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COLEÇÃO LUIZ PALMIER: FOTOGRAFIA, HISTÓRIA LOCAL E MEMÓRIA

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Academic year: 2020

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Marcelo da Silva Araújo

Existe uma corrente que diz que a fotografia é objetiva, representa uma realidade, nem mais nem menos. Ela é imparcial e mostra a realidade total... Não é verdade! Isto é a maior mentira do mundo. Você não fotografa com a sua máquina. É a coisa mais subjetiva que existe. Você

fotografa com toda a sua cultura, com os

condicionamentos ideológicos. Você aumenta, diminui, deforma, deixa de mostrar. A fotografia é uma maneira de viver, de continuar o trabalho social e ideológico.

(SALGADO apud MORAIS, 1981) RESUMO: Com aproximadamente 700 imagens, a Coleção Luiz Palmier cobre vários aspectos da sua vida pessoal e profissional. As atuações na área da medicina, da política, do folclore e do mundo acadêmico foram as facetas privilegiadas na obra que ele fez de sua existência. Denotando não ter como perspectiva a exibição pública dos registros (apesar da veiculação de parte do conjunto pela imprensa), Palmier não os sistematizou. A Coleção pereniza um período que se estende por 5 décadas (até por volta de 1954), durante o qual vários foram os fotógrafos envolvidos. As fotografias sugerem, pois, uma postura que pode ser classificada como ideológica sobre o processo de arquivamento, que passa a ser a eternização de uma memória que constrói e legitima por ela, a imagem fotográfica, onde se mesclam a biografia do autor e a monumentalização de um local com fins de indiciar progresso e a modernidade.

Palavras-chave: Luiz Palmier; fotografias; história local.

ABSTRACT: With approximately 700 images, the Luiz Palmier Collection covers various aspects of his personal and professional life. His performances in the fields of medicine, politics, folklore and the academic world were the privileged facets in the work he did of his existence. Denoting that he did not have the public exhibition of records as his perspective (despite the fact that part of the set was broadcast by the press), Palmier did not systematize them. The Collection spans a period that spans 5 decades (until around 1954), during which several photographers were involved. The photographs therefore suggest a posture that can be classified as ideological about

Licenciado em História/UERJ, mestre em Artes Visuais/UFRJ e doutor em Antropologia/UFF. É

coordenador e professor da Licenciatura em Ciências Sociais do Colégio Pedro II. E-mail: msaraujo@cp2.g12.br.

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the archiving process, which becomes the eternalization of a memory that constructs and legitimizes it, the photographic image, where the author's biography and monumentalization are mixed of a place to indicate progress and modernity.

Keywords: Luiz Palmier; photography; Local history.

I. Introdução

Atualmente, é indiscutível a importância da fotografia para a pesquisa no campo da História. Ela figura entre os vários tipos de registros que permitem o alargamento da noção de documento, há muito proposta por importantes historiadores (MARROU, 1978; MIGUEL, 1993; DOBEDEI, 2000). Deste modo, há que se pesar as particularidades deste documento visual que serve à leitura e à interpretação, a fim de proceder a uma efetiva contextualização de seu uso e das informações que este uso pode proporcionar.

No momento em que escrevo é forte a defesa de que uma fotografia nunca pode conter a verdade plena de um acontecimento social, mesmo sendo produzida com o objetivo de mostrar uma “verdade” visual. Ainda que abordando fatos concretos e reais, ela nunca abandonará a sua condição de representação. Assim como as demais fontes de informação histórica, a fotografia é, pois, um “artefato social” (KOSSOY, 1993, p.14), que deve ser interpretado no processo de interação entre o produtor da imagem, seu objeto e nós, seus espectadores.

Como imagem que é, ao lado de outros tipos de documentos visuais (filmes,

outdoors publicitários etc.), a fotografia objeto de pesquisa histórica deve ter o seu

conteúdo sempre visto como de abrangência multidisciplinar. Ao analisá-la, devemos ter em mente o cuidado metodológico de não esquecer que o interesse por certas

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questões é determinado pela época e pelo grupo ao qual pertencemos. Assim, a história que construímos é, portanto, uma história do nosso tempo.

