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Categorias Psicossensoriais da prática pianística em diferentes níveis de expertise: perspectivas de deliberação

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Academic year: 2021

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MANTOVANI, Michele Rosita; SANTOS, Regina Antunes Teixeira dos. Categorias Psicossensoriais da prática pianística em diferentes níveis de expertise: perspectivas de deliberação. Opus, v. 24, n. 3, p. 26-54,

níveis de expertise: perspectivas de deliberação

Michele Rosita Mantovani

Regina Antunes Teixeira dos Santos

(Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS)

Resumo: A presente pesquisa tem por objetivo caracterizar tipologias essenciais do fenômeno da

prática pianística baseadas nos procedimentos adotados por quatro pianistas em diferentes níveis acadêmicos (extensão, graduação, pós-graduação e profissional), tendo em vista as perspectivas de deliberação. A metodologia, de cunho fenomenológico, compreendeu a gravação em áudio e vídeo de uma sessão de prática de duas peças do repertório de cada participante e uma entrevista semiestruturada. Os dados foram analisados sob uma perspectiva qualitativa e quantitativa, resultando em nove Categorias Psicossensoriais (assim denominadas por englobarem aspectos de natureza psicológica e sensorial da prática), das quais seis delas são aqui discutidas em termos de procedimentos e eficácia. Os resultados indicam que as perspectivas de deliberação ocorrem pela forma com que essas categorias são estruturadas e frequentemente empregadas em função da expertise: níveis mais elementares demonstraram procedimentos recorrentes, menos variados e com alguma estruturação em desenvolvimento, ao passo que tal estruturação e variedade mostraram-se sistematizadas e distribuídas regularmente à medida que a expertise aumentava.

Palavras-chave: Prática pianística. Categorias Psicossensoriais. Níveis de expertise. Deliberação. Psychosensorial Categories of Piano Practice at Different Levels of Expertise: Deliberative Perspectives

Abstract: The present research aims to characterize essential typologies of the phenomenon of

piano practice based on the procedures adopted by four pianists of different levels (an university extension student, an undergraduate student, a graduate student and a professional) in view of the perspectives of deliberation. The method, which is phenomenological in nature, encompasses an audio and video recording of a practice session of two pieces from the repertoire of each participant and a semi-structured interview. Data were analyzed from a qualitative and quantitative perspective resulting in nine Psychosensorial Categories (so-called since they encompass psychological and sensorial aspects of the practice), six of which being discussed here in terms of procedures and efficacy. The results indicate that the perspectives of deliberation occur because of the way in which these categories are organized and often employed as a function of expertise: more elementary levels demonstrated procedures that were recurrent, less varied and with some organization under development, while organization and variety were shown to be more systematized and normally distributed as the level of expertise increased.

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prática envolve comportamentos multifacetados em forma de ensaio ou treino sistemático para aprender ou adquirir proficiência num dado domínio de conhecimento, a qual possibilita a construção de habilidades e competências a longo prazo (BARRY; HALLAM, 2002: 151-152. LEHMANN; SLOBODA; WOODY, 2007: 61). Como um atrativo objeto de estudo ao longo dos últimos 30 anos, esta tem sido abordada em pesquisas que investigam bases teóricas, metodológicas e variáveis psicológicas que a sustentam (MIKSZA, 2012: 51): a natureza do repertório e da complexidade da tarefa, o gerenciamento do tempo, a organização, o planejamento, o emprego de estratégias cognitivas, a autorregulação, a motivação, a memorização, as habilidades musicais do sujeito, são alguns dos muitos aspectos (e conceitos) já dialogados no campo científico (HALLAM, 1997: 89-107. BARRY; HALLAM, 2002: 152-165. CHAFFIN; IMREH, 2002: 93-138. JØRGENSEN, 2005: 85-103. LEHMANN; SLOBODA; WOODY, 2007: 61-81, entre outros).

Um fator de diferenciação na prática é a questão da expertise, isto é, o nível de conhecimento acumulado e que se consolidou em habilidades num dado domínio de conhecimento de maneira a contemplar excepcionais níveis de performance (BOURNE JR.; KOLE; HEALY, 2014: 1. GOBET, 2016: 2-6). No presente estudo, este fator refere-se à prática e à expertise na área de conhecimento Música, e, mais especificamente, de conhecimento atingido em termos de aquisição de habilidades frente à subárea de Práticas Interpretativas no escopo da prática pianística.

A literatura que relaciona a prática com expertise em Música apresenta um conjunto consonante de pesquisas com o interesse em explicar a figura do expert, vislumbrado na imagem do músico excepcional que dispõe de habilidades técnicas e expressivas superiores frente aos seus pares, bem como a originalidade artística e idiossincrática em sua performance (cf., por exemplo, ERICSSON; KRAMPE; TESCH-RÖMER, 1993: 363-406. MANTURZEWSKA, 2006: 21-53. SLOBODA; DAVIDSON, 1996: 171-190. HALLAM, 1997: 89-107. GEMBRIS; DAVIDSON, 2002: 17-30. LEHMANN; SLOBODA; WOODY, 2007: 61-81). Por outro lado, há um número expressivo de pesquisas comparativas entre a prática de níveis extremos de expertise (cf., por exemplo, GRUSON, 1988: 91-112. HALLAM, 1997: 89-107. HASTINGS, 2011: 369-374. KRUSE-WEBER; PARNCUTT, 2013: 27-32), nas quais a prática de músicos experts é tratada como referência máxima a ser seguida, visto que uma boa prática está sempre relacionada àquela que é por eles empreendida (LEHMANN; SLOBODA; WOODY, 2007: 62), enquanto que a prática dos níveis mais elementares é depreciada por conta dessa comparação (cf., por exemplo, HASTINGS, 2011: 369-374. KRUSE-WEBER; PARNCUTT, 2013: 27-32. HALLAM, 1997: 89-107). É sabido que a prática de um expert é mais eficiente por ser deliberada, isto é, consiste numa atividade altamente estruturada com o estabelecimento de metas, identificação e resolução de erros, energia, atenção e concentração para praticar por períodos regulares, investimentos em recursos externos e desenvolvimento de tarefas específicas com o objetivo de superar os limites atingidos e melhorar o atual nível de desempenho (ERICSSON; KRAMPE; TESCH-RÖMER, 1993; 363-406); contudo, isso não quer dizer que não existe deliberação entre os níveis mais elementares de expertise, pois ela está associada principalmente à quantidade e ao esforço de deliberação na prática acumulados ao longo da vida (ERICSSON; KRAMPE; TESCH-RÖMER, 1993: 363-406).

Nesse âmbito, nota-se ainda o interesse em descrever a prática com referência a etapas sequenciais, bem como em termos de seus comportamentos e ações recorrentes. Em relação à vertente processual, por exemplo, Barry e Hallam (2002: 152-165) e Lehmann, Sloboda e Woody

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(2007: 61-81) defendem que a prática de um expert configura-se em quatro estágios: a concepção de uma ideia global da peça, o trabalho técnico-interpretativo para dominá-la, a prática da performance no trabalho do repertório como um todo e no refinamento dos detalhes, e a manutenção da peça em sutis modificações da interpretação. Gruson (1988: 91-112) e Sternberg (2010: 107-152) consideram a prática uma transição sequencial de processos controlados para processos automáticos nos quais as informações musicais são processadas em unidades de significado crescentes, tanto em extensão quanto em complexidade, à medida que as habilidades são refinadas e consolidadas, e tais processos são diferenciados em função do nível de expertise.

