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Vista do Cinema na Educação.

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Academic year: 2021

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Cinema na Educação: uma forma de compreender

literatura brasileira no Ensino Médio

Regina Rossetti

Doutora e Pós- doutora em Filosofia pela USP, Mestre em Filosofia pela PUC - SP e graduada em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora do Programa de

Pós-graduação em Comunicação da Universidade Municipal de São Caetano do Sul - USCS.

Sueli Fernandes Ferreira Bernardi

Mestre em Comunicação pela USCS, especialização em Língua e Literatura Brasileira e graduada em Letras pela Universidade Metodista de São Paulo, professora da Rede Oficial de Ensino do Estado de São Paulo.

Resumo

O cinema é a inovação que mudou sensivelmente o modo de ver, sentir e aprender o mundo a nossa volta. Os modos de aprender a literatura brasileira podem se utilizar do cinema com toda a linguagem inovadora criada pelo cineasta quando da adaptação de uma obra literária. Dessa forma, esta pesquisa traz um estudo de caso da adaptação da obra literária A hora da estrela, de Clarice Lispector para o cinema produzido pela cineasta, Suzana Amaral. Como objetivo, essa pesquisa busca possibilitar ao aluno do Ensino Médio a compreensão da obra literária A hora da estrela utilizando-se a adaptação do filme homônimo. Este trabalho envolve revisão bibliográfica, análiutilizando-se documental e observação participante. Foram utilizados também os estudos caso-controle e a técnica de grupo focal. Sabe-se que o cineasta tem a liberdade de criação de uma nova arte utilizando-se como ponto de partida uma obra literária, porém o que se vê no filme adaptado é um retrato bem próximo à essência da novela de Clarice Lispector. Assim, os estudos trouxeram como principais resultados, um ganho importante na compreensão dos conteúdos literários apresentados, além do maior envolvimento e participação dos alunos nas aulas de Literatura.

Palavras-chave

Obra literária; Linguagem cinematográfica; Comunicação; Educação.

Abstract

Cinema is the innovation that changed the way to see, feel and learn the world around us significantly. The ways of learning Brazilian literature can be used cinema with all its innovative language created by filmmaker when the adaptation of a literary novel for the cinema. Thus, this research provides a study of case that includes adaptation of the literary novel The Hour of the Star, by Clarice Lispector for a film produced by filmmaker Suzana Amaral. The objective of this research aims to allow high school students understand the literary novel The Hour of the Star, using the adaptation of the eponymous film. This research involves literature review, document analysis and participant observation. Also it used the case-control studies and focus group technique. The filmmaker is free to create a new art using as a starting point a literary novel, but in this film adaptation we will see a kind of picture very close to the essence of the novel created by Clarice Lispector. Thus, this research brought as main results, an important gain in understanding the literary content presented and much more involvement and participation of students in literature classes.

Keywords

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Introdução

A invenção do cinema e a sua evolução até os dias atuais por si só já configura uma ruptura tecnológica para a humanidade. Seja para o entretenimento ou divulgação da cultura de um povo, o cinema é uma peça fundamental que impacta de forma audaz toda a sociedade moderna. Conhecer uma história por meio da narrativa cinematográfica nos faz reviver sentimentos e emoções de forma a imaginar por meio de vários de nossos sentidos humanos.

Parece pouco, ou então não nos damos conta de tamanha atividade criativa e tecnológica, quando nos sentamos numa sala de cinema e recebemos toda recriação de uma narrativa, as imagens prontas, a carga sentimental dos ruídos, das músicas, o contexto, enfim, tudo isso nos transfere para dentro da tela de cinema e nos faz viver a trama, juntamente com os personagens.

Tal qual a literatura, o cinema também recria uma realidade, porém o meio utilizado, no caso da literatura é a palavra, e no cinema os signos verbais e não verbais, além de ruídos, músicas que se misturam à imagem em movimento e às palavras escritas ou faladas.

Sabe-se que o jovem na atualidade está rodeado pelas tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC´s), que são presença constante em suas vidas. Esse jovem possui uma percepção sensivelmente modificada pelo uso e interação com esses aparelhos tecnológicos.

Dessa forma há também que pensar e aplicar as novas tecnologias no ambiente escolar, desenvolvendo assim um efeito de sentido no jovem em relação ao que foi lido no romance literário e assistido no filme. O trabalho em sala de aula permitiu a observação dessa interação do jovem com as novas mídias e o benefício de se utilizar o cinema para ampliar a percepção do aluno e posterior compreensão dos conteúdos do Ensino Médio.

