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ESPAÇOS PARA COMBATER A POBREZA A PARTIR DAS PRÁTICAS DE SAÚDE NO SUS MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

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Academic year: 2019

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PUC-SP

Simone Mendes da Silva

ESPAÇOS PARA COMBATER A POBREZA A PARTIR DAS PRÁTICAS DE SAÚDE NO SUS

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

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PUC-SP

Simone Mendes da Silva

ESPAÇOS PARA COMBATER A POBREZA A PARTIR DAS PRÁTICAS DE SAÚDE NO SUS

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia Social, sob orientação do Professor Doutor Odair Furtado.

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BANCA EXAMINADORA

___________________________________

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Agradeço especialmente a Odair Furtado e Peter K. Spink.

À professora Maria Cristina G. Vicentin pela grande colaboração.

Aos professores e professoras do Programa de Psicologia Social da PUC-SP.

Ao CAPES e CNPq.

Às colegas Carla, Alejandra, Neiza, Juliana, Adriana, Ana Flávia e Karen, todas do Núcleo Organização e Ação Social (NOAS) do Programa de Psicologia Social da PUC-SP que funcionou sob orientação do Professor Doutor Peter K. Spink até dezembro de 2006.

Às muitas pessoas que conversaram comigo nos bairros atendidos pelo Programa Saúde da Família, na Unidade Básica de Saúde, na Santa Casa e no Hospital Regional do Vale do Ribeira.

Aos participantes das entrevistas e grupo focal.

Aos chefes de trabalho da Santa Casa e da Prefeitura Municipal pela compreensão.

À Marlene, da secretaria do Programa de Psicologia Social da PUC-SP.

À tia Maria Helena pela revisão do texto.

À prima Flávia pela tradução.

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São Paulo.

RESUMO

O presente estudo teve o objetivo de contribuir para a retomada mais ativa de interesse e preocupação com a pobreza nas práticas de saúde. Tivemos também o objetivo de contribuir para a articulação de melhores respostas aos problemas das pessoas atendidas nos serviços de saúde, principalmente em municípios como Eldorado e região do Vale do Ribeira.

A pobreza, queira-se ou não, é parte intrínseca da contemporaneidade brasileira, e a sua redução exigirá não somente políticas econômicas e sociais de âmbito nacional, mas também ações específicas nos espaços locais e no terreno da convivência diária. O exercício efetivo da cidadania passa, entre outras questões, pelo adequado acesso aos serviços públicos. A falta de capacidade profissional em ajustar o serviço à situação, buscando repensar teoria e prática para construir outras saídas, é muito mais do que uma falta de capacidade. Trata-se de uma contribuição à reprodução das condições de desigualdade, da pobreza e, em última análise, da exclusão social.

Utilizamos o método do campo-tema para realização da pesquisa, elaborado por Peter Spink a partir da perspectiva pós-construcionista em Psicologia Social; o campo-tema é resultado de uma ampla revisão de “campo” e “pesquisa de campo”. Para análise, dialogamos com os referenciais teóricos da área da Psicologia Social, Saúde Pública e Saúde Coletiva, assim como referenciais sobre pobreza, exclusão social e formas de enfrentar a pobreza.

A pesquisa nos mostrou que muitas práticas de saúde desconectam da ajuda necessária às pessoas que procuram os serviços, uma vez que a condição de pobreza em que vivem essas pessoas impõe uma série de revisões quando se fala em Saúde, ou seja, nas próprias práticas de saúde, na formação profissional, na organização dos serviços, na política de saúde e na gestão da saúde no município. As conversas sobre a pobreza nos levaram a compreensão em relação às condições e situações de saúde com as quais os profissionais se deparam no dia-a-dia. Quanto a lidar ou combater a pobreza tivemos respostas tradicionais ou que dependem de características pessoais e de vida do profissional – posicionamento que não nos parece justo para os profissionais da saúde, tampouco suficiente para a situação vivida em Eldorado.

Sugerimos que a temática da pobreza precisa de maior reconhecimento enquanto questão que envolve saúde, principalmente no que se refere às práticas diárias.

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São Paulo.

ABSTRACT

The present study has as an objective to contribute for increasing the active interest and concern regarding poverty in the practice of Health Care. Also to contribute for articulating better answers to the problems involving the people assisted by Health services, mainly in Eldorado and other cities in Vale do Ribeira.

Poverty, one can’t ignore, is an intrinsic part of contemporary Brazil, and its reduction will not only demand economic and social policies nationwide, but also specific actions in the local spaces and in the area of daily cohabitation. The effective exercise of citizenship involves, among others things, providing adequate access to public services. The lack of professional capacity to adjust the services to the situation, which should rethink theory and practice in order to look into other alternatives, is much more than a lack of professional capacity. In fact, it contributes to reproduce the conditions of inequality, poverty, and, ultimately, social exclusion.

We use the method of theme-field for the research, elaborated by Peter Spink, based on a post-constructionist perspective in Social Psychology; the theme-field results from a large revision of “field” and “field research”. For the analysis, we dialogue with theoretical references in the areas of Social Psychology, Public Health Care and Collective Health Care, as well as references on poverty, social exclusion and ways of approaching poverty.

The research showed us that many practices of Health Care are detached from the necessary aid to the people who use the services, since the poverty condition in which these people live demands a series of revisions regarding Health Care, that is, in the practices themselves, in professional education, in the organization of services, in the politics of Health Care and in the management of Health Care in the cities. These conversations on poverty led to an understanding of the health conditions and situations the professionals face everyday. As far as dealing with or fighting poverty, besides the traditional ones, the answers had to do with the professionals’ personal profile and life style – a position that doesn’t seem fair for all Health Care professionals, neither for the situation experienced in Eldorado.

We suggest that the theme of poverty deserves to be more recognized as a Health Care issue, especially the matters concerning the daily practices.

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APRESENTAÇÃO ... 1

1. MÉTODO ... 8

2. O LUGAR DE ESTUDO ... 17

3. A PREOCUPAÇÃO COM A POBREZA NA SAÚDE ... 28

4. ZOOMDE MÉDIO ALCANCE SOBRE DESCONEXÕES NAS PRÁTICAS DE SAÚDE COM A POPULAÇÃO QUE VIVE EM CONDIÇÃO DE POBREZA... 38

5. CONVERSAS SOBRE A POBREZA E COMO COMBATÊ-LA A PARTIR DAS PRÁTICAS DE SAÚDE... 63

6. REFLEXÕES FINAIS ... 78

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 86

ANEXOS... 90

Anexo 1 – bastidores e mapa a da entrevista médica pediatra UBS Anexo 2 – bastidores e mapa entrevista médico plantonista Santa Casa Anexo 3 – bastidores e mapa entrevista usuária dos serviços de saúde Anexo 4 – bastidores e mapa grupo focal

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APRESENTAÇÃO

O presente estudo de Psicologia Social é sobre os profissionais da saúde que trabalham com a população que vive em condição de pobreza - e também sobre as pessoas que são atendidas por estes profissionais. O interesse pela temática originou-se na minha prática profissional como psicóloga no serviço público de saúde no muncípio de Eldorado. Iniciei meu trabalho no final de 2005, vinculado a Santa Casa e a Unidade Básica de Saúde. Eldorado é um município do Vale do Ribeira, considerada a região mais pobre do Estado de São Paulo.

Devo mencionar que fui praticamente a primeira psicóloga a trabalhar no serviço público de saúde do município. Antes de mim havia uma psicóloga, de outra cidade da região, mas que atendia somente uma a duas vezes na semana. Logo que cheguei para trabalhar me deram uma sala própria, as pessoas (pacientes) começaram a aparecer e solicitar atendimento. Geralmente elas traziam algum encaminhamento do médico da UBS, da escola, do conselho tutelar ou do ambulatório de saúde mental (em Registro, município próximo). A situação foi um “prato cheio” (como se diz) para que eu desenvolvesse um modelo de atendimento clínico, tipo de consultório particular.

Nos primeiros meses de trabalho fui percebendo que os problemas em relação à pobreza e condições precárias de vida “saltavam aos olhos” no contexto do atendimento, contribuindo para o aparecimento e/ou agravamento de praticamente qualquer “problema psicológico”. Mesmo os chamados Transtornos Mentais e de Comportamento também podem e devem ser vistos sob esta ótica de acordo com a OMS no “Informe sobre la salud en el mundo 2001 - Salud mental: nuevos conocimentos, nuevas esperanzas”. Quando conversei com outros profissionais da saúde em Eldorado, estes também identificaram piora nas condições de saúde em decorrência da pobreza em que vive a população atendida.