Com relação aos procedimentos da prática (e expertise), parece persistir na literatura uma ênfase no detalhamento de ações e comportamentos, assim como formas de estruturação dos trechos estudados. Nesta direção, três estudos podem ser pontuados como marcos de investigação sobre o fenômeno da prática. Gruson (1988: 91-112) comparou comportamentos e estratégias de 43 estudantes de piano em 11 níveis acadêmicos distintos em função de seus níveis de expertise, constatando que erros, repetição de notas e pausas no estudo são eventos que diminuíam à medida que o nível de expertise aumentava, enquanto a auto-orientação verbal, o estudo de mãos separadas, a repetição de seções e o tempo de prática aumentavam. Ademais, tocar sem interrupção e repetir sessões apresentaram maior incidência em função do nível de expertise mais elevado, ao passo que tocar mais devagar, repetir notas e o tempo de prática apresentaram menor incidência. Miklaszewski (1989: 95-109) investigou a prática de um pianista profissional/expert, cujo objetivo foi detalhar o processo de preparação de uma obra musical. Os resultados apontaram a organização da prática em unidades de acordo com as delimitações estruturais e mudanças na textura da obra, nas quais texturas mais complexas eram fragmentadas em unidades menores e praticadas em separado das demais; mudanças de andamento, estudo de mãos juntas e separadas, analisar a partitura visualmente, tocar a música na íntegra e/ou por trechos, praticá-la de trás para frente, constante monitoramento e correções de erros, bem como memorização das partes, também foram ações observadas. Ademais, as unidades menores passavam a ser agrupadas em unidades maiores, bem como o tempo investido num dado trecho diminuía a cada sessão de prática. Hallam (1997: 89-107. 2006: 118-141) comparou a prática de músicos considerados experts e novatos: de acordo com a autora, os experts buscam adquirir uma compreensão global da obra, praticam as partes conforme as delimitações estruturais da mesma e desenvolvem planos de performance integrados num todo coerente balizado por considerações musicais e técnicas. As estratégias empregadas deram ênfase à análise cognitiva, variações (de ritmo, andamento e articulações) e repetição. Para músicos novatos, o objetivo de suas práticas foi tocar a música corretamente, sem preocupações com aspectos musicais (expressivos); no entanto, comportamentos como repetições da música na íntegra, prática de uma linha de cada vez e desatenção aos erros aos poucos foram dando lugar à identificação de passagens difíceis, estudo em andamento lento, repetições de pequenos segmentos (notas e meio-compassos) e atenção às dinâmicas, à medida que o nível acadêmico aumentava.

Em síntese, as pesquisas mencionadas fornecem evidências de que, à medida que o nível de expertise aumenta, os produtos são atingidos com maior refinamento e menor esforço, e o conhecimento passa a ser compreendido de forma cada vez mais contextualizada e tácita. Contudo, o intento em descrever comportamentos e ações da prática em função dos níveis de expertise mostra-se um tanto genérico: não se observa uma tipificação acerca dos procedimentos aí empregados, e sim uma listagem quantitativa com sutis distinções qualitativas dos mesmos

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procedimentos em funções dos níveis; ademais, vê-se negligenciada a discussão sobre a natureza e a especificidade desses procedimentos, além da relação de sua eficácia frente a perspectivas de deliberação, especialmente no que tange à prática de níveis elementares e intermediários de expertise. Existiriam perspectivas de deliberação acerca dos procedimentos empregados? Se sim, como estas se caracterizariam em função dos níveis de expertise?

O presente trabalho apresenta um recorte da pesquisa de doutorado que teve por objetivo investigar perspectivas de deliberação no fenômeno da prática pianística em função do nível de expertise. O recorte aqui apresentado tem por objetivo caracterizar tipologias essenciais contidas nos procedimentos de prática de pianistas em diferentes níveis de expertise, tendo em vista perspectivas diferenciadas de deliberação.

Método

Com vistas a investigar a prática tal como esta ocorre, isto é, sem impor aos participantes o estudo de uma nova obra e/ou repertório e sem exigir-lhes que abordassem a prática de forma divergente de suas práticas habituais, tomou-se por base os princípios fenomenológicos para a construção do delineamento metodológico. A Fenomenologia caracteriza-se como um método de investigação não intervencionista, o qual permite observar e descrever o fenômeno tal como ele se manifesta em sua pureza original (BICUDO, 1999: 12-13. DEPRAZ, 2007: 7. GIORGI; GIORGI, 2008: 32). Fenômeno, de acordo com Clifton (1983: 19), é tudo aquilo que se dá à consciência humana, qualquer coisa consciente a alguém que vivenciou/experimentou o objeto. Nesse âmbito, a prática pianística configura-se como fenômeno à medida que o instrumentista (sujeito) experiencia intencionalmente a obra estudada (objeto), tornando-se algo consciente ao sujeito na medida em que ele observa e realiza esta vivência. Tudo o que resulta desta experiência é o fenômeno. Na presente pesquisa, o fenômeno consiste na prática musical de pianistas em diferentes níveis de expertise, investigado a partir da experiência desses sujeitos com as obras (objetos) de seus repertórios, tal como eles as praticavam habitualmente. Os objetos, aqui compreendidos como obras materializadas sonoramente na performance/execução, são produtos em construção, experimentados sensivelmente pelos pianistas numa interação de processos cognitivos, visuais, auditivos e motores. Cada sujeito experiencia o mesmo objeto de diferentes formas conforme sua subjetividade, sua singularidade psicológica; entretanto, essas experiências não são particulares e restritas à subjetividade dos sujeitos: há uma (ou mais) unidade(s) interna(s) que permeia(m) as diversas manifestações do fenômeno, chamada(s) essência(s) (BICUDO, 1999: 27. DEPRAZ, 2007: 37). As essências são unidades concretas com traços universais que constituem a objetividade do fenômeno, portadoras dos significados essenciais para que este seja compreendido nas suas mais diversas manifestações (CLIFTON, 1983: 10. DEPRAZ, 2007: 37). Por meio da époché, isto é, da observação e do questionamento do fenômeno partindo unicamente da experiência resultante na interação sujeito-objeto dentro do contexto em que este se manifesta e neutralizando qualquer valor apriorístico conferido ao mesmo (BICUDO, 1999: 17. DEPRAZ, 2007: 38-39), a fenomenologia possibilita extrair as essências do fenômeno que permitem distingui-lo de outros fenômenos, abstraindo a objetividade das experiências subjetivas (CLIFTON, 1983: 9-10).

A presente pesquisa contou com a participação de 18 voluntários, entre estudantes de piano (dos cursos de extensão, graduação, mestrado, doutorado) e pianistas

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profissionais/docentes. Tomando por base a perspectiva fenomenológica, a coleta de dados consistiu em gravar em áudio e vídeo a prática de duas peças dos seus repertórios em etapa inicial de aprendizagem, sendo uma delas uma peça que lhes parecesse apresentar desafios a serem conquistados e outra peça que lhes parecesse ser mais acessível às habilidades e conhecimentos já vivenciados (considerando a possibilidade de haver variações na abordagem da prática em relação às diferentes obras e/ou impressões pessoais sobre as mesmas), cabendo aos participantes a total autonomia em escolhê-las; ademais, a coleta também contou com a realização de uma entrevista semiestruturada com questões acerca de suas práticas. Uma câmera filmadora digital Sony® modelo HDR-CX560 foi disponibilizada para que os participantes se gravassem, bem como tivessem a flexibilidade de selecionar e/ou descartar as gravações que eles desejassem e evitar a inibição perante um observador externo. Os participantes foram orientados a sentir-se o mais à vontade possível durante as filmagens e a manterem seus procedimentos habituais de prática. Alguns deles preferiram realizar as gravações em suas casas e com equipamentos próprios.

Do total de 18 participantes, foram selecionados quatro casos considerando o engajamento dos participantes na pesquisa e a potencial representatividade de níveis distintos de expertise, conforme a formação dos sujeitos e o tempo de prática acumulado ao longo da vida1:

P3, P9, P13 e P17, representando respectivamente um aluno do curso de Extensão, um da Graduação, um da Pós-Graduação e um profissional/docente. A Tab. 1 detalha o perfil dos participantes, as peças selecionadas e o tempo da sessão de prática gravada durante a coleta:

P3 - Extensão P9 - Graduação P13 - Pós-Graduação profissional/docente P17 -

(3º semestre) (4º semestre) semestre/doutorado) (2º (Doutor)

Pe

rf

il Idade/sexo 16 anos / M 26 anos / M 25 anos / F 54 anos / M

Estudo formal no

instrumento 1,5 anos 8 anos 18 anos 41 anos

Pe ça 1 Obra/compositor Sonata KV545 – Allegro (W. A. Mozart, 1756-1791) Sonata KV310 – Allegro maestoso (W. A. Mozart, 1756-1791)

Pour le piano – Prélude

(C. Debussy, 1862-1918) Prelúdio op. 23 n. 1 (S. Rachmaninoff, 1873-1943) Tempo de prática (min) 19:06 22:47 32:54 33:05 Pe ça 2 Obra/compositor Consolação S.172 (F. Liszt, 1811-1886) Balade op.10 n.3 (J. Brahms, 1833-1987) Impromptu op.90 n.1 (F. Schubert, 1797-1828) Sonata em Si menor S.178 (F. Liszt, 1811-1886) Tempo de prática (min) 27:00 29:56 29:24 18:01

Tab. 1: Perfil dos participantes e detalhamento das obras gravadas.