Esta pesquisa tem por objetivo identificar se o filme A hora da estrela pode contribuir para a compreensão da respectiva obra literária de Clarice Lispector pelos alunos do Ensino Médio de uma escola pública paulista.

Como percurso metodológico, utilizou-se a revisão bibliográfica, análise documental, observação participante, os estudos caso-controle e a técnica de grupo focal.

A pesquisa utilizou o estudo de campo e a observação participante artificial. O pesquisador foi inserido no grupo somente durante os procedimentos da pesquisa e observou os alunos enquanto participavam da sequência didática: explicação teórica do professor, discussão e reflexão acerca do livro A hora da estrela, participação dos alunos na avaliação e projeção do filme.

O pesquisador utilizou o procedimento a seguir: Em um primeiro momento, após a sequência didática do professor com a aula expositiva acerca do período literário e suas características, foi solicitada a leitura da obra literária A hora da estrela, depois os alunos assistiram ao filme adaptado do livro homônimo e realizaram uma avaliação1. Os dados foram utilizados nos estudos caso-controle e posteriormente participaram da técnica do grupo focal, na qual os alunos participantes discutiram questões sobre o tema, características das personagens, contexto histórico do filme, enredo, entre outras.

Os estudos de caso-controle contribuíram para esse estudo por constituírem-se em uma ferramenta observacional que compara dois grupos expostos a um determinado fator. Nesta pesquisa, o grupo caso composto por 38 alunos da 3ª série do Ensino Médio, que fizeram uma avaliação referente à leitura do livro A hora da estrela de Clarice Lispector; o grupo controle,

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composto por 39 alunos da 3ª série, que fizeram a avaliação após lerem o livro e assistirem ao filme A hora da estrela de Suzana Amaral.

Como vantagem no uso dos estudos de caso-controle pode-se mencionar a análise dos dados em um tempo relativamente curto, em contrapartida, a relativa dificuldade em se definir um grupo de caso pareado com o controle pode levar a resultados não tão próximos do ideal.

Para minimizar vieses nos resultados deste estudo, procurou-se eleger o grupo do caso o mais semelhante possível ao perfil do grupo controle: alunos com a mesma faixa etária, mesma série de estudo e mesma escola.

Em relação ao uso da técnica de grupo focal nas pesquisas exploratórias, Dias (2000) expõe que seu uso pode trazer ganhos na busca de levantamento de dados e aprofundamento da compreensão de determinado assunto.

O objetivo central do grupo focal é identificar percepções, sentimentos, atitudes e ideias dos participantes a respeito de um determinado assunto, produto ou atividade. Seus objetivos específicos variam de acordo com a abordagem de pesquisa. Em pesquisas exploratórias, seu propósito é gerar novas ideias ou hipóteses e estimular o pensamento do pesquisador. (DIAS, 2000, p.3)

Segundo Powell e Single (2005 apud GATTI, 2005), grupo focal “é um grupo de pessoas selecionadas e reunidas por pesquisadores para discutir e comentar um tema, que é objeto de pesquisa, a partir de sua experiência pessoal”. Pode-se utilizar o grupo focal como técnica central ou como levantamento de dados preparatórios para estudos mais amplos com posterior aplicação de questionários e entrevistas. (GATTI, 2005, p.12)

A teoria sócio-interacionista de Lev-Vygotsky (2001) tem foco no aprendizado dialético entre o indivíduo e a sociedade cuja interação social causa efeitos sobre a linguagem, a cultura e sobre o processo de aprendizagem e por esse motivo também serviu de aporte teórico para a pesquisa.

Os estudos de Martin-Barbero (2014) também corroboram para a justificativa dessa pesquisa, uma vez que lança o desafio de se pensar em um sistema educativo capaz de absorver as mudanças culturais atuais e formar cidadãos com habilidades em diferentes modos de aprender, destacando-se: leitura em livros, filmes, jornais televisivos, quadrinhos, videoclipes e hipertextos.

Paulo Freire evidencia em seus estudos acerca da formação crítica do aluno traz como eixo estruturador: ensinar o aluno a ler o mundo para interagir com ele e conhecendo-o poder mudá-lo. Por isso, acredita-se que a aplicação desse estudo traga benefícios aos alunos tornando-os mais críticos e conhecedores do mundo que os rodeia.