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(2000) da Oficina Regional para a Europa da OMS, destaca aspectos de “evidências sólidas da determinação social do processo saúde/doença” (ESCOREL, 2001, p.13) tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento, dentre eles:

- o stress produz danos à saúde – o stress pode ser oriundo de circunstâncias psicológicas e/ou sociais. Ansiedade contínua, insegurança, baixa auto-estima, isolamento social e falta de controle sobre o trabalho e a vida familiar têm efeitos poderosos sobre a saúde; - a segurança (estabilidade) no trabalho promove a saúde, o bem-estar e a satisfação laboral – desempregados e suas famílias sofrem um risco substancialmente maior de morte prematura. Os efeitos sobre a saúde do desempregado estão relacionados tanto com suas conseqüências psicológicas quanto com problemas financeiros, especialmente dívidas;

- as pessoas buscam o álcool, drogas e cigarros e sofrem por seu consumo, mas o seu uso é influenciado por um conjunto mais amplo de fatores sociais. A dependência de álcool, o consumo de drogas e o tabagismo estão associados com marcadores de desvantagem social e econômica e estão associados à mortes violentas e à mobilidade social descendente;

- Alimentação saudável é um assunto político – uma boa dieta e suprimento alimentar adequado são centrais na promoção da saúde e do bem estar. As condições sociais e econômicas resultam em um gradiente social na qualidade da dieta que contribui para as iniqüidades em saúde. A principal diferença dietética entre as classes sociais é a fonte dos nutrientes. Pessoas com baixos rendimentos, como famílias jovens, idosos e desempregados, tem menos capacidade de comer bem. (ESCOREL, 2001, p. 14).

Pensar as desigualdades nas condições de saúde como citamos, evidencia a incorporação de indicadores baseados na idéia de heterogeneidade e complexidade da pobreza, como de Amartya Sen (MAGALHÃES, 2006). A citação anterior figura o debate atual sobre equidade no campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva no que se refere às desigualdades nas condições de vida e saúde da população, “(...) o conceito de equidade sugere que pessoas diferentes deveriam ter acesso a recursos de saúde suficientes para suas necessidades de saúde e que o nível de saúde observado entre pessoas diferentes não deve ser influenciado por fatores além do seu controle” (LUCCHESE, 2003, p 440). De acordo com a autora, outros aspectos das desigualdades em saúde refere-se: “à distribuição espacial da oferta de recursos humanos e de capacidade instalada”; “ao acesso e utilização de serviços (públicos e privados)” e “à qualidade da atenção recebida” (LUCCHESE, 2003, p 443).

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adequação individual para uma vida digna, onde as pessoas podem ser bem nutridas, ter roupas, abrigo adequado, evitar doenças que podem ser prevenidas e assumir um papel na comunidade de cabeça erguida.

Para localizar o ponto de interesse da nossa pesquisa é necessário retomar as observações sobre o trabalho como psicóloga na saúde em Eldorado. Logo nos primeiros meses, tive a impressão que os aportes da Psicologia não pareciam contribuir significativamente para ajudar grande parte das pessoas que procuravam atendimento. Os problemas “psicológicos” apresentados pelas pessoas apresentavam outras dimensões, não exclusivamente "psicológica", individual e/ou familiar. Por exemplo, havia diferença entre atender um paciente com diagnóstico de depressão quando certas condições mínimas de vida estavam asseguradas, e em atender um caso de depressão quando falta alimento em casa, a energia elétrica está cortada e todos estão desempregados em casa.

Um “zum zum zum” no cotidiano da saúde reforçou a idéia de que situações semelhantes ocorriam com outros profissionais, eram algumas implicações das práticas de saúde sem aportes suficientes para um lugar como Eldorado, com uma população tão pobre. Chamamos de um processo de desconexão nas práticas de saúde, que gerava uma série de dificuldades tanto para os profissionais quanto para as pessoas atendidas, resultando em cenas bastante ilustrativas. No primeiro exemplo, temos o caso de pacientes que passam em consulta médica na UBS com uma queixa específica. Observo que uma coisa é o médico diagnosticar adequadamente, saber do melhor tratamento e medicação para a enfermidade de determinado paciente, e estar certo de que aquele paciente terá condições de seguir a prescrição da profissional. A desconexão está no fato do médico saber de tudo isso, e esbarrar no problema de que o paciente não poderá fazer o tratamento indicado, porque não pode comprar os remédios e a UBS não dispõe deles para fornecer gratuitamente.

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fazer o regime, pois tem que comer o que tem disponível em casa, quando tem algum alimento. No caso da enfermagem pode-se encontrar situação semelhante. Uma coisa é explicar todos os cuidados e procedimentos ao paciente que está num processo de recuperação de enfermidade, e saber que este paciente tem todas as condições de segui-los em casa. A desconexão está quando o paciente retorna para atendimento, e o profissional descobre que pela condição de vida difícil, o paciente não pôde cuidar-se adequadamente.

Como psicóloga, relembrei as aulas da faculdade sobre as abordagens da psicologia para, por exemplo, atendimento a determinados transtornos psiquiátricos. Mas não consegui relembrar qualquer discussão mais aprofundada sobre a pobreza e muito menos a sua heterogeneidade. Não relembrei porque não havia o que relembrar. Durante a graduação esquecemos que vivemos num país como o Brasil, com pobreza e tantas desigualdades. Nunca se discutiu – a não ser de maneira informal e nas rodas de conversa – os dados do país e suas implicações para a prática da psicologia.

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Estado e a sociedade para a formulação de respostas as necessidades e problemas de saúde.

O estudo teve como objetivo contribuir para a retomada mais ativa de interesse e preocupação com a pobreza nas práticas de saúde, partindo-se de uma análise do cotidiano dos profissionais que compõem atualmente o atendimento a saúde na interseção com os macro processos sociais, políticos e econômicos. Tivemos também, o objetivo de contribuir para a articulação de melhores respostas aos problemas das pessoas atendidas nos serviços de saúde, principalmente em municípios como Eldorado e outros da região do Vale do Ribeira.

Justificativa

A pobreza, queira ou não, é parte intrínseca da contemporaneidade brasileira e a sua redução exigirá não somente políticas econômicas e sociais de âmbito nacional, mas também ações específicas nos espaços locais e no terreno da convivência diária. A pobreza e sua heterogeneidade são também produtos de processos históricos que se formaram e se concretizam em práticas diárias que naturalizam a desigualdade, produzindo e reproduzindo noções de inevitabilidade, de carência e, para usar a expressão de BUARQUE (1999), apartheid social. Se pelo menos quarenta porcento da população brasileira está de alguma maneira ou outra em situação de pobreza e se o exercício efetivo da cidadania passa, entre outros, pelo adequado acesso aos serviços públicos, a falta de capacidade profissional de ajustar o serviço à situação, buscando repensar teoria e prática para construir outras saídas, é muito mais de uma falta de capacidade. Ao contrário se trata de uma contribuição à reprodução das condições de desigualdade, da pobreza e, em última análise, a exclusão social.

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“reforça a separação entre individual e coletivo, privado e público, biológico e social, curativo e preventivo” (PAIM e ALMEIDA FILHO, 1998). Seguiu este modelo a Johns Hopkins University, influente no ensino da medicina em muitos países, inclusive no Brasil. Para conferir, basta olhar para as diversas especialidades médicas - logicamente com os devidos méritos - mas que contribuíram para a fragmentação dos cuidados à saúde das pessoas; assim como o surgimento de profissões tão especializadas como fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia.

Na psicologia especificamente, a preocupação com a pobreza no sentido mais ativo é recente. Os poucos trabalhos anteriores na década de 1950 e 1960 tendiam a psicologizar a situação de pobreza tendo como resultado sua “patologização” (CARR e SLOAN, 2003). A reação se inicia na década de 1980 chegando na década seguinte a enfatizar as possíveis contribuições nas áreas de saúde e bem estar, mudança social e organizacional e educação e desenvolvimento com importantes contribuições de autores em diferentes partes do mundo (CARR e SLOAN, 2003). No Brasil, o impacto das reformas neo-liberais e as modificações estruturais no mercado de trabalho como também as falhas assustadoras de sucessivos governos federais de agir efetivamente na área social, estão trazendo para a psicologia o desafio da busca de novas formas mais socialmente responsáveis de atuação, evidenciadas pelos trabalhos apresentados no Congresso Psicologia Ciência e Profissão em 2002. Também através da 1ª mostra de práticas em Psicologia e Compromisso Social promovido pelo sistema Conselhos de Psicologia, que ocorreu em São Paulo no ano 2000.

