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As populações indígenas diante dos livros didáticos de Sociologia

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

Ellen Fernanda Natalino Araujo

As populações indígenas diante dos livros didáticos de Sociologia

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Ellen Fernanda Natalino Araujo

As populações indígenas diante dos livros didáticos de Sociologia

Artigo monográfico apresentado ao curso de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para obtenção do Grau de Licenciatura em Ciências Sociais. Orientadora Professora Joana Miller

BANCA EXAMINADORA

Profa. Joana Miller

Orientadora Universidade Federal Fluminense

Profa. Ana Cláudia Cruz Silva Universidade Federal Fluminense

Prof. Rafael Mendes PPGAS/MN

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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

Bibliotecário: Nilo José Ribeiro Pinto CRB-7/6348

A663 Araújo, Ellen Fernanda Natalina.

As populações indígenas diante do livro didático de sociologia / Ellen Fernanda Natalina Araújo. – 2017.

20 f.

Orientadora: Joana Miller.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Sociais) – Universidade Federal Fluminense, Coordenação de Ciências Sociais, 2017.

Bibliografia: f. 15-16.

1. Nativos - Brasil. 2. Sociologia (Ensino médio).3. Livros didáticos.I. Miller, Joana. II. Universidade Federal Fluminense. Coordenação de Ciências Sociais. III. Título.

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1 As populações indígenas diante dos livros didáticos de Sociologia

Resumo: O presente artigo apresenta uma análise do tratamento da temática indígena em dois livros didáticos da disciplina de Sociologia do Ensino Médio, incluídos na última avaliação do Plano Nacional do Livro Didático, (PNLD/2018-2020). Tratam-se das obras Sociologia Hoje e Sociologia para jovens do século XXI. São objetivos do trabalho apresentar a maneira como a temática indígena se articula aos conceitos e teorias das Ciências Sociais que devem ser tratados (conforme orientações e parâmetros curriculares estabelecidos pelo Ministério da Educação) no currículo mínimo da disciplina de Sociologia. A análise permitirá demonstrar que há viabilidade e rendimento em tratar a questão a partir da Sociologia e que há maneiras, mais e menos, produtivas de fazer isso. Palavras-chave: Sociologia, Ensino Médio, Livro Didático, Populações Indígenas

Introdução

O presente artigo apresenta uma análise do tratamento da temática indígena em dois livros didáticos da disciplina de Sociologia do Ensino Médio, incluídos na última avaliação do Plano Nacional do Livro Didático, (PNLD/2018-2020). Tratam-se das obras Sociologia Hoje e Sociologia para jovens do século XXI. Na última seleção feita pelo governo federal, a partir da avaliação de profissionais da educação de todo o Brasil, outros três livros também foram escolhidos: Sociologia, Sociologia em Movimento e Tempos modernos, Tempos de Sociologia. Porém decidi analisar apenas duas dessas obras para poder fazê-lo de forma densa. Optei por trabalhar ‘Sociologia entre os jovens do século XXI’ pelo fato dele ter sido incluído no PNLD apenas na seleção atual, não fazendo parte das seleções anteriores. É, portanto, um livro que vem entrando no cenário mais recentemente, podendo contribuir para o conhecimento mais geral de seus conteúdos a atenção que pretendemos lhe dedicar. Como forma comparativa, elegi a segunda obra, ‘Sociologia Hoje’, após pesquisar os demais livros, pois esta permite descrever uma forma diferenciada no tratamento do tema em relação à primeira.

Outros autores abordaram o tema nas últimas décadas, principalmente, em virtude da promulgação da Lei11.645, em 2008, que postula o ensino da história e culturas indígenas e africanas na Educação Básica, tomando como foco de análise principalmente os livros de história. Há um artigo (CARMO et.al), publicado em 2015, que investiga o tema nos livros de Sociologia selecionados pelo PNLD do triênio 2015/2017 e além das populações indígenas também analisa o tratamento dado a questão dos afro-brasileiros.

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2 Aqui opto por restringir a análise a um tema e a dois livros para poder produzir um estudo mais aprofundando do que aquele realizado por Carmo et. al (2015).

São objetivos do trabalho apresentar a maneira como a temática indígena se articula aos conceitos e teorias das Ciências Sociais que devem ser tratados (conforme orientações e parâmetros curriculares definidos pelo Ministério da Educação) no currículo mínimo da disciplina de Sociologia, o que me leva, portanto, a iniciar a análise pela do contexto de institucionalização da disciplina e pela exposição de seus conteúdos programáticos. Na sequência, dedico-me especificamente à análise dos livros começando por Sociologia para jovens do século XXI. Creio que seguirá demonstrado que há viabilidade e rendimento de tratar a questão a partir da Sociologia e que há maneiras, mais e menos produtivas de fazer isso.

A institucionalização da Sociologia no Ensino Médio

A Sociologia enquanto disciplina da Educação Básica no Brasil vem sendo institucionalizada, desde o século XIX, mediante um processo longo e irregular, influenciada pelas circunstâncias históricas e pela consolidação desse campo científico no país. Tal processo ora tornava a disciplina obrigatória (entre 1925 e 1942) na escola secundária, ora suspendia sua obrigatoriedade (a partir de 1942 até 2006) diluindo seus conteúdos entre as demais disciplinas do currículo do segundo grau. No ano de 2006, após um longo trabalho realizado por sociólogos e de pressões exercidas por entidades de classe diante do Ministério da Educação, fora formulado e aprovado um parecer do Conselho Nacional da Educação (Parecer 38/2006) que prescrevia a inclusão da sociologia e da filosofia na grade curricular do ensino médio, sendo tal entendimento oficializado, posteriormente, pela lei 11.684/08 que alterava o artigo 36 da LDB (Lei Nº. 9.394/96) (OLIVEIRA, 2014; SCARSELLI, 2015; FLORÊNCIO et. al., 2009;).

