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Os estudos culturais

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Academic year: 2021

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Mapeando os estudos culturais

Fábio Fonseca de Castro Doutor de Sociologia,

Professor da Faculdade de Comunicação da UFPA

Resumo: O artigo reúne elementos diversos procurando identificar os processos e as dinâmicas

presentes na formação dos Estudos Culturais, como disciplina e como campo multidisciplinar de pesquisa social. Ele resulrta de uma palestra proferida em 2006 na Universidade de Brasília.

Palavras-chave: Estudos culturais, CCSC, Raymond Williams

1. Referenciais paradigmáticos dos Estudos Culturais

Freqüentemente descritos como uma anti-disciplina, os Estudos Culturais caracterizam-se pela diversidade metodológica e pela variedade de seus referenciais teóricos. Tal como a noção de cultura comporta uma infinidade de abordagens, advindas de campos específicos do saber e não necessariamente exclusivos das ciências humanas, a análise cultural promovida pelos EC permite correspondente variedade e, conseqüentemente, riqueza, de antagonismos. Dessa forma afluem, para os EC, os campos específicos da sociologia, história, teoria literária, comunicação, antropologia, lingüística, filosofia, ciências políticas, psicologia, arquitetura, musicologia, crítica de arte e quantos mais desejarem localizar, nas dinâmicas de seus objetos, processos culturais.

Sem um método específico, os EC não possuem, igualmente, um campo específico de abordagem. Considerando-se, por princípio, que dinâmicas culturais existem em todas as relações e produções humanas, qualquer materialidade, qualquer subjetividade, é passível de ser analisada pelos EC.

Ciência pós-sistemática, sem métodos ou campos pré-determinados, os EC não possuem, igualmente, uma unidade objectual. Se se procurar identificar um objeto nos EC, o mais próximo a que se chegaria seria a noção de dinâmicas: dinâmicas do processos sócio-cultural.

Anti-disciplinares, inter disciplinares, transdisciplinares, multi disciplinares, metadisciplinares ou pós-disciplinares, os EC representam um turning point na tradição acadêmica ocidental. Se o ponto de aporte dos EC tem sido, historicamente, os departamentos de estudos literários e de comunicação, isso não significa que os EC pertençam à esfera do saber compreendida como teoria literária, ou, então, como comunicação. Essencialmente ubíquos, eles disseminam-se, enquanto objeto de estudo, nas mais diversas disciplinas.

Sem unidade metodológica e sem interesse específico de campo ou objeto, os EC, no entanto, apresentam características de afinidade – que

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preferimos nomear, aqui, em razão de sua universalidade relativa, como tendências. As mais evidentes dessas tendências seriam as seguintes:

• A proposição de examinar dinâmicas culturais em termos de relações entre cultura e poder;

• A interpretação do fato cultural em seu contexto produtivo, ou seja, a percepção de que a cultura não é um produto desvinculado – ou isolado – de um conjunto de forças sociais motivadoras ou estagnadoras;

• Tendência à análise dicotômica da dinâmica cultural, de forma a elaborar, concomitantemente, uma crítica pragmática e uma interpretação contingencial do objeto analisado;

• Preocupação com o diálogo entre a objetividade e a subjetividade no seio do objeto analisado e, paralelamente, extravasamento das perspectivas do eu-pesquisador, que transmuta-se, com freqüência, num eu-narrador, aproximando os discursos científico e ficcional sem que haja, necessariamente, um prejuízo da validade analítica realizada;

• Tendência à transmutação das identidades, pela qual o observador, muitas vezes, se coloca sobreposto ao observado, num processo de negociação e reconstituição das perspectivas interpretativas;

• Elaboração de uma crítica moral da modernidade, associando-a ao projeto iluminista da racionalidade e compreendendo-a como uma espécie de putsch ocidental logocêntrico sistematizado por ideologias etnocêntricas, racistas, machistas e conservadoras, com pretensão totalitarista que se disfarça por meio de falsas proposições universalistas e fraternalistas;

• Adoção de uma perspectiva semioticista, na qual se percebe um forte impacto do pós-estruturalismo derridiano (a idéia de desconstrução sobretudo);

• Discussão permanente das dinâmicas da alteridade, com forte apego ao método etnográfico e a perspectiva de um diálogo com a história;