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atendimento aos pobres e desempregados, as Santas Casas tiveram um importante papel. Na Psicologia convém observar as estatísticas sobre o trabalho do psicólogo, que também refletem um modelo social de formação. Em 2004 o IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) realizou uma pesquisa traçando o perfil do psicólogo brasileiro, no item sobre a principal área de atuação na psicologia, os dados mostraram que 55% realizam atendimento clínico individual ou em grupo, 17% estão na área organizacional/institucional, 11% na área de políticas públicas de saúde, segurança e educação, 5% na área de docência e pesquisa em psicologia, 1% na psicologia jurídica e 1% em outras áreas. No item sobre o local de exercício da atividade principal como psicólogo, os resultados mostraram que 41% estavam no consultório particular, 12% clínicas, 11% empresa, 10% escolas, 4% hospitais, 3% postos de saúde, 1% penitenciárias, 1% varas judiciais, 16% outros locais e 1% não opinaram.

Outro ponto importante é observar a divisão de trabalho profissional entre as chamadas profissões de ajuda, em que fica para a área de serviço social a questão do bem estar de populações desprotegidas. Assim como a presença no imaginário social, de uma noção forte de “desenvolvimento” que leva à crença de que problemas como da pobreza são passageiras e que rapidamente irão embora.

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1. MÉTODO

Utilizamos o método do campo-tema para a realização da pesquisa. Elaborado por Peter Spink a partir da perspectiva pós-construcionista em Psicologia Social, o campo-tema é resultado de uma ampla revisão de “campo” e “pesquisa de campo”. A perspectiva pós-construcionista em Psicologia Social refere-se às atuais aberturas teóricas ao Construcionismo.

O movimento denominado Construcionismo perpassou diversas disciplinas das ciências sociais e humanas a partir dos anos de 1980 - inclusive na Psicologia Social, com Kenneth Gergen e Thomas Ibáñez – como uma epistemologia que desconstruiu as bases do que chamamos Ciência Moderna: “el mito del conocimiento válido como representación correcta y fiable de la realidad, el mito del objeto como elemento constitutivo del mundo, el mito de la realidad como entidad independiente de nosotros y el mito de la verdad como critério decisório” (IBAÑEZ, 2001, p. 250). No cenário pós-construcionista, IÑIGUEZ-RUEDA (2005) aponta as influências da sociologia do conhecimento científico, a Teoria ator-rede, a epistemologia feminista e a noção de performatividade de Judith Butler.

Peter Spink Aponta importantes contribuições dessa perspectiva para a posição do pesquisador frente à ciência e o conhecimento.

Talvez una de las contribuciones más importante de la perspectiva pós-construcionista es la que argumenta, que la ciencia es solamente una actividad entre muchas otras donde se negocia y se construyen socialmente los sentidos. Así, es solamente uno de los muchos ejemplos diarios de la competencia social colectiva de las comunidades y pueblos de producir conocimientos y construir saberes. (...) La proximidad con otras disciplinas, con los cocineros, los fontaneros y las activistas comunitarias, posiciona nuestro tirano metodológico y buscador de la verdad redentora em uma situación difícil. El conocimiento de ¿quién es bueno? ¿o útil? ¿o correcto? (P. SPINK, 2005, p. 26).

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autor relaciona o campo-tema com a Teoria ator-rede1, a noção de matriz de Ian Hacking e os trabalhos de Kurt Lewin intitulados “Teoria de campo nas ciências sociais” e “Psychological Ecology”. Palavras do autor quando define campo-tema:

Se voltarmos agora àquele campo objetivo, distinto e empírico, herdado da antropologia e tornado local pela Sociologia da Escola de Chicago, percebemos a importância da mudança introduzida por Lewin. O campo é o método e não o lugar; o foco está na compreensão da construção de sentidos no espaço de vida do indivíduo, grupo, instituição ou comunidade. Percebemos também com mais clareza a importância do movimento introduzido por Hacking ao desfocar o indivíduo, grupo, instituição ou comunidade e focar o tema. Campo é o campo do tema, o campo-tema; não é o lugar onde o tema pode ser visto - como se fosse um animal no zoológico - mas são as redes de causalidade intersubjetiva que se interconectam em vozes, lugares e momentos diferentes, que não são necessariamente conhecidos uns dos outros. Não se trata de uma arena gentil onde cada um fala por vez; ao contrário, é um tumulto conflituoso de argumentos parciais, de artefatos e materialidades. (P. SPINK, 2003).

Ao trabalharmos com o método do campo-tema deslocamos a idéia de “campo” como um lugar para “campo” como um tema ou argumento. Significa que, para investigar o campo-tema dos profissionais da saúde que trabalham com a população que vive em condição de pobreza, tivemos que estar atentos às várias possibilidades da presença desse tema (ou “conversas sobre o tema) em lugares, espaços e tempos diferentes, atentos também às “conversas” mediadas sobre nosso campo-tema (revistas, jornais, TV). Trabalhar no campo-tema pode parecer uma triangulação de metodológica, mas não é o caso, trata-se de usar múltiplos métodos devido a complexidade da questão pesquisada, para isso ver o autor Uwe Flick ao discutir a pesquisa qualitativa.

Para organizar a diversidade de materiais, o método do campo-tema exigiu a confecção de um “diário de trabalho”, diferentemente do diário de campo da etnografia - com anotações mais sistematizadas. O “diário de trabalho” pareceu mais compatível com o método do campo-tema. Houve a necessidade de um instrumento que comportasse as várias possibilidades que se abrem ao pesquisador dentro do campo-tema. A figura abaixo poderia ilustrar nosso campo-tema.

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Reunião Conselho Municipal de Saúde Pessoas: segmentos diversos Lugar: Eldorado Entrevistas individuais Pessoas: médico da Santa Casa, médica pediatra da UBS e usuária do SUS

Lugar: Eldorado

Revistas científicas de Saúde Pública Pessoas e lugares:

mediados Grupo focal

Pessoas: médicos UBS e PSF, fisioterapeuta da Santa Casa e enfermeiro UBS Lugar: Eldorado

Encontros dos psicólogos

Pessoas: psicólogos (as) do serviço público de saúde Lugar: Pariquera -açu

Reunião de saúde da mulher

Pessoas: profissionais da saúde diversos Lugar: Registro Visitas com as

equipes de PSF

Pessoas: Pessoas: profissionais e usuários da saúde Lugar: Eldorado – zona rural Microeventos

Pessoas: profissionais e usuários da saúde Lugar: Eldorado

Campo-tema:

Pobreza e práticas de

saúde e

Coleta e análise dos materiais

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somente as possibilidades, mas também as restrições de acesso aos espaços chaves de argumentação e debate” (P. SPINK, 2003).

No primeiro momento foi como se estivéssemos “flutuando” com os eventos ou com os microeventos do cotidiano, usamos este termo para designar breves e inesperados encontros com profissionais e usuários do SUS em Eldorado, que resultaram em narrativas curtas. Os microeventos ocorreram no dia-a-dia de trabalho normal para mim como psicóloga, pois durante a maior parte do tempo da pesquisa fui funcionária da saúde em Eldorado. Além de profissional da saúde crítica e incomodada no campo-tema, durante os microeventos emergiu a pesquisadora, que buscava estender a conversa e perguntar se eu poderia utilizar na pesquisa do mestrado. Posteriormente, determinados eventos, pessoas e lugares mostraram-se pertinentes para a composição do campo-tema. Conhecer as equipes e o trabalho do PSF tornou-se relevante justamente por tratar-se de um programa que visa, entre outros, atacar os problemas relacionados a falta de acesso aos serviços de saúde pelas populações mais isoladas e pobres. Participar de uma reunião sobre Saúde da Mulher com o tema planejamento familiar, promovida pelo Departamento Regional de Saúde, permitiu um contato com os profissionais da saúde de vários municípios da região e foi um lugar fértil para conhecer e discutir a situação de outros municípios. Participar dos Encontros de Psicólogos da Saúde no Vale do Ribeira também se mostrou importante, foi a oportunidade de conversar com outros profissionais psicólogos da saúde no serviço público. Participar de uma reunião do Conselho Municipal de Saúde mostrou-se relevante pelo papel na definição de ações e políticas de saúde do município, assim como verificar interesses de diferentes pessoas. Mais uma vez, além da profissional da saúde no campo-tema, emergiu a pesquisadora, que buscava utilizar essas participações na pesquisa do mestrado. Um exemplo de anotação de microevento:

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motoristas permitem que além dos alunos, outras pessoas peguem ônibus. Em tempo de férias somente a pé para chegar até a cidade. Geralmente eles saem de casa quando ainda está escuro e retornam duas horas da tarde. Muitas vezes pensamos que essas pessoas, até mesmo as crianças que estudam e tem que acordar tão cedo, se acostumam com esse tipo de situação. Com essa senhora pude perceber que não é bem assim, pelo tom da conversa ela jamais se acostumará com isso.