Nas primeiras décadas deste século, quando finalmente parecia ter fim a grande intermitência da sociologia no ensino básico, a Reforma do Ensino Médio aprovada em 2016, novamente propôs a diluição dos conteúdos disciplinares em “estudos e práticas” das demais disciplinas desse segmento (FOLHA, 2016). Aparte esse revés atual sofrido pela disciplina de Sociologia, em âmbito federal1, não se deve desconsiderar que a última década foi marcada pelos esforços de diferentes profissionais (sociólogos, antropólogos, professores e educadores) dirigidos para a consolidação do ensino da Sociologia na

1A disciplina de Sociologia, segue, por enquanto, como disciplina obrigatória em alguns estados brasileiros,

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3 educação básica, através da elaboração de orientações e parâmetros curriculares, de trocas de experiências diversas em fóruns de discussão, da execução de pesquisas empíricas, da criação de livros didáticos, etc.

As orientações e os parâmetros curriculares mínimos: o que se deve ensinar e como Desde 2006, o Ministério da Educação, tem se empenhado em constituir um conjunto de parâmetros para a consolidação da disciplina de Sociologia na Educação Básica, buscando definir conteúdos (temas, teorias e conceitos), recursos metodológicos para o seu ensino e as competências e habilidades que devem ser adquiridas pelos alunos a partir desta formação. Estas diretrizes foram sistematizadas nas OCN (Orientações Curriculares para o Ensino Médio) e nos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), publicados pelo MEC e disponíveis em seu portal2.

A primeira definição descrita pelo PCN é a de que a disciplina “tem o objetivo mais geral introduzir o aluno nas principais questões conceituais e metodológicas das disciplinas da Sociologia, da Antropologia e da Ciência Política” (p.36). Assim, apesar de sua denominação restrita a uma das áreas das Ciências Sociais, a disciplina de Sociologia visa ensinar os conhecimentos desse campo científico, como um todo, para que os educandos possam desenvolver uma compreensão científica dos fenômenos sociais. Conforme prescreve o PCN, o objetivo final é de que “pela via do conhecimento social sistematizado, o educando [possa] construir uma postura mais reflexiva e crítica diante da complexidade do mundo moderno” (p.37) o que pode permitir o desenvolvimento de sua cidadania plena, em acordo com as diretrizes da LDB/1996.

A ideia geral é instrumentalizar os alunos com um conjunto de ferramentas conceituais e metodológicas com as quais possam desnaturalizar as concepções ou explicações da realidade social mediante um processo de estranhamento que leve a problematizações e questionamentos dirigidos a seus aspectos políticos, econômicos, culturais, organizacionais, religiosos, linguísticos, etc. Com isso, espera-se que os alunos venham a compreender as determinantes sócio-antropológicas e políticas que estruturam as sociedades (principalmente aquela da qual são membros), as instituições sociais, os modos de interação dos indivíduos e as coletividades, as dinâmicas dos processos sociais e seus mecanismos de conservação e mudança. Tudo isso por meio do ensino dos

2 A partir destas resoluções, algumas secretarias de educação estaduais também elaboram os Currículos

Mínimos para orientar o trabalho dos professores em toda a rede de ensino. O do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, foi elaborado no ano de 2012 (SEEDUC, 2012).

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4 paradigmas teóricos e dos métodos de pesquisa clássicos e contemporâneos desenvolvidos pelos principais autores das Ciências Sociais.

De forma mais concreta, os PCN definem os conceitos estruturadores e os eixos temáticos que devem orientar o ensino da disciplina. São três os conceitos: cidadania, cultura e trabalho. Quatro são os motivos elencados para a eleição desses três conceitos: permitir que alguns paradigmas teóricos da Sociologia, da Antropologia e da Ciência Política, (e também os do Direito, da Economia e da Psicologia) possam ser “identificados, analisados, construídos e apropriados” pelo estudante; possibilitar a compreensão da realidade social em que este estudante está inserido o que pode vir a “gerar ações transformadoras do social”; a articulação “orgânica e estrutural” que esses três conceitos tem com outras disciplinas do Ensino Médio, tais como a Língua Portuguesa, Educação Física, Biologia, Matemática, História e Filosofia; e por fim a possibilidade de instruir os estudantes acerca de “valores universais” necessários para a vida na sociedade brasileira “globalizada, desigual, e preconceituosa”, tais como os de “cidadania, consciência ecológica, direitos humanos, democracia e solidariedade (PCN+,

p.87-88).

A partir do primeiro conceito (cidadania) espera-se que o educando compreenda as relações entre indivíduo e sociedade, instituições sociais, processos de socialização, sistemas sociais, importância da participação política de indivíduos e grupos, sistemas de poder e regimes políticos, as formas de Estado, a democracia, os direitos dos cidadãos, os movimentos sociais. Por meio do segundo (cultura) que ele se instrua a respeito das diversidades culturais, etnocentrismo, preconceitos, identidade cultural, ideologia e alienação, indústria cultural e meios de comunicação de massa¸ cultura popular e erudita, tradição e renovação cultural, contracultura, linguagens. E através do terceiro (trabalho) que possa conhecer aspectos relativos aos fundamentos econômicos da sociedade, aos modos de produção, à produção e ao consumo, à mercadoria, à exploração e ao lucro, aos mecanismos de exclusão e desigualdade social, à estratificação social, às classes sociais, ao desenvolvimento e à pobreza, às tecnologias, ao emprego e desemprego estruturais, às classificações entre países ricos e países pobres, à globalização etc.

Os PCN também definem as competências e habilidades que a Sociologia deve proporcionar aos alunos, articulando-as aos conceitos estruturadores da disciplina propondo ao final a organização destes eixos temáticos, com temas e subtemas dispostos em uma sequência cronológica (tabela 1 anexa). Assim, recomenda-se que a competência

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5 relativa à compreensão dos diferentes discursos relativos à realidade e à produção de novas maneiras de reflexão seja trabalhada dentro do eixo temático Indivíduo e Sociedade; a competências referentes à ampliação da visão de mundo, crítica em relação aos meios de comunicação e compreensão das diferentes manifestações culturais e etnias, possa ser trabalhada dentro do eixo Cultura e Sociedade; e aquelas relativas à compreensão das transformações no mundo do trabalho e conscientização dos direitos e deveres sociais com o exercício da cidadania plena dentro dos eixos Trabalho e Sociedade e Política e Sociedade.

