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BAUDRILLARD: ESPECULAÇÕES ACERCA DA RELAÇÃO ENTRE CORPO E A MODA E OUTROS TEÓRICOS QUE CONVERGEM PARA O TEMA

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Academic year: 2020

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BAUDRILLARD: ESPECULAÇÕES ACERCA DA RELAÇÃO ENTRE CORPO E A MODA E OUTROS TEÓRICOS QUE CONVERGEM PARA O TEMA

Aldo Ambrózio1

Universidade Anhembi Morumbi

Paulo Alexandre C de Vasconcelos2

Universidade Anhembi Morumbi –Eca -Usp

RESUMO

Refletir sobre Baudrillard é pensar também no consumo, e porque não na moda, este breve artigo busca fazer uma passagem, ainda que geral, rápida ,sobre a obra do filósofo, adentrando nos vieses paradigmáticos conceituais do mesmo e de outros autores ao circunscrever as relações entre produção, consumo e moda-corpo e as implicações destas decorrentes, com as questão do corpo, consumo e de uma pseudo-conciência da moda.

Palavras Chave: Baudrillard; Produção/Consumo; Moda e Subjetividades.

ABSTRACT

To think about Baudrillard is to think also about the consumption, and because not in the fashion, this short article looks to do a passage, still general what, quick, on the work of the philosopher, entering in the slants paradigmatics you conceptualize of the same thing and of other authors while circumscribing the relations between production, consumption and fashion-body and the implications of these resulting ones, with the question of the body, consumption and of a pseudo-concience of the fashion.

Key Words: Baudrillard; Production / Consumption; Fashion and Subjectivities.

      

1 Mestre em Administração pela Universidade Federal do Espírito Santo. Doutorando em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bolsista pela CAPES. É professor convidado da Universidade Anhembi Morumbi. Possui artigos publicados em anais de congresso nacionais e internacionais. É pesquisador nos temas: poder; subjetividades e sua relação com o contemporâneo. E-mail: aldoamb@uol.com.br.

2 Doutor pela Eca Usp, com a obra Baudrillard do Texto ao Pretexto-1999, Alexa Editorial 2004, tendo outras obras publicadas na área de Comunicação, consumo e imaginário,bem como artigos em publicações Nacionais e Internacionais; docente da Anhembi Morumbi, professor credenciado - convidado Eca Usp na disciplina Consumo Estratificado da Produção Cultural. Pesquisador nas áreas: Comunicação Consumo, Moda e imaginário. E-mail:paulovas@gmail.com. 

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UM PERFIL DO AUTOR E OBRA

A busca de reflexões sobre a contemporaneidade e, destacadamente, para um novo tempo que denominaremos como quisermos, seja o pós-moderno, para além do contemporâneo ou mesmo um tempo que ainda não conseguimos denominá-lo, foi para Jean Baudrillard um mote nas suas reflexões, em que, entre outras coisas, discutiu o tempo, o corpo e a existência do homem face às novas ordens de valores aos quais, além de elegermos, fizemos deles um cenário para tramarmos nossa convivência.

Baudrillard nasceu em Reims, França, em 20 de julho de 1929. Faleceu em março de 2007. Lecionou na Universidade de Paris X- Nanterre, onde, juntamente com Henri Lefebvre, obteve sua primeira pós para, em seguida, publicar “O sistema dos Objetos”, em 1966 com influência decisiva da obra O sistema da Moda de Roland Barthes. Seguiram-se, então, outros livros: “A Sociedade de Consumo” (1970), “For a Political Economy of the Sign” (1972). Esta última, inclusive, marca sua crítica e descrição de uma pós-modernidade.

Mesmo sem assumir tal fato, o que se percebe é uma mudança forte na sua escrita e nas suas abordagens, isto já coincide com a metade da década 1980, em que há na seqüência a morte de Barthes. À época, assume uma postura de um filósofo/pensador iconoclasta, ou, como o próprio relatou: “Um paroxista indiferente”.

A obra de Baudrillard estréia para nós brasileiros nas suas três grandes reflexões sobre o objeto, o consumo e a força do signo, o que na verdade corresponderiam respectivamente aos seus títulos: Sistema dos Objetos - Sociedade do Consumo- Por uma Crítica a Economia Política do Signo.

