas Ibeji. Quando um gêmeo morre, ele é enterrado juntamente com uma estatua e quando o segundo gêmeo vier a morrer, ele vai ser enterrado junto ao seu irmão morto antes, mas a outra imagem fica com a mãe. Esta carrega a imagem, antes da morte do segundo, para lembrar-se do primeiro gêmeo morto, (cfr. Ladislas Segy, The Yoruba Ibeji Statue).

(40)

torná-los benevolentes. Dá se o nome que lhe relembra a sua permanência aqui na terra como, por exemplo: “A vida é doce”, “não morre não”, etc., (cfr. Monique Augras: Les jumeaux et la mort).

Para identificar os Abiku, não é preciso esperar os nascimentos seguidos das mortes, mas pode-se consultar o oráculo de moluscos ou outros eventos que mostram que se trata de Abiku, como por exemplo, um parto difícil ou criança que nasce depois de muitos abortos sucessivos, etc., (Cfr. Monique Augras: Idem).

No candomblé, os Abiku não podem ser preparados para os santos, uma vez que a sua cabeça não pode ser raspada.

2.2 Os gêmeos na África em geral.

Para os Minas do Togo, a gemelaridade não é somente um fenômeno biológico, resultado da fecundidade de dois ovos. Para eles, os gêmeos são seres acima do comum. São vistos com certo respeito e temor, não medo.

Temor e não medo, porque os gêmeos são seres que podem ser benéficos ou maléficos, dependendo do que a família ou a sociedade fazem ou deixam de fazer para eles. Isso é porque a sociedade tem deveres a serem cumpridos a favor deles pelo fato de serem extraordinários. Fato que dá a eles o direito de ter nomes diferentes.

2.2.1 Os nomes dos gêmeos em algumas etnias africanas

• Para os mina:

Akouété e Akouètè: para dois meninos. Akoko e Akouélé: para duas meninas.

(41)

Akoko, Akouélé e Akouété: para duas meninas e um menino. Akouété, Dométo e Akouètè: para três meninos.

Akouélé, Dométo e Akoko: para três meninas.

• Para os mongo:

Os mongo, da República Democrática do Congo, chamam os gêmeos de Mboyo e Boketshu. A criança que vem depois dos gêmeos chama-se Lutendji e se depois dele vem outra criança, ela vai se chamar Mbela.

• Para os luba: - Mbuyi é o primeiro. - Kabanga ou Nkanku.

Esses nomes são títulos que afirmam que são crianças especiais, não são como os outros. Lembrando que os nomes, para luba, costuram os laços familiares. A criança que vem antes dos gêmeos troca o seu nome pelo nome de Tshituala; quer dizer: aquele que chamou os gêmeos.

• Para os kongo.

Os kongo chamam os gêmeos de Nsimba (o primeiro) e Nzuzi (o segundo).

Os luba e os ioruba, como muitos povos africanos, trocam o nome da criança que vem antes dos gêmeos: Tshitshuala (luba) e Tagun (ioruba). É quase lei para muitos povos africanos, a criança que nasce depois dos gêmeos receber nome específico: Os Luba a chamam de Musuamba e os ioruba a chamam de Doú ou Idowu (masculino) ou Alabá (feminino).

Para os Ioruba, até a criança que nasce depois de Alabá tem nome específico: Idobé.

(42)

Essa ordem nova tem influência até na vida da mãe. Se ela não tiver mais filho depois dos gêmeos, ela corre o risco de morrer. De fato, o nascimento dos gêmeos é sentido como o aparecimento de uma desordem que deve ser resolvida com a chegada de outra criança. Quando ela nasce, a ordem natural das coisas é retomada. Por isso a nomeação determinada da criança que vem depois dos gêmeos tem como função a delimitação, no tempo, da extensão dessa desordem. Assim também podemos ver como a criança que vem depois dos gêmeos tem uma grande importância, para os ioruba. Nos momentos dos aniversários, é a ela que deve se oferecer primeiro o presente (Monique Augras).

2.2.2 Dos gêmeos, quem é o mais velho?

O mais velho, cronologicamente falando, é aquele que nasce depois. O primogênito se deixa preceder pela preocupação de proteger o mais novo. Quando há um perigo que ameaça o mais novo, é de dever do mais velho proteger e defender o seu irmão. Por isso, ele o deixa ir antes para vigiá-lo como deve ser. Por isso, para os Mbala do Kwilu da Rep. Dem. do Congo o gêmeo nascido primeiro é chamado de Mbângu o que significa "pique está à frente" ou "aquele que mostra o caminho". O mais velho é chamado Gilúndu: "o que é aumentado". É ele que envia o seu irmão mais novo para se informar das condições da vida aqui sobre a terra (Afrique Espoir).