1 Segundo Hallam (1997: 89), o tempo de prática acumulado ao longo da vida é um fator determinante para o

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Os dados foram analisados conforme a abordagem de análise fenomenológica de Giorgi e Giorgi (2008: 34-46), em quatro etapas:

(1) Descrição dos dados na íntegra – transcrição das sessões de prática acerca dos eventos ocorridos;

(2) Constituição de unidades de significado – considerando o foco de atenção demonstrado pelo(s) participante(s) na interação com a(s) obra(s) estudada(s) e as ações empreendidas na prática, bem como a organização da mesma em termos de delimitação dos trechos estudados, tempo investido, estratégias adotadas e comportamentos/ações recorrentes;

(3) Conexão das unidades de significado, na qual a objetividade do fenômeno (suas essências) foi constatada na categorização e síntese dos aspectos comuns e/ou semelhantes presentes na prática dos quatro casos. Ainda nessa etapa, a análise dos dados foi aprofundada com base em métodos mistos (GERLING; SANTOS, 2010: 96-138), abordando os dados qualitativamente e quantitativamente. Para Gerling e Santos (2010: 124), os métodos mistos na pesquisa em práticas interpretativas consideram a interpretação construtivista dos processos e suas relações de sentidos e significados, demonstrando tensões, contradições e complementariedade em torno da investigação, bem como os desvios diferenciados e idiossincráticos do desempenho de cada participante. Assim, para cada categoria foram contabilizadas as incidências observadas em cada sessão de prática, as quais foram tabuladas e tratadas em termos de estatística descritiva com o software OriginLab® 8.5, cujos dados resultaram nos gráficos apresentados na discussão dos resultados.

(4) Descrição do fenômeno e suas essências materializadas na discussão dos resultados dessa pesquisa.

As essências do fenômeno da prática aqui constatadas apresentaram-se em forma de nove Categorias Psicossensoriais (testar, repetir, isolar, alternar, explorar, ajustar, lapso, dispersão, parar), assim chamadas por englobarem aspectos de natureza psicológica e sensorial. Considerando que as mentes e disposições musicais de cada instrumentista podem restringir e/ou potencializar ações e procedimentos em função de conhecimentos, habilidades sustentadas por representações aurais, visuais e motoras assimiladas e construídas ao longo de suas práticas (PROVERBIO; BELLINI, 2018: 15-25), tais categorias caracterizaram-se como comportamentos, ações e desvios constatados nas sessões de práticas observadas, independentemente do nível de expertise dos participantes, da obra estudada ou do tempo de prática despendido previamente ou durante a coleta de dados. No presente recorte, seis das nove categorias originalmente propostas (MANTOVANI, 2018: 197-199) serão aqui apresentadas e discutidas, a saber: repetir, isolar, alternar e explorar, uma vez que se revelaram como procedimentos de prática realizados pelos participantes, bem como ajustar e lapso, duas categorias que serviram para balizar a eficácia dos procedimentos empregados e evidenciar perspectivas de deliberação2 em função dos níveis de

expertise envolvidos. Assim, define-se:

2 Deliberação é aqui concebida a partir da intencionalidade fenomenológica de E. Husserl como atos da

consciência direcionados ao objeto durante a experiência dos sujeitos com as obras praticadas (BICUDO, 1999: 18-20. GIORGI; GIORGI, 2008: 26-28) que estão intrinsecamente vinculados a alguns aspectos da Prática Deliberada cunhados por Ericsson, Krampe e Tesch-Römer (1993: 363-406), a saber: atividade altamente estruturada com o estabelecimento de metas, identificação e resolução de erros, energia e concentração para praticar por períodos regulares, períodos de descanso e desenvolvimento de tarefas específicas com o objetivo de superar os limites atingidos e melhorar o atual nível de desempenho.

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• Repetir: insistência por repetição (literal ou diversificada) de um dado segmento da obra delimitado a partir de um recorte micro ou macro da peça. Ex.: repetir um motivo/célula rítmica, um (ou mais) compasso(s), uma frase, uma seção, parte da seção etc.;

• Isolar: subtrair qualquer elemento musical da execução para priorizar a atenção sobre o(s) aspecto(s) realizado(s) em separado, de maneira a simplificar a passagem estudada. Ex.: tocar de mãos separadas, estudar vozes separadas, estudar combinando vozes em menor número que o total apresentado na música, tocar sem pedal etc.;

• Alternar: alternar ou variar deliberadamente qualquer elemento musical de forma distinta das informações notadas na partitura, modificando o resultado sonoro e/ou modos de produção. Nela se enquadram as mudanças de ritmos, dinâmicas, articulações, andamento. Ex.: fazer variações rítmicas, estudar em piano enquanto está escrito forte, tocar em staccato enquanto está escrito legato, tocar mais devagar, acelerar aos poucos etc.;

• Explorar: experimentar uma (ou mais) maneira(s) de abordar um dado aspecto até então não realizada na sessão de prática, a fim de aprimorar/refinar o resultado sonoro e/ou modos de produção3 sem necessariamente alternar as informações musicais notadas na partitura. Ex.: estudar um dado movimento gestual para resolver certa dificuldade técnico-interpretativa, experimentar tipos de toques etc.;

• Ajustar: qualquer ajuste e/ou correção influente no resultado sonoro percebido. Ex.: corrigir notas/ritmos errados, ajustar/delinear de dinâmicas, articulação, timing etc.;

• Lapso: falha de atenção na produção ocorrida numa intenção observada, um acidente ocorrido ao acaso e/ou inconscientemente que permite um retorno à ação consciente. Ex.: repetir notas instantaneamente (como uma espécie de “gagueira”4 na execução – no sentido metafórico) ao errar as notas e em seguida ajustá-las, tentativas incompletas de repetir um segmento as quais são interrompidas rapidamente (em menos de um compasso) e seguidas de uma repetição completa.

Resultados e discussões

De acordo com Santos e Hentschke (2009: 72-73), procedimentos na prática instrumental podem ser definidos como maneiras aprendidas de “proceder e agir balizados por normas e convenções, fundamentadas por uma determinada tradição cultural como aquela da denominada música clássica ocidental”. Pode-se ainda salientar que procedimentos na prática instrumental dizem respeito aos modos de realização da prática em prol da meta estabelecida, ao modo como se pratica, aqui vislumbrados nas categorias repetir, isolar, alternar e explorar. Nesse âmbito, cada categoria corresponde a uma forma procedimental aprendida e assimilada pelos instrumentistas através de sua prática instrumental, de maneira que tal procedimento pode vir como uma categoria singular, assim como um conjunto de categorias organizadas numa relação de

3 Pode-se cogitar que a categoria explorar colabore também para o domínio artístico no âmbito

interpretativo e idiossincrático de uma dada performance; no entanto, esta aqui restringe-se às explorações/experimentações de diferentes formas de abordar e realizar um dado aspecto, deixando em aberto sua possível causa/finalidade para investigações em pesquisas futuras.

4 De acordo com o Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5, 2014: 45), gagueira é um tipo

de transtorno de fluência no qual ocorre uma descontinuidade no fluxo de fala caracterizada por repetições (sons, sílabas, palavras, frases), prolongamentos de som, blocos, interjeições e revisões, o que pode afetar a velocidade e o ritmo da fala. Nesse trabalho, o termo gagueira é empregado no sentido metafórico para descrever um tipo de lapso caracterizado por repetições silábicas que quebram o fluxo da execução.

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intensidade, distribuição, agrupamento, frequência e constância com que essas se apresentam. A eficácia dos procedimentos empregados pelos participantes é discutida na relação entre ajustes e lapsos observados, o que, grosso modo, pode ser entendido como a relação do quanto se erra (lapso) e do quanto se corrige/modifica (ajustes) o produto sonoro.

