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Memoria de si, historia dos outros : Jeronimo Arantes, educação, historia e politica em Uberlandia nos anos 1919 a 1961

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MEMÓRIA DE SI, HISTÓRIA DOS OUTROS:

Jerônimo Arantes, educação, história e política

em Uberlândia nos anos de 1919 a 1961.

Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas sob a orientação da Prof ª. Dr ª. Vera Hercília Faria Pacheco Borges.

Este exemplar corresponde à redação final da Tese defendida e aprovada pela Comissão Julgadora em _____ /_____ / 2004.

BANCA:

Prof ª. Dr ª. Vera Hercília Faria Pacheco Borges (orientadora)- UNICAMP

Prof ª. Dr ª. Christina da Silva Roquette Lopreato - UFU-MG

Prof ª. Dr ª. Helenice Ciampi Ribeiro Fester - PUC-SP

Prof ª. Dr ª. Leila Mezan Algranti - UNICAMP

Prof ª. Dr ª. Maria Carolina Bovério Galzerani - UNICAMP

Campinas-SP Agosto/2004

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP

Lima, Sandra Cristina Fagundes de

L628m Memória de si, história dos outros : Jerônimo Arantes, educação, história e política em Uberlândia nos anos de 1919a 1961 / Sandra Cristina Fagundes de Lima. - - Campinas, SP : [s. n.], 2004.

Orientador: Vera Hercília Faria Pacheco Borges. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

1. Educação. 2. História local. 3. Política. 4. Memória.

I. Borges, Vera Hercília Faria Pacheco. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

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À Janeth, minha mãe; à Silvia, minha irmã e ao Gabriel, meu filho.

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AGRADECIMENTOS

À profª. Drª. Vavy Pacheco Borges, a quem serei sempre grata pela orientação pontual, segura, crítica e construtiva. Sou grata também pela acolhida carinhosa.

À profª. Drª. Christina Lopreatto, pela leitura criteriosa e sugestões precisas durante o exame de qualificação. Sou grata, sobretudo, por ter acreditado no projeto inicial.

À Profª. Drª. Helenice Ciampi, pela leitura criteriosa e sugestões precisas durante o exame de qualificação.

À Fátima e ao Júlio, pelo incentivo desde o início, quando o projeto de pesquisa não passava de idéias desconexas. Agradeço-lhes a leitura da tese e as sugestões que contribuíram para tornar o texto melhor.

À minha mãe, aos meus irmãos e ao Paulinho, pela colaboração, solidariedade e companheirismo.

Ao sr. Delvar Arantes, srª. Regina Arantes e Vera Arantes pelas informações, empréstimo de documentos e boa vontade em atender a todas as solicitações que lhes dirigi.

Aos depoentes, que se dispuseram a compartilhar comigo suas memórias.

Aos funcionários do Arquivo Público de Uberlândia.

Agradeço também a todas as demais pessoas que contribuíram para a realização desta tese: André, Arlete, Bisinha, Conceição, prof. Dr. Ernesto S. Bertoldo, profª. Drª Jacy A. Seixas, Dª Ione, Jô, Ronaldo, Silvia, Soene, Solaine, Stella, Valcicléia, Tony e Wilmar.

À CAPES, pela concessão da bolsa de estudos.

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RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo analisar a trajetória do professor, funcionário público (Inspetor Municipal de Educação e chefe do Serviço de Educação e Saúde do Município), memorialista e jornalista Jerônimo Arantes, no período que remonta aos anos de 1919 a 1961, vividos na cidade de Uberlândia/MG. As questões que orientaram esta investigação giraram em torno da relação existente entre, de um lado, as representações construídas por ele em torno da educação, do exercício de um cargo no serviço público e da escrita da história e de outro a política. Nesse sentido, as perguntas às quais procuramos responder podem ser formuladas nos seguintes termos: Quais eram os liames estabelecidos entre a educação e o poder político local? Quais foram os sujeitos sociais destacados por Arantes em sua revista Uberlândia Ilustrada? Como situar a produção de Arantes, que, concomitantemente aos textos escritos, utilizava como fonte de pesquisa, ainda que muito subsidiariamente, o testemunho dos “excluídos”, por meio do emprego de depoimentos de ex-escravos e de trabalhadores braçais, muitas vezes, analfabetos? A valorização das memórias daqueles que a escrita da história positivista renegava estaria relacionada, em sua obra, a um deslocamento em direção à incorporação de novas fontes de pesquisa? Para discutir esses aspectos, empregamos como fonte tanto os documentos pertencentes à Coleção Professor Jerônimo Arantes (CPJA), depositados no Arquivo Público de Uberlândia (APU) — jornais, livros, revistas, correspondência pessoal, provas de exames finais elaboradas por Arantes e aplicadas aos alunos na sua escola particular, o Colégio Amor às Letras, memorandos e ofícios expedidos e recebidos pelo Serviço de Educação e Saúde do Município e também pelo Diretório Municipal de Estatísticas, recortes de jornais e revistas —, quanto jornais, revistas e atas das reuniões escolares incorporados ao acervo geral daquele mesmo Arquivo. Utilizamos, também, as fontes orais por meio de entrevistas e informações verbais obtidas junto a pessoas que conheceram e conviveram com Arantes na cidade de Uberlândia. Os resultados aos quais chegamos possibilitam apreender que, embora não tendo exercido nenhum mandato político, Arantes não se afastou do poder local. Ao contrário, foram constantes os nexos estabelecidos entre ele, a educação e a política durante o período que recortamos para a pesquisa. Por meio de seu envolvimento com a educação (primeiro, em sua própria escola e, depois, no serviço público inspecionando as instituições de ensino municipais) e de suas atividades no meio jornalístico, assim como por intermédio de suas incursões no campo da produção da história local, ele sempre esteve próximo da política, em particular, daqueles que ocuparam o poder executivo no município. Concluímos, também, que os nexos estabelecidos entre Arantes e o poder político não se fundaram em uma mera subserviência do primeiro ao segundo, mas, sim, constituíram-se com base em uma gama de interesses e necessidades mútuas, assim como de uma convergência entre projetos pessoais e coletivos.

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ABSTRACT

This research aims at analysing aspects of the life of Jerônimo Arantes who worked as a teacher, a civil servant, a memorialist and a journalist from 1919 to 1961 in Uberlândia, Minas Gerais, Brazil. The concerns that guided this reflection were: The relationship between, on the one side, representations constructed by Jerônimo about education, his role as a civil servant and his writing of Uberlândia’s History and, on the other side, politics. Thus, these were the questions this research seeks to answer: what were the boundaries established between education and the local political power? Who were the social subjects pointed out by Arantes on the magazine entitled Uberlândia Ilustrada? How to classify the production of Arantes that, beyond written texts, used as research sources, although secondarily, the testimony of those marginalized by taking reports of ex-slaves as well as common workers who were not always literate? Was the valuing of the memories of those forgotten by positivist History, related in Arantes’ work, a change in direction of new research sources? In order to discuss these issues, we used the documents belonging to the collection of Jerônimo Arantes (CPJA), available in the public archive in Uberlândia (APU) – newspapers, books, magazines, personal mails, final exams elaborated by Arantes and applied to students at his private school – Colégio Amor às Letras – official documents received and sent by the Educational and Health Departments of the city and the Municipal Bureau of Statistics and clips of newspaper and magazines. Newspaper, magazines and school records of proceedings from the same archive were also used as research sources. Oral interviews and verbal information taken from people who knew and lived with Arantes in Uberlândia were used as research sources, too. Results have shown that although Arantes has not exercised any position as a politician, he was not away from local power. On the contrary, it was very evident the connections he made between education and politics during the period elected for this research. It was by getting involved with education – first in his own school and later as a civil servant when he supervised the local teaching institutions – and also by working in journals, that he was always linked to politics, particularly connected to those who were responsible for the executive power in Uberlândia. Arantes has contributed to local history production. We have also concluded that the relations established between Arantes and the political power were not based on a mere subservience to local power, but on a set of interests and mutual necessities. Those relations were also founded in converging personal and collective projects.

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SUMÁRIO

LISTAS DE: ILUSTRAÇÕES,

QUADROS, ABREVIATURAS/SIGLAS... viii

INTRODUÇÃO... 1 Capítulo I

"AMOR ÀS LETRAS"... 1.1. Longa Trajetória no Breve Século... 1.2. O Professor e sua Escola... 1.3. Literatura Educacional... 1.4. Escola, Livros e Política: Percursos que se Imbricam...