Este texto possui um duplo objetivo: primeiro apresentar a Coleção Luiz Palmier, acervo fotográfico custodiado no Laboratório de Pesquisa Histórica da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (historiadesaogoncalo.pro.br/luizpalmier), efetuando uma reflexão acerca dele. O segundo, que decorre do precedente e é externo ao próprio texto, é exatamente instigar a sua consulta (o que explica as menções, neste texto, a fotografias específicas da Coleção sem que, como prova, elas mesmas sejam aqui inseridas), funcionando, então, como uma espécie de itinerário indicativo possível, que não tem a intenção de esgotar a sua riqueza, mas sim de reforçá-la, enfatizá-la.

II. Quem foi Luiz Palmier

Luiz Palmier (1893-1955) era farmacêutico e médico. Nascido no município de Sapucaia, chegou à São Gonçalo em 1918, mesmo ano em que se formou em medicina pela Universidade do Brasil. Tinha por atribuição combater as inúmeras epidemias que grassavam na região, em especial o surto de gripe espanhola.

O médico logo adquiriu notoriedade, seja por sua abnegação profissional, seja por sua capacidade de retórica. Esta última, ele demonstrava em suas participações como articulista nos principais periódicos locais da década de 1920, como o

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– como a Associação do Hospital de São Gonçalo1 -, às quais ele se liga como

fundador ou como membro ilustre.

III. Sobre a Coleção Luiz Palmier

Contando com aproximadamente 700 imagens, a Coleção Luiz Palmier cobre vários aspectos da sua vida pessoal e profissional. Suas atuações na área da medicina, da política, da apreciação folclórica e do mundo acadêmico foram as facetas privilegiadas na obra que fez de sua existência.

Considerando o conjunto de fotografias como uma coleção2, não se verifica,

no entanto, uma organização pensada de antemão por seu autor. Luiz Palmier não deu a ela uma organicidade, tal como poderíamos esperar de um personagem tão zeloso de sua imagem pública. Contudo, muitas destas produções foram veiculadas através da imprensa e da produção intelectual que o médico construiu durante sua vida.3

Há, entretanto, uma exceção para dois conjuntos de fotografias sistematicamente organizadas (que, na realidade, foram constituídos por sua esposa, Olga Palmier). O primeiro, maior e mais consistente, foi denominado “Álbum do Luizinho”, filho mais velho do casal, falecido muito jovem, aos 14 anos de idade; o

1 O município não possuía hospital, à época, e os necessitados de atendimento contavam somente

com um insuficiente posto de saúde. Formou-se, assim, uma campanha em prol da construção do mesmo, sob a organização de Palmier, em 01 de janeiro de 1920. Cf. Araújo, 2012.

2Numa aproximação teórica com o conjunto imagético, Krzysztof Pomian (1997, p.53) argumenta ser

a coleção um conjunto qualquer de objetos mantidos temporária ou definitivamente fora do circuito das atividades econômicas. Além disso, ela deve estar fundamentalmente sujeita a uma proteção especial num local fechado preparado para esse fim e exposta ao olhar do público.

3 Longe de ser somente um profícuo articulador em nível local, nas mais diversas áreas de sua

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segundo, em formato e quantidade menores, “Albinho”.4 No que tange ao meu

interesse neste trabalho, apontarei, especialmente, os aspectos referentes aos cortes temáticos retratados e aos fotógrafos.

Os espaços que servem de cenário à produção das fotografias representam, evidentemente, as opções que se encontravam disponíveis para tanto. Acredito ser pertinente lembrar as “locações” de que se valeram Palmier e seus biógrafos visuais, na constituição de sua obra imagética. Um número expressivo de fotografias da coleção aponta para espaços abertos, deixando entrever dias bastante luminosos, propícios mesmo para o registro fotográfico. É possível que estas escolhas signifiquem, em parte, restrições impostas pelas próprias limitações tecnológicas do equipamento utilizado (naturalmente, imaginar a distância entre aquelas máquinas e as lentes nossas contemporâneas já nos é suficiente para intuir o porquê destas opções). Entretanto, é instigante tecer algumas considerações em torno disto.

