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Direito, Teoria do Direito e Direito Penal

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Academic year: 2020

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Direito,

Teoria do Direito

e Direito Penal

Roberto Lyra Filho Escritor e professor universitário (UnB) 1. Entre a Teoria G eral do D ire ito , em sua te n ta tiv a de ela­ b orar os esquem as conceptu ais n ecessários para as operações da C iê n cia Jurídica, e o D ire ito Penal, com o d is c ip lin a especial, ainda se m a n ife sta uma espécie de décalage, seja d e co rre n te da fa lta de info rm a çã o dos c rim in a lis ta s , no que tange ao avanço da Teoria G eral, seja pela adaptação apressada do que esta ú l­ tim a pôde c o n s tru ir com assento no te rre n o do D ire ito Pri­ vado. 1

Por o u tro lado, os dados, por assim dizer, c lá ssico s, a re s­ p e ito da noção de norm a ju ríd ic a , suas assim cham adas d iv i­ s õ e s ” , sua e s tru tu ra conservam um desim p e d id o trâ n s ito até nas obras m ais re ce n te s de algum as fig u ra s re p re s e n ta tiv a s e em quase todas as de m enor porte, fazendo caso o m isso da produção já c o n sid e rá ve l das análises te ó ric a s gerais, sob os pontos de v is ta lógico e o n to ló g ic o . - A Teoria Geral do D ire ito Privado e até, m ais m odernam ente, a Teoria Geral do Processo estão, sem dúvida, m ais desen vo lvid a s do que sua c o n tra p a rte , tão pouco cu ltiva d a , a Teoria Geral do D ire ito Penal.

2. Tal situ a çã o p e rtu rb a a fo rm u la çã o das cham adas regras de d ire ito , is to é, as pro p o siçõ e s em que se a g lutina m os re ­ su lta d o s da análise té c n ic o -ju ríd ic a , na co n stru çã o dos d ife re n ­ te s planos desentranhados do ordenam e nto ou co n ju n to de no r­ mas vig e n te s . Veja-se, por exem plo, a d ific u ld a d e que se apre­ senta à ocasião em que se pretende fix a r a p e cu lia rid a d e da norm a penal, o que pode, sob algum aspecto, d is tin g u í-la das dem ais norm as ju ríd ic a s . A liá s , é com um aparecere m , nessa

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perspectiva, as posições que confundem duas coisas d is tin ta s : a questão da chamada autonom ia do D ire ito Penal e a questão d a -peculia rid ade da norma penal, daquilo que há de p e rm itir o re co rte seguro do te rre n o pro p ria m e n te ju ríd ic o penal na espé­ cie de comunhão pro indiviso do ordenam ento global.

3. Os c rim in a lis ta s ainda tra ta m , com ênfase e, em geral, o piniões d ivididas, da questão da autonom ia da norm a penal, gastando tem po na discussão em que se pergunta se esta ú lti­ ma se lim ita a re fo rça r as p receituaçõ es dos dem ais cam pos do d ire ito ou se tem preceituaçõ es próprias.

A s relações entre os d ife re n te s ram os do d ire ito e, m es­ mo, a não-contradição entre se to re s que pertencem a um m es­ mo ordenam ento não im pedem que o elenco de norm as ju ríd ic o - penais estabeleçam , para seus p ró p rio s fin s , d ire ito s e deveres peculiares. ROBERTO LYRA lem bra, por exem plo, que o art. 135 do Código Penal de 1940 é “ p riv a tiv o " do D ire ito Penal. (3) A liá s , a cessoriam ente, m u ito s co n ce ito s e até in s titu to s perte n ce n te s a outros ramos do d ire ito ganham d is c ip lin a autônom a. Note-se, quanto ao D ire ito A d m in is tra tiv o , o que se entende por fu n c io ­ nário público, em com paração com o alargam ento que a este conceito dá a esfera penal; ou, no que tange ao D ire ito C iv il, a transm utação da sem ântica ju ríd ic a , no que se re fe re a coisa m óvel, casa, d o m ic ílio e assim por diante.

