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Nacionalização Boliviana e Desafios da América do Sul

Análise de Conjuntura OPSA (no 4, abril de 2006) ISSN 1809-8924

Marco Cepik*

Marcos Carra

A reação no Brasil ao decreto boliviano de nacionalização dos hidrocarbonetos foi sintomática dos desafios atuais da integração na América do Sul. Grande parte da mídia, dos políticos da oposição e de comentaristas (tanto acadêmicos como diplomatas aposentados) exigiu uma reação dura e de defesa intransigente dos interesses comerciais e financeiros do “Brasil”. Alguns mais exaltados só faltaram pedir a invasão militar da Bolívia para iniciar de uma vez a excisão do “populismo”. Descontadas as hipocrisias e ignorâncias óbvias, algumas questões deixadas em aberto pelo episódio demandam um comentário mais detido. Em primeiro lugar, sobre o papel da Petrobras na política brasileira para a região. Em segundo lugar, sobre a própria política brasileira para a região, uma vez que o projeto de construção da Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA) enfrenta problemas políticos evidentes.

Antes, porém, voltemos ao que pareceria ser o princípio de tudo, discutindo a crise na Bolívia. Para os que consideram o governo Evo Morales um fator de desestabilização na região, nunca é demais lembrar que muito pelo contrário, depois de anos de instabilidade causada por governos frágeis e políticas privatizante, a coalizão governante atual é a melhor chance de estabilização daquele país de 9,2 milhões de habitantes (mestiços, quéchuas, aimarás, guaranis e 15% de brancos).

* Marco Cepik, professor de Ciência Política e Relações Internacionais da UFRGS e pesquisador do

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Com uma população majoritariamente rural (62%) e pobre (67,3% vivem abaixo da linha oficial de pobreza), a Bolívia foi dominada desde sua independência por minorias oligárquicas brancas e predatórias, que rivalizavam entre si pelo poder enquanto exploravam a população indígena e os recursos do país para seus próprios fins, legando um sistema político caracterizado por uma revolução nacional inacabada e uma marcante instabilidade política. Do ponto de vista econômico, caracteriza-se por forte dependência dos setores intensivos na utilização de recursos naturais (Cunha, 2004). Trata-se, portanto, de tomar a pobreza, a instabilidade e a dependência como parâmetros iniciais de qualquer discussão sobre o significado do decreto de nacionalização.

Petróleo e Gás Natural na Superação da Crise da Bolívia

A Bolívia tem reservas de petróleo pequenas (cerca de 441 milhões de barris), mas possui a segunda maior reserva de gás natural da América do Sul (cerca de 1,4 trilhão de m3). A economia boliviana contemporânea tornou-se crescentemente centrada no gás natural, sendo que os investimentos estrangeiros no setor representaram cerca de 50% da formação bruta de capital no país entre 1997 e 2000. Em 2002, suas reservas de gás representavam 1% das reservas mundiais e 11% das reservas conhecidas da América Latina.

Foi em 1896 que Manuel Cellar descobriu acidentalmente o primeiro manancial de petróleo em Mandiyuti. As grandes petrolíferas chegaram ao país em 1921, quando a Standard Oil of New Jersey criou uma subsidiária boliviana, a qual descobriu petróleo em escala comercial no Campo Bermejo, em 1924. Até o final da Guerra do Chaco (1932-1935) o setor petrolífero ficou a cargo da iniciativa privada, mas a derrota neste conflito e as posteriores dificuldades financeiras do país levaram o governo do General David Toro a promover a primeira nacionalização do setor (decreto de 21 de dezembro de 1936), determinando que todas as concessões petrolíferas caducariam em 13 de março de 1937, quando os ativos das petroleiras (diga-se Standard) passariam para a estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) em troca de uma indenização de US$ 1,7 milhão.

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Cruz, que em 17 de julho de 1980 seria assassinado a mando do ditador Luis García Meza. Nenhuma das duas nacionalizações logrou resolver os problemas do país. A Bolívia continuou tão pobre quanto era antes e a YPFB revelou-se incapaz de assumir os elevados encargos necessários para conduzir a indústria petrolífera. Em ambos os casos faltaram capitais para investir em pesquisa, exploração e modernização. Faltava também mão-de-obra qualificada para tocar o setor.