No Brasil, os últimos anos da década de 1970 e o correr dos anos 1980 marcaram o início do ampliado reconhecimento da fotografia como documento de pesquisa acadêmica. Ao analisarmos fotografias lhes damos sempre uma interpretação. Olhá-las já põe em marcha nosso potencial interpretativo. Esta interpretação molda-se a partir de nossa experiência cultural, estética e ideológica, fazendo com que não haja “interpretações-padrão” sobre o que se vê registrado nas imagens.

constituídas durante quase toda a primeira metade (e, também, os primeiros anos da segunda metade) do século que se foi.

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Foi neste sentido que o acervo se tornou material importante para a interpretação de um fundamental período da história de São Gonçalo. Ele evidencia a conformação de uma identidade para o município, a partir da criação e do fomento de uma ampla estrutura de ação social e da potencialização das possibilidades culturais e do capital político nativo, conferindo importante projeção em distintos espaços do trânsito social de então.

Se há, pois, um elemento comum no conjunto das fotografias, este certamente é a disposição de Palmier em primeiro plano. Também isto pode parecer óbvio, mas é, consequentemente, indício de construção de uma trajetória pessoal, baseada no registro visual, que configura uma memória de suas realizações como personalidade pública de amplo reconhecimento. E conseguiu: suas fotografias comunicam uma atmosfera e exprimem sentimentos.

4 Albinho não é o nome oficial da coleção, mas é um nome atribuído pelos pesquisadores, face à

A Convenção Batista Gonçalense visitou o Hospital de S. Gonçalo, na última 3ª feira

(legenda original. Luiz Palmier ao centro, de terno branco).

O São Gonçalo,

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IV. Temas

É muito diverso o leque temático sobre o qual se constrói a Coleção Luiz Palmier. Há fotografias que podem, sendo objeto do esforço de uma classificação minuciosamente catalogada, compor mais de um cenário discursivo, o que possibilitaria mais de uma “entrada” para futuras buscas de pesquisa.

Os registros da década de 1910 são especificamente fotografias pessoais, retratando suas formaturas acadêmicas: em 1912, formando-se Farmácia; em 1918, em Medicina. Além destas, há alguns poucos momentos captados por Photographia Royal Dias & Filho, ainda em 1918, quando Palmier participa de uma reunião sobre a qual não há maiores informações. De resto, é significativo o fato de que o médico somente tenha efetuado registros estritamente pessoais ao longo da década de 1920, como a de seu casamento com Olga Correa de Sá e Benevides, Olga Palmier, e, no extremo, nos primeiros anos da década seguinte, concentrando as demais ocorrências nas mais variadas temáticas.

Os anos 1930 foram o palco que serviu de núcleo para a narrativa imagético-biográfica de nosso personagem. Neste período, nos planos familiar, profissional etc., juntamente com o decênio subsequente, uma profusão de imagens alimentou a Coleção. Com destaque para as fotografias de remissão ao plano político, especialmente com marcações que vão do ano de 1930 a 1937, o médico documentou suas articulações como integrante do legislativo municipal e estadual e seus desdobramentos nas diversas entidades profissionais e de classe a que tinha

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acesso. Mais globalmente, a segunda metade da década, em particular o ano de 1939, expõe um número surpreendente de registros.

No campo da saúde, além da mencionada participação em agremiações médicas e afins, ainda intensificou sua prática docente, eternizando aulas, orientações e visitas de alunos ao Hospital de São Gonçalo. Quanto a este, transformou-o em sua carte-de-visite. A partir de 1931, quando do início das obras, indo até 1942, materializou no suporte fotográfico as inumeráveis comemorações, visitas célebres, inaugurações de alas e de novas instalações internas e externas etc. Foi, sem dúvida, o tema que elencou a maior produtividade, agregando diversos públicos e setores da sociedade.

Neste período, a partir de alguns exemplos da extensa atuação de Luiz Palmier, pode-se destacar três áreas: a saúde, a política e a educação. Na saúde, é digna de nota, dentre outras ocorrências, a sua participação na I Campanha

Pró-Lázaros (1933) e nas Jornadas Médicas de Campos (1935). Quanto à política, as

convenções político-partidárias (como a do Partido Liberal, em 1936, no desempenho da função de deputado estadual), a reunião da União Progressista com deputados e candidatos (1935) e a instalação do Partido Radical de Saquarema (1936). Por último, pode-se citar a Posse na seção fluminense da diretoria da Cruzada Nacional de Educação, em 1938.