Não houve sistematização destes registros, a participação em todos esses eventos e microeventos resultaram em pequenas narrativas. Fundamenta-se no que Peter Spink escreve quando pesquisamos no campo-tema,

El resultado, creo, es que necesitamos dejar de pensar sobre interpretar, analizar y sistematizar, imaginando que podemos ofrecer una representación mejor de la realidad, y en cambio nos concentramos en narrar lo que las personas nos están diciendo y buscar diferentes maneras de hablar sobre las cuestiones actuales que pueden ser mas útiles que las que tenemos. (P. SPINK, 2005, p.27).

Ainda para a composição do campo-tema, realizamos duas entrevistas com profissionais da saúde (médica pediatra da UBS e médico plantonista da Santa Casa) e uma entrevista com usuária do SUS. Realizamos também um grupo focal, em que uma fisioterapeuta da Santa Casa, um médico do PSF, um enfermeiro e um médico da UBS debateram questões relacionados ao tema de pesquisa. O uso desses recursos permitiu explorar as desconexões vividas no dia-a-dia, assim como para verificar o apoio que os profissionais da saúde sentem que tiveram na formação e as concepções de pobreza.

Trabalhamos com esses materiais na abordagem teórico-metodológica das práticas discursivas (M. J. SPINK, 1999; 2004). A abordagem das práticas discursivas desenvolvida pela autora refere-se a ampla revisão do papel da linguagem na Psicologia Social, a partir da perspectiva pós-construcionista.

Podemos definir, assim, práticas discursivas como linguagem em ação, isto é, as maneiras a partir das quais as pessoas produzem sentidos e se posicionam em relações sociais cotidianas. As práticas discursivas têm como elementos constitutivos: a dinâmica, ou seja, os

enunciados orientados vozes; as formas, que são os speech genres; e os conteúdos, que são os repertórios interpretativos. (M. J. SPINK, 2004, p. 45).

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Nessa abordagem os entrevistados e participantes do grupo focal são melhores identificados como co-participantes da pesquisa. Os sentidos referem-se ao processo e ao movimento de construção de uma realidade psicológica ou sociológica, por isso o foco na interação entre os participantes, o que incluí o pesquisador. Para a análise das práticas discursivas é importante não perder o contexto de produção das falas ou discursos, principalmente quando optamos por analisar somente os trechos de interesse e que melhor respondem ao objetivo da pesquisa. Assim, não corrermos o risco de simplesmente escolher as melhores partes para ilustrar a dissertação. Os mapas mostram-se úteis para a análise do material, pois é a imagem da interação e das falas, seja numa entrevista ou grupo focal. Encontram-se em anexo os mapas das três entrevistas e do grupo focal. São tabelas que contém as categorias temáticas que em parte referem-se ao roteiro utilizado. Embaixo das categorias temáticas colocamos as sínteses das falas dos participantes, mas poderíamos ter colocado as falas integralmente. Destacamos em negrito as sínteses das falas que foram reproduzidas integralmente nos capítulos da dissertação. O exemplo refere-se a uma pequena parte do mapa do grupo focal. A FORMAÇÃO QUE RECEBERAM DIFICULDADES DO DIA-A-DIA SOLUÇÕES E SUGESTÕES QUE APRESENTAM CONCEPÇÕES DE POBREZA APRESENTAÇÃO/ OUTROS

E – pobre não tem direito a controle de natalidade C - nunca vai em frente

G – PSF, faltou anticoncepcional,

as grávidas aparecem

E – muitas

engravidam sem planejamento, com oferta de contraceptivo é diferente

E - kit do PSF, já acabou.

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questões de saúde com as quais trabalhamos. Buscamos identificar com quais outros temas relaciona-se o tema da pobreza nestas revistas de Saúde Pública.

Usar documentos desse tipo, que têm uma presença no campo de interesse e que são produzidas regularmente e de forma seriada, é um excelente caminho para a compreensão da gradativa emergência, consolidação e reformulações dos saberes e fazeres. Não se trata, lembramos, a busca de uma cronologia ou ponto 0 – porque isso nada mais seria do que a construção moderna de uma versão narrativizada do tópico em foco -, mas da identificação dos conflitos e diálogos diferentes que refletem a processualidade das práticas discursivas. Para a Psicologia, as revistas oficiais das sociedades e as publicações institucionalizadas, como por exemplo o Annual Review of

Psychology, oferecem muitas possibilidades, uma vez que

conseguimos nos desfamiliarizar de seu conteúdo como psicólogos e perceber que estamos diante de uma prática discursiva, ou seja, podemos analisar quais são os critérios de revisão escolhidos e quais as razões por esta ou aquela ênfase ou exclusão. (P. SPINK, 2004, p. 36).

Utilizamos a coleção da SciELO Saúde Pública, uma biblioteca eletrônica online de revistas científicas em saúde pública relacionadas com os países Ibero-americanos. A biblioteca SciELO Saúde Pública utiliza a Metodologia SciELO desenvolvida em conjunto pela FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e pela BIREME - Centro Latinoamericano y del Caribe de Información en Ciencias de la Salud de la Organización Panamericana de la Salud.” A coleção é composta por oito revistas - Bulletin of the World Health Organization (Genebra, Suíça - OMS), Cadernos de Saúde Pública (Rio de Janeiro, Brasil), Gaceta Sanitária (Barcelona, Espanha), Revista de Salud Pública (Bogotá, Colômbia), Revista de Saúde Pública (São Paulo, Brasil), Revista Española de Salud Pública (Madri, Espanha), Revista Panamericana de Salud Pública (Washington, EUA – OPAS) e Salud Pública de México (Morelos, México).

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Para a análise das revistas científicas de Saúde Pública elaboramos um mapa, dessa vez com as seguintes colunas: título do artigo, nome da revista, ano de publicação e temas relacionados. MIRIM (1999) trabalhou as revistas científicas em formato eletrônico na abordagem das práticas discursivas, a autora refere-se a sua pesquisa intitulada “A construção do sentido do teste HIV: uma leitura psicossocial da literatura médica”.

Paramos com a função de “catadores” no momento em que nos sentimos eticamente confortáveis como psicólogos sociais para dizer que o que tenho basta para a proposta da pesquisa.

Ao final, tivemos um conjunto de materiais com o quais organizamos dois blocos temáticos com os sentidos das práticas de saúde com a população pobre em Eldorado e região do Vale do Ribeira. Nesse momento dialogamos com os referenciais teóricos, como da área da Saúde Pública e Saúde Coletiva, assim como referenciais sobre pobreza, exclusão social e formas de enfrentar a pobreza. Entre outras informações, como dados do IBGE, todos pertinentes ao campo-tema. Os blocos temáticos constituíram os capítulos 4 e 5 da dissertação, com os respectivos títulos: Zoom de

médio alcance sobre desconexões nas práticas de saúde com a população que vive em condição de pobreza e Conversas sobre a pobreza e como combatê-la a partir das práticas de saúde. Novamente, seguimos as sugestões de Peter Spink para dar forma a dissertação.

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Dimensão ética da pesquisa

Pensamos em duas grandes dimensões éticas na condução de pesquisas. Uma delas refere-se ao limite legal, do respaldo e controle jurídico. Por exemplo, quanto à necessidade da declaração de cumprimento de normas éticas para a condução de projetos do Programa de Psicologia Social da PUC-SP, apresentada ao comitê de ética da instituição na qual a pesquisa é vinculada. Também quanto à observação de documentos regulamentadores da condução de pesquisa com seres humanos no país, principalmente a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que são as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.