(43)

2.2.3 Proibições e cerimônias

Para os venavi, os gêmeos são considerados como macacos. Isso é simplesmente a relação do simbolizado ao símbolo. Eles acreditam que é mais do que isso. A relação entre gêmeos e macacos parece ser mais profunda e não de imitação. De modo geral, se ouve falar que um venavi tem um olhar de macaco, porque se acredita que ele o seja mesmo. A explicação de uma crença desta pode ser encontrada em lendas, como esta:

Um dia, um caçador vai à roça. A sua mulher tinha acabado de ter gêmeos. Na roça, ele assiste a um espetáculo que lhe permite assegurar uma vida tranquila aos seus filhos. De fato, ele tinha visto os macacos procederem às cerimônias para gêmeos. Assim, ele entendeu que seus filhos eram da raça dos macacos. De volta para casa, ele cumpriu as mesmas cerimônias para os "venavi". Desde aquele tempo, de uma maneira geral, sempre se cumpre essas cerimônias para os gêmeos a fim de lhes preservar a vida e de assegurar para os "venavi" e para os seus pais uma paz durante a sua existência.

Muitos outros povos da África consideram os gêmeos como macacos, por exemplo, os "fons" da África Oeste. Aqui cabe muito bem lembrar um dos contos de Reginaldo Prandi sobre os orixás -Ibeji- que nascem como abikus mandados pelos macacos29.

A partir daí, vêm algumas restrições a serem cumpridas pelos gêmeos e seus pais. Um gêmeo não pode nem matar e nem comer um macaco. Caso ele desrespeite isso, ele estará comendo ou matando seu próprio irmão. Estas restrições são válidas e devem ser respeitadas, caso contrário acontecem coisas piores como nos mostra esta história:

Um pai de família foi para a roça com o seu fuzil nos ombros. Ao chegar à sua roça, encontrou um bando de macacos saqueando a sua roça de milhos. Pegando a

(44)

sua arma, saiu atirando e matou um. Alguns momentos depois, chegou um mensageiro lhe informando da morte de um de seus filhos gêmeos que acabara de acontecer subitamente e aparentemente sem razão. Mas como as pessoas, na África em geral, não morrem de morte natural, eles foram consultar as nozes sagradas. O Ifá responde, depois de ser interrogado, que a morte tem como autor o pai. Como isso? Agora é preciso perguntar a Ifá como o pai é o responsável por esta morte. O Ifá percebe que ele tinha atirado no seu filho, sem saber, quando matou um macaco.

Assim, o pai dos gêmeos nunca mais matou macacos, mesmo quando estes estão saqueando a sua roça. Ele só pode expulsá-los tranquilamente.

Quanto às cerimônias a cumprir, é preciso erguer um altar para os gêmeos. Dar lhes um lugar onde eles irão beber. Para isso, é preciso comprar algumas coisas, como por exemplo: dois potes (dois, visto que todos os objetos têm que ser um par porque são dois, são gêmeos), feijão, azeite de dendê e algumas ervas, geralmente eles compram uma erva chamada "ama fata". Os minas do Togo distinguem dois tipos de ervas deste tipo: "ama fata" e "ama zozo". São ervas frias, calmas, não bravas e nem quentes. Umas provocam uma ação doce e outras, efeito violento. As "ama fafa", em geral, não têm espinhos ao contrário das "ama zozo" que têm. Precisa acrescentar, a tudo isso, um pedaço de pele de macaco. As cerimônias são realizadas, habitualmente, por um pai de outros gêmeos, quando tudo estiver pronto.

As cerimônias têm, como papel, assegurar a paz em todos os aspectos -materiais como espirituais - para os venavi ou gêmeos, em primeiro lugar, e aos pais em segundo. Quando estes não respeitam estas restrições, geralmente os seus negócios não vão para frente, a carreira no serviço é dificultosa entre outros problemas.

(45)

2.2.4 Gêmeos, gênios!

Estas cerimônias são de proveito também das duas crianças que nascem depois dos gêmeos. Visto que estas também são colocadas ao mesmo nível dos gêmeos, elas, definitivamente, têm a missão de fechar o buraco, como dizem os Minas. O menino ou a menina que vem depois dos "venavi" tem como nome: Edo. O menino que segue Edo se chama Dossè e Dopé quando é uma menina. De fato, Edo, Dossè e Dopé fazem parte da comunidade dos gêmeos.