Estas obras já nos chamavam atenção pela trama do consumo em que ele tenta re-argumentar, trazendo de modo novo a Semiologia e a Psicanálise ao seu discurso, numa visão de envolvimento do corpo e do erótico e porque não da moda como instância do comportamento amalgamado pela ordem desses valores advindos da publicidade, e aqui seu mérito em redimensionar a moda em que pese não tratá-la por esta denominação, mas em um campo mais amplo da ordem do consumo, dos objetos, das trocas, e, principalmente, da sedução.

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Baudrillard busca uma nova contribuição ao entendimento do sujeito, partindo desses seus novos encaminhamentos reflexivos, dentro dessa exacerbação do consumo face às estratégias da sexualidade e do imaginário sedutor expostos na visibilidade sígnica.

Baudrillard, nesta primeira fase de sua obra, ao falar do consumo aponta para discursos visíveis e, neste aspecto, não se furtaria a falar da publicidade – matéria sobre a qual soube investir com tanta força – observando discretamente a moda como um dos seus vieses, de modo a trazer um perfil diferente, crítico, sobre este tipo de comunicação que, com ele, recebe um estudo denso.

Em toda sua obra escolheu um patamar filosófico, da ordem dos valores para assim desfiar suas considerações sócio-filosóficas. A ordem dos valores como paradigma da cultura em que, entre outras coisas, o corpo foi submetido, redesenhado e reconfigurado para uma nova ordem do além do humano, foi atarraxado por novas próteses que intermedeiam a existência e a condição de sujeito discursivo. A visibilidade discursiva o tragou para um novo espaço social, formatando-o na ordem das aparências para ainda não falarmos da ordem simulacral. Em Senhas, Baudrillard (2001) fez um apanhado de sua obra total, quase como um verdadeiro inventário, para detectar alguns fundamentos epistêmicos de seu pensamento bem como os principais eixos temáticos sobre os quais ele se apoiou para tramar os aportes teóricos que, entre eles, podemos enfatizar: o objeto; o valor; a sedução; o obsceno; a transparência; o virtual; o aleatório e o caos.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTEMPORÂNEO

Falar da moda é entrar em uma discussão sobre os processos que a fazem funcionar em meio a uma sociedade contemporânea que é classificada por variadas denominações: Sociedade do Consumo (BAUDRILLARD, 1999); Sociedades de controle (DELEUZE, 2000); Sociedade do Espetáculo (DEBORD, 1997); Capitalismo Tardio (Mandel, 1978); Império (HARDT e NEGRI, 2002); e assim, poderíamos continuar ad infinitum em tais classificações sobre o que nos acontece no momento hodierno.

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Contudo, em uma cartografia na qual o que gostaríamos de levantar seriam as imbricações entre o corpo e a moda, basta levantarmos um aspecto comum a todas essas leituras do momento em que vivemos: as mutações operadas no funcionamento do capitalismo no período posterior às crises do Petróleo em finais da década de 1970.

Deleuze (2000), ao se referir a isso, nos dirá que já não se trata de um capitalismo de concentração, para a produção, e de propriedade, como o era durante todo o século XIX e até meados do século XX, mas sim, um capitalismo de sobre-produção, que agora compra produtos acabados, ou monta peças destacadas e que quer vender serviços para com isso comprar ações.

Para entendermos essas mutações no funcionamento do capitalismo contemporâneo descritas por Deleuze (2000), faz-se necessário atendermos o conselho do velho Marx (1998) que nos convidou a abandonarmos a esfera ruidosa da circulação e adentrarmos, com a cabeça erguida, o reino da produção.

Uma pergunta pertinente para isso seria: o que aconteceu com o reino da produção nesse período que marca nossa experiência contemporânea?

Harvey (2003), Gounet (2002), Onho (1997) e Coriat (1994), apesar das diferenças terminológicas, nos apontam uma transformação dos aparelhos produtivos que envolvem: a organização do uso da força de trabalho; a organização da localização dos equipamentos de produção e, por fim, uma distinção do que é produzido e do volume dessa produção.