Pode-se também pensar a ética em pesquisa no sentido de autoregulação da atividade do pesquisador, especialmente quando se adere à perspectiva construcionista, que traz uma ruptura com modos de produção de conhecimento vigente. Encontramos, por exemplo, em STENGERS (2002), subsídios para uma reflexão ética. A autora analisa a história das práticas científicas, herdeiras das ciências experimentais; faz críticas às ficções do laboratório e às ciências teórico-experimentais. Assim, propõe perguntas que o pesquisador, ou cientista (usando a palavra da autora) pode fazer, “O que ele quer de mim?”, colocando-se na posição do pesquisado. Ou “Quem sou eu para te formular esta pergunta?”, um questionamento que o pesquisador pode fazer a si próprio. Isso implica refletir que “as condições de produção de conhecimento de um, são igualmente, inevitavelmente, condições de produção de existência para outro” (STENGERS, 2002, p. 42), um afeta o outro, evoca a noção de responsabilidade do pesquisador.

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2. O LUGAR DE ESTUDO

O território denominado genericamente Vale do Ribeira abrange regiões do litoral sul do Estado de São Paulo e litoral norte do Estado do Paraná. O Vale é composto por trinta e um municípios. Em São Paulo localiza-se a maioria dos municípios; Apiaí; Barra do Chapéu; Barra do Turvo; Cajati; Cananéia; Eldorado; Iguape; Ilha Comprida; Iporanga; Itaóca; Itapirapuã Paulista; Itariri; Jacupiranga; Juquiá; Juquitiba; Miracatu; Mongaguá; Pariquera-Açu; Pedro de Toledo; Registro; Ribeira; São Lourenço da Serra; Sete Barras e Tapiraí, no total de uma população de 563.941 habitantes segundo dados da Fundação Seade (2006).

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Entre os habitantes do Vale do Ribeira estão comunidades indígenas, caiçaras, remanescentes de quilombos e pequenos agricultores familiares. De acordo com o estudo do ISA o Vale apresenta significativos recursos naturais. Aproximadamente 51% do seu território são Unidades de Conservação (UCs), até o momento foram criadas vinte e quatro UCs. As UCs são áreas protegidas legalmente no que se refere à definição de seus limites e a sua conservação. O ISA destaca que em contraposição a sua riqueza ambiental, o Vale apresenta baixos indicadores sociais dos Estados de São Paulo e Paraná.

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Fonte: Prefeitura Municipal, foto da cidade de Eldorado – zona urbana, 2004.

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Para ajudar na compreensão da questão da pobreza em que vivem os usuários do serviço de saúde e as implicações para os profissionais da área em Eldorado, dois estudos do SEADE (Sistema Estadual de Análise de Dados) sobre indicadores sociais são observados: Índice Paulista de Responsabilidade Social (IPRS), 2004, e Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS), 2005.

O IPRS é um instrumento que permite acompanhar as performances econômicas e sociais dos municípios paulistas, com a finalidade de subsidiar políticas públicas na esfera municipal. O IPRS é composto por quatro indicadores: renda, escolaridade, longevidade e uma tipologia de cinco grupos. Sendo que a tipologia resume a situação do município considerando os outros três indicadores. Dos 645 municípios que compõem o Estado de São Paulo, Eldorado estava nas seguintes posições em 2002: 623a riqueza, 598a longevidade e 313a escolaridade. Em 2002 o município passou do grupo 5 (baixa riqueza, baixa longevidade e baixa escolaridade) para o grupo 4 (baixa riqueza, baixa longevidade e média escolaridade), pois melhorou o indicador escolaridade. Mesmo assim quase todos os municípios da região do Vale do Ribeira estão no grupo 5 do IPRS, considerados tradicionalmente pobres e localizados em áreas específicas, o que inclui no Estado de São Paulo, parte do Vale do Paraíba e o Pontal do Paranapanema.

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indicadores nas dimensões socioeconômica e demográfica. No gráfico abaixo é possível observar que em Eldorado, 72,4% da população pesquisada encontra-se nos dois piores grupos de vulnerabilidade social.

Os grupos 5 e 6 de vulnerabilidade social, significa que as pessoas possuem as piores condições na dimensão socioeconômica (baixa), apresentam também níveis mais baixos de renda e escolaridade e são constituídos por famílias jovens com presença significativa de crianças pequenas, de 0 a 4 anos.

Para alguns indicadores de saúde de município, pesquisamos os dados de Perfil Municipal da Fundação Seade, que mostram algumas taxas por mil habitantes. A taxa de natalidade de 2005 foi de 19,38, a mesma taxa da região foi de 17,08 e no Estado de São Paulo em geral 15,50. A taxa de fecundidade de 2005, que considera os nascidos vivos das mulheres entre 15 e 49 anos foi de 80,02, na região foi de 65,05 e no Estado foi de 53,86. Dados que refletem o grande número de filhos que encontramos em milhares de famílias do município, mas não encontramos números que indicassem uma média de filhos por família. O que podemos dizer é que no dia-a-dia de trabalho em Eldorado é comum encontrar famílias com cinco, seis ou mais filhos.

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na infância em 2005, que significa os óbitos em menores de cinco anos, em Eldorado foi de 17,73, maior em relação a região, 15,55 e ao Estado, 15,61. Em 2005, a taxa de mortalidade entre quinze e trinta e quatro anos foi de 141,82 no município, 146,48 na região e 163,36 no Estado. A taxa de mortalidade na população de sessenta anos ou mais em 2005 foi de 3374,66 no município, 3694,47 na região e 3764,23 no Estado.

Outro dado importante, que alerta para condições de pobreza, refere-se a porcentagem de mães adolescentes (menos de 18 anos), em 2004 a proporção foi de 15,81% em relação ao total de mulheres que tiveram filhos no mesmo período, na região a proporção foi de 11,97% e no Estado a foi de 7,76%. Os cuidados de pré-natal, que exigem de um mínimo de sete consultas, em 2005 foram de 57,65% no município, 48,67% na região e 74,52% no Estado.

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Eldorado também é atendido pelo Programa Bolsa Família, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. O pagamento do mês de março de 2007 – com valores entre R$15,00 e R$95,00 por família - atendeu a 1.360 famílias, o que corresponde a menos de dez porcento da população do município. Os governos municipais são responsáveis pela gestão do Programa.

Sobre a organização dos serviços de saúde em Eldorado

Com exceção de consultórios odontológicos, no município não há qualquer serviço de saúde privado. Observa-se que o SUS é efetivamente utilizado por quase toda a população de Eldorado. O DRS XII é o Departamento Regional de Saúde de Registro (antiga DIR XVII - Direção Regional de Saúde da Região de Registro), responsável pela gestão do SUS nos municípios do Vale do Ribeira localizados no Estado de São Paulo, através do Departamento Municipal de Saúde, ligado diretamente a prefeitura. Há também na região um CEREST (Centro de Referência em Saúde do Trabalhador), com sede em Registro. O Departamento Municipal de Saúde é responsável pela gestão da saúde no município, o que incluiu a responsabilidade pela Santa Casa, PSF I e II, a Unidade Básica de Saúde e “postinhos de saúde”.

A Santa Casa, além dos atendimentos de urgência e emergência, tornou-se um “prolongamento” da UBS - Unidade Básica de Saúde, até mesmo pela proximidade física. Com isso disponibiliza atendimento ambulatorial em psicologia, nutrição, fisioterapia e ortopedia. E até dezembro de 2005, disponibilizou em psiquiatria, neurologia e fonoaudiologia. Na Santa Casa também funciona um serviço laboratorial.

A UBS dispõe de atendimentos ambulatoriais em clínica médica, ginecologia, obstetrícia, cardiologia e pediatria. E a cada dia da semana trabalha com um programa de saúde do governo (pré-natal, diabetes e hipertensão, vigilância em saúde, planejamento familiar, vacinas), sob responsabilidade do enfermeiro da unidade. Há também outros funcionários, como da parte administrativa e auxiliares e técnicos de enfermagem.

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André Lopes, Galvão, Ivaporunduva e Nhunguara. Todos esses são bairros ou comunidades remanescentes de quilombos. O PSF II Colibri atende os bairros Itapeúna, Rio Batatal, Barra do Braço, Areado, Descanso, Sossego, Martins, Fundo da Serra, Serrinha, Magário, Cavuvu, Onça, Areadinho e Morro Preto. No caso da equipe II, várias localidades chamadas de bairros não são exatamente bairros como encontramos nas cidades, são algumas poucas casas numa mesma localidade, às vezes a distância chega a dois ou quilômetros entre uma casa e outra. Cada equipe de PSF tem um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e um grupo de agentes comunitárias, no total são 16 agentes comunitárias de saúde. No final de 2005 foi contratado um dentista e auxiliar odontológico para cada equipe de PSF, foi a implantação da equipe de Saúde Bucal.