• Agudo senso de crítica ao regime liberal, afinidade com a visão esquerdista não totalitarista e angústia diante da vontade de construir um novo marxismo, no qual a noção de classe deixe de ser vista como estrutura social, passando a ser interpretada como função social, cultural e histórica própria a determinadas sociedades e não à essência do processo social humano;

• Crítica aguda da noção de exotismo, com significativa tendência a promover um rompimento nos códigos canônicos da cultura ocidental;

• Profunda influência gramsciana, onde procura as noções de hegemonia, subalterno e sociedade civil;

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• Crítica contundente de todo antropocentrismo e dos diversos processos colonialistas;

• Diálogo com o pensamento de Friedrich Nietzsche, Martin Heidegger e com a fenomenologia;

• Diálogo com a teoria crítica frankfurtiana, com reservas ao trabalho de Jürgen Habermas;

• Conexão imediata com a reflexão sobre a pós-modernidade. O conjunto dessas tendências parece indicar, mais que a propensão contemporânea a um saber interdisciplinar, a angústia da pesquisa atual diante do esfacelamento de um paradigma de um conhecimento articulado. Dessa forma, não seria exatamente uma predisposição o trabalho conjunto entre elementos provenientes de áreas de conhecimento diferentes, mas a procura radical por uma estratégia de trabalhar relativisticamente.

2. Referenciais históricos consolidados

Compreende-se como o momento fundador dos EC o trabalho desenvolvido no Centre for Contemporary Cultural Studies (CCSC) da Universidade de Birminghan, Inglaterra, fundado em 1964 e consolidado, após a publicação das obras iniciais de seus membros, pelo lançamento, em 1972, dos Working Papers in Cultural Studies.

Esse grupo inicial reunia Richard Hoggart, professor de literatura inglesa na Universidade de Birminghan e tutor de educação para adultos na Universidade de Hull; Raymond Williams, também tutor de educação para adultos, na Universidade de Oxford; E.P. Thompson, intelectual militante do movimento anti-nuclear e Sturat Hall, sociólogo e crítico literário, além de importante militante da new left.

Richard Hoggart, com influência do crítico literário F. R. Levis (1895-1978), publicou The Uses of Literacy em 1957, obra considerada fundadora dos EC. Nesse livro, constrói a tese de que as elites expressam seu poder legitimando suas práticas e formas culturais, de maneira a projetar seus “campos de valor” (fields of value). Em oposição, os valores das classes subalternas tendem a ser mascarados e enfraquecidos. Em sua obra, Hoggart observa como a cultura da classe operária passa a perder lugar para a cultura de massas, imposta pelas classes dominantes. Desse modo, constrói a hipótese de que o estudo da cultura (the cultural study) é o estudo da forma como a cultura massificada “coloniza” a cultura “subalterna”.

Raymond Williams procura compreender cultura como uma entidade inclusiva e totalizante que envolve todas as formas de prática social. Cultures and Society (1958) e The Long Revolution (1961) são obras nas quais expressa suas idéias centrais, quais sejam, as de que o que distingue esferas culturais – tal como “cultura de massas”, “erudita”, “popular”, etc. – não é o fato material (cultural) em si mesmo, mas os valores que são, ao longo da história, responsáveis pela veiculação das idéias que se tem a respeito da cultura. Assim, não há diferença entre a cultura de massas e a cultura erudita, posto que ambas conformam um mesmo processo sócio-histórico: o que assinala a diferença entre

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elas é, tão somente, os discursos que referem essa diferença – eles também, de resto, fazendo parte do todo cultural multisignificativo da sociedade.

E.P. Thompson, por sua vez, publicou The Making of the English Working Class em 1978. A contribuição central desse trabalho é a idéia de que “classe” não poder ser vista como uma categoria ou como uma estrutura social geral e ahistórica. Desfazendo, com essa idéia, a visão de uma oposição esquemática entre ganhadores e perdedores, Thompson conceitua o processo cultural como uma permanente troca. Para ele, fazer cultural studies seria observar esse procedimento de troca como um processos de mútuas influências. Junto a uma cultura feita pela classe operária, por exemplo, haveria uma cultura feita para a classe operária. Uma acaba por influenciar a outra. Sob essa perspectiva, o que chamamos de cultura de massas não é um fenômeno das sociedades hiper-midiatizadas, mas um fenômeno histórico tradicional, resultado do imbrincamento simbólico que, essencialmente, constitui o processo social.