Quanto à força de trabalho, se acompanharmos a descrição desses pensadores, observaremos que as exigências deslocam-se de um uso rotinizado da força física dos trabalhadores para a busca da exploração de suas habilidades intelectuais, destacando aí: habilidade de gestão dos recursos de produção; criatividade e compromisso com os objetivos da empresa.

Hardt e Negri (2002) assim como Gorz (2003) e Lazarrato (2001) nos dirão que se trata da exploração do trabalho imaterial em substituição à exploração do trabalho material que era observada no momento anterior do modo de produção capitalista.

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Quanto à organização dos equipamentos no interior dos aparelhos produtivos é observado, por esses autores, a extinção da linha de produção, própria da organização fordista, e sua substituição pela célula, própria da organização toyotista.

Por fim, o que é resultado das mutações anteriores, deixa-se de se produzir – em um único aparelho produtivo – uma pequena variedade de produtos em grandes lotes e passa-se a produzir uma extensa variedade de produtos em pequenos lotes abrindo-se espaço para a grande variedade de estilos que marcam os produtos contemporâneos.

Essa diversificação e estilização da produção são acompanhadas, no consumo, por uma obsolescência tanto material quanto estética dos produtos, sintomas que levou Antunes (2003) a classificar como falaciosos os discursos de qualidade total que acompanharam essas modificações na base produtiva das empresas, ou seja, quanto mais se falava que os produtos tinham qualidade, menos eles eram duráveis tanto materialmente quanto esteticamente. Poderíamos enumerar variadas razões para essas transformações nos aparelhos produtivos, não obstante, a que nos parece mais significativa é a apresentada por Harvey (2003), Chesnais (1996) e Carcanholo e Nakatani (1999) na qual é apresentada uma transferência da hegemonia, na determinação do sentido da acumulação, do capital produtivo para o capital fictício resultando em uma financeirização crescente dos investimentos na economia capitalista mundial.

A tese desses autores firma-se na especulação em torno das diferenças no tempo de giro do capital e das taxas de remuneração entre as esferas financeira e produtiva. Como na esfera financeira o giro do capital3 é mais rápido e a taxa de remuneração4 mais elevada do que no

      

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  Trata-se do tempo decorrido entre o investimento inicial (momento em que o dinheiro deixa as mãos do capitalista) e o retorno desse investimento (momento em que o dinheiro retorna às mãos do capitalista). Esse ciclo é descrito da seguinte maneira: D-M-D’, onde: D = Capital Dinheiro; M = Objeto ao qual o capital dinheiro foi aplicado; D’ = D + ∆D, ∆D representando o acréscimo auferido pelo capitalista na aplicação.

4 Trata-se do percentual sobre o investimento inicial que é ganho pelo capitalista em uma operação de investimento qualquer.

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setor produtivo, esse, vê-se obrigado tanto a reduzir o tempo de giro quanto aumentar as taxas de remuneração, já que, está subordinado à esfera financeira5.

Desse modo, para suprir as elevadas taxas de remuneração auferidas na esfera financeira, o setor produtivo teve de passar por uma série de reestruturações no momento em que ocorreu essa financeirização da economia, o qual podemos datar o início em fins da década de 1970 com as crises do petróleo.

É por essas razões que Deleuze (2000) classificou esse capitalismo como de sobre-produção identificando seus interesses na venda de serviços e na compra de ações que marcam justamente esse deslocamento da hegemonia do setor produtivo para a esfera financeira. Pode parecer estranho uma discussão tão abrangente sobre economia política em um artigo que tem como objetivo traçar imbricações entre o corpo e a moda, contudo, pensamos que a esfera da produção está intrinsecamente ligada à esfera do consumo e, se constatamos a ocorrência de transformações naquela é de se pensar que essa também sofreu profundas mutações nesse período posterior ao fim da década de 1970.

E, como quando falamos de consumo, estamos falando de indivíduos que consomem, não dá para não estabelecer também uma relação direta dessas transformações na produção e no consumo com transformações no tipo de consumidor que surgiu nesse período. Abrimos a discussão, então, para a produção de subjetividades.