Por fim, vale salientar que a OCN firmou a importância da “mediação didática” dos conceitos científicos da Ciências Sociais para que eles sejam traduzidos em uma linguagem apropriada à realidade do aluno e de seu entorno escolar. A sugestão é que conceitos, teorias e temas sejam trabalhados de forma transversal, a fim de evitar abordagens abstratas, superficiais e descontextualizadas. Recomenda-se o trabalho com temáticas que envolvam o cotidiano escolar, familiar e social dos jovens alunos, explorando-as a partir dos paradigmas sociológicos, antropológicos e da ciência política.

Abordagem da temática indígena nos livros didáticos

Pois bem, diante deste pano de fundo desenhado pela apresentação dos parâmetros, conteúdos e métodos que respaldam o ensino da Sociologia no Ensino Médio, é que eu gostaria de propor uma reflexão a respeito da abordagem de uma temática específica: as populações indígenas no Brasil. Levo em consideração aqui a importância política de se abordar esse tema na Educação Básica. Para dar concretude à proposta, elegi como foco da análise dois livros didáticos de Sociologia selecionados pelo Plano Nacional do Livro Didático, do triênio 2018-2021: Sociologia para jovens do século XXI e Sociologia Hoje.

Sociologia para jovens do Século XXI

O livro Sociologia para jovens do Século XXI trabalha a temática indígena em diferentes capítulos ao tratar de diferentes conceitos e teorias presentes nos eixos temáticos do currículo mínimo. E dedica o capítulo final especificamente a este conteúdo. Dentro do eixo temático Indivíduo e Sociedade no capítulo 1, ‘Sociologia Dialogando com você’, ao abordarem a “atitude científica” em Sociologia, os autores mencionam o racismo como um desses fenômenos que requer investigação científica para que se descubram suas “raízes históricas”. Nesse trecho fazem referência rápida às populações

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6 indígenas: “certamente este fenômeno tem fortes raízes na escravidão, mas principalmente nas relações que o homem branco europeu estabeleceu com os povos africanos e indígenas a partir do século XV” (OLIVEIRA; COSTA, 2013, p.18-19).

Ainda dentro do primeiro eixo, no capítulo 3, ‘Indivíduos e Instituições sociais’, na seção Interdisciplinaridade, “Conversando com a História”, há uma discussão sobre o modelo oficial da família brasileira em diferentes épocas e a informação de que ao lado da família patriarcal, durante a colonização, havia também outros modelos familiares, como aqueles formados por indígenas e africanos. Nesses arranjos “os indígenas nem sempre respeitaram as ordens da Igreja ou da Coroa Portuguesa” (OLIVEIRA; COSTA, 2013, p.59). Também segue citado o fato do ‘amasiamento’ entre mulheres indígenas e homens portugueses. Mais do que mencionar a especificidade dos vínculos familiares indígenas, os autores buscam marcar (ao trazerem trechos da Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas da Organização dos Estados Americanos e da Constituição Federal de 1988) que essas populações possuem o direito a terem as suas diversas formas de família, casamento, nome de família e filiação, reconhecidos e respeitados pelo Estado. No texto também são listadas demais garantias legais previstas pela CF a essas populações como ensino próprio e bilíngue e demarcação de territórios originários.

Quando passam a tratar do eixo temático 2, trabalhando o conceito de cultura, no capítulo 4, ‘Torre de Babel: culturas e sociedades’, os autores abordam os sentidos atribuídos pelo senso comum ao conceito que o concebe enquanto “um conjunto de saberes sofisticados” que seria possuído por determinados grupos de pessoas, chamando a atenção para o efeito “discriminatório” que o termo assume ao servir como “instrumento de julgamento e uma possível ação preconceituosa” (OLIVEIRA; COSTA, 2013, p.63). Após apresentarem essa crítica, na página seguinte, é estampada a foto de garotos da etnia Assurini participando dos Jogos dos Povos Indígenas em Paragominas, PA, com a seguinte legenda: “Ao se usar o termo sem cultura no senso comum – no sentido de falta de acesso e informações e saberes sofisticados, pode-se cair no erro de considerar que os povos indígenas no Brasil ‘não têm cultura’” (OLIVEIRA; COSTA, 2013, p.64). Páginas a frente, a definição do conceito antropológico de cultura é ilustrado com a foto de uma mulher indígena carregando sua filha no colo, as duas vestidas conforme tradição andina, ao atravessar a rua do que parece ser uma metrópole (OLIVEIRA; COSTA, 2013, p.67). Na seção ‘Interdisciplinaridade’, que fecha o capítulo, os autores abordam a ‘etnomatemática’, afirmando que essa área de conhecimento é desenvolvida a partir do

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7 estudo das técnicas matemáticas dos ameríndios (entre outros povos e comunidades), os quais ainda “não tiveram contato com a matemática ocidental ensinada na escola”. E concluem: “é impressionante como esses povos desenvolvem matemáticas mesmo sem perceber, e ao agregar todos os saberes populares aos mais eruditos, valorizando cada saber, cada técnica, a matemática não será somente UMA matemática” (OLIVEIRA; COSTA, 2013, p.71, grifos meus).

Chamo a atenção para a maneira pouco contextualizada que os autores trataram do tema das culturas indígenas, ou pela definição contrastiva a que recorreram, destacando apenas que as populações indígenas possuem outro tipo de cultura, que não a ocidental. Seria ocasião para explorar com mais profundidade pelo menos alguma das centenas de culturas indígenas presentes no território brasileiro, para que possa ser descontruída a imagem de um indígena genérico. Outra questão que merece ser apontada é o grande divisor: saber erudito (ocidental) x saber popular (indígena) (LATOUR, 1994) que parece estar implícito na caracterização que os autores fazem dos conhecimentos indígenas, como se este pudesse ser construído sem que os sujeitos tivessem consciência do mesmo. Os autores não parecem atentar às expressões e aos valores ocidentais que escapam e condicionam o discurso, reforçando preconceitos, ao construir uma relação hierárquica entre os saberes.