O altar elevado para os gêmeos é um lugar sagrado que tem que ser cuidado pelos pais, regularmente. A mãe tem que, periodicamente, fazer alguns sacrifícios. Não se pode esquecer, na época da colheita, de oferecer aos "venavis" e aos seus Edo (quer dizer Edo, Dossè e Dopè) as premissas de milhos e inhames. Este altar é como se fosse a casa dos "venavis", um lugar de segurança para não os deixar vagar como os macacos. Por isso, é proibido pegar qualquer objeto deste altar. Por exemplo, aquele que rouba o dinheiro se torna cleptomaníaco. Vai precisar de cerimônias de exorcismo para tirá-lo deste mal.

Os gêmeos são "VAUDOUS", gênios, espíritos protetores que podem ser bravos quando são contraídos. Eles têm o dom de ver o invisível. Os seus sonhos e as suas falas são considerados como enunciados dos acontecimentos futuros. Quando estes são nefastos à sociedade, as crianças tomam as providências para a reparação. Assim, os gêmeos não devem jogar pragas contra ninguém, pois isso pode causar muitos problemas às pessoas, visto que a palavra é eficaz sobretudo quando é pronunciada pela manhã, antes de seu primeiro banho.

2.2.5 Morte e reencarnação dos gêmeos

(46)

sobrevivente pode ser chamado para o além, a qualquer hora pelo seu irmão falecido. É preciso realizar práticas especiais para evitar que o segundo gêmeo sofra a mesma sorte que seu irmão. Nesse sentido, é preciso, desde que acontece a morte de um gêmeo, até antes do enterro, diante da bebida do defunto, bater com a madeira o gêmeo sobrevivente e os seus irmãos e irmãs: Edo, Dossè e Dopè. Essa prática deve acontecer antes do enterro para que o gêmeo defunto não interprete mal os corretivos que poderiam acontecer aos seus irmãos como atos de maldade e vir a chamá-los. Essa prática é para tirar todo e qualquer tipo de ambiguidade.

Diante da sua morte, ninguém deve dizer que ele morreu, mas que foi procurar a lenha para o aquecimento. Dizer que ele morreu pode ser a causa da morte do seu irmão, visto que eles são apegados um ao outro. Chatear um pode levar o outro a reagir. A essas práticas, deve-se acrescentar a reencarnação do defunto. Os pais devem ou comprar uma estatueta de madeira ou mandar fazer uma. Se o gêmeo falecido é macho, a estátua tem que representar um homem. Quando é fêmea, deve representar uma mulher. Durante uma cerimônia, vai invocar o defunto e operar assim a reencarnação. Esta estatueta reencarnada, o venavi djodjo tomará o nome do gêmeo falecido. Ele será chamado ou Akouété, Akouètè, Akoko ou Akouélé de acordo com o que ele era.

Quando Edo, Dossè ou Dopé vem a falecer, não se procede à reencarnação. Neste caso, basta a batida dos irmãos com a madeira diante do caixão do gêmeo defunto.

(47)

a causa profunda e escondida de uma desgraça que pode acontecer quando os pais manifestam a preferência de um em detrimento do outro. Os gêmeos não admitem que coloque diferença entre eles. Por isso, os pais tentam sempre comprar os objetos em pares para os gêmeos para evitar qualquer problema.

Quando os dois gêmeos são falecidos, os pais os reencarnam e dão os mesmos cuidados aos dois.

Os gêmeos são um apoio invisível da família e da sociedade. O invisível aqui tem um papel, escondido, mas muito importante. Eles são respeitados e temidos por causa dos poderes que eles têm e que são qualificados de graves.

Os gêmeos são seres extraordinários, eles nascem de um só ovo e são macacos. Eles mantêm as relações com o invisível, por isso, neste caso, eles podem ser favoráveis ou não à sociedade. Eles são “VAUDOUS”, deuses, e devem ser cultuados.