A observação dessa simbiose entre produção, consumo e sujeitos que consomem não é recente, Marx (1978, p. 108) já atentava para isso quando afirmava,

A fome é fome, mas a fome que se satisfaz com carne cozida, que se come com faca ou garfo, é uma fome muito distinta da que se devora carne crua, com unhas e dentes. A produção não produz, pois, o objeto do consumo, mas também o modo de consumo, ou seja, não só objetiva, como subjetivamente. Logo, a produção cria o consumidor. [...] o próprio consumo, como impulso, é mediado pelo objeto. A necessidade que sente deste objeto é criada pela percepção do mesmo. O objeto de arte, tal como qualquer produto, cria um público capaz de compreender a arte e de apreciar a beleza. Portanto, a produção não cria somente um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto.

      

5 Tal subordinação é visível por meio do conceito de governança corporativa. Segundo tal conceito do mundo das finanças a gestão produtiva e administrativa de uma empresa devem funcionar segundo o princípio do aumento crescente da riqueza dos acionistas.    

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Também em Gramsci (1998) podemos ver que o americanismo6 e o fordismo não foram simples formas de organização do trabalho através da articulação da produção. Para que o fordismo pudesse ter sustentação e se estabelecer como modelo hegemônico de organização produtiva, não era necessária apenas a racionalização dos seus processos ou a utilização de suas linhas móveis de montagem.

Era necessário que o cenário social, político e econômico também fosse embarcado em sua lógica; era necessária a criação de uma sociedade de trabalho, mediada por uma disciplinarização da força de trabalho. Nesse aspecto, o fordismo ganhou extensão, prolongando-se da fábrica à casa dos operários passando pelo aparelho jurídico, com formulações de leis desde as mais gerais, como as que regulavam o trabalho, até as mais específicas como a Lei Seca, que levaram a formação de uma “moral dos produtores” e uma “ética do trabalho”, ouçamos,

Na América, a racionalização do trabalho e o proibicionismo estão indubitavelmente ligados: os inquéritos dos industriais sobre a vida íntima dos operários, os serviços de inspeção usados por algumas empresas para controlas a “moralidade” dos operários são necessidades do novo método de trabalho. Quem risse destas iniciativas (mesmo falidas) e visse nelas apenas uma manifestação hipócrita de “puritanismo”, estaria desprezando qualquer possibilidade de compreender a importância, o significado e o alcance objetivo do fenômeno americano, que é também o maior esforço coletivo realizado até agora pra criar, com rapidez incrível e com uma consciência do fim jamais vista na História, um tipo novo de trabalhador e de homem. [...] As iniciativas “puritanas” só têm o objetivo de conservar, fora do trabalho, um determinado equilíbrio psicofísico que impeça o colapso fisiológico do trabalhador, premido pelo novo método de produção (GRAMSCI, 1998, p. 397).

Assim sendo, falar da estética de uma organização produtiva é falar também da estética dos sujeitos no momento dessa organização.

E, com essa constatação, quando observamos o cenário contemporâneo, o que vemos então modificar-se nesse período em que os aparelhos produtivos se reestruturaram foi todo um modo com se dava o consumo.

      

6  O "americanismo" é um instrumento para a existência do "fordismo", é a regulamentação racional da sociedade, dentro e fora da fábrica, no âmbito público e no privado. O americanismo não é somente um método de trabalho, é também um modo de vida físico e psicológico. O fordismo é o que passa a ser o modo mais eficiente para se acumular capital, é a racionalização que ganha vida nos diversos âmbitos da realidade para potencializar a acumulação de capital. 

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Se antes o mesmo funcionava por meio de uma estética da estabilidade e da identidade, com essas transformações, o consumo passou a se dar por meio de uma estética da diferença e da diferenciação.

O que quer dizer que os sujeitos não têm mais a preocupação, ao consumir, em buscarem objetos duráveis e que permitam a eles identificarem-se em um conjunto homogêneo de outros sujeitos, como o era na época da estética da estabilidade pregada pelo fordismo, mas, diferentemente disso, o que desperta a atenção dos consumidores são objetos fugazes e que permitam que os mesmos se distingam em um determinado meio social.

Vemos aí, nessa distinção do gosto em consumir, toda essa transformação nos aparelhos produtivos que deixam de fabricar grandes lotes de produtos duráveis e homogêneos no fordismo e passam a fabricar pequenos lotes de objetos diferenciados no toyotismo.