É notável, na produção deste período, a variedade de espaços e de universos nos quais Palmier se moveu. Nesse sentido, deve-se ainda lembrar o seu pioneirismo, em âmbito municipal, na criação de alguns serviços fundamentais de proteção social, seguindo uma tendência de abrangência nacional, postulada pelo

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governo de Getúlio Vargas (1930-1945). O Instituto Gonçalense de Amparo à Maternidade e à Infância (IGAMI), fundado em 1939, é representativo deste ambiente.

A década de 1940 perfaz uma continuidade. Apesar de o clima político e administrativo nas várias instâncias (municipal, estadual e federal) sofrer inevitáveis alterações, Palmier mantêm as suas atividades com pujança, do ponto de vista das realizações. As fotografias desta fase - o termo fase aqui não é entendido como desconexão ou ruptura em relação aos tempos anteriores - investem mais na carreira médica. É nesta década que ocorre a criação do Centro de Puericultura (fundado por Olga Palmier, apresentava serviços de assistência pré-natal, infantil e pré-escolar, havendo, pois, a finalidade de combater o alto índice de mortalidade infantil), as movimentações de diretorias e de inaugurações no hospital, instalações de pelotões de saúde, as festas cívicas e as incursões no mundo das letras e da cultura. É também nesta década que funda e preside o Instituto Fluminense de Cultura, em 1940, e que participa, através da implantação e da supervisão, de centros médicos e ambulatórios em empresas, tal como o ambulatório inaugurado na Companhia Cimento Portland. É um tempo bem fotografado.

A década é também marcada, no ano de sua abertura, pelas comemorações dos cinquenta anos do município. Fato muito festejado, a data explora a confecção de uma torrente de fotografias, além de ser o motivo para a realização, por nosso autor, de uma das principais obras historiográficas sobre o município: São Gonçalo.

Cinquentenário. História. Geografia. Estatística. Palmier funde sua existência

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trabalho imagens de locais, eventos e de acontecimentos que chegam até nós, manipuladores de seu acervo pessoal, pelas fontes originais, mas que podem ser igualmente acessadas em seu livro, tal a riqueza visual que o compõe.5

Finalmente, chegamos à década de 1950. Luiz Palmier falecerá nela, em 1955. Não há, quantitativamente, muitas fotografias deste período. Junte-se a isso o fato de algumas imagens não terem sido datadas, não se possuindo, assim, informação de que tenham sido objeto de matéria jornalística. Para localizá-las no tempo, nos vemos obrigados a fazer suposições e juízos, a partir basicamente do entorno e do cruzamento da aparência do médico com a das últimas imagens identificadas.

Entre os eventos típicos de um homem público, são-nos ofertadas outras dimensões de seus afazeres. Tornam-se importantes, dentro do conjunto deste período, os exemplares da visita à Associação Gonçalense de Estudantes (conhecida como AGE, a entidade do movimento estudantil agregava estudantes secundaristas entre 1948 e 1968, ano de seu fechamento pelas forças policiais), a homenagem na Rádio Nacional (em março de 1951) e a série referente à participação de Palmier como folclorista. Quanto a este, em especial o período em que representou o Estado do Rio de Janeiro como Secretário Geral da Comissão Fluminense de Folclore (a CFF, espaço de confluência de intelectuais que buscavam forjar uma especificidade da cultura do então Estado do Rio de Janeiro), de 1952 a 1955.

5 Existem poucos exemplares desta obra. Uma sugestão aos que desejarem consultá-la é visitar a

biblioteca do ICBEU (http://icbeu.bnweb.org/scripts/bnportal/bnportal.exe/index), no bairro do Zé Garoto, em São Gonçalo.

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As articulações que estas últimas fotografias permitem supor dão especial brilho a uma preocupação com a promoção da cultura e dos valores tradicionais da nação. A coleção imprime uma postura memorialista ao percurso que efetua. Guardar as práticas populares, seja pelas evoluções corporais dos grupos de Folia de Reis, seja pelas produções materiais consubstanciadas no artesanato, documentando-as por intermédio das objetivas das máquinas é, sem dúvida, propor uma política de memória.