2.2.6 Algumas proibições e obrigações dos gêmeos na África do oeste

O nascimento de gêmeos numa família é, geralmente, considerado como uma bênção divina. Esta bênção implica em proibições e obrigações. De todos os deveres, há um primordial que é a educação dos gêmeos com solicitude. Eles têm que ser cultuados com oferendas regulares e às sextas-feiras (alusão aos cultos dos orixás, neste caso dos Ibeji). Os pais devem tomar cuidado para que não falte nada às crianças quando fazem as oferendas. Eles farão de tudo para que os pares sejam sempre iguais nas oferendas: sempre as mesmas roupas, as mesmas cores, etc., a fim de evitar ciúme e cólera. Um descuido, neste sentido, pode levar até a morte.

(48)

sepultado sem cerimônia. Somente quando o segundo morre, aí sim, tudo vai ser feito como se os dois gêmeos tivessem acabado de morrer. Quando um gêmeo morre, o outro é pego e levado a outra casa onde deve ficar até o enterro do seu irmão. Tendo certa idade, o gêmeo sobrevivente troca de aldeia e de nome. O cadáver do seu irmão passará por uma nova porta aberta para esta circunstância. Porque, caso ele passe na mesma porta, o sobrevivente não poderá mais voltar a casa pela mesma porta. Após o enterro, o corpo velado e enterrado, todo mundo volta a casa. Assim, a família passa a proteger o gêmeo vivo. Ele tem o rosto lavado e esta lavagem inicia-se pelo queixo e termina na fronte. Quando é um menino, isto é feito três vezes e quando é uma menina, quatro vezes.

2.2.7 Considerações culturais

(49)

particularidade africana é o seu caráter profundamente religioso e não influência cientifica na sociedade.

2.2.8 Verdadeiros e falsos gêmeos

Os verdadeiros gêmeos são dois indivíduos resultantes da fecundidade de um só ovulo por um só espermatozoide que vai se separar ao longo do seu desenvolvimento dando origem ao nascimento às crianças idênticas do mesmo sexo ou diferente.

Os meio gêmeos são crianças vindas de um mesmo óvulo que se separou antes da fecundação e as duas partes vão ser fecundadas por dois espermatozoides diferentes. Isso é um fenômeno que também acontece.

Os falsos gêmeos são aqueles que vêm de dois óvulos diferentes fecundados separadamente por dois espermatozoides. Estes não são muito parecidos e podem ser tanto do mesmo sexo ou de sexos diferentes.

Existem também falsos gêmeos de pais diferentes. Isso acontece quando uma mulher produz dois óvulos sucessivamente e neste intervalo de tempo ela tem relações sexuais com dois homens diferentes, neste caso os dois óvulos podem ser fecundados separadamente nascendo duas crianças que podem ser bem diferentes e até de “raças” diferentes.

Os verdadeiros gêmeos tem uma identidade física muito parecida. Muitos até têm as mesmas digitais. E na África, em geral, ouvimos falar de telepatia existente entre os verdadeiros gêmeos.

(50)

É nesse caso que encontramos o sincretismo religioso na África em geral e no caso dos gêmeos. Como muitos africanos têm raízes nas religiões tradicionais africanas e que hoje, a maioria tem outra religião, cristã, muçulmana ou mesmo, um choque de crenças. Isso faz que, facilmente um africano volte, mesmo que às escondidas a cultuar as religiões tradicionais para ter paz.

2.2.9 Casamento de uma das Gêmeas

Referências

Documentos relacionados

Uma gama de tipos de dados é explorada, de visualizações astronômicas (como o Uniview) a dados sociais manifestos através de projetos como Cornwallculture.com e

Sim Biraglia e Kadile (2017)* Journal of Small Business Management (3.677) Quantitativo Teoria Social Cognitiva, Bandura (1986) Investiga o impacto da paixão

Em complemento as medidas usualmente tomadas no manuseio de produtos químicos, medidas de proteção pessoal devem ser implementadas para evitar possíveis contatos com

devidamente assinadas, não sendo aceito, em hipótese alguma, inscrições após o Congresso Técnico; b) os atestados médicos dos alunos participantes; c) uma lista geral

De acordo com o levantamento realizado pela AGB Peixe Vivo, os investimentos realizados entre os anos de 2012 e 2014 pelo Governo Federal na revitalização do rio São

Do “distante” desse século maior para nossa civilização ocidental que é o Século XVI, Claude Dubois, de um lado, pode dar conta da fragilidade dos historicismos e das

Identificam-se um conjunto de condicionantes à viabilidade da adoção, em Portugal, deste modelo, na próxima ronda censitária: legislação específica que permita, em

— exige que nós examinemos aquela certeza em vez de se certificar de que estamos fazendo as coisas direito. [...] O movimento dialético através do qual um novo entendimento do