Não que essa relação seja direta, mas, para que um aparelho produtivo possa produzir coisas variadas é necessário que os consumidores tenham gosto pela diferença em vez da identidade. Não é difícil de perceber que a moda ocupa aí todo um papel na produção desse sujeito que se sinta atraído pela diferença ao efetuar o ato do consumo.

Destarte, começaremos, assim, uma descrição mais detalhada dessa relação da moda com a produção desse corpo consumidor, no que a obra de Jean Baudrillard nos será de grande auxílio.

O CORPO E A TRAMA

Em Baudrillard, o corpo foi sempre tratado como aquele que, além de ancorar na ordem dos sistemas dos valores, o faz sustentado pelos objetos que o cerca e que compõem seu cenário para a sua estada social, re-configurando ordens novas do valor.

Tal cenário compõe a trama com a qual a sociedade de consumo se estrutura e tem como seu álibi a corporeidade que necessitamos para ser e estar. Fixamos-nos sobre o estágio de seres implicados na matéria que nos faz emergir no visível e do ser na condição do ter, assim, tendo, somos e estamos, em uma espécie de triunvirato, lapidamos o viver e nos acercamos da

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ritualidade primitiva, sob a forma de objetos que compõem um círculo de práticas materiais adjudicadas pelas noções conceituais, ou não, em que os signos passam a ordenar a existência. O campo dos sentidos – campo determinante para o desenho do sujeito, sua subjetividade e seu convívio – está subordinado ao desenho dos signos e nos permite dar coerência ao ser e ao estar, mesmo que aparente, mesmo que de maneira velada, seja até mesmo por uma situação de incoerência, mas realiza um arcabouço de ordem de valores, compondo as estruturas de realização do humano, nisto se realizam e emergem os corpos, sob uma nova ordem de sentido, a que garante a visibilidade do sujeito.

A sexualidade se coloca dentro deste patamar e estabelece nova ordem de valor. Desta feita, a ordem de valor, ao assumir patamares de exposição, é ressignificada para construir novos poderes e importância, estabelecendo nova resignificação de valores, cujo processo é um ad continuum.

A condição dos gêneros em feminino e masculino dá nova perspectiva ao corpo e se desdobra quanto à ordem do humano redizendo novas eficácias e novas ordens de valores. A cada ordem de valor consagrada e fundantes, novos esquemas de valores se estabelecem e os enredam em esteiras intermináveis

Se a ordem do pensar, da consciência e da linguagem nos tornaram eficientes ao sujeito do sentido e do significado, esta mesma ordem transversou outras já fundadas e se cruzam. Esse emaranhado de valores, portanto, tornou a sexualidade como um solo complicado, redizendo o corpo e detalhando-o de valores. Desde a pele à ossatura, aos pêlos, sorriso, toda malha performática é perscrutada pela ordem do sentido, e, portanto, de valores que conceituam, dizem, vislumbram signagens.

O corpo, segundo Baudrillard, é uma ossatura de signos, cuja engrenagem enreda a mais completa teia de sentidos e razões e perpetram todas as cadeias e campos de sentidos e signos, ressignificando-o para reconsiderá-lo como mais importante objeto de sentido e do consumo, do desejo e de trama de operantes. Sobre ele se desenvolvem todas as cadeias operantes de signos que o faz transbordar entre o sagrado e profano, sem que com isso se excluam para operarem.

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O corpo tangencia toda uma estrutura de alinhamento consciente e inconsciente tornando inevitável a captura do sujeito numa ordem de sentido real ou Imaginário. O sujeito sempre se põe ao centro definindo outras ordens e transversando a mesma em um sistema - circuito. As linguagens, desta feita, o enredam numa artimanha incomensurável, em que objetos e toda uma centena de discursos e jogos semânticos lhe absorvem e são absorvidos para manter seu tônus verbo-imagético atualizado nas possíveis conformidades do possível, dito e visto.

A Economia, como nos apontou Baudrillard, se utilizou dele - o corpo - fazendo a revolução do capitalismo, enquanto força motriz e depois o tragou para sua subserviência ao manipulá-lo nos tangenciamentos maquínicos para além de um real. Neste reverberamento do maquínico na dimensão explosiva da visibilidade da mídia, ele reverbera incessantemente atiçando poderes pelas linguagens possíveis, e faz da sexualidade o tônus que o decora, redecora e vitaliza.