No capítulo 6, ‘As diferenças sociais e culturais’, ao abordarem o tema do etnocentrismo e do tratamento da diferença enquanto desigualdade os autores chamam a atenção para os preconceitos advindos dos julgamentos dirigidos a grupo e culturas alheias a partir de uma perspectiva que só considera o conjunto de valores daquele que julga e desconsidera a possibilidade lógica e material da diferença. Os autores fazem referência à associação, feita pelo senso comum, “de negros e indígenas a marginais e selvagens” e aproveitam para abordar a questão da violência dirigida a esses sujeitos: “julgar um povo – como os indígenas ou os africanos – de primitivo ou bárbaro, pode significar, socialmente e politicamente como algo a ser destruído ou como empecilho ao desenvolvimento econômico das nações” (OLIVEIRA; COSTA, 2013, p.95). Aqui os autores aproveitam para fazer uma crítica à formação histórica do Brasil marcada “pela eliminação física do diferente (indígenas) ou por sua escravização (africanos)” (OLIVEIRA; COSTA, 2013, p.95) e também às representações indígenas presentes nos livros didáticos de história que propagam uma ideia romantizada e descontextualizada, ao os retratarem nus e em gravuras antigas. Abaixo segue reproduzida na íntegra a problematização formulada pelos autores:

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8 A mesma ideia se expressa quando se diz que os povos indígenas cultuam deuses em formas de espíritos ancestrais, animais, árvores, etc., ou seja, eles eram animistas com superstições sem sentido. Aqui se esconde a visão de que só os ocidentais é que tem o deus ou deuses certos e os selvagens não. O que diriam os indígenas na Amazônia se soubessem que nossas industrias madeireiras derrubam milhões de árvores para fazer papel e que grande parte desse papel é jogado no lixo? E mais o que diriam eles sabendo que a derrubada de árvores provoca o desequilíbrio ecológico ameaçador para a própria existência humana? Desse ponto de vista não seríamos nós os “selvagens” fazendo coisas sem sentido?” (OLIVEIRA; COSTA, 2013, p.95, grifos meus).

Do nosso lado, ficam as perguntas: por que o verbo conjugado no passado quando a crítica anterior é justamente a uma representação atemporal? Por que denominá-los como selvagens se justamente se apresenta uma crítica a essa denominação? Será mesmo que os indígenas brasileiros não conhecem a forma como opera a indústria capitalista e não vivem os efeitos de suas consequências?3

Passemos agora às referências dentro do eixo temático relativo ao conceito de trabalho. No capítulo 8, “O trabalho e as desigualdades sociais na História das sociedades”, ao abordarem o tema da dominação de um grupo social por outro, por meio do monopólio dos recursos, os autores mencionam as organizações indígenas como contraste, afirmando que “este tipo de dominação não existia entre os povos indígenas encontrados pelos Portugueses por ocasião da descoberta (OLIVEIRA; COSTA, 2013, p.120). Em seguida, quando descrevem os diferentes modelos econômicos e suas organizações sociais correspondentes, os autores situam as populações indígenas brasileiras dentro da primeira classificação que convencionam “Sociedades Tribais, Primitivas ou Sociedades sem estado”. A título de ilustração trazem a foto de indígenas da etnia Kayapó praticando um jogo denominado Ronkrã e a legendam com a seguinte afirmação: Nas comunidades indígenas brasileiras não existe a divisão de classes sociais. Na maioria delas, uns caçam, outros pescam, outros plantam e outros dominam os ritos” (OLIVEIRA; COSTA, 2013, p.123).

Em uma caixa ao lado dessas informações, os autores tentam afastar o espectro evolucionista que ronda a classificação atribuída aos indígenas afirmando que “não se deve considerar tais sociedades como atrasadas, pois tais modelos são contemporâneos” (OLIVEIRA; COSTA, 2013, p.123). A ressalva segue citando, de passagem, o trabalho de Pierre Clastres e sua teoria da “sociedade contra o estado” e o de Marshall Sahlins que

3 Ao final do capítulo há a sugestão do site ‘Trilhas do conhecimento’, páginas a frente, que traz informações

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9 define as formações sociais aborígenes como “sociedades de abundância” (OLIVEIRA; COSTA, 2013, p.123). Não tenho certeza se essas citações de passagem consigam contrabalançar efetivamente a imagem evolucionista que esse tipo de classificação sócio-econômica, (que me parece tributária de um marxismo pouco ponderado), acaba por construir.

Ao passarem a tratar o eixo temático relativo ao conceito de política, no capítulo 10, ‘Globalização e Neoliberalismo’, os autores descrevem as metas desenvolvimentistas a serem alcançadas por países capitalistas, definidas em Washington (EUA) pelo FMI e Banco Mundial, no final da década de 1980, dentre elas aquela que previa a “Garantia legal do direito de propriedade, com respeito às “patentes”” e citam como exemplo a possibilidade de empresas de biotecnologia internacionais se apropriarem do conhecimento tradicional e material dos povos indígenas ao patentearem como descoberta própria, por exemplo, algumas “ervas medicinais” utilizadas há séculos na Amazônia pelas populações locais, adquirindo o direito exclusivo de produção e ao pagamento por utilização de terceiros (OLIVEIRA; COSTA, 2013, p.160).

No capítulo 17, “Desnaturalizando as desigualdades raciais”, ao tratar dos temas do preconceito, do racismo e da discriminação, os autores fazem referência às violações sofridas pelos grupos indígenas e outros grupos minoritários. No capítulo 18, Gênero e sexualidade no mundo de hoje” para caracterizar o termo minoria (que utilizam para designar dos homossexuais), os autores fazem referência às populações indígenas que são classificadas como minorias étnicas, ao lado das minorias sexuais, os quais constituem “grupos discriminados sob o ponto de vista sociocultural, sendo discriminado pela maioria da população (OLIVEIRA; COSTA, 2013, p.299).