25 25 41 69 82 Capítulo II SERVIÇO PÚBLICO... 2.1. Escolas Rurais... 2.2. Arantes e as Escolas Municipais... 2.3. Produzindo Representações... 2.4. Educação e Política... 99 99 111 128 144 Capítulo III

ARQUIVO HISTÓRICO E "UBERLÂNDIA ILUSTRADA"...

3.1. Arquivo Histórico: Trajetória... 3.2. Arquivo Histórico: Documentos... 3.3. "Uberlândia Ilustrada": Trajetória e Patrocinadores... 3.4. "Uberlândia Ilustrada": Seções e Público Leitor...

159 159 168 189 205 Capítulo IV

O PROFESSOR QUE DEIXOU HISTÓRIA...

4.1. Objeto, Temas e Fontes... 4.2. História e Produção da Memória... 4.3. Do Presente ao Passado... 4.4. Entre Memória e Esquecimento...

221 221 254 265 282 BIBLIOGRAFIA... 291 FONTES... 303 ANEXOS...

Anexo I - Inventário da Coleção Prof. Jerônimo Arantes - Arquivo Público... Anexo II - Programa Proposto p/ Leitura nas Escolas Primárias do Est. de MG ... Anexo III - “Cartilha Brasileira”...

323 325 391 393

APÊNDICE...

Apêndice I - Roteiros para Entrevistas... Apêndice II - Dissertações e Teses que Utilizaram o Acervo de Arantes... Apêndice III – “Uberlândia Ilustrada”...

395 397 399 401

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LISTAS

ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Arantes aos 25 anos de idade ... 32

Figura 2 Arantes em seu escritório, aos 73 anos de idade ... 36

Figura 3 Arantes e alunos do Colégio Amor às Letras. ... 45

Figura 4 Alunos e Professores da Escola Municipal Prof. Jerônimo Arantes ... 137

Figura 5 Alunos e Professores da Escola Municipal Rural Marimbondo ... 138

Figura 6 Revista “simples”... 204

Figura 7 Revista com edição especial ... 204

Figura 8 Cartilha Brasileira ... 393

QUADROS Estatística de Matrícula por Sexo... 52

Comércio na Região do Triângulo Mineiro - (1904-05)... 90

Tratamentos Dirigidos a Arantes em suas Cartas Recebidas... 183

“Uberlândia Ilustrada”: Temas Explorados em Todas as Capas... 209

“Uberlândia Ilustrada”: Correlação entre Imagem Estampada na Capa e Temas Abordados ... 212

ABREVIATURAS E SIGLAS

APU - Arquivo Público de Uberlândia ARE - Atas das Reuniões Escolares

CPJA - Coleção Professor Jerônimo Arantes PT - Pastas Temáticas

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INTRODUÇÃO

I

Se recuarmos na história das idéias e/ ou do pensamento político, depararemo-nos, alguns séculos atrás, com a defesa filosófica da clivagem entre ciência e política. Kant, escrevendo no século XVIII, chegou à conclusão de que os reis não deveriam filosofar e tampouco deveriam tornar-se filósofos. Estes deveriam gozar de liberdade para desenvolver livremente seu pensamento, mas não poderiam se imiscuir em assuntos de “Estado”1. Posteriormente, em meio ao caos e às incertezas que perpassavam o globo durante a I Grande Guerra, sobretudo, o continente europeu, o sociólogo italiano Pareto e o alemão Max Weber reeditaram o discurso kantiano, ratificando o pressuposto da separação entre atividade intelectual e o exercício do poder.2

Os campos estariam, pois, previamente demarcados, sendo que, de um lado, ficariam os homens da ciência, os “produtores” de idéias, aptos a fazer análises e emitir pareceres, de outro, situar-se-iam os homens de ação, cuja responsabilidade de tomar decisões, de interferir no ordenamento da sociedade não se deveria confundir com as atribuições dos primeiros. Duas realidades, duas esferas de atuação que não poderiam imbricar-se a fim de que uma não conspurcasse a outra.3

1 “Não se deve esperar que os reis filosofem ou se tornem filósofos, nem mesmo desejar isso, pois a posse da força

corrompe inevitavelmente o livre juízo da razão. Mas que reis ou povos soberanos (...) não deixem desaparecer ou não reduzam ao silêncio a classe dos filósofos, mas a deixem se expressar publicamente, isso é indispensável a uns e a outros para que possam ter clareza sobre seus próprios negócios. E desde que essa classe, por sua natureza, é imune ao espírito faccioso e é incapaz de conspirar, não pode ser suspeita de fazer propaganda”. (KANT, E. À paz perpétua. Porto Alegre: LP&M, 1989, p. 13).

2 “Costuma-se dizer, e eu concordo, que a política não tem seu lugar nas salas de aula das universidades. Não o tem,

antes de tudo, no que concerne aos estudantes. (...) mas a política não tem lugar, também, no que concerne aos docentes. Mais do que nunca, a política está, então, deslocada. Com efeito, uma coisa é tomar uma posição política prática, e outra coisa é analisar cientificamente as estruturas políticas e as doutrinas de partidos”. (WEBER, Max.

Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1993, p. 38).

3 “Tanto Pareto quanto Weber, rígidos e obstinados adversários de toda contaminação entre a obra do cientista e a

obra do político ou do moralista, estiveram inclinados a acreditar, e operaram em conseqüência como cientistas, que em uma sociedade guiada por forças irracionais — (...) —, pela prevalência de ideologias (...) que são tomadas por teorias científicas, em um universo irredutível de ‘politeísmo dos valores’ como efeito da impotência da razão, a única empresa humana na qual deviam ser mantidos incontrastados o domínio e a orientação da razão seria a ciência”. (BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. São Paulo: UNESP, 1997, p. 128).

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Ao lado das teorias que defendiam a separação entre a atividade intelectual e o exercício do poder, germinava, há muitos séculos, o seu oposto, materializado na filosofia que propalava que ambos os domínios não seriam dicotômicos, mas que, ao contrário, pensamento e ação, ciência e política seriam domínios interpenetráveis, um não existindo sem a colaboração do outro. Bobbio, ao abordar a questão dos intelectuais, estabeleceu a distinção entre aqueles que são contrários à imbricação entre ciência e poder e aqueles que são favoráveis, classificando-os em dois grandes grupos, a saber: intelectual puro e intelectual revolucionário. No primeiro grupo, encontrar-se-iam aqueles que separaram o exercício do poder da atividade intelectual, tais como: como Croce, Pareto e Weber. Estes autores refutaram a aproximação entre política e ciência e, portanto, acreditaram que a tarefa do intelectual situar-se-ia em uma instância diferenciada, a que a política não teria (ou não deveria) acesso. Já, para os revolucionários, o intelectual é sempre um ser engajado e a atividade política é inerente ao ato de pensar. Marx, Lênin, Gramsci e Sartre são alguns de seus signatários.4

O debate parece interminável, pois a defesa da indissolubilidade entre essas duas esferas de atuação atravessou longos períodos, na Grécia antiga, por exemplo, Platão formulou a tese de que o verdadeiro governo deveria ser exercido pelo filósofo. Desta forma, a solução para os problemas da época consistiria na possibilidade de os reis tornarem-se filósofos e de os filósofos tornarem-se governantes; não havendo, portanto, espaço para a separação entre ciência e política.5

Depois de acompanhar o transcurso de muitos séculos, a tese da indissolubilidade entre o exercício da política e a atividade intelectual ganhou os seus mais fervorosos signatários nos anos de 1800 com o advento da teoria marxista. A partir de então, segundo o marxismo, pensar o mundo e transformá-lo tornaram-se atividades necessariamente inseparáveis, pois a história, entendida como processo de produção da realidade e transformação do próprio homem, deixou de ser apreendida como uma entidade extra-humana e o “mundo sensível” (para utilizar uma expressão do próprio Marx) perdeu o estatuto de dado natural e imutável, para tornarem-se ambos resultado da ação humana no processo de produção coletiva da existência.6