O corpo é máquina, e, como tal, signo de uma engrenagem de poder aliciante e aliciador, que opera, por desdém, por corpus seducione, por sub-julgamento, fetiche e simulação. A publicidade mantém vivo, rarefeito e determinante para toda ordem de sedução aliciatória, o corpo é a mais bela vitrine e álibi, para redesenhar o sujeito e mantê-lo sob a égide do mais alto estereótipo alucinatório e poder metafórico, ultrapassando os limites do ser para um além do ser e vindo a conjugar o ter, para assegurar o estar, estar este que rediz a condição do sujeito objetivado da consciência.

O corpo, permeado pelos apetrechos das ordens do valor publicitário, diz o consumo, pede e recomenda o mesmo. A estrutura corporal redefine as mesmas ordens anteriores no campo do sagrado e do profano e agora os dois se fundem, se confundem e não mais convivem em campos paralelos.

Todas as ordens anteriores que objetivavam o homem na sua diversidade de valores e direitos se negociam para abrir mais portas que, enclausurando o corpo, se mistura e se confunde. O hiper real, a que se refere Baudrillard, determina o seqüestro do corpo e não sabe mais delimitá-lo.

A pele, a ossatura já não amalgama apenas o biológico, mas é um contrato com a diversidade de aglutinamentos que a técnica impõe, requer e seduz. As próteses convergem para o apelo

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do mais humano, válvulas, pinos, próteses, liquidas, detonam o corpo e ele agora é o mais belo narciso que cegou e não mais se enxergam senão pelo outro, mas que não espelha, é opaco. Esse cordão circular que envolve a pele e o corpo é sempre detonado por uma ordem simbólica que, além de dizer, indaga, perscruta, insinua, é uma pele inteligente no sentido de não apenas dizer, mas de sentir e redizer e reconduzir.

A moda é esta circularidade, este amalgamento que não diz apenas o corpo, mas o plasma numa arquitetura do social, redizendo-o , negando-o ou o consolidando. A moda é pacto na estrutura do ser enquanto, e ao mesmo tempo pacto do consumo, a vida é dita pelo consumo, pelo existir, acabar e renovar ad eternum. A moda é um espectro de vigilância do ser e da sua capacidade de querer mais, numa fome sem fim de sentidos para com isso acreditar que ao dizer e expor, consolida o estar.

A MODA COMO CONSCIÊNCIA

Em outra obra minha (Vasconcelos,1999) refiro-me a “A moda”, como uma lógica de exposição e ostentação de signos que é e vai além “da ordem ritual”, não se correlacionando com o adorno, é na verdade da ordem do discurso, discurso como uma grande trama de sentido cujo único ápice é a discursividade simuladora que faz brilhar um não mais real, mas um hiper-real que atende somente ao desejo simulado

Baudrillard, é resgatado por Coelho ao flagrar numa das características da pós-modernidade, no que trata da moda. “ao se referir a um dos traços da pós-modernidade” (Coelho, 1995) estaria a moda, por exemplo, onde se poderia observar uma liberdade sexual muito mais representada, sugerida do que efetivamente praticada; onde se poderia notar em maior grau a ascendência do parecer sobre o ser numa fórmula mais consagrada; mas a inclusão da moda como traço da modernidade, sob esse ângulo, é apressada e muito mais um recurso jornalístico de enfatização e exacerbação do que uma exigência da analise.” Aqui o autor chama atenção, portanto, para se perceber como às vezes aleatoriamente podemos tomar um dado isolado e o

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generalizarmos, ou seja, para ele no século XVI, a moda já está exercendo seu papel e para tanto aponta a obra O Cortezão, de Baltazar Castiglione. Este autor ao falar dos nobres italianos sugere um vestir que deve combinar com alguns ditames de cor e forma como aqueles já apregoados na Espanha.