Stuart Hall, nascido na Jamaica, nos anos 1930, assinala a multiplicidade dos conflitos sociais, procurando ultrapassar, em muito, a idéia de classe. Esses conflitos pertenceriam a diversas esferas: raça, sexo, religião, ideologia, etc. Como isso, seria preciso ver de maneira relativa as dinâmicas culturais da sociedade: conformadas enquanto vetores múltiplos e substancializadas pela própria competição que tecem entre si, essas dinâmicas possuiriam medidas diferentes. Por essa razão, os estudos culturais estariam centrados na compreensão do embate político como o valor de referência para a cultura.

Os fouding fathers, como ficaram conhecidos, pertencem, em suas origens, à classe trabalhadoras, o que constitui um dado definidor dos interesses e perspectivas das investigações subseqüentes. Os EC desenvolveram-se a partir da perspectiva política conhecida como new left (nova esquerda), que reuniu marxistas e socialistas britânicos chocados com a denuncia dos crimes stalisnistas e contrários à invasão soviética da Hungria, em 1956. Por isso, é preciso considerar a perspectiva política desses autores como fundamental para o desenvolvimento dos EC. Pós-colonialistas e pós-marxistas – não os rotularam pós-modernos porque a grife caracterizou o pós-estruturalismo francês, de desenvolvimento simultâneo aos EC britânicos – é a política que norteou, centralmente, seu pensamento.

A característica mais pronunciada dos EC britânicos é seu comprometimento político. Essa tendência ressaltou-se durante os anos do governo neo-liberal de Margareth Thatcher (1979-90), et pour cause. Seus temas centrais são, ainda hoje, a cultura jovem, a representação dos sexos (estudos de gênero), a cultura da classe operária, a cultura televisiva – notadamente a midiatização televisiva da música pop - e a cultura sexual.

3. Desenvolvimento dos Estudos Culturais

Nos Estados Unidos os EC perderam boa parte do seu engajamento político e se associaram aos estudos sobre a mídia e aos estudos literários.

O campo dos estudos sobre a mídia usaram os EC para se legitimar num meio acadêmico ainda fechado à pesquisa sobre a comunicação. A perspectiva

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funcionalista constituindo a cena intelectual forte do campo da comunicação, nesse país, ainda nos anos 1980, os EC passaram a representar a possibilidade de uma nova leitura, mais descomprometida com a tradição pragmaticista e com a perspectiva sociológica funcionalista. Novos departamentos foram abertos nas universidades e passaram a abrigar uma quantidade expressiva de pesquisas no campo da etnografia das audiências.

Nos Estados Unidos adotou-se um diálogo profícuo com o estruturalismo francês, notadamente com os autores identificados como pós-modernos.

A outra vertente, paralela aos estudos sobre a mídia, abriu-se no campo dos estudos literários. Alguns programas universitários, a começar pelo prestigioso programa de estudos sobre a Cultura Ocidental, mantido pela Universidade de Stanford - reputada entre as seis mais tradicionais universidades americanas – decidiram adotar uma perspectiva democrática na seleção de suas leituras obrigatórias. Nesse caso bem conhecido, Stanford substituiu, em 1988, a leitura de diversas obras centrais do pensamento ocidental - a Bíblia, Platão, Santo Agostinho, Cervantes, Shakespeare, por exemplo – por diversas obras não ocidentais e não necessariamente "clássicas" em suas culturas. Da mesma maneira a idéia de “literatura” foi ampliada, passando a ser compreendida como a diversidade dos padrões discursivos pelos quais a arte e a cultura se enunciam: a cultura, propriamente falando.

Gerou-se um debate importante e uma teorização a respeito do multiculturalismo americano contemporâneo. Num ambiente marcado pela diversidade da população universitária, conformada por hispano-americanos, afro-americanos e sino-americanos ganhou força a elaboração de uma crítica social baseada em noções como eurocentrismo, logocentrismo e falocentrismo - ou seja, na elaboração de um modelo relativista de leitura do processo social.