No capítulo 20, “A questão urbana”, há uma menção passageira na seção Interdisciplinaridade (geografia) às “remoções compulsórias de comunidades carentes e indígenas situados em áreas de interesse estratégico para o capital privado” (OLIVEIRA; COSTA, 2013, p.349). Quando se discute, ‘A questão da terra no Brasil’, no capítulo 22, menciona-se que os conflitos agrários tiveram início “com a chegada dos colonizadores em 1500. E que as primeiras vítimas “dessa invasão com a consequente ocupação predatória das terras brasileiras foram os povos indígenas” (OLIVEIRA; COSTA, 2013, p.377) Fechando esse capítulo, uma atividade sugere que os alunos pesquisem sobre “as nações indígenas brasileiras” para que reflitam sobre “o que significou a ocupação das suas terras pelos colonizadores portugueses (OLIVEIRA; COSTA, 2013, p.390).

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10 Em uma reedição, lançada em 2016, os autores acrescentaram dois capítulos ao livro e dedicaram um deles especificamente à temática indígena. Intitulado de ““Tudo se chama nuvem, Tudo se chama rio”: nossos ancestrais, primeiros habitantes do Brasil”, o capítulo começa com uma fotografia de um homem da etnia xinguana Yawalapiti filmando seus companheiros em uma cerimônia e um dos trechos da legenda afirma: “Brasileiros que moram em nossas terras há milhares de anos: os povos indígenas” (OLIVERIA et al, 2016, p.375, grifos nossos).

O parágrafo que segue à fotografia abre a discussão do tema pela denominação portuguesa atribuída aos povos que habitavam originariamente o continente sul-americano, “índios”, e informa que esse nome fora atribuído em virtude de um equívoco dos portugueses que ao aportarem neste território pensaram estar chegando à Índia. Os autores buscam provocar um estranhamento nos estudantes com a frase “Antes dos portugueses chegarem às terras brasileiras, não existiam índios” (OLIVERIA et al, 2016, p.375) para adiante colocar em questão a unicidade que essa denominação evoca equivocadamente ao ocultar a existência de diferentes povos indígenas no Brasil atualmente. Apesar dessa afirmação relativa à realidade atual dessas populações os autores concluem com referências do passado: “cada povo tinha sua própria denominação que o diferenciava dos demais. Existiam, por exemplo, os Pataxós, os Tupinambá, os Temiminó, os Potiguara” (OLIVERIA et al, 2016, p.375, grifos nossos).

Na sequência, apresentam-se, de passagem, diferentes versões de estudos arqueológicos e linguísticos que buscaram estimar a antiguidade e proveniência dos ameríndios. A preocupação em demarcar a origem espaço-temporal das populações indígenas é acompanhada posteriormente por aquela que busca definir o “conceito de índio” e para tanto os autores recorrem a uma formulação do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro: “índio é qualquer membro de uma comunidade indígena reconhecido por ele como tal. Comunidade indígena é toda comunidade fundada em relações de parentesco ou vizinhança que mantem relações (...) com as organizações (...) pré-colombianas” (OLIVERIA et al, 2016, p.376). E concluem: “Isso significa dizer que essas comunidades já existiam antes da chegada dos europeus e se identificam simbólica e culturalmente de forma diferente da sociedade brasileira” (OLIVERIA et al, 2016, p.376, grifos nossos). Essa definição é cotejada com a que está presente no Estatuto do Índio através da reprodução do artigo 3º.

Grifo os trechos acima para ilustrar algumas contradições que aparecem no capítulo, de uma forma geral, a começar pelo fato de denominaram os Yawalapiti de

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11 brasileiros, na legenda reproduzida acima, e depois afirmarem a diferença dessas populações indígenas justamente em relação à sociedade brasileira. Meu aparte não se refere propriamente a essas contradições, mas à maneira pouco problematizada com que os autores a abordam. Certamente a própria Constituição Federal inclui os indígenas no conjunto da população nacional, não sendo errado, do ponto de vista estatal, denominá-los brasileiros. Porém, creio ser importante mencionar justamente que há toda uma discussão e uma disputa em torno dessa definição e por vezes o uso circunstancial dessa denominação por parte das populações indígenas. Creio que se essa discussão fosse exposta, os autores poderiam abordar de outra maneira a ideia que apresentam na sequência referente à adoção por parte dos indígenas da denominação “índio” e não precisariam recorrer a formulações descontextualizadas do tipo “com o passar dos séculos esses povos decidiram adotar o termo genérico índio como forma de fortalecimento de identidade comum e de unidade na luta contra a opressão branca e por direitos à terra” (OLIVERIA et al, 2016, p.376). No parágrafo posterior os autores fazem referência ao movimento indígena que se formou a partir da década de 1970 e que é responsável por desenvolver essas lutas.

Fechando a primeira seção do capítulo, os autores apresentam uma crítica ás representações dos povos indígenas presentes nos livros didáticos de história e nas peças publicitárias e midiáticas que evocam sentidos atemporais e exóticos e afirmam que a abordagem que pretendem desenvolver parte de uma perspectiva atual. Chamam a atenção assim para o fato de muitos indígenas viverem nos centros urbanos e ressaltam como “a coisa mais significativa o fato de nossa cultura brasileira [ser] repleta de símbolos e modos de viver a origem indígena” (OLIVERIA et al, 2016, p.377). E seguem afirmando aos alunos: “Talvez você descubra depois de estudar nesse capítulo que muitas coisas que você faz no seu cotidiano provêm das culturas milenares indígenas” (OLIVERIA et al, 2016, p.377).

Os autores abrem a seção subsequente “Nos deram espelhos e vimos um mundo doente” mencionando mais uma vez o passado indígena e reafirmando a atualidade desses povos propondo compreendê-la a partir da abordagem das diversas línguas indígenas que se falam no país. Apesar dessa proposta, a sequência não trata das línguas, mas da demografia das populações indígenas. Os autores apresentam dados estimativos desde o século XVI e mencionam o quantitativo atualizado aferido pelo Censo realizado em 2010, ilustrando-os através de mapa, gráfico e tabelas. Na sequência alude-se à dizimação a que foram submetidas essas populações e suas variadas causas, destacando a escravização

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12 ocorrida no período colonial como um dos principais fatores dos extermínios ocorridos. Também se ressalta o crescimento populacional aferido no último censo, e mencionam-se, de passagem, os povos isolados que não são incluídos nessas medições pela resistência que apresentariam ainda hoje em terem contato com a sociedade nacional. Os autores também informam que o acréscimo populacional pode ser explicado a partir do crescimento das lutas pelo reconhecimento identitário fomentadas a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988. Formulando as perguntas: “Como assim? Uma comunidade pode virar indígena de uma hora para outra?” (OLIVERIA et al, 2016, p.379), os autores parecem querer antecipar questionamentos acerca dos processos de etnogênese (OLIVEIRA, 2006) registrados principalmente na região nordeste do país, porém seria mais interessante que tratassem do tema de forma concreta e não apenas mencionassem que há essa possibilidade.