No Allegro da Sonata KV545 (Fig. 1), P3 utiliza um procedimento recorrente que combina as categorias repetir e isolar, visto que ambas apresentam incidências próximas durante todo o estudo: P3 repete fragmentos curtos (cerca de 2 a 5 compassos, como em D e F) ou trechos maiores que eventualmente atendem às delimitações estruturais da peça (como em A) e dentre os quais nem sempre se identifica foco (como em C e E), bem como isola estudando de mãos separadas e/ou sem pedal. D é a única unidade em que as incidências de ambas as categorias se distanciam: o pico em isolar se explica pelo estudo da mão esquerda em separado e sem pedal a todo tempo em prol do objetivo notado em sua partitura (dedilhado da mão esquerda, c.50-51), talvez considerando questões estilísticas, visto que uma sonoridade com pedal resultaria em mais reverberação para essa figuração em movimento escalar/graus conjuntos, bem como soaria “misturado” e consensualmente pouco apropriado para uma obra de Mozart, ou, ainda, simplesmente porque P3 desconsidera o pedal por não estar atento a esse aspecto, por uma necessidade de “deixar o pedal pra depois/por último”, visto que seu foco de atenção é fragmentado e se limita a atender um aspecto por vez.

Fig. 1: Incidências de Categorias Psicossensoriais da prática de P3/distribuição de focos de atenção

de A a F: Allegro da Sonata KV545 (W. A. Mozart). A B C D E F 0 10 20 30 40 50 60 70 80 Repetir Isolar Ajustar Alternar Explorar Lapso Ca tegorias Psicoss ens oriais P3

Allegro da Sonata KV545 - W. A. Mozart

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Mesmo com essa ressalva em D, o que se observa é que de início sua disposição em adotar o procedimento de repetir + isolar parece surtir efeito, visto que os ajustes, em sua maioria de notas e com poucos ajustes de dinâmicas, acontecem. No entanto, à medida que esse procedimento é repetido ao longo da sessão de prática, os ajustes diminuem de tal modo que se tornam mínimos em E e nulos em F; ademais, embora se observe alguma intenção de P3 em corrigir/melhorar os lapsos em forma de “gagueira” na execução, estes são sempre mais incidentes que os ajustes em todo o estudo, o que dá indícios de que o procedimento adotado não é de todo eficiente, ao menos se realizado constantemente.

Nota-se que a categoria alternar aparece timidamente no estudo do Allegro da Sonata KV545 (Fig. 1) nas unidades C, D e F, nas quais P3 alterna apenas o andamento tocando mais rápido/devagar ou apressando a cada repetição. Da mesma forma, não há incidências para a categoria explorar, que é nula ao longo da sessão de prática. Parece que a percepção de P3 em considerar essa peça como sendo a mais desafiadora inibiu a presença dessas categorias e restringiu a prática a um procedimento habitual (repetir + isolar), com mínimas ou nulas opções de variações. Numa outra perspectiva, pode-se ainda cogitar uma forma de organização incipiente a ser desenvolvida, ainda que pouco consistente, na qual alternar é somada ao procedimento padrão repetir + isolar, mesmo que numa intensidade significativamente inferior. Assim, o padrão emergente que se identifica em três unidades de seis (C, D e F) consistiria em isolar mais, repetir um pouco menos e alternar minimamente. Ambos os procedimentos, com ou sem o alternar, mostram-se pouco eficazes, conforme já mencionado acima. No entanto, o que se infere a partir desses resultados é que o procedimento repetir + isolar é, talvez, o mais arraigado na prática pianística, quiçá o primeiro aprendido e/ou automatizado para níveis mais elementares de expertise; alternar é somado a esse procedimento subsequentemente, porém apresentando-se inicialmente de forma inconsistente.

Isso parece ficar mais evidente na prática da Consolação S. 172 III (Fig. 2), na qual se identifica novamente repetir e isolar (como procedimento elementar) com incidências próximas em A, D e F (três unidades de seis), dessa vez com o alternar agregado, ainda que menos incidente: aqui, parece que há um procedimento emergente repetir + isolar (próximas) + alternar (menos) se solidificando (o mesmo cogitado na peça anterior), ao menos já ocorre na metade das unidades dessa sessão. Observa-se que o alternar é mais frequente ao longo do estudo, porém aparece de forma desproporcional (muito ou minimamente) se comparado ao contrabalanço entre repetir + isolar. Ademais, quando alternar torna-se mais incidente em C, repetir e isolar se distanciam, sugerindo que essas três categorias nem sempre se agrupam de forma equilibrada para níveis mais elementares de expertise, e/ou que o procedimento emergente (repetir e isolar próximas + alternar menos) não está plenamente assimilado pelo participante. O que parece estar sólido para P3 é a forma como essas categorias se apresentam em sua prática, como na da peça anterior: trechos curtos/longos para repetir (obedecendo ou não a estrutura formal da obra, com/sem foco), mãos separadas e sem pedal para isolar, e variações de andamento (devagar/rápido/apressando a cada repetição) para alternar. Estudar apenas os acordes e progressões harmônicas em F é um exemplo de alternar identificado apenas na prática dessa obra.

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Fig. 2: Incidências de Categorias Psicossensoriais da prática de P3/distribuição de focos de atenção

de A a F: Consolação S. 172 III (F. Liszt).

Nota-se que P3 não restringe a prática dessa peça (Fig. 2) a um único procedimento, como fizera na peça anterior, pois se vê que em B ele apenas repete e em E repete, alterna um pouco menos e explora ainda menos, suprimindo o isolar em ambas as unidades. Também a categoria explorar ocorre com certa frequência, com vistas a experimentar formas de realizar aspectos expressivos, embora com incidências mínimas: em A, P3 explora um toque legato por meio da dinâmica em ppp para a mão esquerda (c.1-31); em C e D explora o “sumindo” (c.51-54) e o ritardando e perdendosi (c.59-61), respectivamente, diversificando tempo e dinâmica; em E, também experimenta manipular o tempo, deixando-o ora mais flexível, ora mais regular, acelerando nas figuras que estão anotadas entre parênteses em sua partitura e exagerando a diminuição do tempo nas últimas semicolcheias para realizar o smorzando (c.56). Parece que a percepção de P3 em considerar essa peça como a menos desafiadora influi na sua forma de praticá-la, visto que tal prática não se restringe a um único procedimento, bem como se mostra mais diversificada em relação àquela da peça anterior por ter o alternar e explorar mais presentes e frequentes. P3 parece ousar mais aqui e essa mudança mostra-se positiva na relação entre ajustes e lapsos: em C, D e F há mais incidências de ajustes do que de lapsos; em A as incidências de ambas são iguais, e apenas em B e E os ajustes são inferiores à quantidade de lapsos, sugerindo que P3 obteve mais sucesso nessa prática, ao menos na maioria das unidades. No entanto, isolar parece ser um requisito para que P3 alcance esse sucesso, visto que nas unidades em que os lapsos são superiores aos ajustes (B e E) essa categoria está ausente; ou seja, subtrair elementos e reduzir a quantidade de informações manipuladas é uma necessidade dos níveis mais elementares de expertise para lidar com a prática de forma mais eficiente. Outro indicativo de sucesso dessa abordagem diversificada é

A B C D E F 0 10 20 30 40 50 60 70 80 P3

Consolação 172 III - F. Liszt Repetir Isolar Ajustar Alternar Explorar Lapso Ca tegorias Psicoss ens oriais Unidades de Prática