4 BOBBIO, op. cit.

5 PLATÃO. A república. São Paulo: Hemus, 1970, p. 150.

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Aprofundando os pressupostos de Marx, Gramsci desenvolveu um longo estudo sobre o papel dos intelectuais na sociedade. O filósofo italiano chegou à conclusão de que os intelectuais não são autônomos em relação à produção do mundo material, mas que, ao contrário, permanecem organicamente ligados a uma das classes sociais em cena, delas não se descolando na produção de seu pensamento e na proposição de tarefas que visassem interferir no social, perfazendo, pois, a mais estreita relação entre pensamento e razão.7

A lista de ambos os lados é longa e não se esgotaria no âmbito desta tese. Rechaçar a união entre pensamento e ação ou entre ciência e política, ou, de outro modo, mostrar a sua indissolubilidade, tem se constituído em um debate longo e de complexos contornos. Estariam os intelectuais situados em uma esfera privilegiada que lhes possibilitaria uma compreensão do real mais abrangente, livre de preconceitos?8 Ou, afastados do universo político, só lhes interessariam os temas relacionados ao “espírito”? A atividade intelectual e o universo da política seriam, ao contrário, esferas intercambiáveis, em que política e pensamento deveriam seguir uma mesma trajetória? Embora exigindo posicionamentos diversos, subjaz às repostas para essas clivagens entre ciência e poder, intelectuais e exercício da política, uma dada representação de projeto social, bem como toda uma concepção filosófica calcada na relação entre política e ética.9

7 “O indivíduo não entra em relação com os outros homens por justaposição, mas organicamente, isto é, na medida

em que passa a fazer parte de organismos, dos mais simples aos mais complexos. Desta forma, o homem não entra em relações com a natureza simplesmente pelo fato de ser ele mesmo natureza, mas ativamente, por meio do trabalho e da técnica. E mais: estas relações não são mecânicas. São ativas e conscientes, ou seja, correspondem a um grau maior ou menor de inteligibilidade que delas tenha o homem individual. Daí ser possível dizer que cada um transforma a si mesmo, se modifica, na medida em que transforma e modifica todo o conjunto de relações do qual ele é o ponto central. Neste sentido, o verdadeiro filósofo é ⎯ e não pode deixar de ser . ⎯ nada mais do que o político, isto é, o homem ativo que modifica o ambiente, entendido por ambiente o conjunto das relações de que o indivíduo faz parte”. (GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991, p. 39-40).

8 Esta seria, segundo Löwy, uma das conclusões à qual chegaria Mannheim após analisar a relação entre utopia e

ideologia e estabelecer a distinção entre ambas, fundando um campo privilegiado de análise para os intelectuais. Segundo Löwy, para o pensador húngaro, alguns intelectuais estariam “(...) destinados a realizar a grandiosa tarefa da síntese dinâmica e da conciliação entre os vários pontos de vista. (...) Em primeiro lugar, justamente porque ela não tem vínculos sociais, porque ela é livre. Outra vantagem é que, no seio da camada dos intelectuais, existem indivíduos oriundos de várias classes sociais e, portanto, habituados a confrontar vários pontos de vista e a não escutar uma só voz. O terceiro elemento é que, independentemente de sua origem de classe, o intelectual vive dentro de uma certa comunidade com outros intelectuais vindos de outras classes e essa comunidade lhes permite a formação de uma espécie de ponto de vista comum”. (LÖWY, Michel. Ideologias e ciência social: elementos para uma análise marxista. 9 ed. São Paulo: Cortez, 1993, p. 84).

9 Bastos e Rêgo discutem, no ensaio introdutório de seu livro, a relação entre os intelectuais e a política, ressaltando a

dimensão moral que conforma o envolvimento dos primeiros com as experiências políticas e sociais do seu tempo, bem como atentando para a vinculação dos intelectuais ao exercício da crítica como forma de aplicação da razão. Na seqüência, as autoras reproduzem alguns textos produzidos por pensadores considerados clássicos que enfrentaram esta questão desde o século XVIII até final do XX. (BASTOS, Elide R.; RÊGO, Walquíria D.L. (Orgs.). Intelectuais

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se, portanto, como frisou Sirinelli, “...de tentar destrinchar a questão das relações entre as ideologias produzidas ou veiculadas pelos intelectuais e a cultura política de sua época”.10

No Brasil, esse debate também remonta é antigo e vem sendo fecundado há muito tempo, pois, em meados do século XIX, por exemplo, José de Alencar já discutia o “salutar” afastamento que deveria haver entre política e intelectualidade. Transcorridas algumas décadas, já no início da República, essa atitude consolidou-se e foi expressa, sobretudo, por Machado de Assis. Todavia, segundo Gomes: “Não há como negar que durante todo esse tempo tivemos intelectuais doublés de políticos, a demonstrar as tensões e seduções permanentes da relação”.11

Contudo, com a ascensão de Vargas ao poder, iniciaram-se os trabalhos de construir uma outra tradição, ancorada, agora, na defesa do envolvimento dos intelectuais com a política. Tarefa que, segundo Gomes, teria sido facilitada pela postura da geração modernista que, a partir dos anos de 1920, encampou a “temática da brasilidade com feições militantes”12. Nessa década, as insatisfações com a República e os temores de que esta não implementaria os ideais de uma sociedade nova alimentavam o debate entre a intelectualidade e serviam de combustível para seus freqüentes debates. Esses questionamentos não se encerravam em torno apenas da condução do processo republicano, mas também incidiam sobre o próprio papel que “os homens de letras” deveriam desempenhar na sociedade.13 Esses fatores contribuíram, sobretudo o último aspecto, para que os intelectuais problematizassem de forma radical a sua condição, aprofundando a noção, já existente no início da República, de seu trabalho como missão.14

Ao afã reformador que tomou conta da intelectualidade a partir dos anos de 1920 correspondeu, na década seguinte, o projeto de mudança alardeado pelo governo Vargas e

10 SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: RÉMOND, René (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro:

URFJ, 1996, p. 261.

11 GOMES, Ângela de C. História e historiadores: a política cultural do Estado Novo. Rio de Janeiro: Fundação

Getúlio Vargas, 1996, p. 139.

12 GOMES, 1996, op. cit., p. 139.

13 As ambigüidades inerentes à intelectualidade brasileira pertencente à geração modernista, em plena atividade

durante a década de 1920, foram trabalhadas por Lahuerta em um texto relativo ao tema em questão. O autor discute os limites da crítica dos modernistas à sociedade vigente, problematizando a noção de moderno e as propostas de ruptura daí decorrentes. (LAHUERTA, Milton. Os intelectuais e anos 20: moderno, modernista, modernização. In: LORENZO, Helena C. de; COSTA, Wilma P. da (Orgs.). A década de 1920 e as origens do Brasil moderno. São Paulo: UNESP, 1997, p. 93-114).

14 “Na busca de uma nova identidade, vêem-se os intelectuais confrontados com o poder sem a mediação de uma

perspectiva realmente política. O que faz com que se aprofunde a idéia de que lhes cabe um papel diferenciado no processo social. Isto ocorre tanto no sentido organicista, que os vê como heróis civilizadores, como artífices da modernização e fundadores da cultura nacional (...), quanto no sentido do 'jacobinismo', que os vê como revolucionários em potencial aspirando ao assalto aos céus e à insurreição ... “. (LAHUERTA, op. cit., p. 100).