A seção que procede “Ninguém conta essa história: que história” aborda o tema do etnocentrismo europeu como caudatário da visão que se teria no Brasil dos povos indígenas enquanto “selvagens, ignorantes ou que estão congelados no tempo, fadados ao esquecimento” (OLIVERIA et al, 2016, p.381) e avança mencionando que essa visão é a base ideológica de uma política de estado brasileira que apregoa a assimilação ou a eliminação dessas populações uma vez que estas seriam vistas, por determinados setores econômicos, como entraves aos projetos desenvolvimentistas sedentos por terras e por pobres. Nesse trecho os autores retomam mais uma vez a classificação das populações indígenas enquanto “sociedades primitivas” do ponto de vista econômico e a contrastam com a categorização elaborada por Marshall Sahlins que as considera “sociedades afluentes”. Antes de finalizar a seção, os autores mencionam que a escassez que pôde e pode ser notada em algumas dessas sociedades deriva dos processos de dominação a que estão submetidas e não se associa a qualquer incapacidade produtiva como faz crer o senso comum. E reforçam novamente a ideia de que o preconceito e a violência contra os povos indígenas têm justificativa nos interesses econômicos do país.

“As línguas faladas pelos povos indígenas” é o título da seção seguinte. Nela os autores mencionam o quantitativo de línguas registradas no país e citam de passagem os troncos linguísticos a que pertencem. Na sequência afirmam que muitas dessas línguas não se perderam, porém, no lugar de apresentar algumas destas como forma de ilustrar a afirmação precedente, os autores passam à descrição de alguns termos indígenas que foram incorporados à língua portuguesa e citam, de passagem, alguns hábitos que teriam sido assimilados. Nesta seção fica mais evidente a perspectiva a partir da qual os autores

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13 compreendem a temática indígena. Ao se preocuparem com as origens das populações e ao destacarem os aspectos indígenas presentes na sociedade brasileira, considerando-os como “a coisa mais significativa” que os alunos poderiam aprender sobre os ameríndios, os autores levam à frente uma abordagem antropológica que de certa maneira desconsidera a perspectiva mesma dos povos que pretende estudar. A etnologia indígena vem avançando na compreensão dos modos como os ameríndios pensam e formulam a questão da diferença e talvez o que mais se possa aprender com eles é justamente uma forma de não se submeter às semelhanças, em um ímpeto que me parece ser uma espécie de transformação em quiasma do evolucionismo. Se não se trata mais de enumerar que aspectos aquelas sociedades não tinham em relação a nós mesmos, que agora se enumere o que possuímos em comum a eles.

Há ainda duas seções finais neste capítulo. Uma que aborda os conhecimentos medicinais indígenas e que chama a atenção para a valorização destes, citando, muito de passagem, a figura dos pajés e xamãs; e a outra que se inicia enumerando os cinco equívocos que perduram no senso comum brasileiro formulados pelo antropólogo José Ribamar Bessa Freire (aos quais os autores já haviam se referido ao longo do texto) e finaliza com um apanhando geral dos pontos abordados anteriormente, apresentando também algumas ponderações novas relativas aos “laços íntimos que os indígenas possuiriam com a natureza” e às suas organizações sociais, porém, tudo isso, tratado de forma bem ligeira. Ainda que pudesse explorar de forma mais concreta alguns temas, creio que com esse capítulo final, o livro contribui, de maneira importante, para provocar a reflexão dos alunos acerca dos preconceitos e violências atribuídas às populações indígenas no país.

Sociologia Hoje

O livro Sociologia Hoje4 é o único, dentre os selecionados pelo PNLD 2018/2021, que dedica seções específicas para tratar das sociedades indígenas no mundo contemporâneo, de uma forma geral, e dos povos indígenas do Brasil, de forma mais detida. Essas seções compõem o Capítulo 1, Evolucionismo e diferença, nos debates apresentados em torno do conceito de cultura. Na seção mais geral os autores buscam

4 Vale mencionar que, diferentemente dos demais livros do PNLD, esse livro se organiza a partir das três

grandes áreas das Ciências Sociais, apresentando três unidades, uma de Antropologia, outra de Sociologia, outra de Ciência Política. Talvez essa forma explicativa seja um dos motivos para o tratamento menos pontual da temática indígena.

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14 descrever a situação histórica e contemporânea das populações indígenas. Inicia mencionando a preocupação dos antropólogos, desde o século XIX até meados do século XX, relativas à extinção desses grupos, que ora era vista como “resultado natural de um processo de evolução social” ora em virtude do avanço do capitalismo” (MACHADO et al., 2013, p. 36). O autor segue relacionando o possível quadro de extinção desses povos ao processo de invasão de suas terras inaugurados com a colonização europeia e faz referência a um caso concreto ocorrido com os indígenas Canela Fina, em 1816, quando fazendeiros tomaram as terras que eles habitavam e deixaram “em troca” roupas infectadas com varíola (MACHADO et al., 2013, p. 36). E apresenta uma fotografia de indígenas de nove etnias protestando, em 2012, em frente do Palácio do Planalto, num ato para barrar a Portaria 303 contrária aos direitos territoriais indígenas.