Segundo Balogh (2004) “dados os meios de comunicação, é mais provável que o receptor seja primeiro um espectador e, posteriormente, um leitor. Antigamente, o processo ocorria de forma inversa: primeiro lia-se o livro e depois conferia-se a fidelidade da adaptação fílmica.” (BALOGH, 2004, p.30-31) Neste trabalho não se intenciona inverter o processo, ou seja, primeiro assistir ao filme e depois ler o livro; o intuito é manter a ordem tradicional já postulada nas aulas de literatura. Contudo a inversão (filme – livro) pode trazer benefícios, pois o filme pode ser a porta de entrada para o posterior conhecimento e leitura da obra literária, conforme explica a autora.

Com o intuito de conhecer o que se espera em termos de aprendizado para o público alvo deste estudo – alunos da 3ª série do Ensino Médio, destaca-se o artigo 35 da LDB que estabelece, em seu parágrafo 1º, as competências que o aluno ao final do Ensino Médio deve

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174 demonstrar como perfil de saída do Ensino Médio, conforme o item II que preconiza o aprimoramento do educando como pessoa humana, desenvolvendo nele a autonomia intelectual e o pensamento crítico.

O Ensino Médio, etapa final da Educação Básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidade:

I - a consolidação e aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;

II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;

III - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos

produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. (BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. LDB - Lei nº 9394/96, 1996)

Dessa forma acredita-se no filme como um aliado na apreensão de temas transversais e conteúdos do Currículo do Ensino Médio de forma dinâmica e inovadora.

No âmbito social, este estudo visa contribuir para a reflexão e debate com a equipe de professores na inserção de novas práticas em sala de aula, bem como a utilização de novas mídias para ampliar o conhecimento e pensamento crítico do aluno.

Literatura e cinema: confluências

O que é cinema? O seu aparecimento reveste-se de todas as características do enigma, e quem sobre ele se interrogar perde-se pelo caminho, abandona o intento. Na realidade esse enigma, acima de tudo, fruto da incerteza duma corrente que ziguezagueia entre o jogo e a pesquisa, o espetáculo e o laboratório, a decomposição e a reprodução do movimento, é o nó górdio entre a ciência e o sonho, a ilusão e a realidade (MORIN, 2001, p. 18).

A literatura é uma arte. A arte da recriação que utiliza a palavra como instrumento para atingir finalidades diversas, dentre elas: a fruição, a conscientização do estado de ser das pessoas dentro de uma sociedade, como reflexão sobre o contexto social, para conhecer a história por meio das obras literárias já escritas. Enfim há uma gama imensa sobre o papel da literatura na sociedade para melhorar o ser humano e fazê-lo reconhecer-se dentro de um contexto social.

O cinema também configura uma arte da recriação, porém sob a ótica de Sergei Eisenstein (2002) a arte cinematográfica é aquela que “não se reduz ao registro ou imitação da natureza, mas que arte é conflito entre representação de um fenômeno e a compreensão e o sentimento que temos do fenômeno apresentado.” (EISENSTEIN, 2002, p.7)

Quando a arte literária passa a ser arte cinematográfica, diz-se que houve adaptação. Com base em Jakobson, a autora Anna Maria Balogh (2004) define os três tipos básicos que definem “tradução”.

1. A tradução intralingual ou reformulação (rewording) consiste na interpretação dos signos verbais por meio de outros signos da mesma língua 2. A tradução interlingual ou tradução propriamente dita consiste na interpretação dos signos verbais por meio de alguma outra língua.

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signos verbais por meio de sistemas de signos não verbais. (JAKOBSON, 1969 apud BALOGH, 2004, p.47)

As adaptações de filmes se inserem na terceira tipologia, pois segundo a autora pressupõe a passagem de um texto “homogêneo”, representado pela “palavra”, para um texto “heterogêneo”, representado pelo visual e também pelo sonoro. (BALOGH, 2004, p.36)

Randal Johnson (2011) trabalha a adaptação no sentido de diálogo entre as duas obras. Em entrevista ao Globo Universidade (2011) diz que “a adaptação é mais uma questão de diálogo e admiração do que de diferenças fundamentais entre os autores”, o autor refere-se à adaptação de Vidas Secas para o cinema, tema de sua tese de doutorado e explica que Nelson Pereira dos Santos adaptou Vidas Secas não apenas por ser uma obra clássica da literatura brasileira, mas também porque trazia dizeres importantes para a sociedade brasileira da época, que passava por questões da reforma agrária em evidência até os dias atuais. Da mesma maneira a cineasta, Suzana Amaral (2013) diz que em A hora da estrela, o que se vê é um pouco de Macabéa em todas as mulheres brasileiras, que em algum momento da vida se sentem com medo e inseguras, deslocadas de seu ambiente. A cineasta destaca também que a problemática central do filme é a comunicação entre Macabéa e as outras pessoas que fazem parte do seu ambiente atual. Ela não domina o código local, que é bem diferente da região Nordeste onde viveu anteriormente. Dessa forma tem dificuldades em adaptar-se ao universo urbano.