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implementado de forma centralizada a partir do final da segunda metade de 1930, após a instauração do regime ditatorial: “É em nome da ordem e até da tradição, e sempre pleiteando o primado do público sobre o privado, que o Estado Novo, realizando expectativas difusas da sociedade civil, se assume como arauto da modernidade e realizador dos ideais do ano 20”.15

Ascendendo, pois, como instância capaz de implementar as mudanças reivindicadas pela intelectualidade desde os anos de 1920 e, portanto, trazendo para si a possibilidade de concretizar o projeto renovador encampado por aqueles intelectuais, o Estado Novo colocava-se em condição favorável de operar o “... consenso entre a intelectualidade quanto à necessidade de que somente o Estado, sobrepondo-se ao particularismo, ao clientelismo e ao caráter 'clânico' da sociedade, poderia realizar a construção da nação e a modernização da sociedade...”16

A aproximação entre os intelectuais e o Estado Novo ancorou-se mais na convergência entre os ideais sócio-culturais dos quais os primeiros eram portadores e o projeto político proposto pelo segundo. Para Lahuerta, os vários organismos estatais centralizadores criados no período ditatorial (DIP: Departamento de Imprensa e Propaganda, fundado em 1939, por exemplo) acolheram os intelectuais e sinalizaram para a possibilidade de tornar realidade a concretização de seus ideais e utopias de construção da nação, porém, por meio da centralização do Estado. “É por isso que não se trata de cooptação, mas de constituição de um novo bloco de poder com uma simultânea perspectiva autoritária e modernizadora, que busca consenso entre a intelectualidade chamando-a para participar do processo”.17

De fato, segundo Capelato, ao incorporar esses intelectuais, o governo ditatorial buscava também, além de resolver o problema de preenchimento de quadros dentro das esferas burocráticas criadas a fim de implementar seu projeto político, obter apoio de uma parcela da população, entretanto, sem mobilizar as camadas populares para participarem da política.18

15 LAHUERTA, op. cit., p. 101. 16 LAHUERTA, op. cit., p. 100-01. 17 LAHUERTA, op. cit., p. 106.

18 “Não se observava da parte de Getúlio Vargas, um grande empenho na mobilização das massas para participar da

política. O autoritarismo do Estado Novo se caracteriza, como já foi dito, pelo seu aspecto desmobilizador. Considerando o povo brasileiro inepto para a participação política (a grande massa de analfabetos servia de reforço para esse argumento), propunha-se a organização do novo Estado pelo alto, o que explica a preocupação do governo em ganhar o apoio das elites intelectuais. A proposta de consenso era dirigida a elas e não aos setores populares”. (CAPELATO, Maria Helena Rolim. Estado Novo: novas histórias. In: FREITAS, Marcos Cezar de. (Org.)

Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, Bragança Paulista: Universidade São Francisco,

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Velloso, ao abordar o mesmo período, também concluiu que o Estado Novo ao levar adiante a tarefa de centralização do poder em moldes autoritários ⎯ contudo travestidos de aspectos democráticos ⎯, empenhou-se em consolidar o apoio das camadas populares à custa de mantê-las afastadas dos canais de decisão.19

Diferentemente dos intelectuais que foram incorporados pela República em suas primeiras décadas ⎯ e, mesmo antes, no Império ⎯, que buscavam satisfazer às mais diversas exigências daqueles que eram tributários do cargo que ocupavam, os intelectuais, a partir de 1930, ocuparam postos que lhes exigiam, além de dedicação, a posse de um saber mais especializado, capaz de dotar os institutos, os ministérios e toda a gama de órgãos recém-criados da racionalização necessária ao funcionamento parcialmente autônomo da esfera federal em relação aos poderes político e econômico localizados em âmbito regional.20

Dentre esses intelectuais recém incorporados pelo governo, havia uma hierarquia tanto no nível das funções quanto no que dizia respeito a salários. Pois, da mesma forma que o Estado empregou uma elite intelectual que, em virtude de sua competência escolar e profissional, ocupou cargos mais elevados ⎯ tais como: ministérios e conselhos consultivos do Executivo ⎯ e recebeu os salários mais altos, também preencheu seus quadros com outros intelectuais que, menos por sua titulação e mais em virtude dos laços de amizade que os ligavam aos membros do poder político, serviram como assessores comissionados junto à Presidência, aos ministérios e demais órgãos vinculados ao poder central.21 Essa configuração hierárquica, que perpassava a

19 VELLOSO, Mônica Pimenta. Cultura e poder político: uma configuração do campo intelectual. In: OLIVEIRA,

Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela Maria Castro (Orgs.). Estado Novo: ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 71-2.

20 “Enquanto os anatolianos contavam com as sinecuras que os dirigentes oligárquicos lhes ofertavam como paga por

serviços prestados, os intelectuais do regime Vargas estavam muito mais vinculados aos figurões da elite burocrática do que aos dirigentes partidários ou às facções políticas de seus respectivos estados. Os anatolianos participavam de corpo e ânimo das campanhas eleitorais de seus manda-chuvas ou de candidatos por eles indicados, ao passo que os intelectuais do regime Vargas se empenhavam com garra em ampliar, reforçar e gerir as ‘panelas’ burocráticas de que faziam parte e só se sentiam credores de lealdade em relação ao poder central. Dessa maneira, os intelectuais contribuíram decisivamente para tornar a elite burocrática uma força social e política que dispunha de certa autonomia em face tanto dos interesses econômicos regionais como dos dirigentes políticos estaduais”. (MICELI, Sergio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 198).

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atuação dos intelectuais no interior do governo, deve ser relacionada a uma forte centralização do poder no âmbito político.22

Seja incorporando uma dada elite intelectual seja empregando intelectuais comissionados, os liames entre a camada dirigente e os intelectuais naquele período se caracterizaram por uma transformação na própria função do Estado.23 Conseqüentemente, o papel dos intelectuais em relação ao poder também foi balizado, uma vez que, dentre eles, vários procuraram atenuar o grau de dependência em relação ao Estado fortemente autoritário. Segundo a fala de muitos desses intelectuais, ao ingressar nos cargos disponibilizados pelo Estado, eles estariam em melhores condições para concretizar obras que expressassem os anseios da coletividade e, portanto, a sua atuação constituía-se nos canais de expressão dos anseios da própria nação e não na promoção dos interesses de um grupo dirigente qualquer. “Muitos foram os que, nos dizeres de Carlos Drummond, ‘serviram sob uma ditadura’, sem aderir de corpo e alma a um projeto político”.24 Com esse argumento, alguns intelectuais que passaram a servir ao governo a partir de 1930 tentavam deslindar uma dada produção científico/literária das relações estreitas que os mantinham atados ao poder político.25 Porém, muitos deles abraçaram, de fato, a ideologia da

22 No dizer de Velloso: “No Estado Novo, a alta centralização do poder político é evidentemente acompanhada pela

centralização do poder simbólico. O controle efetuado pelo DIP na tentativa de obstaculizar a divulgação dos outros discursos configura um campo ideológico bastante homogêneo. A nítida demarcação de tarefas no campo ideológico estabelece a função precisa que cada agente deve desempenhar. A produção simbólica se restringe a um círculo especializado de teóricos e/ou dirigentes que se colocam como os ‘guardiães privilegiado das ideologias’. (...) À elite intelectual cabe, portanto, a produção e a manipulação das representações que conformam o discurso estado-novista. Aos intelectuais de menor projeção cabem as tarefas práticas da propaganda, no sentido de difundir para o conjunto da sociedade o ideário já estabelecido”. (VELLOSO, op. cit., p. 77-8).

23 “É nítida, portanto, a tentativa do regime no sentido de estabelecer uma nova relação Estado-sociedade.

Configuram-se novas estratégias de poder, que prevêem uma ampliação considerável das funções estatais. O Estado penetra nos domínios da sociedade civil, assumindo claramente o papel de direção e organização da sociedade. Assim, se auto-elege o educador mais eficiente junto às classes trabalhadoras, argumentando ser o ‘bem público’ o móvel de sua ação. O que se verifica, portanto, é um deslocamento de atribuições, onde o Estado assume funções que até então estavam sob o encargo dos diferentes grupos sociais”. (VELLOSO, op. cit., p. 72).

24 LAHUERTA, op. cit., 109-10.

25 No entanto, em alguns casos, descolar a produção intelectual da função ocupada no interior do governo tornava-se,

na ótica de Velloso, uma tarefa quase impossível, uma vez que: “A função social dos intelectuais, no contexto do Estado Novo, coloca-se como fundamental para definir o caráter de sua produção. Francisco Campos, como bem define Jarbas Medeiros, é o 'típico ideólogo do Estado', exercendo tríplice papel de reformador do sistema de ensino nacional, das instituições jurídicas e das instituições políticas. A posição social do autor na política brasileira se evidencia pelos cargos e funções político-administrativas que exerceu em âmbito federal e estadual. Já Azevedo Amaral não exerce funções diretamente vinculadas ao aparelho de Estado; desempenha sobretudo atividades jornalísticas. O relativo distanciamento do aparelho de Estado confere à sua produção um caráter 'menos dogmático', na medida em que se permite discordar de alguns dispositivos veiculados pela Constituição de 37. (...) ‘Quanto a Almir de Andrade, além de desempenhar atividades de cunho acadêmico ⎯ professor da Universidade do Brasil, fundador e diretor da revista Cultura Política ⎯ ocupa o cargo de diretor da Agência Nacional de 1943 a 45”. (VELLOSO, op. cit., p. 78-9).