Mais do que tratar da situação histórica, os autores parecem preocupados em afirmar a contemporaneidade dessas populações indígenas, buscando descrever alguns aspectos das relações que estes estabelecem com a sociedade capitalista. O uso das tecnologias por parte desses povos, por exemplo, ganha um tratamento detido, e os autores se esforçam por demonstrar (a partir de ideias de Marshal Sahlins, por exemplo) que esses usos são realizados “conforme suas próprias regras e de forma a fortalecer seus próprios meios de ver o mundo”. Como exemplo, os autores citam a apropriação das câmeras de vídeo com finalidades expressivas e ilustram com uma foto de três homens indígenas da etnia Kuikuro, operando uma câmera e entrevistando uma mulher branca visitante da aldeia, localizada no Parque Indígena do Xingu (MACHADO et al., 2013, p. 37).

Na seção seguinte, os autores tratam dos mitos e narrativas indígenas aproveitando para introduzir teorias do estruturalismo. Com fotografias de um indígena Tuiuca soprando em sua zarabatana e do cipó curare, eles destacam o papel crucial que as narrativas mitológicas indígenas tiveram no desenvolvimento das teorias de Lévi-Strauss, que se debruçou sobre o pensamento ameríndio, e o muito que contribuiu para a compreensão de que este pensamento é tão complexo quanto o pensamento ocidental. Descrevendo os modos de análise dos mitos por Lévi-Strauss, e as conclusões a que chegou o antropólogo francês a respeito da natureza destas narrativas, do parentesco, da arte indígena etc. os autores esforçam-se por construir uma descrição concreta da vida indígena em suas variadas dimensões. Por essa via conseguem construir um discurso mais apropriado para tratar do tema, uma vez que concreto, contemporâneo, menos falacioso, complexo, mas não ininteligível (MACHADO et al., 2013, p. 38).

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15 Ao tratar especificamente dos povos indígenas do Brasil, os autores apresentam as diferentes situações a que estiveram submetidos historicamente, concluindo o capítulo com as condições atuais de existência dessas populações. A narrativa busca destacar “os processos de transformação, adaptação e mudanças” afirmando desde o início: “a história dos povos indígenas no Brasil desmente a história fantasiosa de povos cujo modo de vida permaneceu o mesmo desde a chegada dos europeus ao continente” (MACHADO et al., 2013, p. 39).

A descrição começa pela definição das circunstâncias subjacentes à situação de contato: “avanço da mortalidade, a desestruturação das sociedades e sua dispersão, grandes deslocamentos que por sua vez produziram grandes conflitos entre populações indígenas, ajuntamentos de remanescentes5 de diferentes etnias” (MACHADO et al., 2013, p. 39). E traz dados sistematizados por Manuela Carneiro da Cunha6 relativos ao tamanho da população (entre 1 e 8,5 milhões) “que viviam no território brasileiro à época da chegada dos portugueses (que podemos qualificar como invasão)” – convida à reflexão os autores. E acrescentam: “Em 150 anos, acredita-se que 95% dessa população tenha sido dizimada”, expondo os modos como isso se deu: “doenças espalhadas pelos europeus, confronto direto, guerras decorrentes dos deslocamentos provocados pela colonização, rigores do trabalho forçado (MACHADO et al., 2013, p.39).

Prosseguindo na caracterização histórica, os autores detalham as diversas fases da relação entre os indígenas e os portugueses, mencionando o período “amistoso” logo substituído pela escravização, e a atuação dos indígenas em aliança aos portugueses contra as ofensivas de outras nações europeias. Também é dado destaque ao trabalho de catequização exercido pela Companhia de Jesus7, entre os séculos XVII e XVIII, e à

oposição que faziam à Coroa Portuguesa em relação à escravização indígena. Avançando pelo século XX, a descrição menciona a intensificação do interesse dos colonizadores pelas terras indígenas; a criação de uma política indigenista (com a fundação de órgãos como o SPI e a FUNAI) e seu viés voltado à promoção do “progresso”, com grandes realocações de indígenas e a implantação de grandes obras de infraestrutura, as quais seguem ilustradas por uma fotografia da construção da rodovia transamazônica. Tal é o

5 Há uma subseção denominada ‘léxico’, presente em todo o livro, que traduz termos que supostamente

possam ser menos familiares aos alunos. Do trecho acima, autores definem ‘remanescentes’ e ‘etnia’.

6 Na seção são mencionados os trabalhos de outros etnólogos brasileiros (e aspectos de seus trabalhos)

como os de Nádia Farage. Em outras seções aparecem citados Mércio Pereira Gomes, Eduardo Viveiros de Castro. Ao final dos livros todos ganham uma pequena biografia.

7 Um quadro, página abaixo, detalha a história da Companhia de Jesus, na subseção ‘Saber+’ (MACHADO

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16 nível de detalhamento com que tratam a temática, que os autores não deixam de mencionar os grandes empreendimentos de catequização que perduraram e perduram ao lado dessa política indigenista, mencionando o caso da região do Rio Negro e o assédio dos religiosos salesianos (MACHADO et al., 2013, p.40)

Por fim, apresentam o marco que foi a Constituição Federal de 1988 ao reconhecer os direitos indígenas “à posse da terra e à conservação de seus costumes e tradições, fechando a seção com dados demográficos do Instituto Sócio Ambiental (ISA) e do IBGE (2010): 240 povos, 186 línguas, mais de 800 mil pessoas, das quais mais de 50% vivem em áreas rurais. Um grande mapa que apresenta a situação atual das terras indígenas no Brasil toma toda a página e fecha a seção (MACHADO et al., 2013, p.40-41).

Após essas seções específicas, O livro traz ainda outras referências. Ainda tratando do conceito de cultura, o Capítulo 2, Padrões, Normas e Cultura, apresenta a crítica feita ao conceito de cultura no final do século XX, e aos seus efeitos alienadores ao construir descrições alheias às perspectivas do representado. Para exemplificar como essa operação pode se dar, os autores mencionam criticamente as representações infantilizadas das populações indígenas que ganham espaço nas escolas em virtude da comemoração do dia do índio, chamando a atenção para o aspecto negativo dessas práticas (MACHADO et al., 2013, p.55). Já no Capítulo 3, ‘Outras formas de pensar a diferença’, os povos indígenas são mencionados quando os autores tratam das significativas “diferenças internas das grandes sociedades” e do conceito de etnicidade, citando-os enquanto uma minoria étnica no Brasil (MACHADO et al., 2013, p.67-68).