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percebido na categoria ajustar, presente em todas as unidades e com pico de incidências maior para essa peça (Fig. 2), no total de 21 em C, do que na peça anterior (Fig. 1), que não ultrapassou o total de 11 em B. Ademais, foram constatados ajustes de notas, tempo e dinâmica, sendo essas duas últimas outras possibilidades de ajustes em relação àqueles da peça anterior. Lapsos, por sua vez, também ocorreram, visto que a “gagueira” para corrigir notas tocadas erroneamente também aconteceu mesmo P3 tendo tocado as notas corretamente. Cabe aqui ressaltar que esses resultados diferem daqueles reportados por Hallam (1997: 89-107. 2006: 118-141) sobre a prática de músicos novatos negligenciar aspectos expressivos, a correção de erros, bem como a de se deter em repetições da música na íntegra, uma vez que P3 realizou ajustes (de notas, dinâmicas e tempo), atendeu aos aspectos expressivos [ao explorar o “sumindo” (c.51-54), o ritardando e perdendosi e o smorzando (c.56) e o toque legato], e repetiu trechos curtos. Em outras palavras, o presente caso estudado sugere que existem perspectivas de prática deliberada em níveis elementares de expertise. De forma semelhante à prática de P3, na prática de P9 do Allegro maestoso da Sonata KV320 (Fig. 3) nota-se que repetir e isolar apresentam incidências próximas durante todo o estudo, e em quatro dessas unidades (A, B, C, E) há um padrão que se repete isolando (mais) + repetindo (pouco menos). P9 também isola estudando apenas de mãos separadas e/ou sem pedal, e repete fragmentos curtos (de 2 a 6 compassos, como em A e C) e trechos maiores, porém, diferentemente de P3, estes atendem às delimitações estruturais da peça (como em D) e em todos eles se identifica foco de atenção; ademais, P9 repete pequenos desenhos motívicos (como em B, quando repete os c.7-8). Essas informações não apenas reforçam a afirmação de que repetir + isolar é um procedimento arraigado na prática pianística, como também sugerem que ambas as categorias podem ser combinadas e distribuídas de maneira recorrente, e ainda apresentar-se de maneiras distintas (como em repetir) à medida que a expertise se desenvolve.

Por outro ângulo, se considerarmos o alternar somado a esse padrão, vê-se o procedimento repetir + isolar (próximas) + alternar (menos), que se mostra um pouco mais frequente na prática de P9 (em B, C, D, E, Fig. 3) do que na de P3 (Figs. 1 e 2), embora com o alternar menos incidente e não proporcionalmente distribuído em relação às outras duas. P9 também alterna o andamento (devagar/rápido/apressando) em todo o estudo, em B, marca a pulsação com o pé, e em E, alterna o ritmo, a articulação e o registro (toca semicolcheias intercalando uma longa/uma curta ou entre três curtas/uma longa; toca em staccato onde há indicação de legato; toca uma ou duas oitavas acima, respectivamente). Parece que alternar torna-se mais constante e diferenciado à medida que a expertitorna-se aumenta, e ainda apretorna-senta um pico de incidências significativamente maior para P9 (Fig. 3, unidade E) do que para P3 (Figs. 1 e 2). Ambos os procedimentos, considerando ou não o alternar agregado ao repetir + isolar, mostram-se consistentes na prática de P9 (Fig. 3), o que dá indícios de organização recorrente, e, de certa forma, eficaz, visto que os ajustes acontecem em todo estudo: notas, dinâmicas, articulações (legato), dedilhados, ritmos (inclusive da duração de pausas), planos sonoros, clareza e fluência foram exemplos de ajustes constatados. No entanto, embora se observe a intenção de P9 em corrigir/melhorar os lapsos percebidos, estes são mais incidentes que os ajustes em quase todo o estudo (exceto em A), sugerindo que o procedimento adotado não é de todo eficiente. Ademais, também lapsos apresentaram-se de maneiras distintas: como uma espécie de “gagueira” para corrigir notas tocadas erroneamente ou mesmo corretamente, falhas na realização do legato (D, c.17 e 19) ou perda de fluência (E, c.26).

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Fig. 3: Incidências de Categorias Psicossensoriais da prática de P9/distribuição de focos de atenção

de A a E: Allegro maestoso da Sonata KV320 (W. A. Mozart).

Nota-se que não há incidências para explorar na prática do Allegro maestoso da Sonata KV310 (Fig. 3): assim como para P3, parece que a impressão de P9 em considerar essa peça como sendo a mais desafiadora inibiu a presença dessa categoria de forma que o participante não ousou experimentar maneiras diferenciadas de abordar um dado aspecto além daquelas inerentes ao seu procedimento habitual (repetir + isolar [próximas] + com/sem alternar [menos]). Cabe aqui ressaltar que ambos os participantes consideraram uma peça de W. A. Mozart como sendo a mais desafiadora (para P3, Allegro da Sonata KV545), dando indícios de que a categoria explorar pode estar sujeita às especificidades de um estilo e/ou compositor, ou ainda condicionada à impressão do participante em relação à obra estudada, ao menos para os níveis mais elementares de expertise. Ademais, parece que tais níveis podem sentir-se acuados perante um dado estilo/compositor (talvez por sê-lo menos familiar), e essa impressão pode ser um fator limitante em suas práticas por restringi-las apenas aos procedimentos habituais.

Na prática da Balada op. 10 n. 3 (Fig. 4) de J. Brahms, especificamente em A, B e E, novamente se identifica repetir + isolar com incidências próximas, reforçando a afirmação de que tal combinação é um procedimento arraigado na prática pianística. O procedimento repetir + isolar (próximas) + alternar (menos) sugere tanto uma forma intencional em desenvolvimento quanto certa regularidade na distribuição dessas três categorias à medida que a expertise aumenta, embora o alternar não esteja proporcionalmente equilibrado em relação às outras duas. Nota-se que o alternar é frequente ao longo do estudo e apresenta incidências mínimas nas unidades A, B, C, e E, visto que P9 pouco varia o andamento (já lento) dos trechos

A B C D E 0 10 20 30 40 50 60 70 80 P9

Allegro maestoso da Sonata KV310 - W. A. Mozart

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estudados nessas unidades. No entanto, vê-se em D (Fig. 4) que quando alternar torna-se mais incidente, repetir e isolar se distanciam, tal como visto na peça menos desafiadora de P3 (Fig. 2, C), dando indícios de que essas três categorias nem sempre se agrupam de forma equilibrada para níveis mais elementares de expertise, ou ainda que tal procedimento (abrangendo as três categorias) não está plenamente assimilado pelo participante. Por outro lado, a percepção de P9 em considerar essa peça como sendo a menos desafiadora parece influir na sua forma de praticá-la, visto que tal prática (Fig. 4) não se restringe unicamente aos procedimentos acima mencionados: em C, P9 repete e alterna e, em D, repete (mais), alterna (menos) e isola (menos ainda). Essa mudança, contudo, mostra-se benéfica na relação entre ajustes e lapsos, visto que na maioria das unidades (A, B, e D) as incidências de ajustar são maiores que as incidências de lapsos e em C são iguais, sendo os lapsos mais incidentes que os ajustes apenas em E. Isto sugere mais sucesso na intenção de corrigir/melhorar o resultado sonoro em relação à peça anterior (Fig. 3). Outro indicativo positivo nessa variação de procedimentos é observado nos picos de incidências de ajustar, que em A (Fig. 4) chega a 22, enquanto na peça anterior (Fig. 3) não ultrapassa as 15 incidências de E. Também o pico de lapsos mostrou-se significativamente inferior na peça de Brahms em relação à peça de Mozart: na Fig. 3, P9 atinge 33 incidências em E, enquanto na Fig. 4 o pico de incidências de lapsos não ultrapassa o total de 11 em E, o que, grosso modo, sugere que P9 errou menos (lapsos) e ajustou mais nessa peça (Fig. 4) do que na peça anterior (Fig. 3).