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“construção da nacionalidade” que perpassava o período, sobretudo durante o Estado Novo. Segundo Lahuerta

... mesmo os que não aderiram explicitamente ao Estado Novo, de uma maneira ou de outra, adequaram-se ao seu projeto de ordem, revelando uma aceitação tácita do autoritarismo que tinha por eixo a 'compreensão de que o atraso da nação estava, bem ou mal, sendo sanado pela imposição de uma ditadura que acertava o passo dentro das exigências do progresso'.27

O debate sobre o papel dos intelectuais na sociedade não se encerrou com o fim do Estado Novo. Findo aquele período ditatorial, durante aproximadamente três décadas, ainda para grande parte da intelectualidade cabia-lhe aproximar-se da sociedade e da cultura popular como sinônimo de nacionalismo.28 A defesa do distanciamento da política e de todas as suas implicações só se efetivará entre a intelectualidade após mais um período ditatorial.29

A discussão parece, mesmo, constituir-se em uma polêmica em aberto, interminável, posto que cada época direciona os olhares para questões específicas — da mesma forma em que é direcionada também — e ora o intelectual é cobrado (e se cobra) a participar dos embates estabelecidos na sociedade de uma forma geral, ora é convidado a isolar-se em suas salas fechadas, distantes da realidade cotidiana. É esse jogo, cujas regras estabelecem-se em torno da aproximação e do distanciamento, que tem servido de palco para a intelectualidade brasileira.

II

Refletindo sobre essa tensão entre poder e ciência, intelectual e político, entre ação e filosofia e aceitando a premissa de que o passado interessa ao historiador porquanto pode encerrar as chaves para a compreensão de problemas que se colocam no presente e que, portanto, nossas pesquisas não são desinteressadas, o objetivo desta pesquisa é investigar a trajetória de Jerônimo Arantes (1892-1983), buscando problematizar a relação por ele estabelecida entre educação, história e política na cidade de Uberlândia no período que compreende as décadas de 1919 a 1961.

26 CAPELATO, 1998, op. cit., p. 211-12. 27 LAHUERTA, op. cit., p. 110.

28 LAHUERTA, op. cit., p. 110-13. 29 LAHUERTA, op. cit., p. 114.

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Relacionando a diversificada atuação de Arantes no universo intelectual de Uberlândia — professor, escritor, jornalista e memorialista30 — com a tensão existente entre ciência e política, pensamento e ação ou, para sermos mais precisos, entre o intelectual e o poder, a escolha desse funcionário público como sujeito da presente pesquisa repousa sobre a sua ampla atuação no cenário cultural de Uberlândia. Arantes atravessou o século XX ocupando-se com a realização de pesquisas, o trabalho na imprensa, a coleção de documentos, a produção de uma literatura escolar e a escrita de livros e artigos acerca da história de Uberlândia. Nesse sentido, atuou na fiscalização dos trabalhos educacionais, uma vez que, como funcionário público, foi inspetor municipal de ensino e chefe do Serviço de Educação e Saúde do Município (cargo que, atualmente, corresponde ao de Secretário Municipal de Educação); lidou com empreendimentos jornalísticos, haja vista sua iniciativa de produzir e editar, durante três décadas, uma revista local denominada Uberlândia Ilustrada; assim como empreendeu longas incursões no âmbito da história, tendo-se envolvido por seis décadas com a pesquisa e a escrita da história da cidade.

A maior parte da produção de Arantes, bem como a sua atuação nos cargos públicos que ocupou na esfera de poder municipal, situa-se nos anos que compreenderam de 1933 a 1961, dentro do período em que houve no âmbito federal uma expansão da oferta de cargos públicos a intelectuais. Partindo das análises de que na referida esfera alguns desses intelectuais a serviço do Estado procuraram desvincular suas produções dos interesses políticos, ainda que, na maioria das vezes, essa tentativa permanecesse circunscrita apenas ao plano discursivo, pergunta-se: de que forma Arantes, que vivia na região do Triângulo Mineiro, interior de Minas Gerais, e atuava como intelectual e homem de “ação” — embora não tendo exercido cargo político, uma vez que não chegou a candidatar-se a vereador, prefeito, governador e/ou senador, ocupou cargos de cunho político na área educacional, haja vista que foi nomeado inspetor de municipal de ensino e, posteriormente, chefe do Serviço de Educação e Saúde do Município ⎯ enfrentou a clivagem entre política e pensamento?

30 Embora alguns autores empreguem as expressões historiador, historiador não acadêmico, historiador

profissional, pensador da história e outros para se referirem àquele que lida com o passado sem, no entanto, ser

graduado em História, optamos por utilizar a denominação memorialista por entender que ela serve como baliza para demarcar as particularidades inerentes ao trabalho realizado por uns e por outros. As três primeiras denominações são encontradas em particular nas obras de: GOMES, A., 1996, op. cit. / RODRIGUES, Antônio E. M. O achamento do Brasil e de Portugal: perfil intelectual do historiador luso-brasileiro João Lúcio de Azevedo. Acervo: Escritas do Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, n. 1-2, p. 37-66, jan./dez. 1999, 2000. O último termo é empregado no seguinte texto: GONTIJO, Rebeca. Manoel Bonfim, 'pensador da História' na Primeira República. Revista Brasileira

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Uma outra questão que emerge ao investigar a trajetória de Arantes incide sobre a sua longa permanência na inspetoria de ensino municipal (1933 a 1946) e também na chefia do Serviço de Educação e Saúde do Município (1946 a 1959). Estes cargos, cujo ingresso se dava por meio de nomeação do Prefeito, revestiam-se de um caráter marcadamente político e, como tal, exigiam de seu titular, se não a cumplicidade total, pelo menos, o alinhamento com o plano de governo em questão. Com base nessa constatação, pergunta-se: quais eram os liames estabelecidos entre a educação e o poder político local?

Ainda que conhecidos e parentes de Arantes tenham afirmado em seus depoimentos que ele não se envolveu em política e não fez campanha para nenhum candidato, como explicar o fato de, em 1936, ele ter participado da caravana realizada em direção às escolas rurais para divulgar a candidatura de Vasco Gifoni a prefeito de Uberlândia, pelo Partido Popular Progressista, recém fundado na cidade? Ocupando, na época, a inspetoria municipal de ensino e gozando, portanto, do prestígio que o cargo lhe conferia, sua presença na campanha de qualquer candidato significava apoio, ainda que não explícito, sobretudo quando ela se realizava no ambiente escolar, locus de sua atuação e “autoridade”. 31

Embora atuando apenas em Uberlândia, não se pode perder de vista que o trabalho de Arantes na educação insere-se em um contexto nacional de acalorados debates entre os defensores de uma escola renovada em métodos e conteúdos e os partidários da manutenção de uma escola organizada sob propostas tradicionais. A eclosão do movimento em favor da renovação da escola no Brasil culminou com a conclusão, já ao final dos anos de 1920, de um amplo programa de reformas educacionais realizadas por quase todos os estados da federação, com posteriores reformas efetuadas em âmbito federal, e prosseguiu com a publicação, em 1932, do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nacional.32

31 VISITANDO o interior do município. Diário de Uberlândia, Uberlândia, p. 1, 05 maio 1936. APU. CPJA.

32 A partir dos anos de 1920 foram realizadas as seguintes reformas educacionais em âmbito estadual: São Paulo,

1920; Ceará, 1922-23; Bahia, 1928; Minas Gerais, 1927-28; Pernambuco, 1928; Paraná, 1927-28; Rio Grande do Norte, 1925-28; Distrito Federal, 1928. (ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil: (1930/1973). Petrópolis: Vozes, 1998, p. 129).

No dizer de Romanelli: “Assim, por exemplo, enquanto apresenta uma concepção avançada da educação e suas relações com o desenvolvimento, denunciando uma visão globalizante deste último, permanece, todavia, no terreno do romantismo, quando cogita das causas dos problemas educacionais. Ao colocar estes como decorrência da falta de uma ‘filosofia de vida’ por parte dos educadores, o Manifesto demonstra que a compreensão da realidade educacional, por parte dos pioneiros, estava ainda muito próxima da concepção liberal e idealista dos educadores românticos do século XIX”. (ROMANELLI, op. cit., p. 145).