Após a crise hiperinflacionária de 1985 e a implementação de uma agenda neoliberal durante os governos de Paz Zamora e Sánchez de Lozada, foi aprofundado o processo privatizante que, pela Lei 1.689/96, atingiu a YPFB. A privatização do setor de hidrocarbonetos visava a atrair investidores, seus capitais e tecnologia para reativar o setor e fazer caixa para saldar as obrigações previdenciárias do governo. A YPFB sobreviveu como agente estatal por meio do qual o Governo intervém na área, mas foi proibida de produzir e explorar hidrocarbonetos, atividades executadas exclusivamente através de contratos de risco.

Os ativos YPFB foram divididos antes da privatização rompendo sua linha vertical: os campos foram reunidos em duas sociedades anônimas mistas (SAM), Andina SA (composta por 50% fundos de pensão bolivianos; 20,25% Repsol-YPF; 20,25% Petrobras e 9,5% Pluspetrol) e Chaco SA (composta por 50% fundos de pensão bolivianos; 30%, BP e 20% Bridas). As duas refinarias foram vendidas por US$ 102 milhões para o consórcio Petrobras (70%) e Pecom (30%) e depois passaram à primeira. A Lei também liberou a importação e exportação de petróleo, gás e derivados.

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Nesta fase, a Petrobras obteve da YPFB a concessão de dois blocos petrolíferos, San Alberto e San Antonio, localizados no estado de Tarija. O acordo estabeleceu que, em caso de se encontrar gás, as empresas seriam sócias na base 50/50. Caso contrário, a Petrobras se retiraria assumindo 100% dos custos. Depois a Petrobras vendeu 30% de sua participação para a TotalFinaElf, para diminuir o risco do projeto (poços com mais de 3.600m de profundidade escavados em rochas muito duras...). Estes trabalhos, que se iniciaram com a YPFB, continuaram com a Andina SA. Em junho de 1999 foi confirmado que os blocos San Alberto e San Antonio possuíam reservas imensas, calculadas em 566 bilhões m3, quase 40% das reservas provadas da Bolívia, estimadas agora em mais de 1,4 trilhão de m3.

Os dois grandes campos de gás estão em San Alberto e Sábalo e são controlados diretamente pela Petrobras, que participa também da construção de dois gasodutos capazes de ramificar o sistema boliviano. O primeiro, com capacidade máxima calculada em 23 milhões de m³/dia e 431 km de extensão, liga Yacuíba a Rio Grande (GASYRG) construído em parceria entre a YPFB (55,5 % do capital) e a Petrobras (44,5% do capital). O segundo gasoduto (San Marcos) foi construído inteiramente com capitais da Petrobrás e é de sumo interesse para o Brasil, pois transporta o gás natural até a cidade de Puerto Suárez, na fronteira entre Bolívia e Brasil.

Também é importante destacar que nos anos 1990 a tentativa de reanimar a produção de hidrocarbonetos e a construção do gasoduto Bolíva-Brasil se deu ao mesmo tempo em que a tentativa norte-americana de erradicar o cultivo de coca na Bolívia avançava no contexto de relações cada vez mais difíceis entre os Estados Unidos e a região. Até então, cerca de 60% do PIB da Bolívia advinha do cultivo da folha de coca, produto do qual o país era o segundo exportador mundial e que era, ao mesmo tempo, fonte de renda da maioria da população pobre. Em 1997, sob orientação dos EUA, o governo boliviano desenvolveu o Plano Dignidade, que previa auxílio financeiro dos norte-americanos em troca da erradicação/controle do cultivo de coca. Os plantadores de coca (cocaleros) que aceitassem fazer parte do programa receberiam benefícios de US$ 2,5 mil para cada hectare de coca eliminado, US$ 933,00 anuais pelo cultivo de produtos lícitos, terra gratuita e assistência técnica, entre outros.