Para Balogh (2004, p.55), na prática, o reconhecimento do filme adaptado se faz quando o destinatário percebe a existência da mesma história do livro no qual o filme se inspirou. É o que se delineia na intertextualidade, quando o mesmo texto, ou parte dele, veicula em meios diferentes. O objetivo é preservar alguns elementos que identificam o filme com a obra literária original.

Em entrevista (SESC TV, 2013) a cineasta de A hora da estrela enfatizou que o filme é uma transmutação, pois preservou o que ela chama de “alma” ou “espírito” da obra, isto é, àquilo que traz a essência da obra, o que realmente a autora do livro quis que fosse dito aos seus leitores. “Transmutar” é, segundo a cineasta, transformar, ir ao coração da obra e buscar fatos mais importantes e depois fazer uma recriação, ela afirma ainda que nesse processo o que ocorre é uma espécie de simbiose entre autor e o cineasta.

Um mesmo livro lido por pessoas diferentes terão representações mentais e entendimentos específicos. Cada uma delas tem seu repertório cognitivo que os levará a mundos diferentes acerca da compreensão do texto lido. Nesse sentido, a autora Ana Maria Balogh (2004) explica que as obras literárias são essencialmente plurais e “consequentemente se tornam ambíguas o que gera um número ponderável de leituras e, portanto, de possibilidades de adaptação.” (BALOGH, 2004, p.50)

Livro e filme têm formatos diferentes, por isso existe a dificuldade e até mesmo a impossibilidade de transmitir em imagens e sons exatamente o que se quis dizer em palavras escritas ou faladas, o inverso também é válido, ou seja, a dificuldade é latente quando se quer representar exatamente em palavras o que está configurado em música, ruído, imagem. “Os dois formatos, e cada um a seu modo faz nascer no espírito de quem lê ou vê, sentimentos diversos.” (BALOGH, 2004, p.78)

As palavras de Silva e Rossetti (2010) reiteram a dificuldade ou impossibilidade de traduzir todo o conteúdo da obra literária para o cinema

Tendo como pressuposto que adaptação de uma obra de literatura é um conjunto de técnicas audiovisuais utilizadas para transcorrer em imagens o

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que já existe em letras, e que este conjunto já parte da ‘conjectura’ de que a adaptação nunca será uma réplica completa da obra literal. (SILVA E ROSSETTI, 2010, p.17)

Quando se trata da tradução de uma obra literária para o discurso fílmico, percebe-se no relato de Suzana Amaral a intenção de revelar ao espectador a essência da obra, ou o que ela chamou de “alma, espinha dorsal” (SESC TV, 2013).

Eu tinha um professor que me dizia: “Quando vocês forem procurar livro para adaptar, vocês devem passar pela estante, ou pela livraria, e escolher o livro mais fininho. Não peguem livro grosso, porque é mais difícil, é muita coisa - a partir de um livro grosso – você fazer uma adaptação. É mais fácil você adaptar um livro fininho, ou seja, você criar uma nova estória a partir daquela estória” [...] no caso de adaptações, acho que quando você faz a adaptação de um livro, você pode mudar os fatos, porém não pode mudar o espírito da obra - vamos dizer, a alma, a espinha dorsal da coisa. No meu caso, a minha preocupação era ser fiel a essa alma da obra. A Clarice diz assim: “o que importa não são as palavras, é o sussurro por trás das palavras”. Essa foi a minha preocupação básica na hora de filmar, na hora de encenar. (SESC TV, 2013)

A autora expõe que parte do conteúdo transita de um texto a outro, porém não é possível a “intima coesão” entre os conteúdos, por isso este processo é chamado por muitos autores de recriação. (BALOGH, 2004, p.51)

Em relação à fidedignidade do filme em relação à obra literária, Robert Stam (2008) pontua que

Uma adaptação é automaticamente diferente da original devido à mudança de meio de comunicação. A passagem de um meio unicamente verbal como o romance para um meio multifacetado como o filme, que pode jogar não somente com palavras (escritas e faladas), mas ainda com música, efeitos sonoros e imagens fotográficas animadas, explica a pouca probabilidade de uma fidelidade literal [...] (STAM, 2008, p.20)