4. Uma coisa é, porém , reconhecer que o D ire ito Penal é v isce ra lm e n te c o n s titu tiv o (com o qualquer o u tro ) e, não, m era­ m ente sa nciona tório; e coisa m u ito dive rsa é a trib u ir ao pre ­ c e ito penal uma natureza, uma essência, d ive rsa da que revelam as dem ais norm as ju ríd ica s. Nenhuma ilic itu d e é, em si, penal, de tal m aneira que, ao passar à esfera da d is c ip lin a ju ríd ic a , recaia eo ipso no campo penal. M u ita s condutas, noutros tem pos ou lugares, enquadradas no âm bito penal, já passaram para o te rre n o c iv il ou m esm o nem se podem v e r m ais no elenco das infrações à d is c ip lin a privada ou à a d m in is tra tiv a . De resto, o co n trá rio tam bém ocorre e, u ltim a m e n te , com desusada fr e ­ qüência, quando o le g isla d o r se deixa em polgar pela idéia, aliás falsa, de que a com inação de sanções penais re fo rça rá as pre­ ceituaçõe s, pela m aior fo rça in tim id a tó ria que elas re p re se n ta ­ riam . Isto contrasta com duas ordens de d ire çõ e s e v o lu tiv a s : 9 p rim e ira co n sistin d o no abandono da concepção in tim id a tiv a e re p re ssiva do D ire ito Penal (cujo d e clín io , no pensam ento e nas in s titu iç õ e s m ais avançadas, é e vid e n te ); a segunda

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apre-sentando-se através da v e rific a ç ã o c rim in o ló g ic a de que a in ti­ m idação é ilu só ria , pois, na presença dum pote n cia l crim in ó - gino reforçado, a ameaça penal redobrada c o n trib u i para aum en­ ta r a pró p ria tensão que se visa a subjugar.

A ilic itu d e c iv il ou penal é categoria puram ente em pírica, s u je ita às oscila çõ e s h is tó ric o -c u ltu ra is , sem qualqu er delinea- m ento te ó ric o a priori.

5. Se, portanto, em que pese a autonom ia c o n s titu tiv a das prece itu a çõ e s penais, não há d is tin ç ã o o n to ló g ica , quanto ao que c o n s titu iria m atéria de in crim in a çã o e o que re ca iria no âm­ b ito de o u tro s ram os do d ire ito para c o n fig u ra r infrações de o r­ dem c iv il ou a d m in is tra tiv a , o recurso vá lid o pareceria se r o exam e de uma d is tin çã o m ediante a peculia rid a d e das sanções. A sanção crim in a l seria, então, o c rité rio d is tin tiv o .

É o que já sustentava , e n tre o u tro s, GRISPIGNI, sem que is to deixasse de m a n ife sta r, e n tre ta n to , ce rta s d ific u ld a d e s es­ peciais.

Para chegar à defesa de sua posição, que co in cid e com m uitas re s p e itá v e is opin iõ e s, o m e stre ita lia n o d iv id ia as san­ ções em e xe cu tiva s e p u n itiva s. A s p rim e ira s , que c o in c id iria m com a prestação que é o b je to do p re c e ito (o dever ju ríd ic o ), abrangeriam o im p e d im e n to da ação c o n trá ria ao p re ce ito , o co n stra n g im e n to ao c u m p rim e n to do p re ce ito , a reposição no statu quo ante ou o re ssa rcim e n to , com prestação de um e q u i­ vale n te . No p rim e iro caso (im p e d im e n to da ação co n trá ria ao P receito), não haveria, aliás, p ro p ria m e n te uma sanção, de vez que a não-prestação se ria evitada. Nas sanções p u n itiva s, por outro lado, a execução e fe tiv a do p re c e ito não se caracteriza, nem d ire ta , nem in d ire ta m e n te (por algum re ssa rcim e n to , de equivalê ncia, aliás, puram ente convencio nal). A s sanções p u n i­ tivas, segundo GRISPIGNI, seriam com o que re a firm a çõ e s s im ­ bólicas do p re ce ito .