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substitutiva tinha outras nuances. Os bolivianos temiam ficar muito dependentes da Enron, uma das sócias no negócio e que tinha atrás de si o apoio do governo dos Estados Unidos, muito interessado no projeto. Ademais, como a população local manifestou-se contra a venda do gás aos norte-americanos, só havia um consumidor adequado, o Brasil. O governo brasileiro tinha urgência na construção do gasoduto, pois temia que a obra não ficasse pronta a tempo de ativar o projeto termoelétrico, evitando assim um colapso no sistema elétrico. As políticas de erradicação da coca e a privatização do setor de hidrocarbonetos não deram os resultados esperados. Segundo os sindicatos cocaleros, as vantagens oferecidas para a troca de produtos eram muito pequenas, pois os rendimentos das novas lavouras reduziam a renda de 30 para 4,5 dólares por família semanalmente. Além disso, eles ficavam reféns das multinacionais porque o pacote tecnológico oferecido incluía a compra de insumos (adubos, fertilizantes e diesel) importados o que agravava a situação. Neste período, a crescente crise de legitimidade do sistema político do país refletiu-se em parte no fato de que, mesmo a Bolívia tendo recebido substanciais aportes de investimentos (cerca de US$ 3,5 bilhões em 10 anos) e o gás importado pelo Brasil fornecer uma receita média de US$ 700 milhões em impostos, não se logrou reduzir a pobreza da população.

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Antes das eleições presidenciais de 18 de dezembro de 2005, a promessa de tomar atitudes no sentido de nacionalizar o setor de hidrocarbonetos fazia parte da plataforma de todos os candidatos, mas foi capitalizada sobretudo por Evo Morales. Indígena de etnia collia e ex-líder cocalero, Morales conseguiu identificar-se com a maioria indígena pobre e excluída dos processos eleitorais anteriores, que agora poderiam decidir uma eleição justamente por terem engrossado as favelas de La Paz. Além disso, seu partido, o Movimiento al Socialismo (MAS), tinha por atrás alguns dos maiores defensores da nacionalização do setor de hidrocarbonetos, entre eles Andrés Solíz Rada (atual Ministro dos Hidrocarbonetos) e Alvaro García Linera (atual vice-presidente da Bolívia).

Após a vitória de Morales já se sabia que alguma mudança aconteceria. Em seu último comício no dia 15 de dezembro de 2005, pouco antes da eleição do dia 18, ele prometeu nacionalizar os bens do subsolo e reaver as propriedades da YPFB.

A nacionalização de 2006 e seus desdobramentos imediatos

No dia 01 de maio de 2006, nas instalações da Petrobras em San Alberto, numa atitude repleta de publicidade e simbolismo, o presidente boliviano Evo Morales leu o Decreto Supremo 28701, nacionalizando as propriedades das petrolíferas que atuavam no país. O Decreto, chamado “Heroes del Chaco”, era uma referência aos mortos na Guerra de 1932-1935. Ao mesmo tempo o exército foi chamado a ocupar as duas refinarias da Petrobras e 56 blocos de exploração pertencentes às outras companhias. Pelo decreto ficou estabelecido que:

1. O Estado recuperava a propriedade, posse e controle (art. 1), bem como o transporte, armazenagem, refino, industrialização e comercialização dos hidrocarbonetos (art. 5.);

2. Toda produção de hidrocarbonetos deveria ser entregue a YPFB que definiria os termos de comercialização, volumes de produção, preços bem como critérios de exportação e industrialização dos hidrocarbonetos (art. 2);

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4. Durante este período de 180 dias os campos cuja produção certificada de gás natural em 2005 foi superior a 2,8 milhões de m3/dia teriam o valor da sua produção assim distribuída: 82% ao Estado (18% lucros e participações, 32% de impostos direto sobre hidrocarbonetos e 32% como participação adicional para a YPFB), e 18% ficariam com as companhias (art. 4); 5. Os campos com produção inferior a 2,8 milhões de m3/dia seriam taxados conforme a determinação anterior, ou seja, 50% (art.4);

6. As companhias sofreriam uma auditoria verificando seus investimentos (art. 4);

7. A título gratuito ficaram transferidas para a YPFB as ações dos cidadãos bolivianos que formavam parte do fundo de Capitalização Coletiva da Chaco SA, Andina SA e Transredes SA (art. 6);

8. A YPFB passaria a ter o controle mínimo de 50% mais uma ação das empresas: Chaco SA, Andina SA, Transredes SA, Petrobras Bolívia Refinación SA e Compañia Logística de Hidrocarburos de Bolívia SA. (art. 7).

O decreto 28701 foi justificado numa série de dispositivos legais, dentre os quais se destacam: os artigos 136, 137 e 139 da Constituição que declaram os hidrocarbonetos um patrimônio inalienável do Estado; pelo artigo 59 da mesma Constituição que determina que os contratos firmados para exploração de riquezas devem ser aprovados pelo Poder Legislativo; pelo Referendum Vinculante de 18 de julho de 2004 que aprovou a retomada do controle dos hidrocarbonetos pelo Estado; pelo artigo cinco da Lei 3058 de 17 de maio de 2005 que obrigava as petrolíferas a firmar novos contratos (o que não foi feito) e pelos artigos 24 e 135 da Constituição que determinavam que todas as empresas estabelecidas no país estão submetidas à soberania, leis e autoridades da República.