Ou seja, como diz o próprio Teixeira, “não há nada na moda da modernidade que já não esteja na moda da antigüidade”. Conclui Teixeira apontando para a moda não como fenômeno moderno, ou melhor, tão moderno, como de igual modo não são tanto da modernidade, as reflexões sobre o que se fala dela na atualidade.(Coelho apud Vasconcelos,1999)

Entendida a moda como uma ritualística e para além; ela se inscreve na ordem dos sentidos como já dissemos, mas ela produz um estágio de consciência que é o estar, é um modo de ser, de se compreender, de querer ou poder estar. A moda é esta possibilidade de, na consciência pura ou comprometida, renovar o homo consumans e o faz na mudança de peles, de rituais e de formas. Nessa mudança de peles, opera o estágio de um contínuo em se que se afirma inclusive o movimento. Os objetos, neste sentido, agregados que são da pele e da moda, pertencem a esta circularidade, a este modus.

O corpo amplia-se nesta tal circularidade que exige perscrutar os ambientes e, com isso, estende o entendimento da moda. Dessa forma, ela não é mais o corpo, mas sua ambiência, esse contorno que amplia a corporeidade e ascende a um patamar de consciência, de um conhecimento com, de um conhecimento de estar, dizer e localizar. A moda é fusão por abranger o entorno, por destilar sentidos que se evaporam e ao fazê-lo, detona uma aura de expressão em que o eu anseia por expansão para se locupletar.

Se a consciência é estar com, é ter, e assim ser, por conteúdo de algo que me afeta, a moda é este desenho de expressão que quer dizer a consciência, ela não quer perguntar de fundamentos da ideologia, pois ela é uma ideologia, e, portanto, ela não se indaga senão a dizer de si. Ela reflexiona a si dizendo e apontando para si. A moda é espelho, ela se vê, se reflete, ela é o ser em extensão de sentido.

A cultura, pois, é esta linha que borda e reborda os sujeitos e constitui o álibi da moda, é cerzir, alinhavar, dar acabamento, chulear e assim constituir os sujeitos na moda; a moda é

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poder, ela tem faces múltiplas e constrói a diversidade de consciência simbólica. Para não mais falarmos de consciência de classe, já que a moda nos chutou para mais adiante, ela furou o bloqueio de classes ou dos paradigmas ortodoxos de classe social, conforme apontamentos de Bourdieu (1982). Essa forma de circularidade que a moda propõe, e isto ela faz com a publicidade, não só a midiática, mas toda e qualquer forma de publicização, em que os sentidos ecoam, dizem, se mostram e têm um poder de serem vistos, e em representando, influenciar, ser entendida, compreendida, enfim de expressar tendo o direito de ser retida e multiplicada.

A publicidade, neste sentido amplo, é este empurra do tornar mais o que é menos, ou multiplicar o que foi dito pelo poder de dizer e de ter uma consciência. O mundo da moda entendido não só como vestuário, mas, aquilo que dita comportamentos e viabiliza o consumo é da esfera do visível publico que se oferece como valor e precipita uma subjetividade mapeada pelos solos da estética e torna assim o sujeito solapado na ordem do objeto absoluto, nesta mesma ordem opera o fetiche eu, como diz Baudrillard (1990, p. 98):” O fetiche opera o milagre de apagar toda acidentalidade do mundo e de a substituir por uma necessidade absoluta”.

Nesta mesma via de consideração, o autor ao enveredar pelas estratégias fatais, que teria a moda como ordem de valor e assunção da mercadoria absoluta, e nesta perspectiva o objeto é sedução total. O objeto, estádio de comportamento é da ordem não mais apenas do imaginário e sim da mais referencialidade da mais verdade, da mais exatidão.

A cultura da moda é a indistinção do corpo e do rosto vislumbrado apenas as aparências, para operar num novo real, mais real que o real, o corpo assim extradita a subjetividade, mesmo que a moda insista em dizê-lo que assim faz o realce da subk , e torna-se assim como cita o autor “ uma degradação rumo a evidência terrorista do corpo”(BAUDRILLARD, 1992, p.42) Essa moda, essa circularidade é um sistema. Essa palavra – SISTEMA - como bem pensou Barthes, é uma convergência de sentidos, de lógicas que se aglutinam num lusco e fusco de trocas e, sendo assim, é um laboratório de si em permanente mudança, aliás diríamos que a moda nada mais é que essa êxtase laboratorial da cultura, da consciência em desvario por querer ser, por estar a ser, por indagar do ser.

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Referências

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