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Elaborado por Fernando Azevedo e assinado por 26 educadores, esse Manifesto representou, no âmbito educacional, a sistematização de um amplo debate que já estava se desenrolando na sociedade desde a década de 1920, com o início daquelas reformas. O seu conteúdo refletia, além das incertezas do período, a clivagem de interesses existentes entre o programa educacional defendido pelos católicos e demais signatários de posturas conservadoras em educação, assentado sobre o ensino confessional e privado, e o outro programa assinado pelos liberais, que se consubstanciava nas propostas de uma escola laica e pública. Assinado por estes últimos, o Manifesto surgiu como o grande libelo do movimento renovador e, como tal, refletiu tanto suas inconsistências quanto aquelas oriundas do próprio momento.

Esse período, que remonta ao final dos anos de 1920, colocou a educação, seus problemas, assim como as suas possíveis soluções em evidência no cenário educacional brasileiro. Nesse sentido, a análise da atuação de Arantes no meio educacional de Uberlândia, nessa mesma época, sugere a seguinte problematização: de que forma ele se posicionou diante das transformações verificadas no pensamento pedagógico a partir desses movimentos? Ou, dito de outra maneira, face ao embate entre os princípios da escola tradicional, criticada pelos reformadores, e os alardeados pressupostos de uma escola renovada, em métodos e conteúdos, como se movimentou Arantes?

Além dessas questões relacionadas ao papel de Arantes na condição de ocupante de um cargo político na esfera educacional, problematizamos, também, nesta pesquisa, sua produção, tendo em vista discutir o sentido de sua obra — tanto no que diz respeito ao seu trabalho como memorialista, registrado nos folhetos de caráter histórico e também nos textos publicados na revista Uberlândia Ilustrada, quanto no que concerne seu acervo de documentos — para a educação e também para a historiografia local.

Arantes viveu, pensou, trabalhou e produziu durante seis décadas, tendo, inclusive, atravessado um dos momentos de transição política na cidade, quando novos sujeitos passaram a dividir o espaço político-econômico e social com antigos representantes do poder local. Nesse sentido, uma das questões que aflora ao tomarmos contato com a Uberlândia Ilustrada e demais textos deixados por ele, gira em torno das formas de apreensão e representação das transformações político-sociais que estiveram presentes na sua produção, e daí formulamos a seguinte questão: quais foram os sujeitos sociais destacados pela sua revista?

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Ao analisar os escritos de Arantes e ao refletir sobre as representações construídas por ele em torno do passado da cidade, emerge ainda outra problemática, a saber: subjaz aos seus textos alguma relação com os interesses políticos que envolviam os cargos ocupados por ele no poder executivo municipal?

Outra questão que surge, ao se tomar contato com a sua obra, relaciona-se às características de seus trabalhos sobre a historia local, pois, em um período caracterizado por uma historiografia de cunho marcadamente positivista, identificável no privilégio conferido aos feitos de poucos homens, metamorfoseados em heróis nacionais, e no emprego das fontes textuais — sobretudo dos documentos oficiais em detrimento da consulta aos testemunhos orais33 —, como situar a produção de Arantes, que, concomitantemente aos textos escritos, utilizava como fonte de pesquisa o testemunho dos “excluídos”, por meio do emprego de depoimentos de ex-escravos e de trabalhadores braçais, muitas vezes, analfabetos? A valorização das memórias daqueles que a escrita da história positivista renegava estaria relacionada, em sua obra, a um deslocamento em direção à incorporação de novas fontes de pesquisa? Ao dar voz aos excluídos da historiografia oficial e introduzir as suas memórias no discurso sobre a história de Uberlândia, estaria ele incorporando a vivência deles na cidade, para além dos fatos revelados em suas memórias atinentes ao passado?

III

Os deslocamentos obtidos pela pesquisa histórica nas últimas décadas, tanto no que diz respeito ao tratamento conferido às fontes quanto no que tange à seleção dos objetos e ao levantamento das problematizações, como também a crise dos paradigmas engendrada pelas transformações sociais que atravessaram o ocidente, impossibilitam a pretensa interpretação cristalizada e puramente objetivada da história, que resultaria em um (pseudo) resgate do passado tal qual ele teria ocorrido.

As modificações incorporadas pela historiografia concernentes aos seus pressupostos epistemológicos e ao tratamento metodológico do objeto de pesquisa, aceleradas, sobretudo, após

33 Segundo Velloso, no afã de rechaçar as influências do liberalismo, durante o Estado Novo defendia-se e também

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a entrada em cena dos historiadores franceses ligados à revista dos Annales, viabilizaram a compreensão de que as análises do passado, ainda que caracterizadas por uma pesquisa abrangente, são sempre limitadas e, por conseguinte, permanecem abertas a inúmeras problematizações.34

Aceitando, então, o pressuposto de que o envolvimento existente entre o historiador e o passado fundamenta-se em uma perspectiva questionadora, marcada pela constante possibilidade de recompor as análises realizadas e, também, tomando como referência a compreensão, segundo a qual, aos testemunhos ⎯ sejam eles textuais, iconográficos ou procedentes da oralidade ⎯ subjazem motivos, intenções e desejos que concorrem para a sua produção, o diálogo proposto com a obra de Arantes não tem a pretensão de reconstruir literalmente a realidade por ele vivida e, tampouco, pretende-se retraçar fielmente a trajetória percorrida por ele, seja no campo da educação, seja nos domínios da escrita da história. Conforme ressaltou Le Goff

...não apenas é impossível para um historiador ressuscitar integralmente o passado, como não é esse o seu objetivo. A história, mesmo que recorra a uma escrita, à narrativa, a retratos, permanece um esforço de explicação. Mergulhar no passado como está implicado na idéia de ressurreição integral é uma empresa que não apenas é vã e ilusória, como anticientífica. Temos que tentar reencontrar o sabor do passado, a vida, os sentimentos, as mentalidades de homens e mulheres, mas em sistemas de exposições e interpretações de historiadores do presente.35

Buscando, pois, ir ao encontro do “sabor do passado” e, concomitantemente, procurando esquivar das interpretações absolutistas e, ao mesmo tempo, redutoras da realidade, nesta pesquisa elegemos como categoria de análise o conceito de representação, por entender que este permite apreender a história tanto em sua dimensão material quanto em seu aspecto intelectual, sem, contudo, dicotomizá-los, sem opor uma dada realidade objetiva a outra subjetivada.

Devemos, no entanto, ressaltar que, ao buscar na trama histórica as imbricações entre uma tessitura objetivada e outra de conotação mais subjetiva, não estamos pressupondo a ausência de

34 De acordo com Marc Bloch, “O passado é, por definição, um dado que coisa alguma pode modificar. Mas o

conhecimento do passado é coisa em progresso, que ininterruptamente se transforma e se aperfeiçoa”. (BLOCH, Marc. Uma introdução a história. Lisboa: Edições 70, s.d., p. 55).

35 LE GOFF, Jacques. Uma vida para a história: conversações com Marc Heurgon. São Paulo: UNESP, 1998, p.

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tensões. Ao contrário, as representações são entendidas aqui como processo constituinte do real por meio da elaboração dos significados que conferem sentido à realidade. Ao serem apreendidas como processo, essas representações comportam dimensões conflituosas, pois, conforme ressaltou Chartier, elas devem ser apreendidas em um campo do qual fazem parte “concorrências” e “competições”.37

Uma vez que se partimos do pressuposto de que subjazem às representações conflitos e tensões que as caracterizam como sendo esse campo de lutas de que nos fala Chartier, e que buscamos compreendê-las como elementos constituintes do real e não apenas como o seu reflexo, esperamos, com o emprego desta noção, contribuir para superar a clivagem operada entre uma dada objetividade das estruturas, eleita por uma historiografia de tradição iluminista como o verdadeiro objeto da história, e a subjetividade das representações, lançada por essa mesma historiografia no limbo da pesquisa historiográfica.