Fig. 4: Incidências de Categorias Psicossensoriais da prática de P9/distribuição de focos de atenção

de A a E: Balada op. 10 n. 3 (J. Brahms). A B C D E 0 10 20 30 40 50 60 70 80 P9

Balade op. 10 - J. Brahms

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Também na prática dessa peça (Fig. 4) podem-se constatar exemplos dessas categorias, algumas ainda não observadas na prática da peça anterior. Além das repetições de trechos curtos e/ou longos organizados conforme as delimitações estruturais da peça, todos eles com foco de atenção (tal como na Fig. 3), repetir apresentou-se como uma tentativa de fixar e/ou automatizar um ajuste realizado, visto nas repetições constantes e seguidas de notas/acordes/fragmentos após um dado ajuste (tal como em B, ao repetir o c.69 por sete vezes, e em D, ao repetir os c.108-111 por quatro vezes), exemplo não observado anteriormente. Acerca do isolar, nessa peça (Fig. 4) P9 estuda apenas de mãos separadas e vozes separadas (como em A, aos estudar apenas a voz superior da mão esquerda c.51-52, c.60-61, dado às especificidades da escrita polifônica da passagem). É curioso notar que o participante não isola o pedal em nenhum momento, talvez por evidenciar esse aspecto em função do seu objetivo: em entrevista, P9 comentou que almejava uma sonoridade “misteriosa” (P9, entrevista) para o trecho c.46-95 (contemplado em A, C, e E) e buscava realizá-la seguindo as orientações de seu professor sobre esse aspecto, bem como as indicações de pedal da edição de sua partitura. Também em sua partitura se observa várias anotações de pedal escritas à mão, tais como “pedal enfatizando timbre celestial” (início da terceira página), o que reforça a evidência sobre esse aspecto em sua prática e, consequentemente, pode explicar o fato de não isolá-lo. As possibilidades constatadas em repetir e isolar sugerem que tais categorias podem ser empregadas com finalidades distintas e estar subordinadas aos objetivos do participante, sejam esses uma meta pessoal (automatizar para não mais errar um ajuste efetuado, como visto em repetir) ou um objetivo musical específico (intenção timbrística do uso do pedal visto em isolar). Já em ajustar, observou-se somente o ajuste de fraseado a partir do delineamento das dinâmicas nos inícios e fins de frases (aspecto não contatado anteriormente – Fig. 3); ajustes de notas, articulações, dinâmicas e planos sonoros, também ocorreram nessa prática (Fig. 4). Alternar e Lapsos não apresentaram possibilidades distintas daquelas da peça anterior (Fig. 3): alternar limitou-se às variações de andamento (mais rápido/lento), enquanto os lapsos novamente se apresentaram em forma de “gagueira” para corrigir notas tocadas erroneamente ou mesmo corretamente, bem como por perda de fluência (A, ao tocar o acorde de Si maior fora do tempo, c.56).

Outro fator interessante, também observado na peça anterior (Fig. 3), é que a categoria explorar não aparece na prática da Balada op. 10 n. 3 de J. Brahms (Fig. 4). Por um lado se observa que na maioria das unidades (A, B, D) P9 está focado na decodificação dos trechos, enquanto que, nas demais (C e E), está focado na memorização, aparentemente mais como uma forma de reproduzir a decodificação até então realizada (destituída da partitura) do que com um “mapeamento” da obra propriamente dito. Tendo em vista essas informações, pode-se considerar que a prática dessa peça situa-se no segundo estágio proposto por Barry e Hallam (2002: 156), no qual se busca dominar a obra e automatizar programas motores, bem como se pode cogitar que explorar parece depender do estágio de prática em que a obra se situa e/ou dos objetivos inerentes ao mesmo estágio para acontecer. Nesse caso, por P9 estar basicamente centrado numa fase de decodificação, não experimenta nada novo, seja porque ele já sabe bem como estudar nesse estágio, seja porque é próprio do estágio (e seus objetivos) não fazê-lo. Por outro lado, pode-se considerar que explorar é uma essência dependente da interação pessoal do instrumentista em sua prática, visto que ocorre na prática de P3 (Fig. 2), com vistas a experimentar formas de realizar aspectos expressivos, mas não ocorre na prática de P9 de ambas as peças (Figs. 3 e 4). Ademais, pode-se ainda cogitar que explorar é uma categoria

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embrionária na prática de níveis mais elementares de expertise a ser desenvolvida à medida que a expertise aumenta, visto que ocorre esporadicamente (apenas em uma peça de P3, Fig. 2) e minimamente (com baixas incidências), em função de um único objetivo apenas (intenção expressiva de P3).

Na prática de Pour le piano - Prélude de C. Debussy (Fig. 5), identifica-se a categoria alternar mais frequente ao longo do estudo, bem como esta apresenta incidências mais próximas ao padrão repetir + isolar em A, B e C, sugerindo que o padrão emergente constatado na prática de P3 (Figs. 1 e 2) e P9 (Figs. 3 e 4), repetir + isolar (próximas) + alternar (menos), tende a se desenvolver à medida que a expertise aumenta: alternar, que antes se apresentava de forma inconstante e não proporcionalmente equilibrada, torna-se mais incidente, constante e relativamente próxima/equilibrada em relação às outras duas categorias. Assim, podemos postular que esses dados são complementares àqueles de Hallam (1997: 89-107. 2006: 118-141), uma vez que há evidencias concretas de que já em níveis de proficiência, como parece ser o caso de P13, houve intenção deliberada de se empregar a categoria alternar.

Fig. 5: Incidências de Categorias Psicossensoriais da prática de P13/distribuição de focos de atenção

de A a E: Pour le piano - Prélude (C. Debussy).

A B C D E 0 10 20 30 40 50 60 70 80 P13

Pour le Piano/Prélude - C. Debussy Repetir Isolar Ajustar Alternar Explorar Lapso Ca tegorias Psicoss ens oriais Unidades de Prática

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Esse procedimento com as três categorias conjuntas parece eficiente, visto que os picos de ajustes encontram-se nas unidades em que repetir + isolar + alternar estão mais próximas em termos de incidências (Fig. 5, A e C, com 35 e 47 incidências, respectivamente). No entanto, quando essas três categorias se distanciam um pouco, como em B, os ajustes diminuem (15 incidências), e, quando se distanciam ainda mais (D e E), os ajustes não ultrapassam as oito incidências: em D, P13 isola (mais) e repete + alterna (próximas, menos que isolar), e, em E, repete + isola (próximas) e alterna (bem menos). Ademais, os ajustes são mais incidentes que os lapsos nas unidades em que as três categorias estão mais próximas (Fig. 5, A, B e C). O contrário (lapsos mais incidentes que os ajustes) ocorre nas unidades em que estas estão mais distantes (Fig. 5, D e E), sugerindo que a proximidade e/ou equilíbrio são mais eficientes que uma distribuição distante e/ou menos equilibrada dessas três categorias conjuntas. Nessa relação de ajustes e lapsos (Fig. 5), vê-se ainda que P13 obteve mais sucesso na prática da peça mais desafiadora do que P3 e P9, visto que, para os dois últimos participantes, os lapsos foram mais incidentes que os ajustes em todas as unidades da peça em questão (Figs. 1 e 3, respectivamente). Outro indicativo de sucesso se vê no pico de incidências de ajustar, que chega ao total de 47 para P13 (C, Fig. 5), enquanto que para P3 e P9 não ultrapassa as 11 e 15 incidências (Fig. 1, B; Fig. 3, E, respectivamente), dando indícios de que P13 está num nível diferenciado de expertise em relação aos dois participantes.

Nas categorias repetir, isolar, alternar, ajustar e lapsos, notam-se algumas semelhanças e diferenças na prática de P13 (Fig. 5) em relação à prática de P3 e P9 (Figs. 1-4). P13 repete pequenos fragmentos motívicos, repete com a intenção de fixar e/ou automatizar um ajuste realizado (como em C, quando repete o gesto anacruse dos c.42-43 após ajustar as dinâmicas desses compassos), ou ainda repete com a intenção de evidenciar a fluência num dado aspecto (como em D, nas muitas repetições dos c.79-82 quando acelera o andamento gradativamente para alcançar fluência na execução). Também se notam repetições de trechos curtos e/ou longos organizados conforme as delimitações estruturais da peça, todos eles com foco de atenção, tal como para P9. No entanto, diferente de P3 e P9, o foco de atenção de P13 para cada unidade está sobre um trecho maior com vistas a atender mais de um aspecto por vez (veja a distribuição de unidades na Fig. 5), o que dá indícios de mais expertise por parte da participante. Isolar, por sua vez, não apresenta diferenças em relação à prática dos dois participantes (Figs. 1-4) e revela-se no estudo de mãos separadas e/ou sem pedal, ou no estudo por vozes separadas (como em C, c.41-43). Porém, é válido ressaltar que isolar vozes é uma possibilidade da categoria condicionada às especificidades da obra estudada, visto que somente uma textura polifônica permite que tal procedimento aconteça. Nesse sentido, futuras pesquisas podem observar como as especificidades das obras praticadas influenciam a maneira como cada categoria é trabalhada, bem como na distribuição, agrupamento, frequência e demais fatores relacionados às mesmas. Acerca do alternar, P13 alterna o andamento (devagar/rápido/apressando) em todo o estudo, a articulação (em C, quando toca em non legato os c.41-43, enquanto a indicação é de legato), e marca a pulsação com o pé na maioria das unidades (exceto em B). O único exemplo constatado diz respeito a alternar o andamento deliberadamente para enfatizar uma determinada textura, tal como visto em A, quando P13 toca mais devagar os c.43-57 e 119-127 para realçar o ff e os acordes em blocos de ambos os trechos. Notas e dinâmicas são ajustes semelhantes àqueles de P3 e P9; já ajustes de acentos, registro (errar o registro/oitava do piano na execução e ajustar em seguida), bem como os de tempo e dinâmicas (manipulação da agógica/timing) para enfatizar aspectos estruturais (inícios e fins de