Nos capítulos 4 e 5, ainda dentro do eixo temático da cultura, quando os autores apresentam respectivamente a ‘Antropologia Brasileira’ e os ‘Temas contemporâneos de Antropologia’, os autores mencionam os estudos realizados por etnólogos durante o século XX que deram corpo ao grande acervo de conhecimentos existentes sobre esses povos na atualidade, distinguindo, inclusive, as diferentes abordagens que infletiram as pesquisas (MACHADO et al., 2013, p.77-79). Quando trata dos estudos pós-sociais em antropologia os autores fazem referência ao trabalho de Eduardo Viveiros de Castro e a decisiva contribuição dos estudos dos povos indígenas para a construção das principais ideias dessa vertente. Um quadro traz ainda uma definição da teoria do perspectivismo – o que muito contribui, à maneira do tratamento dado às formulações de Lévi-Strauss para dar concretude e atualidade à descrição dos povos indígenas (MACHADO et al., 2013, p.102).

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17 Quando os autores passam a tratar do eixo temático relacionado ao conceito de política, as populações indígenas também ganham menções pontuais. No capítulo 12, Globalização e Política, os ameríndios são citados como exemplo de grupos que contribuem e lutam para a conservação ambiental (MACHADO et al., 2013, p.240). No capítulo 13, A sociedade diante do Estado, apresenta-se um balanço dos movimentos indígenas quando o assunto são os movimentos sociais contemporâneos (MACHADO et al., 2013, p.251). Por fim, no capítulo 15, Temas contemporâneos da Política, faz-se menção às políticas públicas voltadas às populações indígenas (como a de cotas para o acesso às universidades) e segue estampada uma fotografia do cacique Raoni chegando ao Congresso Nacional para uma discussão sobre a implantação de hidrelétricas na Amazônia (MACHADO et al., 2013, p.292).

Considerações finais

Um dos primeiros aspectos a destacar da análise é a viabilidade e o rendimento da abordagem da temática indígena para trabalhar os principais conceitos estruturadores do currículo mínimo da disciplina de Sociologia. É possível passar por todos os eixos temáticos e abordar variadas teorias das Ciências Sociais. Creio que tenha ficado demonstrado que há uma maneira mais produtiva, aquela formulada pelo livro Sociologia Hoje, e outra um pouco menos, caso de Sociologia para jovens do Século XXI. O que as distingue seria, ao meu ver, a perspectiva que os autores assumem ao tratarem da questão. Os autores de ‘Sociologia Hoje’, fazem, a meu ver, um esforço mais deliberado em traduzir a perspectiva indígena acerca de seus próprios mundos enquanto os de “A Sociologia para jovens do século XXI, se aproximam mais de um discurso oficial acerca dessas populações, ainda que façam todo um trabalho para ponderá-la. Outro fator que os diferencia parece ser também o investimento na pesquisa do tema que os autores de cada livro fazem, sendo aprofundada no primeiro caso, e mais superficial no segundo. Algo que pode explicar o tratamento mais especializado que o tema recebe em Sociologia Hoje pode ser o fato de um de seus principais autores ter formação em antropologia, enquanto nenhum dos autores de Sociologia para os jovens do Século XXI possuem essa formação específica, mas sim, na Sociologia, Educação e Ciência Política.

Embora os dois livros tratem da temática indígena, conforme determina a Lei 11.645/08, ‘Sociologia Hoje’ contribui mais efetivamente com a formação dos estudantes em relação ao assunto (o que não significa dizer que a obra “Sociologia para jovens do século XXI também não o faça em algum nível) e, politicamente, com os povos indígenas,

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18 pois ao apresentar uma descrição aprofundada enfrenta de forma comprometida o problema de se construir outra narrativa acerca dos povos indígenas, buscando traduzir a complexidade de suas organizações sociais em uma linguagem de mais amplo entendimento e que contribui, de maneira definitiva, para afastarmos a ideia da existência de um indígena genérico preso ao passado e à miséria de seu destino. Certamente há ainda muito a fazer, principalmente no que diz respeito à tradução mais detalhada dos modos de vida indígena, mas creio que o livro ‘Sociologia Hoje’ nos apresentou um caminho promissor, sendo, a meu ver, uma ferramenta bastante útil aos estudantes brasileiros, e também, à “causa indígena”.

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20 Anexo

Tabela 1: Eixos temáticos da disciplina de Sociologia. Síntese extraída do PCN+. Eixos Temáticos

Indivíduo e Sociedade

Temas Subtemas

As Ciências Sociais e o Cotidano As relações indivíduo-sociedade Sociedades, comunidades e grupos

Sociologia como ciência da sociedade Conhecimento científico versus senso comum Ciência e educação

As instituições sociais e o processo de socialização Família, ecola, igreja, justiça

Socialização e outros processos sociais Mudança social e cidadania As estruturas políticas

Democracia Participativ Cultura e Sociedade

Temas Subtemas

Culturas e Sociedade Cultura e ideologia

Valores Culturais brasileiros

Culturas erudita e popular e indústria cultura As relações entre cultura erudita e cultura popular A indústria cultural no Brasil

Cultura e contracultura Relações entre educação e cultura Os movimentos de contracultura Consumo, alienação e cidadania Relações entre consumo e alienação

Conscientização e cidadania Trabalho e sociedade

Temas Subtemas

A organização do trabalho Os modos de produção ao longo da história O trabalho no Brasil

O trabalho e as desigualdades sociais As formas de desigualdade As desigualdades sociais no Brasil O trabalho e o lazer O trabalho nas sociedades utópicas

Trabalho, ócio e lazer na soeciedade pós industrial Trabalho e mobilidade social Mercado de trabalho, emprego, desemprego

Profissionalização e ascenção social Política e sociedade

Temas Subtemas

Políticas e relações de poder As relações de poder no cotidiano A importância das ações políticas Política e Estado As diferentes formas do Estado

O Estado brasileiro e os regimes políticos Política e movimentos sociais Mudanças sociais, reforma e revolução

Movimentos sociais no Brasil

Política e cidadania Legitimidade do poder e democracia

Referências

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