Em virtude de possibilitar uma leitura múltipla da realidade, propiciando, assim, a ruptura com um quadro epistemológico assentado em apreensões unívocas e/ou dicotomizadas das instâncias da realidade, e também por não dissimular as diferentes posições ocupadas pelos atores sociais e nem ignorarem os objetivos discordantes que compõem o real, é que as representações serão empregadas como fio condutor para se penetrar na trama tecida por Arantes em sua trajetória.

Embora enfocando a vida de uma pessoa “singular”, não tivemos a pretensão de elaborar um estudo biográfico; o que exigiria o aprofundamento de muitos aspectos da vida de Arantes e também o conhecimento de muitos fatos a ele relacionados que não se constituíram em nosso

36 Ao empregar o conceito de trama, buscamos em Paul Veyne a sua definição. Para esse historiador, os fatos não se

apresentam de maneira atomizada, mas, sim, de forma a constituir uma trama, e esta definiria o tecido histórico, pois trata-se de: “uma mistura muito humana e muito pouco ‘científica’ de causas materiais, de fins e de acasos; de um corte de vida que o historiador tomou, segundo sua conveniência, em que os fatos têm seus laços objetivos e sua importância relativa; ...”. (VEYNE, Paul. Como se escreve a história. Brasília: Universidade de Brasília, 1982, p. 28).

37 “Como estando sempre colocadas num campo de concorrências e de competições cujos desafios se enunciam em

termos de poder e de dominação. As lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção de mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio”. (CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: DIFEL, 1988, p. 17).

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objetivo.38 No entanto, ainda que não adotando a perspectiva biográfica, tivemos que fazer incursões pela vida de Arantes para procurar responder às questões por nós propostas, e estas incursões situam-se nos domínios do que se denominou trajetória, entendida, aqui, na acepção que lhe dá Kofes, como sendo: “... o processo de configuração de uma experiência singular”.39 E esta experiência fundamenta-se em um percurso que se compõe de deslocamentos ora previsíveis ora inesperados e no qual a travessia torna-se mais relevante do que o ponto de chegada; com efeito, é aquela e não esta o objeto do entendimento.

Desta forma, ao perseguir a trajetória de Arantes, tivemos mais a preocupação de compreender quais as escolhas ele fez e como lidou com os desafios que lhe eram apresentados do que buscar a mera retilinidade e uma (pseudo) previsibilidade que, supostamente, seria inerente à sua própria história, pois: “Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa importância”.40

Sensíveis às advertências de Bourdieu, também não partimos do pressuposto de que “...a vida constitui um todo, um conjunto coerente e orientado...”41. Mas, sim, procuramos aprender aspectos da vida de Arantes como fazendo parte de uma caminhada que se constrói pelos sujeitos sociais, eles mesmos em processo de construção. Nesse sentido, a trajetória objetiva implica a construção de “sentidos subjetivos” naquele que a empreende, “... naqueles relacionados a este deslocamento e naqueles que já foram inscritos no próprio deslocamento”.42 A análise não se limita a essas categorias, mas acreditamos que as demais foram esclarecidas ao longo dos quatro capítulos subseqüentes, nos quais abordamos a problematização proposta.

38 Há uma vasta bibliografia acerca da problemática que permeia os estudos biográficos e, que, por conseguinte

aponta para as limitações e também para as perspectivas que este método agencia; dentre estes estudos destacamos: BORGES, Vavy Pacheco. Desafios da memória e da biografia: Gabrielle Brune-Sieler, uma vida (1874-1940). In: BRESCIANI, Stella; NAXARA, Márcia (Orgs.). Memória e (res)sentimento. Campinas: UNICAMP, 2001, p. 287-312./ _____. O historiador e seu personagem: algumas reflexões em torno da biografia. Horizontes. Dossiê: Temas da história cultural. Bragança Paulista, v. 19, p. 1-10, 19 jan./ dez.2001/ BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de M.; AMADO, Janaína (Orgs.). Usos & abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 1998, p. 183-91/ LEVI, Giovanni. Usos da biografia. In: FERREIRA; AMADO, op. cit., p. 167-82. / CHAUSSINAND-NOGARET, Guy. Biográfica (História). In: BURGUIÈRE, André. Dicionário das ciências históricas. Rio de Janeiro: Imago, 1993, p. 95-97./ LEVILLAIN, Philippe. Os protagonistas: da biografia. In: RÉMOND, op. cit., p. 141-84.

39 KOFES, Suely. Uma trajetória, em narrativas. Campinas: Mercado de Letras, 2001, p. 27. 40 ROSA, Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1980, p. 113. 41 BOURDIEU, op. cit., p. 184.

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IV

Para apreender as representações construídas por Arantes, em torno da educação, da história e da política, tivemos que fazer um recorte temporal selecionando um período que acreditamos responder mais adequadamente às nossas inquietações e que, sobretudo, tivesse relação com o objeto selecionado e as fontes disponíveis; desta forma, elegemos o intervalo que vai do ano de 1919 até 1961.

A opção por esse corte cronológico justifica-se em função da relevância que ele assume para o contexto de nossas investigações, pois 1919 foi o ano em que Arantes estabeleceu-se definitivamente na cidade de Uberlândia, abrindo a sua escola particular, o denominado Colégio Amor às Letras, e 1961, por sua vez, marca o fim da publicação da Uberlândia Ilustrada. Em agosto daquele ano, Arantes publicava o último número de sua revista, em uma edição dedicada à história da Vila Martins, um dos bairros da cidade em questão. Embora ele não tenha deixado de trabalhar nos anos subseqüentes, estabelecemos como recorte esse período porque ele abarca a maior parte de sua produção, incluindo as suas atividades docentes exercidas em seu colégio, os anos no serviço público, a formação da maior parte de seu Arquivo Histórico, a publicação de alguns de seus livros, assim como publicação de sua revista.

Contudo, mesmo estabelecendo esse recorte, não nos limitamos a ele rigidamente. Em alguns momentos, tivemos que avançar, extrapolando o limite estabelecido em torno de 1961 e, em outras ocasiões, recuamos, rompendo a barreira dos anos de 1919. No primeiro capítulo, por exemplo, retrocedemos algumas décadas ao limite por nós imposto, a fim de buscar os elementos que propiciariam recompor alguns aspectos relativos à trajetória pessoal percorrida por Arantes nos anos anteriores à sua chegada em Uberlândia. Nos quatro capítulos, ainda que subsidiariamente, empregamos documentos produzidos após 1961. Às vezes um artigo de jornal, um livro deixado mimeografado, outras vezes, uma entrevista ou uma conversa informal nos arremessaram para as décadas posteriores ao limite estabelecido. Mas, de forma geral, buscamos privilegiar o recorte adotado.

Para imergir na temporalidade que elegemos e também para discutir a problemática levantada, empregamos como fonte, primeiramente, os documentos escritos que compõem a

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Coleção Professor Jerônimo Arantes (CPJA), depositados no Arquivo Público de Uberlândia (APU).43 Utilizamos também as atas das reuniões escolares e os jornais que não fazem parte da referida Coleção e que se encontram depositados no mesmo Arquivo. Por fim, trabalhamos também com as fontes orais. Estas foram produzidas por meio de entrevistas realizadas com familiares, amigos e conhecidos de Arantes; algumas dessas pessoas trabalharam com ele no serviço público municipal e outras o conheceram fora do ambiente de trabalho.

Dentre os documentos escritos pertencentes à CPJA, destacamos: jornais; revistas; correspondências pessoais; atas das reuniões escolares, em que ficaram registradas as atividades de Arantes como inspetor de ensino municipal e chefe do Serviço de Educação e Saúde do Município. Dentre essas atividades, encontram-se as visitas de rotina realizadas pelo inspetor e as visitas para inspecionar a realização dos exames finais; provas de exames finais elaboradas por ele e aplicadas aos alunos na sua escola particular; diários de classe; pareceres e memorandos recebidos e expedidos pelo Serviço de Educação e Saúde do Município. Utilizamos, também, a literatura produzida por Arantes, sendo que alguns de seus livros e livretos foram publicados e outros se encontram apenas mimeografados. Na mesma coleção, consultamos a biblioteca de Arantes, seu acervo fotográfico e os mapas empregados em suas pesquisas.