Os “postinhos de saúde” como são conhecidos entre as pessoas, são pequenas casas que servem como “base” dos PSFs, principalmente para o encontro das equipes com as agentes comunitárias locais. Há “postinhos” nos bairros: Vila Incomager (em reforma), Pedro Cubas, Barra do Braço, Barra do Batatal, Itapeúna, Rio Batatal, e com previsão de inauguração em 2006 nos bairros Sapatu, André Lopes, Ivaporunduva e Rio das Pedras.

O município de Eldorado faz parte do CONSAÚDE, que é o Consórcio Intermunicipal de Saúde (CIS) do Vale do Ribeira. O CONSAÚDE é o antigo CODIVAR - Consórcio de Desenvolvimento Intermunicipal do Vale do Ribeira, constituído em 02/09/1989 pelos municípios da região, representados pelos prefeitos municipais.

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solução organizacional e geram debates e disputas quando são apresentados para resolver problemas locais da política setorial. São duas as principais tendências para a organização de consórcios e ambas incluem a participação do governo estadual. A livre associação de municípios que se organizam segundo características políticas próprias e com uma regionalização que respeita estas mesmas características, e de outro lado, uma forte indução governamental para organizar regiões de saúde segundo as preferências do executivo estadual.”(NEVES E RIBEIRO, 2006).

Também em NEVES e RIBEIRO (2006) encontramos uma tabela referente aos municípios consorciados em consórcios de saúde no Brasil.

Os autores destacam que dentre os municípios consorciados “95% têm menos de 50 mil habitantes, sendo 60% com menos de 10 mil habitantes, o que sugere se tratar de um modelo de organização e de cooperação típico de cidades de pequeno porte, com vistas à superação de problemas comuns que sozinhos não conseguiriam resolver. Não há ainda no país uma única capital que pertença a consórcio, embora municípios de grande porte adotem esse tipo de associação” NEVES e RIBEIRO (2006).

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Os recursos orçamentários e financeiros do CONSAÚDE são do Governo Estadual através do Convênio com a Secretaria de Estado da Saúde, da prestação de serviços hospitalares e ambulatoriais ao Sistema Único de Saúde - SUS - (Governo Federal) e das mensalidades repassadas pelos Municípios (Governo Municipal).

O CONSAÚDE abrange os vinte e cinco municípios da região do Vale do Ribeira no Estado de São Paulo. A população atendida é aproximadamente de 563.941 habitantes.

Com o consórcio os serviços de saúde do município ampliaram-se consideravelmente, pois há mais quatro Unidades Regionais Públicas de Saúde. Uma das unidades é o hospital geral HRVR - Hospital Regional Vale do Ribeira - com serviços hospitalar, laboratorial e ambulatorial, está localizado em Pariquera-Açu. Outra unidade é o CAR - Complexo Ambulatorial Regional Vale do Ribeira - com serviço ambulatorial em algumas especialidades médicas, incluindo o serviço ambulatorial chamado “saúde mental”, está localizado em Registro. Ainda em Registro, existe o Laboratório Regional Vale do Ribeira, com serviço laboratorial, antigamente pertencente ao instituto Adolfo Lutz. Por último, existe o SAMU - Serviço de Atendimento Médico às Urgências - que é um serviço pré-hospitalar, centralizado no HRVR, com bases localizadas ao longo da Rodovia Régis Bittencourt (BR116), em todo o trecho Paulista, para atendimento às vítimas de acidentes

O CONSAÚDE mantém convênio com o Hospital São João em Registro, disponibilizando vagas em especialidades médicas e serviços de diagnose/terapia para os municípios integrantes do consórcio.

E finalmente, há no consórcio o Centro de Formação de Recursos Humanos de Pariquera-Açu (CEFORH), que é uma das trinta e sete Escolas Técnicas do Sistema Único de Saúde (ETSUS).

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DRS XII

Depto. Municipal

Saúde

CONSAÚDE

HRVR CAR Laboratório

Regional SAMU

Santa Casa

UBS

PSF I

PSF II

“Postinhos de Saúde” CEREST -

Registro

Convênio -

Hosp. São João Centro de formação

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Como já mencionamos, o objetivo da pesquisa foi de contribuir para a retomada mais ativa de interesse e preocupação com a pobreza nas práticas de saúde. Na análise da Psicologia Social, parece uma questão fundamental, principalmente quando consideramos o cotidiano dos profissionais que compõem atualmente o atendimento a saúde. Nossa revisão teórica buscou identificar a centralidade que a questão da pobreza teve na área da saúde, a ponto de reformular tais práticas. Para isso nos aproximamos do grande campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva, o que nos ajudou imensamente na tarefa.

A relação pobreza e saúde emerge da história, ou constituição do próprio campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva; logicamente, sabemos que se trata muito mais que a preocupação com pobreza nas práticas em saúde em diferentes épocas, mas toda a articulação da saúde junto ao Estado e a sociedade para a formulação de respostas as necessidades e problemas de saúde (PAIM e ALMEIDA FILHO, 1998). Partimos de uma revisão teórica indicativa que preocupação da saúde com a pobreza é antiga e descontínua, e que o enfoque dado sobre a pobreza era da transição e da temporalidade.

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No oeste da Europa – particularmente França e Inglaterra - o conceito de Polícia Médica tem pouca ressonância e com a Revolução Industrial no século seguinte consolida-se o fértil debate sobre o impacto das condições sociais na saúde e bem-estar da população.

No final do século XVIII, por exemplo, os ingleses já admitiam um grau de liberdade e iniciativa individual quase totalmente ausente da vida germânica. Em conseqüência, quando o conceito de polícia médica foi adotado fora da Alemanha e deparou-se com problemas específicos, a tendência foi de limitá-los às áreas da vida da comunidade em que a ação governamental era aceita com mais facilidade, especialmente no que se refere ao controle de doenças transmissíveis e ao saneamento básico. (...) Confrontada com as aspirações sociais progressistas ligadas à Revolução Francesa e com os problemas criados pela civilização industrial emergente, a idéia de polícia médica estava mais ligada ao passado. (ROSEN, 1980, p. 172).

O cenário desta vez é a vida da população urbana e a classe trabalhadora, em 1848 surge na França o conceito de Medicina Social, que engloba basicamente dois temas: as condições sociais, econômicas e políticas como fonte de doenças e a medicina como instrumento de mudança e reorganização social. A saúde seria um dos elementos da condição de bem-estar, que incluiria a educação e o trabalho. A Medicina Social tratava-se de um projeto maior, ou seja, de reorganização social através das práticas de saúde, não apenas combate às doenças.

Na Inglaterra no momento que antecede a Revolução Industrial, DONNANGELO (1976) refere-se a “Lei dos Pobres”, que incluía alguma assistência médica – e variava entre a punição e a ajuda financeira, mas ainda distante da noção de “direitos sociais”. Tratava-se da desestruturação do feudalismo e uma conseqüente massa de pessoas disponíveis, vistas como ameaças a sociedade e não como desempregados. A pobreza relacionava-se a indigência (não-trabalho) e a fatores individuais e morais, nunca reflexos da nova estrutura social que se formava com o capitalismo. Posteriormente, consolidada Revolução e a “Reforma da Lei dos Pobres” indica mudanças nas concepções da pobreza e do pobre, segundo a autora:

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formas de organização – em especial os sindicatos e, através delas associações voluntárias de assistência, passíveis de expressar a solidariedade de classe. O significado da presença das organizações operárias no processo político se expressará em todo o processo que leva ao estabelecimento progressivo, na Inglaterra, até a sua consolidação, na metade do século XX, do chamado Estado do Bem-Estar Social. (DONNANGELO, 1976, p. 67).

Percebemos então uma descontinuidade da preocupação com a pobreza na saúde. Ocorre o declínio do movimento gerado pela Medicina Social e o início do que os autores chamam de “paradigma microbiano” dentro das ciências da saúde. O olhar sobre as doenças volta-se para o corpo em termos exclusivamente biológico. De acordo com a autora “não será também, estranho a esse declínio o desenvolvimento da medicina bacteriológica que já permite a recondução da prática médica aos limites do orgânico e o desenvolvimento do estudo das doenças infecciosas sem que ele fosse perturbado por considerações sociais e reflexões sobre política médica” DONNANGELO (1976, p. 58). Paim e Almeida Filho referem-se ainda ao famoso Relatório Flexner, do início do século XX, que “desencadeia nos Estados Unidos uma profunda reavaliação das bases científicas da medicina, que resulta na redefinição do ensino e da prática médica a partir de princípios tecnológicos rigorosos” (PAIM e ALMEIDA FILHO, 1998).