Em países como o Canadá e a Austrália, remanescentes do Império Britânico, os EC também tiveram uma grande repercussão. Porém, tal como nos Estados Unidos, tiveram um desenvolvimento próprio, em geral associado à necessidade de debater os temas do etnocentrismo e da miscigenação, muito importantes nesses países. No Canadá, especialmente no Quebec, desenvolveu-se também uma crítica importante sobre a diversidade cultural e a dominação cultural norte-americana.

Porém, não obstante a originalidade dessas contribuições, foi na Índia, outro país remanescente do império colonial britânico, que os EC obtiveram um desenvolvimento realmente inovador e significativo.

Os EC desenvolvidos na Índia agrupam-se em três escolas: o Centre for the Study of Developing Societies (CSDS), estabelecido em Delhi em 1963; o The Centre of Contemporary Studies (CCS), também conhecido como “Teen Murti” e vinculado ao Nehru Memorial Museum and Library, também localizado em Delhi e o The Subaltern Studies Collective, ainda em Delhi, pertencente à Delhi University.

Os EC culturais hindus são, hoje, tão importantes quanto os norte-americanos, ainda que essa percepção não seja tão clara para os brasileiros. Seu desenvolvimento, nos anos 70, inaugurou uma crítica contundente ao conceito ocidental de ciência, estabelecendo as bases mais contemporâneas da crítica à modernidade. Ao longo da década de 1970 os intelectuais de Delhi ocuparam-se

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grandemente em desvendar as patologias da razão, identificando-lhe os muitos cativeiros e as muitas defesas discursivas. Cursos universitários e investigações centralizaram esse tema durante toda a década, culminando numa tríade de trabalhos já tornados clássicos, hoje, nos EC: Science and Culture (1978), de Jit Singh Uberios, Homo Faber: Technology and Culture in Índia (1979) , de Claude Alvarez e Alternative Sciences (1980), de Ashis Nandy.

Essa movimentação resultou na criação, no início dos anos 80, do Patriotic People’s Science and Technology Group, sediado em Bombaim, que reuniu cientistas, acadêmicos e artistas, inclusive escritores da influência e importância de Veena Das, Deepak Kumar e Shiv Viswanathan em torno de uma posição radical de grande impacto na vida civil do país: a noção de que todo conhecimento, seja qual for sua natureza, constgitui, em última instância, uma intervenção política.

Imagine-se o impacto dessa idéia sobre uma comunidade multicultural, populosa e arrebatada pelas feridas políticas da era colonial. Efetivamente, a radicalização e o arrebatamento relativista do EC hindus refletem, em primeira instância, a condição de liderança mundial ocupada pela Índia no cenário político e cultural pós-colonial. Por esse viés entende-se o mote, tão caro aos intelectuais de Delhi, de que os EC, na verdade, são uma invenção hindu casualmente revelada na Inglaterra.

Os EC do sudeste asiático e da Oceania são profundamente influenciados por essas três escolas. Na verdade, a influência do pensamento da cidade de Delhi alcança, hoje, uma boa parte do mundo acadêmico, talvez mesmo na proporção alcançados pelos trabalhos fundadores dos paradigmas dos EC.

Na França, por sua vez, os EC aparecem sobre diversas denominações, no mais comum das vezes como sociologia da cultura, antropologia urbana ou estudos literários. Com efeito, a perspectiva dos EC, em muitos sentidos, surge do pensamento estruturalista francês, encontrando-o na idéia de pós-modernidade e na semiologia da cultura. Desse modo, não se usa os termos “estudos culturais” para dizer o que, em França, é feito como estudos da cultura. Isso porque se trata de uma tradição acadêmica centrada numa longa prática de estudar a cultura urbana: para que inventar um novo nome para a sociologia ou para a semiologia, diria um pensador francês. Não obstante, a reflexão contemporânea dos franceses constitui uma influência fundamental para o desenvolvimento dos EC nos Estados Unidos e na América Latina.

Referências bibliográficas

MATTELART, Armand et NEVEU, ÉRIK. Introduction aux cultural studies. Paris, La Découverte, 2003.

TURNER, Graeme. British cultural studies. Londres, Routledge, 1990.

STOREY, John (org.) What is cultural studies? Londres, Edward Arnold, 1990.

WOLFF, Janet. Cultural studies and the sociology of culture. In: www.rochester.edu/in_visible_culture/issue1/wolff/wolff.html, recolhido em 26/04/2001, 26 p.

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