As razões da nacionalização podem ser resumidas em duas ordens de considerações. Em primeiro lugar, Morales foi eleito com forte expectativa de reverter políticas neoliberais mal sucedidas e que não cumpriram suas promessas de estabilidade e prosperidade. Criando um viés de esperança, ele deveria dar uma resposta impactante capaz de unir a população em um objetivo comum. O timing da iniciativa pode sim ter a ver com o fato de que o presidente

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eleitoral para as eleições para as 255 cadeiras da Assembléia Nacional, a qual deve acontecer no dia 29 de junho deste ano e para a qual o MAS já começou a preparar-se.

A segunda razão tem a ver com alinhamento de Morales com o seu maior apoiador na América do Sul, o presidente venezuelano Hugo Chávez. Morales já havia manifestado seu apoio para a Alternativa Bolivariana por las Americas (ALBA), alternativa firmada em 2004

entre Chávez e o presidente cubano Fidel Castro, efetivando a nacionalização logo depois de voltar de Havana onde, juntamente com Fidel Castro e Hugo Chávez assinou o Tratado de Comercio de los Pueblos. A nacionalização reforça esta aproximação, criando uma

dificuldade adicional para o processo de construção da Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA).

Em termos de conseqüências imediatas do decreto, é preciso lembrar que pelos contratos fixados originalmente o Estado boliviano não deixava de ser dono dos bens do subsolo, mas estes passariam a ser posse das petrolíferas assim que o extraíssem do subsolo tendo poder de decidir o que fazer com eles. Cabia apenas à operadora titular a obrigação de recolher os impostos correspondentes. O que Morales fez foi encampar não 100% das instalações, mas apenas assumir o controle acionário delas, tendo assim mais poder de decisão sobre o destino dos hidrocarbonetos.

Dado o volume de investimentos e o grau de envolvimento da empresa no país, de fato foi a Petrobras que sofreu as maiores conseqüências do decreto 28701. Até a nacionalização, a Petrobras era a maior empresa boliviana onde havia investido um total de US$ 1,5 bilhão numa série de negócios: modernização das refinarias, plantas de tratamento de gás, postos de combustível, gasodutos, etc. Sozinha a estatal representava 18% do PIB boliviano, respondia por 24% da arrecadação de impostos, 46% das reservas de gás, 95% da capacidade de refino, 23% da distribuição de combustíveis e era a dona dos dois únicos campos de gás que produzem 2,8 milhões de m3/dia de gás natural.

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Tecnicamente a PDVSA não tem condições de substituir em tempo hábil a estatal com o mesmo nível de eficiência.

O governo Morales criou problemas políticos para si mesmo ao assumir o controle acionário da Andina e Chaco S.A., que pertenciam aos fundos de pensão bolivianos, afirmando que o Estado assumiria a responsabilidade por estas pensões. Supõe-se que os recursos para tal virão com a renda extra de um possível aumento no preço do gás exportado para o Brasil. Conforme dados oficiais da Gaspetro S.A. (subsidiária da Petrobras) responsável pela distribuição interna de gás natural, o serviço de transporte do gás natural boliviano é de responsabilidade da Petrobras e da BG Comércio e Importação Ltda. e em maio de 2006 foram transportados 24,5 milhões de m3/dia de gás natural da Bolívia a um preço médio entre US$ 3,13 e US$ 3,80 cada 28,31 m3. A este preço este o gás natural chega ao consumidor final em São Paulo custando US$ 5,50 cada 28,31 m3.

Os bolivianos achavam que o preço pago pela Petrobras está muito baixo e querem um preço médio 45 % maior, o que levaria o preço final médio ao consumidor a US$ 8,00. A Petrobras considera que o produto pode chegar ao consumidor final custando no máximo US$ 6,00. Conforme Andrés Solíz Rada, Ministro dos Hidrocarbonetos, cada dólar a mais pago pelo gás boliviano aumentaria em US$ 350 milhões a receita do Estado. Os bolivianos defendem este aumento baseando-se em três razões. A primeira é que conforme o ministro conselheiro boliviano, Pedro Gumucio Dragon ele deveria receber um reajuste mais parecido com o do petróleo "Nos últimos 24 meses, o preço do barril de petróleo ficava entre US$ 40 e US$ 43 dólares. Hoje, está em US$ 75".