A in d a segundo GRISPIGNI, nas sanções p u n itiv a s entram em linha de conta, m ais acentuadam ente, as causas psíquicas da infração, isto é, o enlace da não-prestação e da sanção v in ­ cula-se ao ele m e n to s u b je tiv o , antes que à pura e o b je tiv a rea­ lização ou não realização da conduta. D entre as sanções p u n i­ tivas, GRISPIGNI d is tin g u e as a d m in is tra tiv a s e as penais — o que, desde logo, em m u ito atenua, se não descaracteriza , a

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ênfase su b je tiva , que pode esta r presente no D ire ito Penal da culpa, mas não é elem ento essencial ou, m esm o, fa ta lm e n te predom inante no âm bito a d m in is tra tiv o e ainda so fre os golpes, no pró p rio D ire ito Penal, de uma acentuada quota de infrações que se armam sob a égide da responsab ilidade o b je tiva .

Por outro lado, segundo GRISPIGNI, as sanções c rim in a is se apartam das a d m in istra tiva s, enquanto aquelas, d ive rsa m e n ­ te destas, são im postas por um órgão da ju ris d iç ã o . O bserva- se que esta d istin çã o só adquire relevo no âm bito da separação de poderes, sem esquecer as in te rfe rê n c ia s fu n cio n a is que dão a poderes d iversos a trib u içõ e s de o u tro s, com o os aspectos ad­ m in is tra tiv o s da atuação ju d ic iá ria , os aspectos ju d ic iá rio s da atuação de órgão do poder le g is la tiv o e, até, conform e o o rd e ­ nam ento, a presença de a trib u içõ e s le g is la tiv a s e até ju d ic iá ­ rias em órgãos executivos. De qualquer so rte , a separação de poderes, inerente ao que GRISPIGNI chama o Estado M oderno, depende de que por tal nome se designe um Rechtsstaat v is c e ­ ralm ente lib e ra l, o que é m u ito sim p á tico , mas não corresponde sem pre à realidade da vida do d ire ito contem porâneo.

Sob outro ângulo, cum pre lem brar que há to d o um sabor c lá ssico nessas elucubrações, pois a ênfase p u n itiv a m ais uma vez contrasta com a índole e a te le o lo g ia tu te la re s de m u ito s in s titu to s penais, se não com todo o seu predom ina nte ende­ reço contem porâneo, desde a Scuola Positiva à Défense Sociale Nouvelle. (4> O sistem a de m edidas de segurança, por exem plo, cria d ificu ld a d e s irisuperáveis para um enquadram ento com o sanções p u n itiv a s ", em que pese a d im in u içã o de um ou m ais bens ju ríd ico s. R esolver a questão, apelando para o a rtifíc io de designa-las como form as do poder co a tivo do Estado não pa­ rece re so lve r s a tis fa to ria m e n te a questão. Vejam -se, por exem ­ plo, as in te rd içõ e s, que aparecem no cam po do D ire ito Penal, com o no do A d m in is tra tiv o e até do C iv il: a adotar-se o esque­ ma, com o elem ento de lógica ju ríd ic a , chegaríam os à conclusão de que ha sanções c rim in a is " de D ire ito A d m in is tra tiv o e até . re '* ° C i v i l . . . Há “ sanções p u n itiv a s " c iv is a p licá ve is ju- ris d ic io n a lm e n te (basta lem brar o a rt. 395 do Código C iv il, por exem plo).

6. Seria possível ver, de a u to r a autor, quão a rtific ia is se apresentam os c rité rio s d is tin tiv o s , ainda que isso conduzisse a conclusão, à p rim e ira v is ta assustadora, de que não há uma separação radical entre os d ife re n te s se to re s do ordenam ento

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ju ríd ic o e que o D ire ito Penal (que alguns p re fe re m cham ar c r i­ m inal, ju s ta m e n te em d e fe rê n cia ao colapso do ím peto p u n itivo , re p re ssivo , nas m elhores d ireções e vo lu tiva s) não é m ais do que um â m bito cujo re co rte depende do tu m u lto das em ergên­ cias h is tó ric a s e dos acidente s na vida do d ire ito .

O p ro p ó sito desta nota, porém , é m ais profundo . Ela pre­ tende in sin u a r que, para além da décalage en tre a Teoria Geral do D ire ito e a Teoria Geral do D ire ito Penal, há o u tro desajuste , e n tre as m alhas duma pseudo lógica ju ríd ic a o e sp e ctro duma idéias de Estado e legislação e uma necessária revisão do con­ c e ito de D ire ito m esm o, segundo as d ire çõ e s do pensam ento contem porâneo.