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seções, c.5, 26, 42 e 96, em A) ou para fazer soar mais “improvisado” a figuração rítmica do Tempo di cadenza (c.148-149, execução da peça na íntegra em A) são exemplos de ajustes constatados apenas na prática de P13 (Fig. 5). Sobre os lapsos, nota-se erros de notas e “gagueira” na execução, assim como para P3 e P9. Ignorar notas/compassos, tocar notas a mais, errar o registro do piano, bem como a duração das figuras rítmicas (aumentar a duração das semínimas da mão direita dos c. 71-72 e encurtar a duração das mínimas dos c.158-163) são exemplos de lapsos constatados na execução da peça na íntegra da prática de P13 (Fig. 5, A). Essas informações reforçam a proposição de que as categorias podem apresentar-se de maneiras distintas à medida que a expertise se desenvolve.

A prática de P13 da peça mais desafiadora (Fig. 5) apresenta outro diferencial em relação àquela de P3 (Fig. 1) e P9 (Fig. 3), que é a presença da categoria explorar: em C (Fig. 5), P13 explora minimamente um movimento ágil de deslocamento da mão esquerda sobre os registros médio-grave e médio-agudo do piano, treinando o reflexo necessário para a execução dos saltos entre as vozes dessa mão nos c.55-57; em E, P13 explora um jeito mais acessível de tocar o acorde final do c.163: de início, tocando o arpejo com as notas distribuídas para as duas mãos, e, em seguida, executando o arpejo completo apenas com a mão esquerda por 12 vezes (por fim, P13 opta em tocar o arpejo final de mãos juntas, como antes). Nesse sentido, nota-se diferenças de expertise entre os participantes: enquanto P3 e P9 (Figs. 1 e 3) restringiram suas práticas da peça mais desafiadora basicamente a um único procedimento (com repetir + isolar próximas, e alternando eventualmente e de forma não proporcional) e não ousaram explorar nada novo, P13 não só varia os procedimentos (Fig. 5, repetir + isolar + alternar mais próximas em A, B e C e mais irregulares em D e E), como também ousa explorar outras formas de abordar um dado aspecto. Em outras palavras, a impressão do desafio parece ter efeitos distintos entre os participantes: enquanto para níveis mais elementares de expertise essa impressão parece limitar (ou intimidar) a prática, para níveis mais elevados essa parece ser um fator de impulso para ousar e diversificar ainda mais os procedimentos empregados.

Na prática de P13 do Improviso op. 90 n. 1 de F. Schubert (Fig. 6), observa-se o padrão repetir (mais) + isolar (menos) + alternar (ainda menos) em todas as unidades. De início, essa distribuição parece quebrar o procedimento constatado na peça anterior (Fig. 5, A, B, C), visto que as três categorias, antes próximas em termos de incidências, estão pouco mais distantes; contudo, embora a distância entre elas não seja exatamente proporcional, essa distribuição constante em padrão decrescente (como que degraus de uma escada) (especificamente em A, B e C, Fig. 6) sugere deliberação ao combiná-las de forma relativamente regular. Por outro ângulo, pode-se cogitar outro procedimento em desenvolvimento no qual explorar é somado a essas três categorias, visto que este ocorre em duas unidades de quatro (B e C, Fig. 6): repetir (mais) + isolar (menos) + explorar (ainda menos) + alternar (ainda pouco menos que explorar). Explorar, que antes se apresentava desproporcional em relação às outras três categorias (C e E, Fig. 5), agora integra um novo padrão regular e em harmonia com as demais. Nesse sentido, pode-se tanto afirmar que P13 manteve um único procedimento (Fig. 6) quanto que empregou mais de um procedimento ao longo de toda a sessão de prática, seja pela forma como agrupou as três ou quatro categorias, respectivamente. Ambos os procedimentos cogitados parecem eficazes, visto que em três unidades (A, B e C, Fig. 6) os ajustes foram mais incidentes que os lapsos, e em apenas uma delas (D) o contrário aconteceu.

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Fig. 6: Incidências de Categorias Psicossensoriais da prática de P13/distribuição de focos de atenção

de A a D: Improviso op. 90 n. 1 (F. Schubert).

Nessa peça (Fig. 6), as categorias repetir, isolar, alternar, explorar, ajustar e lapsos apresentaram exemplos distintos e outros semelhantes daqueles observados na peça mais desafiadora (Fig. 5) de P13. Aqui (Fig. 6), P13 repete fragmentos motívicos e/ou curtos (como o ornamento do c.19 e c.40, ambos em A), ou trechos pequenos e/ou longos organizados conforme as delimitações estruturais da peça e com focos de atenção, tal como anteriormente; contudo, não se constata repetições com a intenção de fixar/automatizar um dado ajuste ou para evidenciar a fluência num dado aspecto como na peça anterior. Isolar limitou-se ao estudo de mãos separadas e/ou sem pedal, e não se observa aqui o isolamento por vozes separadas: embora em alguns momentos P13 estivesse focada no delineamento das vozes (como em C e D), ela chega a fazê-lo pelas diferentes dinâmicas entre as mesmas, e não propriamente subtraindo-as. Em relação ao alternar, além do andamento (devagar/rápido/apressando) e da marcação da pulsação com o pé (como antes), P13 soma a contagem dos tempos estalando os dedos a essa marcação (como em B, ao fazer a contagem binária) e alterna a articulação entre as vozes (como em D, ao tocar a voz superior da mão direita em legato e a inferior em staccato,

A B C D 0 10 20 30 40 50 60 70 80 P13

Improviso op. 90 no.1 - F. Schubert Repetir Isolar Ajustar Alternar Explorar Lapso Ca tegorias Psicoss ens oriais Unidades de Prática

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c.132-135). Nessa peça (Fig. 6), P13 não alterna o andamento para enfatizar uma determinada textura como anteriormente, bem como as incidências dessa categoria parecem inferiores àquelas da peça anterior (Fig. 5), talvez porque P13 realiza menos variações no andamento em função do andamento (mais lento) da obra (Fig. 6). Novamente, sugere-se investigar como as especificidades das obras praticadas refletem na forma como as categorias psicossensoriais se apresentam. Explorar, por sua vez, apresenta as mesmas finalidades que na peça anterior em B: P13 explora um jeito mais acessível de tocar os c.59-60 sem romper o fraseado (primeiro tocando esses compassos como escrito, e posteriormente tocando as duas últimas colcheias do tempo 1 do c.60 escritas para mão direita com a mão esquerda), bem como explora um movimento ágil de deslocamento da mão esquerda sobre o teclado, treinando o reflexo necessário para realizar os saltos do c.74-78. Em C, contudo, P13 explora um tipo de toque para realizar as notas repetidas dos c.74-87, 96-98 e 103-106, sem deixar as teclas subirem à superfície do teclado completamente ao tocar esses segmentos. Nesse sentido, explorar é empregado tanto com finalidades técnico-motoras quanto num viés expressivo/interpretativo, bem como se mostra um pouco mais incidente (Fig. 6, B = 16, C = 4) do que na peça anterior (Fig. 5, C = 1, E = 12). Isso reforça a afirmação de que explorar é uma categoria que se desenvolve à medida que a expertise aumenta, visto que inicialmente se apresenta esporadicamente e minimamente para níveis mais elementares (intenção expressiva de P3, Fig. 74), ao passo que tende a crescer em incidências e finalidades, bem como torna-se mais frequente (presente em ambas as peças de P13, Figs. 5 e 6) para níveis mais avançados de expertise. Notas, dinâmicas, acentos, articulações, fraseado, bem como planos sonoros (delinear a linha do baixo da mão esquerda nos c. 82, 135-138, ou enfatizar a voz inferior dessa mão nos c.107-120 a partir da ênfase da dinâmica na unidade C, Fig. 6) foram exemplos dos ajustes constatados, sendo as três últimas percebidas apenas nessa peça. Por fim, os lapsos se apresentaram como erros de notas, “gagueira” na execução (acertando ou errando nota), perda de fluência (atrasar o tempo do c.50, em B), ou ainda por omissão de tempos (como em B, quando toca um tempo a menos do c.66, percebe e toca corretamente em seguida), sendo os dois últimos exemplos constatados apenas nessa obra (Fig. 6).