Segue este modelo a Johns Hopkins University nos Estados Unidos, influente no ensino da medicina em muitos países, inclusive no Brasil. Foi quando surgiram as diversas especialidades médicas - logicamente com os devidos méritos - mas que contribuíram para a fragmentação dos cuidados à saúde das pessoas; assim como o surgimento de profissões tão especializadas como fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia.

A extensão dos serviços de saúde aos pobres e excluídos

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futuros praticantes” (PAIM e ALMEIDA FILHO, 1998). Com isso abrem-se os departamentos de medicina preventiva, “capazes de atuar como elementos de difusão dos conteúdos de epidemiologia, administração de saúde e ciências da conduta até então abrigados nas escolas de saúde pública” (PAIM e ALMEIDAFILHO 1998).

Na Europa ocidental, em países que já dispunham de estruturas acadêmicas de longa tradição e que no pós-guerra consolidavam sistemas nacionais de saúde de acesso universal e hierarquizados, a proposta da medicina preventiva não causa maior impacto nem sobre o ensino nem sobre a organização da assistência à saúde.” (PAIM e ALMEIDA FILHO 1998).

Na seqüência, já na década de 1960, desenvolveu-se outro importante movimento de recomposição da prática médica, denominado Medicina Comunitária ou Saúde Comunitária.

Com o endosso da OMS, os princípios desses programas comunitários de saúde passam a enfatizar mais a dimensão da assistência simplificada visando à extensão de cobertura de serviços para populações até então excluídas do cuidado à saúde, principalmente em áreas rurais, sendo dessa maneira incorporados ao discurso das agências oficiais (secretarias, ministérios) de saúde. Efetivamente, data de 1953 a definição dos "serviços básicos de saúde" da OMS, cobrindo as seguintes atividades: a) atenção à saúde da mulher e da criança; b) controle de doenças transmissíveis; c) saneamento ambiental; d) manutenção de sistemas de informação; e) educação em saúde; e) enfermagem de saúde pública; f) assistência médica de baixo grau de complexidade. A revisão de 1963, desta definição, realizada por uma comissão de especialistas já engajados no movimento da saúde comunitária, propõe incluir nesta relação a participação. Na América Latina, programas de saúde comunitária são implantados principalmente na Colômbia, no Brasil e no Chile, sob o patrocínio de fundações norte-americanas e endossados pela OPS, na expectativa de que o seu efeito-demonstração poderia influenciar positivamente o desenho dos sistemas de saúde no continente. (PAIM & ALMEIDA FILHO, 1998)

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Particularmente no Brasil, a 8ª Conferência Nacional de Saúde de 1986 em Brasília definiu as bases da reforma setorial na saúde e a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), movimento que ficou conhecido como Reforma Sanitária. Assim, na Constituição Federal de 1988 estava prevista a criação do SUS, regulamentado pelas Leis nº 8080/90 (Lei Orgânica da Saúde) e nº 8.142/90. A saúde no Brasil passou a ser um direito de cidadania e dever do Estado, antes disso as pessoas que tinham direito a assistência à saúde eram os trabalhadores e seus dependentes segurados do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS)

Segundo VASCONCELOS e PASCHE (2006) o SUS é a estrutura organizacional para consolidar a política de saúde no Brasil nas esferas municipal, estadual e nacional, com diversas ações e serviços de saúde. O SUS tem como princípios a universalidade de acesso, a integralidade, a igualdade (atualmente usa-se o termo equidade) e o direito à informação. As diretrizes organizativas, que racionalizam o sistema compreendem: a descentralização (atualmente discute-se a regionalização), a hierarquização em níveis de complexidade do atendimento, a participação comunitária principalmente através dos Conselhos e Conferências e a integração das redes assistenciais.

Os serviços e ações de saúde que constituem o SUS atualmente são:

- vigilância em saúde, em que se inclui a vigilância ambiental, inclusive dos ambientes de trabalho, a vigilância sanitária, a vigilância epidemiológica e a vigilância nutricional;

- assistência que integra a atenção básica, a atenção especializada ambulatorial e a atenção hospitalar em seus vários níveis de complexidade;

- prestação de assistência terapêutica integral, com destaque para a assitência farmacêutica;

- apoio diagnóstico e de terapia (Sadt) na assistência à saúde, e nas investigações de interesse da vigilância em saúde pública;

- formulação e execução da política de sangue e seus derivados, e a coordenação das redes de hemocentros;

- regulação da prestação dos serviços provados de assistência à saúde; - regulação da formação dos profissionais de saúde;

- definição e implementação de políticas de Ciência e Tecnologia para o setor saúde, incluindo a definição de normas e padrões para a incorporação tecnológica;

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A principal responsabilidade dos municípios é garantir a Atenção Básica à saúde, organizada através da Unidade Básica de Saúde (UBS) e da Estratégia Saúde da Família (ESF), que figuram nas equipes de Programas Saúde da Família (PSF). Entre as ações na Atenção Básica estão: de saúde bucal, de diabetes e hipertensão, de alimentação e nutrição, de gestão e estratégia e de avaliação e acompanhamento. O DAB (Departamento de Atenção Básica) através da web site nos mostra uma série de informações, mapas e números da Saúde da Família no Brasil, como redução de 4,6% no índice de mortalidade infantil a cada 10% de aumento de cobertura da ESF. O total de equipes de Saúde da Família implantadas em 2006 foi de 26.729, com cobertura em 5.106 de municípios (do total de 5.561 municípios existentes no país), o que corresponde 46,2% da população brasileira, a cerca de 85,7 milhões de pessoas. Já as equipes de Saúde Bucal implantadas em 2006 foram de 15.086, com cobertura de 4.285 municípios, o que significa uma população atendida de aproximadamente 74,9 milhões de pessoas. E o número de Agentes Comunitários de Saúde em 2006 foi de 219.492, presentes um total de 5.309 municípios, o que corresponde 59,1% da população brasileira, aproximadamente 109,7 milhões de pessoas. Frente a tantos números, Andrade et al. apontam desafios a ESF:

O dilema de superar a etapa da expansão quantitativa do acesso à ESF e passar para uma discussão mais formuladora da consolidação da qualidade nas ações do programa e suas respectiva integração como resto da rede assistencial do SUS marcam o cerne das discussões teóricas atuais, as quais se traduzem como desafios pragmáticos para os gestores de saúde, sobretudo no nível municipal. (ANDRADE et al., 2006, p. 802)

Há opiniões divergentes quanto a vários aspectos do PSF como aponta FRANCO e MERHY (1999), para os autores o programa não apresenta estratégia eficaz de mudança do modelo assistencial em saúde como se propõe. Apresentam discussões, por exemplo, quanto ao caráter compulsório das pessoas serem atendidos pelo PSF (o que inclui as visitas domiciliares), o excesso de tarefas da equipes, normatização e a dificuldade em adequar a equipe e os serviços diante realidades tão diferentes como existem no Brasil.

E a pobreza não passou...

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população do Brasil. Em Estados como Maranhão, Tocantins e Piauí quase 70% da população têm renda per capita domiciliar abaixo de R$73.

Somos reconhecidamente o pior país do mundo em termos de desigualdade de renda; no último Relatório de Desenvolvimento Mundial do Banco Mundial, somente Serra Leoa foi mais desigual. Os dez porcento mais ricos no Brasil têm 47.9% da renda enquanto os dez porcento mais pobre têm 0.8%. Para contrastar, na França as mesmas faixas incluem 25% e 2.5% respectivamente, no Egito 26% e 3.9%, na Suécia 20% e 3.7 %.

Uma demonstração clara desta desigualdade de renda emerge quando os dados populacionais em diversos campos são desagregados. Por exemplo, tanto no Nordeste quanto no Sudeste do Brasil, a taxa de mortalidade infantil na faixa de zero a cinco anos de idade para os 20% mais pobres é de 116 por mil enquanto para os 20% mais ricos é de 11 por mil; uma diferença de sobrevivência de dez vezes. Agregar dados sensíveis à pobreza em indicadores populacionais gerais, por exemplo colocando a taxa de mortalidade infantil média em 44 por mil, ou ignorar registros de cor e de gênero, esconde a extensão das divisões sociais que enfrentamos.