O problem a te ria que ser retom ado da capo, sob pena (a expressão cai com ce rta ir o n ia . . . ) de se ver, sem pre, in sin u a r entre as m alhas duma pseudo-lógica ju ríd ic a o e sp e ctro duma o n to lo g ia ju ríd ic a m u tila d o ra , desatualizada e, afin a l, co n tra s ­ ta n te com o que o D ire ito (em sua in te g rid a d e m aiúscula) re a l­ m ente é.

Foi todo esse itin e rá rio que levou o autor destas linhas a esboçar uma construção, partin d o dos co n ce ito s de Hom em , Ética e D ire ito , para chegar à desobstruçã o dos cam inhos de um c o n ce ito de c rim e , a que a Teoria Geral do D ire ito , em sen­ tid o clá ssico , não poderia tra z e r elucidação. Daí todo o se n tid o de uma C rim in o lo g ia D ia lé tica , (5) em que o m e stre de Bolonha, Prof. LUIGI BAGOLINI quis ver, generosam ente, uma “ c o n trib u i­ ção pessoal, o rig in a l" e em que o Prof. DENIS SZABO, d ire to r do C entro Internacion al de C rim in o lo g ia Com parada, com igual m u n ificê n cia , reconheceu um a d m in ícu lo b ra s ile iro a debate de porte in te rn a cio n a l.

A esperança, que agora se fo rm u la , é a de que, e n tre nós, se possam d e se n vo lve r as in ve stig a çõ e s iniciadas, por um m ais am plo debate dos fundam en tos filo s ó fic o s do D ire ito Penal e da C rim in o lo g ia , que se vêm desenvo lvendo na U nive rsid a d e de B rasília.(6) Esse e sfo rço de m a n te r a inquieta ção e a vida in te ­ lectual liv re parece ao a u to r desta nota o tra ço de co n tin u id a d e da pró p ria UnB, através de todas as suas c ris e s de cre s c im e n to , absorvendo co n tra d içõ e s p e rifé ric a s , para coligar-se à in s p ira ­ ção renovadora, ainda p re se n te no ano do seu décim o a n iv e r­ sário.

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NOTAS

1) ROBERTO LYRA FILHO, Curso de Teoria Geral do Direito Penal e

Criminologia, Brasília, UnB (edição mimeografada), 1965, passim.

2) MIGUEL REALE, O Direito como Experiência, São Paulo, Saraiva, 1968, p. 227 e segs.

3) ROBERTO LYRA, Introdução ao Estudo do Direito Criminal, Rio, Editora Nacional de Direito, 1946, p. 197.

4) Quanto às ligações entre a Scuola Positiva e a Délense Sociale Nouvelle, ver MARC ANCEL, La Défense Sociale Nouvelle, Paris, Cujas, 1966,

passim. O avanço, para além dessa acomodação neo-positivista (no sen­

tido juridico-penal), é demarcado, pelo autor desta nota, em seus escri­ tos: ver e. g „ Criminologia Dialética em Ação, in Noticia do Direito Bra­

sileiro — 1971, Brasília, Gráfica do Senado, 1972.

5) ROBERTO LYRA FILHO, Criminologia Dialética, Rio, Borsoi, 1972

passim.

6) Ver ROBERTO LYRA FILHO, Plano de Curso de Especialização em So­

ciologia do Crime (Pós-graduação), Brasília, Edição mimeografada, 1972, passim. Sobre esse plano, assim se manifesta no Centro Internacional

de Criminologia Comparada, por seu diretor, Prof. DENIS SZABO: “ O plano me parece bem estruturado e perfeitamente concebido para desenvol­ ver pesquisas criminológicas na moldura do ensino das ciências sociais. A ênfase numa sólida formação nessas disciplinas é, ali, posta com avançada especialização nos métodos de pesquisa. Acho esses desen­ volvimentos extremamente desejáveis, num país que deverá enfrentar ne­ cessidades crescentes no terreno do estudo da aberração (déviance) e das diferentes formas de criminalidade” (ofício de 10 de novembro

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