Na prática de P17 do Prelúdio op. 23 n. 9 de S. Rachmaninoff (Fig. 7), nota-se dois procedimentos distintos nos quais as categorias repetir, isolar, alternar e explorar estão agrupadas e distribuídas com certa regularidade, formando os seguintes padrões: repetir (mais) + isolar (menos) + alternar (ainda menos) + explorar (menos e próximo ao alternar) nas unidades A e D; isolar (mais) + repetir (menos) + alternar (ainda menos) + explorar (bem menos que alternar), nas unidades B e C. É curioso observar que ambos os procedimentos coincidem, de certa maneira, com o tempo de prática despendido a cada unidade, visto que, em A e D, unidades nas quais pratica por menos tempo (2’10’’ e 4’09’’, respectivamente), P17 se utiliza de um mesmo procedimento, enquanto que em B e C, nas quais pratica por mais tempo (13:08 e 13’12’’, respectivamente), P17 se utiliza de um outro procedimento para ambas. Isso sugere deliberação não apenas na combinação e distribuição dessas categorias, como também na escolha de quais procedimentos empregar em função dos esforços/tempo de prática que se pretende investir num dado trecho. Coincidência ou não, essa constatação ainda dá indícios de que P17 está num nível distinto de expertise em relação aos demais participantes, visto que tal evento se identifica apenas em sua prática. No entanto, ambos os procedimentos empregados podem não parecer de todo eficientes de acordo com a relação ajustes x lapsos, visto que ajustes são mais incidentes que os lapsos apenas na metade das unidades (A e B), enquanto na

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outra metade o contrário acontece (C e D); porém, ao olhar o pico de incidências dos ajustes (B = 70), nota-se que P17 atinge uma quantidade significativamente superior à dos demais participantes para essa categoria, o que assegura a eficácia dos procedimentos empregados, se não plenamente, ao menos no que tange à máxima de ajustes obtidos.

Fig. 7: Incidências de Categorias Psicossensoriais da prática de P17/distribuição de focos de atenção

de A a D: Prelúdio op. 23 n. 9 (S. Rachmaninoff).

Outro diferencial da prática de P17 (Fig. 7) em relação aos demais participantes diz respeito à presença da categoria explorar, aqui constante e mais incidente. Nesse sentido, explorar esteve frequentemente associado às experimentações e descobertas de movimentos/gestos físicos necessários para alcançar a execução desejada das suas intenções musicais e/ou para evitar/aliviar tensões físicas: movimentos de rotação de punho (A-D) ou de rotação de punho, como se acentuasse cada nota com um apoio do braço (B); exagerar movimentos de braço, punho e/ou cotovelos, deixando-os mais flexíveis (B, C) ou os movimentos de articulação dos dedos (B, C); acentuar cada nota com o apoio do braço (B); movimentos dos dedos, tipo “garras” raspando a tecla (C); tocar com o punho mais alto e flexível (C), bem como estudar o reflexo da mão esquerda no salto dessa mão (D) foram

A B C D 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120 130 140 150 160 170 180 190 P17

Prelúdio op.23 n.9 - S. Rachmaninoff Repetir Isolar Ajustar Alternar Explorar Lapso Ca tegorias Psicoss ens oriais Unidades de Prática

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exemplos constatados para essa categoria. Os exemplos de explorar sobre movimentos gestuais também foram vistos na prática de P13 acerca dos saltos (Figs. 5, C; Fig. 6, B) em menor intensidade que para P17 (Fig. 7), dando indícios de que a atenção e/ou consciência cinestésica do pianista é um aspecto que se desenvolve com o aumento de expertise. Ademais, parece que tal aspecto passa a acontecer com certa frequência (e/ou passa a ser visado) na prática pianística de forma tardia, ao menos após se alcançar um dado nível de expertise, conforme aqui observado. Futuras pesquisas nesse âmbito podem detalhar como esses e outros exemplos das categorias psicossensoriais se desenvolvem e se intensificam em função do nível de expertise. Neste trabalho, constata-se que a categoria explorar se torna mais rica em ações empregadas, assim como mais incidente e constante à medida que a expertise aumenta.

Outra perspectiva oportuna seria compreender o explorar como a elaboração de meios criativos de vencer desafios e alcançar os objetivos propostos, o que dialoga tanto com as proposições de Santos (2007: 261-272) sobre a prática instrumental não se constituir apenas de ações aprendidas, mas também de atividades criativas que gerenciam a mobilização de conhecimentos (em termos de autorregulação e investigação nas situações de prática), como também dialoga com as proposições de Ericsson, Krampe e Tesch-Römer (1993: 363-406) acerca da Prática Deliberada, na qual explorar se enquadraria no “desenvolvimento de tarefas específicas para superar os limites atingidos”. Nesse sentido, vê-se que a exploração de meios criativos pode acontecer esporadicamente e minimamente para níveis mais elementares de expertise (intenção expressiva de P3, Fig. 2) e tornar-se mais frequente e intensa ao passo que a expertise se desenvolve (P13, Figs. 5 e 6; P17, Fig. 7), o que nos permite assegurar algum nível de deliberação sobre esse aspecto para ambos: o que muda entre eles é a intensidade e a constância com que explorar acontece em função do nível de expertise em que se encontram.

Assim como explorar, as categorias repetir, isolar, alternar, ajustar e lapsos também se apresentaram de formas distintas na prática de P17 (Fig. 7). Notam-se repetições de fragmentos motívicos e/ou curtos (c. 10-11, em A; t.1-2 do c. 48, em D), ou de trechos pequenos e/ou longos organizados conforme as delimitações estruturais da peça. Também há foco de atenção para todas as unidades, sob um trecho maior com vistas a atender mais de um aspecto por vez, assim como para P13 (Figs. 5 e 6), bem como repetições com a intenção de fixar/automatizar um dado ajuste ou para evidenciar a fluência num dado aspecto (c.39-40, em C). Isolar apresentou-se no estudo de mãos separadas, vozes separadas (como no c.39, C) e/ou sem pedal. Alternar, por sua vez, mostrou-se bastante diversificada: P17 alterna o andamento (devagar/rápido/apressando a cada repetição) e o ritmo (num grupo de quatro semicolcheias, intercala uma curta/uma longa, toca a primeira longa e as outras três curtas, ou subdivide as quatro semicolcheias em oito fusas; num grupo de duas semicolcheias subdivide o tempo em quatro fusas em ritmo pontuado [curta-longa] ou em oito semifusas) em todo o estudo; P17 também alterna a articulação entre as vozes (voz superior em legato e inferior em staccato, vice-versa, ou ambas em staccato/non legato nas indicações de legato, em B), ou nos fins de cada compasso e/ou desenhos rítmicos (tal como as respirações/cortes os c.11-23 ou entre os grupos de 6, 8 e 10 semicolcheias dos c.19-21, em B), bem como alterna a dinâmica (como em B, quando toca os c.11-15 ainda mais piano, mesmo com a indicação de forte no c.14). Nota-se que os exemplos de alternar continuam se expandindo em relação àqueles constatados na prática dos casos anteriores (Figs. 1-6), o que reforça a afirmação de que as categorias apresentam especificidades distintas à medida que a expertise aumenta. Acerca dos ajustes, observou-se o

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Tab. 1: Perfil dos participantes e detalhamento das obras gravadas.
Fig. 1: Incidências de Categorias Psicossensoriais da prática de P3/distribuição de focos de atenção   de A a F: Allegro da Sonata KV545 (W
Fig. 2: Incidências de Categorias Psicossensoriais da prática de P3/distribuição de focos de atenção  de A a F: Consolação S
Fig. 3: Incidências de Categorias Psicossensoriais da prática de P9/distribuição de focos de atenção   de A a E: Allegro maestoso da Sonata KV320 (W
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