A segunda razão foi apresentada pelo Ministro dos Hidrocarbonetos, Andrés Soliz Rada, em entrevista coletiva concedida em uma das refinarias da Petrobras na cidade de Santa Cruz, é que comparado com o gás natural a Petrobras cobra entre US$ 7,00 e US$ 7,50 pelo combustível que produz no Brasil. A terceira razão é que o preço do gás que chega ao consumidor final nos Estados Unidos, um dos países que serve de parâmetro para os preços internacionais do produto, está entre US$ 7,00 e US$ 7,5 cada 28,31 m3.

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todos os cidadãos da região enfrentar adequadamente a transição sistêmica em curso no sistema internacional, o tipo de resposta que o governo e a Petrobras devem dar ao decreto boliviano é mais complexa do que negociar os preços do gás ou a indenização dos contratos modificados unilateralmente pelo decreto.

Parâmetros para a Resposta do Brasil:

Do lado boliviano, a venda de gás natural esbarra em três problemas insolúveis a curto prazo, que devem ser levados em conta na estratégia negociadora brasileira. O primeiro deles é que esta venda depende de um único mercado consumidor, o Brasil, que absorve 60% da sua produção e que lhe rendeu US$ 800 milhões em impostos no ano de 2005. Mais importante, o Brasil não é apenas o maior cliente da Bolívia como é o único mercado potencialmente grande a que o país tem acesso no curto prazo, consumidor que a Bolívia não tem como substituir. O outro cliente do gás boliviano, a Argentina, não só paga menos pelo gás que importa como o faz num volume muito menor (cerca de 6 milhões de m3/dia) do que o Brasil. Individualmente nenhum mercado na América do Sul tem condições substituir o mercado brasileiro.

O segundo problema é o transporte. Mesmo que Hugo Chávez utilize os recursos técnicos e financeiros da PDVSA para romper o isolamento boliviano, qualquer gasoduto não ficaria pronto antes de 3 ou 4 anos. Mesmo a exportação além-mar é problemática, esbarrando em questões políticas e econômicas: primeiro a Bolívia teria que encontrar num dos países que a cerca (Argentina, Brasil, Chile ou Peru) um parceiro disposto a dar passagem a um gasoduto seu, depois teriam que encontrar um porto para escoamento do gás natural e depois uma estação de embarque. Além disso, o transporte marítimo é tecnicamente muito mais complexo (e por isto muito mais caro) que o transporte por dutos. Isto poderia inclusive tornar o gás boliviano não-competitivo no mercado mundial. Em termos políticos, foi justamente este projeto que levou em 2002 aos levantes indígenas e à forte onda nacionalista posterior.

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investimentos. A Petrobras pretendia construir uma planta de produção gasoquímica e de fertilizantes na Bolívia, o que juntamente com os investimentos privados brasileiros atingiria a cifra de US$ 5 bilhões. A expulsão da siderúrgica EBX e o anúncio das nacionalizações espantou estes investimentos, talvez de maneira irrecuperável.

Ainda assim, neste momento a Bolívia parece ter duas vantagens ausentes nas nacionalizações anteriores. A primeira delas é a legitimidade política, pois a nacionalização foi feita por um presidente democraticamente eleito, sobre os ombros do qual foi depositada grande esperança popular e que foi conduzido ao poder por uma série de movimentos sociais unidos com objetivos comuns explicitamente ligados à nacionalização dos hidrocarbonetos e ao desenvolvimento social. A segunda vantagem é que o governo Morales conta com créditos e assistência técnica e financeira através da estatal PDVSA, além de uma posição não-agressiva da parte dos governos brasileiro e argentino.

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alguns negócios em comum: cada uma está investindo US$ 2,5 bilhões para a construção de uma refinaria no Nordeste. Na Venezuela, a PDVSA cedeu dois blocos para exploração e produção de petróleo em conjunto com a Petrobras, onde cada estatal tem 51% e 49% dos ativos, respectivamente. Além disso, na Venezuela a Petrobras explora sozinha dois blocos para exploração de gás. Apenas o que a Venezuela teria a perder no Brasil numa possível retaliação já compensaria de longe as perdas da Petrobras na Bolívia.

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Referências Bibliográficas

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