O trabalho com as fontes textuais foi realizado no APU durante três semestres consecutivos de pesquisa (1º. e 2º. de 2002, e 1º. de 2003). Como se tratava de um volume muito grande de documentação e para conseguir fazer a leitura e seleção de todo o material, as visitas àquela instituição tiveram de ser cotidianas. Mesmo depois de encerrada a fase da coleta dos dados, quando estes começaram a ser analisados tivemos que retornar ao APU em diversas ocasiões, ora íamos à procura do nome correto de um periódico e de uma data de jornal, ora partíamos em busca de uma frase cujo sentido parecia comprometido. Enfim, uma gama de detalhes atinentes a qualquer pesquisa com fontes textuais nos impeliu a transformar o APU em um segundo “escritório”.

As primeiras visitas àquela instituição tiveram como propósito estabelecer um contato inicial com as fontes, visando estabelecer tanto um plano de análise quanto um cronograma de atividades. Optamos, então, por iniciar a pesquisa pelos documentos pertencentes à CPJA, pois

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como esta se constituía em nosso objeto, concluímos que deveríamos primeiramente partir dali para, em seguida, investigarmos a documentação complementar em busca de informações adicionais e também de aprofundamento do que já havíamos coletado. Uma vez decidido por qual coleção iniciar, optamos por trabalhar, inicialmente, com os jornais, adotando um procedimento que incluía a leitura panorâmica de todas as páginas e a leitura minuciosa das matérias que, porventura, tivessem sido assinadas por Arantes e ou daquelas que lhe dissessem respeito. Ao abrir os periódicos, procurávamos, primeiramente, o nome de Arantes nas assinaturas das matérias, bem como no conteúdo destas. Em seguida, buscávamos todos os assuntos cuja temática incidia sobre questões relativas à escrita da história local e educação escolar em Uberlândia, fosse estadual fosse municipal. Por fim, percorríamos as notícias referentes a fatos ocorridos na cidade, no país e no exterior — relativas à economia, política e sociedade — que nos colocariam em contato com a época investigada. Depois de concluída a leitura e anotado o que iríamos precisar, demos início à transcrição do material selecionado.

Após realizar a leitura e a transcrição dos jornais, investigamos os conteúdos das pastas temáticas, compostas de recortes de jornais, revistas e livros. Nessa etapa, não foi preciso transcrever o material selecionado, pois o APU deixa à disposição uma fotocópia dos originais para consulta e, neste caso, o pesquisador tem a autorização para xerocar o que lhe interessar. O trabalho inicial com esta fonte não apresentou muitos embaraços, pois os conteúdos das pastas, embora consideráveis (pois ao todo são 52 pastas repletas de documentos), encontram-se em bom estado de conservação, uma vez que se trata de cópias dos originais bastante legíveis. Um dos únicos empecilhos para a posterior utilização desses documentos, consistiu no fato de muitos recortes terem sido arquivados sem a devida referência bibliográfica: às vezes, constava apenas o nome do jornal de onde o texto havia sido retirado, faltando a informação relativa ao número do periódico, a data da publicação e a página, outras vezes, não havia nenhum desses dados. Mas, não obstante às limitações, insistimos em empregar os recortes, pois algumas informações eram inéditas, posto que retiradas de periódicos já extintos e cujos números não foram preservados por nenhuma instituição da cidade de Uberlândia.

Uma vez concluído o trabalho com os jornais e as pastas temáticas, iniciamos a leitura da revista Uberlândia Ilustrada. Para empreender tal tarefa, não precisamos permanecer no APU

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tempo todo, pois tal qual a documentação das pastas temáticas, e ao contrário dos jornais, das atas e de demais documentos, aquela instituição dispõe de fotocópias para consulta de todos os números da revista, que, por sua vez, podem ser reproduzidas em xerox pelo usuário, que, de posse do material, tem a liberdade de trabalhar em casa. Mesmo assim, consultamos os originais da Uberlândia Ilustrada — estes são interditados para o público e liberados apenas em casos cuja consulta às cópias não resolvem o problema —, pois necessitávamos analisar as cores utilizadas, o papel empregado na impressão e outros detalhes não revelados na reprodução em preto e branco.

O procedimento adotado para análise da revista de Arantes consistiu em, inicialmente, percorrer todas as páginas de cada um dos números publicados para familiarizarmos com o periódico em seu conjunto e apreender as possíveis mudanças pelas quais passou no decorrer dos anos. Após esta tarefa, passamos a analisar cada uma das seções que compõem a Uberlândia Ilustrada, incluindo aí tanto a análise da composição das capas quanto a origem e o conteúdo dos anúncios publicados. Concomitante à realização dessa segunda etapa, elaboramos o fichamento de todos os assuntos que julgávamos relevantes para nossos propósitos de pesquisa.

Encerrada essa etapa, deixamos de lado a documentação pertencente à coleção deixada por Arantes e passamos a consultar outros documentos que compõem o acervo do APU. Pesquisamos, então, jornais, revistas e as atas das reuniões escolares. O tratamento adotado com os jornais e revistas foi análogo àquele descrito anteriormente, quando nos referimos ao trabalho realizado com os documentos da CPJA.

No que se refere às atas, o procedimento consistiu na leitura de todas as páginas produzidas no período por nós estabelecido como marco para a pesquisa. Em seguida, transcrevemos aquelas que julgávamos mais relevantes e ou alguns fragmentos esclarecedores do nosso objeto. Em geral, para cada evento registrado em ata, era destinada apenas uma folha preenchida em frente e verso e, como são documentos redigidos por professores primários, apresentam uma caligrafia legível, o que facilitou nosso trabalho.

Finalmente, retornamos ao acervo de Arantes para consultar a sua biblioteca, tendo sido esta a última fonte textual pesquisada. Na primeira fase da análise, verificamos quais eram os

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temas que predominavam em meio aos títulos arquivados. Para tanto, classificamos os livros dentro das disciplinas das quais faziam parte — ou seja, livros de História Geral, História do Brasil, História Local, Geografia, romances, poesias —, a fim de apreender quais eram as áreas de maior interesse de Arantes.

Partindo do pressuposto de que a presença de um determinado livro na biblioteca não era indício de que Arantes o tivesse lido, depois de concluída a primeira fase, folheamos todos os exemplares e também as revistas, investigando as pistas que nos conduzissem à sua possível leitura. Nesse sentido, buscávamos frases grifadas, anotações feitas nas margens, na capa, na página de rosto, enfim, íamos atrás de todo tipo de sinal impresso em qualquer parte do livro. Com base nesse trabalho, pudemos concluir quais eram as áreas mais lidas por Arantes e, dentro destas, os assuntos que mais lhe interessavam. Para apreender as possíveis influências e inspirações dessa biblioteca nos trabalhos desenvolvidos por Arantes, nos livros em que ficaram impressas marcas de leitura, detivemo-nos na análise dos textos assinalados, procurando compreender aspectos relacionados ao conteúdo, metodologia e fundamentação teórica.

Concomitantemente ao trabalho realizado com as fontes textuais, realizamos entrevistas com o propósito de ampliar as informações coletadas e, principalmente, de acrescentar novos dados não obtidos por meio de outros documentos impressos. Embora não tendo priorizado a fonte oral, esta foi imprescindível para dilatar nossa análise, pois, por meio do trabalho de rememorar, as pessoas auxiliaram a recompor uma dada paisagem, introduziram personagens e eventos que não constavam nos documentos, problematizaram o passado, enfim, coloriram fatos que nos textos escritos pareciam monocromáticos.44

Para a realização das entrevistas, formulamos um esquema básico, do tipo semi - estruturado, contendo questões que, embora genéricas, poderiam orientar o depoente para discutir os temas que nos interessavam e também abordar outros que não tínhamos previamente

44 Nesse sentido, constatamos na prática a pertinência das seguintes considerações tecidas por Samuel: “Há verdades

que são gravadas nas memórias das pessoas mais velhas e em mais nenhum lugar; eventos do passado que só eles podem explicar-nos, vistas sumidas que só eles podem lembrar. Documentos não podem responder; nem, depois de um certo ponto, eles podem ser instigados a esclarecer, em maiores detalhes, o que querem dizer, dar mais exemplos, levar em conta exceções, ou explicar discrepâncias aparentes na documentação que sobrevive. A evidência oral, por outro lado, é infindável, somente limitada pelo número de sobreviventes, pela ingenuidade das perguntas do historiador e pela sua paciência e tato”. (SAMUEL, Raphael. História local e história oral. Revista Brasileira de

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