V. Fotógrafos

Em todo esse período, além da variedade temática aludida, vários também foram os “documentadores”. Não se dispõe de muitas informações sobre como se dava essa relação entre nosso ator-colecionador e os produtores técnicos dos registros, e efetuar este mapeamento é importante, pois demonstra quais os “parceiros” da obra visual deixada por Palmier. Parece, contudo, que a cada época alguns fotógrafos sobressaíam. Isto, em si mesmo, não é anormal, se pensarmos que foi uma produção que perpassou mais de 35 anos.

Entretanto, como o foco mais intenso da produção existente se concentra nas décadas de 1930 e 1940, eu suspeito que não houvesse, à época, muitos fotógrafos habilitados para a realização destas fotografias. Isso não exclui, todavia, a possibilidade de que o fotografado tenha feito suas escolhas e opções e, por conseguinte, o privilegiamento de determinados fotógrafos (alguns produziram

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incontáveis imagens, como Manuel Fonseca, outros apenas um registro, como Photographia Londres e o famoso Alberto Henschil6).

Muitas são, infelizmente, as fotografias das quais não se consegue apurar a autoria. Contudo, era prática comum deixar uma marca autoral, ora na superfície, ora no verso da fotografia produzida. Deste modo, uma das formas possíveis de se mapear e de se contextualizar o desempenho dos fotógrafos é considerar seus períodos de atuação, a partir das fotografias assinadas. Além disso, há fotografias feitas em outras localidades, como São Paulo, empregando pelo menos um reconhecido profissional local (como é o caso de Guilherme Gaensly, importante fotógrafo paulista). Em outro caso, na fotografia intitulada “Crianças fantasiadas para

o Carnaval”, produzida em Niterói, entre 1938-1939, o fotógrafo foi Walter Benevides,

cunhado de Luiz Palmier.

Photo Brasil e Photo Santos Dumont assinam algumas das fotografias de tempo mais recuado, em 1918. Em nome destas duas casas encontramos somente estes poucos exemplares. E ainda: a Photographia Royal Dias & Filho registra um evento que sugere ser da 2ª metade da década de 1920. A. Roldão parece ser a assinatura, a lápis, encontrada na superfície de outras fotografias (há dois registros, ambos da década de 1930). Em todos esses casos, não existe um tema prioritário, ao contrário aglutinam-se diversos assuntos.

Três fotógrafos destacam-se do conjunto: Manuel Fonseca, Everardo T.M. Bacellar (Photo São Gonçalo) e Sinésio Pires. Os dois primeiros produzem nos anos

6 Após a identificação de seu nome, este fotógrafo epigrafava suas produções como “Photographia

Allemã”. De acordo com LACERDA (1994), nas primeiras décadas do século XX a técnica alemã era, de longe, a mais avançada e, por isso, divulgada como sinônimo de qualidade.

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1930 e 1940, cobrindo todos os temas e surpreendendo pela intensa produtividade. Acessavam livremente as instituições e parecem ter feito as escolhas satisfatórias, do ponto de vista do dono do acervo. Em sua prática profissional, elaboraram expressivamente os testemunhos, utilizando-se de seus filtros individuais e se apoiando nos recursos oferecidos pela tecnologia de então. Entrando na última década da vida de Luiz Palmier, o fotografo Sinésio Pires documentou as ações suas ações. Apesar disso, encontramos poucos de seus registros. Mesmo assim, ele chega a posar, de acordo com uma anotação no verso, para uma fotografia com o doutor.

Em síntese, deve-se ter em mente que estes fotógrafos são os autores que, motivados por razões de ordem pessoal e/ou profissional, idealizam a imagem e a elaboram através de um complexo processo de ordem cultural, estética e técnica. Estas, por suas vezes, têm, sobretudo, suas vinculações com o momento vivido.

VI. À guisa de conclusão

As imagens fotográficas da Coleção Luiz Palmier constituem uma narrativa acerca de um período histórico e acerca de uma postura pública. Esta exemplifica os desdobramentos de uma política em prática - especialmente, mas não exclusivamente - no campo da saúde. Como resultado, constrói-se uma memória, imprimindo uma determinada condução histórica.