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No âmbito mais urbano, um estudo de POCHMANN (1999) identificou que houve entre 1990 - 1997 uma redução de 2.470.000 postos de trabalho no país e que enquanto na década de oitenta de cada 10 empregos gerados 8 eram assalariados, na década de 90, de cada 10 empregos gerados 8 não são assalariados; são, ao contrário, terceirizados e informalizados. Com 1.417.000 pessoas entrando no mercado de trabalho cada ano e somente 950.000 postos sendo criados, há anualmente um déficit de mais de 400.000 pontos de trabalho. A precarização do trabalho avança de maneira alarmante.

A gravidade desses dados, no entanto, é insuficiente para compor uma fotografia da heterogeneidade da pobreza. Infelizmente, algumas interpretações, ainda presentes no imaginário social, continuam a entender a pobreza exclusivamente sob a ótica monetária e centrada no indivíduo: pobreza, para estes, remete à condição de ser “pobre”. Outras abordagens colocam o problema exclusivamente no terreno da política macroeconômica, esquecendo os múltiplos mecanismos e ações administrativas que contribuem para a geração da desigualdade e exclusão.

Conceitos monetários de linhas de pobreza tem sido objeto de crítica por sua simplificação e homogeneização. O economista e Premio Nobel AMARTYA SEN (1992, 2000) enfatizou a importância de pensar não em nível de renda mas em sua adequação individual para uma vida digna, onde as pessoas podem ser bem nutridas, ter roupas, abrigo adequado, evitar doenças que podem ser prevenidas e assumir um papel na comunidade de cabeça erguida. Renda é crucial para evitar a pobreza. Entretanto, em muitos casos não é a renda que garante estas possibilidades; porque certos grupos podem ter dificuldades em converter renda em efetividade por causa de circunstâncias específicas, como a discriminação e a privação. Igualmente, num ambiente cada vez mais urbanizado, certos bens e direitos sociais são considerados como responsabilidade de provisão coletiva; não há como entendê-los a partir da renda porque não há renda que possa supri-los.

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acesso aos serviços e bens necessários para uma vida mais digna, menos desigual e com o exercício pleno da cidadania.

Apesar da aparente amplitude da conceituação da pobreza enquanto exclusão e desigualdade social, muitas vezes assimilada pelas ausências – de dinheiro, educação, saúde, alimentação, integração, liberdade e dignidade – ela contempla realidades extremamente diversas, às vezes mensuráveis, às vezes, não. Desta maneira, a noção de pobreza está diretamente ligada à questão fundamental da cidadania, da democratização da sociedade, da construção de laços sociais e da falta de proteção aos direitos individuais e coletivos.

A descrição acima sobre a pobreza no Brasil é para ser alarmante. Em termos teóricos encontramos na área da saúde um espaço para a pobreza em sua heterogeneidade, entre outros aspectos da desigualdade social, no atual debate sobre a equidade. O conceito é utilizado para lidar com as desigualdades em saúde, que são basicamente relacionadas “à distribuição espacial da oferta de recursos humanos e de capacidade instalada”; “ao acesso e utilização de serviços (públicos e privados)”; “à qualidade da atenção recebida” e “às condições de vida e de saúde da população nas diferentes localidades” (LUCCHESE, 2003).

Há inúmeras referências sobre o tema das desigualdades em saúde no campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva, como as utilizadas na Apresentação da dissertação: “Informe sobre la salud en el mundo 2001 - Salud mental: nuevos conocimentos, nuevas esperanzas” da OMS; ESCOREL (2001) ao comentar a publicação Social determinants of health: the solid facts, de Wilkinson & Marmot (2000) da Oficina Regional para a Europa da OMS, destaca aspectos de “evidências sólidas da determinação social do processo saúde/doença” tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento.

A publicação “Salud en las Américas” de 2002 da OPAS, menciona a reciprocidade das relações entre saúde e pobreza. Há o reconhecimento da influência da pobreza sobre a saúde, assim como a influência da saúde sobre a pobreza.

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reevaluar estas relaciones a inicios del siglo XXI tomando en consideración aspectos relativamente más recientes, tales como los estudios sobre heterogeneidad de la pobreza, pobreza estructural y pobreza según ingresos, y las relaciones recíprocas que permiten verificar no solo la influencia de la pobreza sobre la salud sino también de la salud sobre la pobreza. (OPAS, 2002, p.99)

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4. ZOOMDE MÉDIO ALCANCE SOBRE DESCONEXÕES NAS PRÁTICAS DE SAÚDE COM A POPULAÇÃO QUE VIVE EM CONDIÇÃO DE POBREZA

Na Apresentação já mencionamos que ocorrem desconexões nas práticas de saúde quando a população atendida vive em condição de pobreza, o que gera dificuldades para a população melhorar a saúde ou mesmo ter acesso aos serviços. Através dos microeventos, das entrevistas, do grupo focal, das visitas com o PSF e da participação na renuião de Saúde da Mulher exploramos melhor as desconexões nas práticas de saúde vividas diariamente.

Lembramos que as desconexões nas práticas de saúde a qual nos referimos perpassam a organização dos serviços, a política de saúde, a gestão da saúde no município, a formação/educação dos profissionais e o discurso científico – ao consideramos como práticas discursivas, no caso, o discurso das revistas de Saúde Pública e Saúde Coletiva. Assim, buscamos explorar tais desconexões em outros espaços da saúde.

1) O profissional da saúde e a dieta inviável para o paciente

Microevento. Data: 12/05/2005. Hoje durante o trabalho estive conversando com uma nutricionista, conversamos sobre assuntos corriqueiros até chegarmos à pergunta “como está o mestrado”, comentei com ela sobre o tema da pesquisa, sobre pobreza e saúde. Ironicamente, questionou: “nada haver com nosso trabalho aqui em Eldorado, não é mesmo?” Relatou a dificuldade em trabalhar aqui, principalmente no caso das dietas, por exemplo, para os pacientes diabéticos. Muitas dessas pessoas mal têm o que comer em casa e têm dificuldades em seguir a dieta. Relatou também que acontece de pessoas chegarem na Santa Casa e pedirem alimentos porque não tem nada em casa. Perguntei o que ela faz nesses casos, disse que encaminha para o S.O.S (Serviço de Obras Sociais) e para a assistente social da prefeitura.

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E mesmo morando na zona rural, no sítio, onde poderiam cultivar esses alimentos, não significa que é fácil para o paciente comer esses alimentos. Aliás, uma coisa que ouço muito – entre profissionais da saúde, numa reunião de segurança alimentar – é o fato das pessoas que vivem em sítios não terem o hábito de fazer uma horta.

2) A alimentação insuficiente relaciona-se com a procura e permanência dos pacientes nos serviços de saúde

Microevento. Data: 05/10/2006. Com a técnica de nutrição, sobre médica da Santa Casa que não queria que servisse comida na no setor de observação. A técnica explica que pode acontecer das pessoas estarem na observação justamente por não terem comida suficiente e adequada em casa.

Trecho 6, entrevista com médico plantonista da Santa Casa

R. Você pega a pessoa carente, às vezes uma pneumonia você precisa internar. (silencio) Porque em casa às vezes corre até risco de vida, tá. Você lida com o fato da desnutrição, que é sério aqui na nossa região. Desnutridas, tem uma gripe e gera uma pneumonia. Criança de baixo peso, desnutridas. A qualidade do alimento, né, a qualidade e a quantidade, também, né.

3) Os profissionais da saúde e a dificuldade para o paciente nos cuidados em casa

Microevento. Data: 11/04/2005. Hoje após o almoço na minha casa com uma amiga, médica da UBS, chegamos até uma discussão sobre sarna, sobre tratamento para sarna - para os médicos escabiose. Formada ano passado (2004), contou o quanto já estava familiarizada com pacientes com sarna, que só de olhar da porta do consultório na UBS já sabia que era escabiose. Conversamos sobre o tratamento, ela me contou que tem o medicamento gratuitamente na UBS. Porém há procedimentos que o paciente deve seguir, como trocar a roupa todos os dias, inclusive roupa de cama. Também deve ferver as roupas ou deixar dentro de um saco plástico por duas semanas. Procedimentos essenciais para ficar livre da escabiose. Para a médica, certamente os pacientes não tem condições de cumprir tais procedimentos, pois mal tem o que vestir, muitos chegam à UBS com roupas não muito limpas. Relatou que atender criança pequena com escabiose é mais triste ainda, as mães chegam e desenrolam os bebês na maca, com a pele toda vermelha.

Trecho 5, grupo focal

Referências

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