As fotografias a céu aberto podem fazer supor, numa visada geral, que há uma intencionalidade de domesticação do olhar, no sentido de encaminhá-lo à consideração das edificações e construções. Estes seriam índices de modernidade e

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de progresso material. O hospital, o Centro de Puericultura, o IGAMI, entre outros, são monumentalizados pela superfície fotográfica. O mesmo critério pode ser estendido às pessoas: a inclusão/exclusão delas já concerta um discurso. Assim, a repetição e a rotinização de suas presenças ajuda a formar e a conformar memórias.

Por consequência, as fotografias de ambiente interno têm a mesma função para os elementos humanos nela contidos. Por outro lado, quanto aos interiores - prefeitura, Instituto Fluminense de Cultura, hospital etc. -, o funcionamento parece injetar estratégicos indícios, quer da evolução dos serviços oferecidos, quer da relevância das instituições e do capital (cultural, político, médico) que os mesmos representam.

Como afirmei, contando com quase 700 imagens, a Coleção Luiz Palmier de fotografias narra a obra da vida de quem a batiza. Mas isto não é tudo. Ele, o médico, nos deixa um legado precioso de um tempo. Com efeito, ele nos conta a história deste tempo. Tempo de apostas na modernidade. De lograr a inserção de um lugar no acelerado mundo novo.

Sair do atraso pela implantação das práticas sanitárias, pela condução orgânica da educação e pelo incentivo e reconhecimento das manifestações da cultura brasileira. Mais que qualquer outra contribuição, estas imagens traçam um panorama narrativo: o de um tempo e de um espaço em constantes transformações.

Tais mudanças visam projetar o município de São Gonçalo para além de seus limites territoriais. Por extensão, inscrevem-no em processos de memória mediados pelo suporte fotográfico. O acervo cria uma memória para a cidade. A imagem da

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figura individual funde-se à do lugar que conforma imageticamente. Enfim, a Coleção constitui um horizonte histórico.

Ao dirigirmos nossa atenção à Coleção Luiz Palmier apreendemos um pouco do passado. Um pequeno fragmento dele. A Coleção forma um arranjo de facetas e matizes variados, informando prazerosamente o micro e o macro: uma vida-obra individual que conduz, de forma fecunda, à experiência de uma coletividade.

VII. Referências bibliográficas

ARAÚJO, Marcelo da Silva. O Hospital de São Gonçalo nas fotografias de Luiz

Palmier: saúde pública, memória e narrativa. Rio de Janeiro: Multifoco, 2012.

______________________. Breve apreciação das fotografias da Coleção Luiz Palmier. III Seminário Interno do Laboratório de Pesquisa Histórica. Rio de Janeiro: FFP/UERJ, 28 de Janeiro de 2004 (mimeo).

DOBEDEI, Vera Lúcia Doyle. Construindo o conceito de documento. In: LEMOS, Maria Teresa Toríbio Brittes e MORAES, Nilson Alves (orgs.). Memória,

Identidade e Representação. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2000.

HOCHMAN, Gilberto. Regulando os efeitos da interdependência: sobre as relações entre saúde pública e construção do Estado. Estudos Históricos. nº. 11, vol. 6. Rio de Janeiro: FGV/Vértice, 1993.

KOSSOY, Boris. Estética, memória e ideologia fotográficas. Acervo. nº 12, vol. 6. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, jan./dez. 1993.

LACERDA, Aline Lopes de. A “obra getuliana” ou como as imagens comemoram o regime. Estudos Históricos. nº.7, vol. 14. Rio de Janeiro: FGV/Vértice, 1994. MARROU, Henri-Irénée. A história faz-se com documentos. In: Sobre o

conhecimento histórico. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1978.

MIGUEL, Maria Lúcia Cerutti. A fotografia como documento. Acervo. nº 12, vol. 6, Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, jan./dez. 1993.

MORAIS, Frederico. Arte é o que eu e você chamamos arte: 801 definições

sobre arte e o sistema da arte. Rio de Janeiro, Record. 1998.

POMIAN, Krzysztof. Coleção. In: LE GOFF, Jacques. História/Memória. Enciclopédia Einaudi. vol. 1. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1997. REZNIK, Luís (org.). O intelectual e a cidade: Luiz Palmier e a conformação de

uma São Gonçalo moderna. Rio de Janeiro: EDUERJ/São Gonçalo Letras.

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