Para Ismail Xavier (2003), é comum que se discutisse certo tempo atrás sobre o problema da interpretação do cineasta quando da transposição do livro. O filme era visto puramente para verificar em que sentido ele se aproxima e distancia da obra literária e julgar o trabalho do cineasta. No entanto, nas últimas décadas privilegia-se mais a “ideia do diálogo para pensar a criação das obras, adaptações ou não.” (XAVIER, 2003, p.61)

O tempo distancia o livro e o filme; a sensibilidade e perspectiva do escritor e cineasta também são distintas, dessa forma, o filme adaptado dialoga com a obra original e também com o próprio contexto. Por isso, as comparações feitas entre livro e filme devem ser entendidas como tentativa para tornar mais claro o que se diz a respeito da adaptação, levando-se em consideração a questão: “ao cineasta o que é do cineasta, ao escritor o que é do escritor.”. (XAVIER, 2003, p.62)

Ainda em relação à adaptação, André Bazin (1991) afirma que a boa adaptação deve ser capaz de “restituir o essencial do texto e do espírito” (BAZIN, 1991, p. 96), o que vai ao encontro do objetivo da cineasta quando pensou na adaptação da obra de Clarice Lispector em garantir o que ela chamou de “alma” da narrativa.

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O reconhecimento do personagem no filme com as características preservadas do livro também proporcionam o diálogo necessário para a constituição da intertextualidade. Encontramos um exemplo disso nos procedimentos de Suzana do Amaral (2010) no relato dado em entrevista. Diz a cineasta que depois de escolher a atriz Marcélia Cartaxo para o papel de Macabéa, pediu para que ela ficasse por dois meses na Paraíba, sua cidade Natal e que dormisse por todo aquele tempo com uma camisola feita de pano de saco pela mãe da atriz, para que depois voltasse para dar início aos trabalhos de gravações do filme. Pode parecer exagero da cineasta, porém Sergei Eisenstein (2002) aponta para a importância da autossensação do ator durante a encenação em que ele sinta e absorva o personagem, ou seja, a atuação do ator está subordinada e associada à personagem que ele está representando.

Igualmente reveladoras são as descrições, nas memórias de uma série de atores, sobre seu comportamento no momento de colocar a maquiagem ou a roupa, que eles fazem acompanhar de uma operação “mágica” de “transformação” através de sussurros, tais como “Já não sou eu”, “Agora sou fulano de tal”, “Veja, estou começando a ser ele” (EISENSTEIN, 2002, p.119)

O cinema é a arte que utiliza meios específicos de expressão. “O cinema tornou-se pouco a pouco uma linguagem, isto é, um processo de conduzir uma narrativa e de veicular ideias.” (MARTIN, 2007, p.22) Houve, no entanto, a contribuição de diversos autores para que ele chegasse à categorização de linguagem: “para Jean Cocteau, um filme é uma escrita em imagens; para Alexandre Arnoux, o cinema é uma linguagem em imagens com seu vocabulário próprio, a sua sintaxe, flexões, elipses, convenções, gramática.” (MARTIN, 2007, p.22)

A linguagem é um instrumento eficaz para a expressão do ser humano e, assim um meio de aproximação e de interação entre as pessoas. Pode-se fazer a leitura de um texto produzido em linguagem escrita, como é o caso do romance literário, ou a leitura em linguagem mista, como exemplo do filme no cinema. Um leitor crítico é aquele que diante de qualquer texto, é capaz de perceber não somente os fatos narrados, mas que também consegue inferir o que está nas entrelinhas − o implícito, ou como diz Suzana Amaral, “a alma do texto”. Nenhum texto é neutro, ao contrário pode estar carregado de intenções e dizendo muito. Às vezes um verdadeiro enigma a ser desvendado, que dependendo do contexto pode ter um ou outro significado. Randal Johnson (1982) menciona que a adaptação de Nelson Pereira para a obra Vidas Secas de Graciliano Ramos ocorre em um momento em que havia questões importantes da reforma agrária no Brasil, e que precisava ser trazido à luz. A linguagem cinematográfica pode nos dizer muito. É o que define Aumont e Marie (2003).

Ver um filme é antes de tudo, compreendê-lo, independente do seu grau de narratividade. É, portanto, que, em certo sentido, ele “diz” alguma coisa, e foi a partir desta constatação que nasceu, na década de 20, a ideia de que, se um filme comunica um sentido, o cinema é um meio de comunicação, uma linguagem. (AUMONT e MARIE, 2003, p.36)

O princípio fundante da linguagem cinematográfica é traduzir para o espectador, o sentido do filme, proporcionando-lhe o entendimento da mensagem projetada na narrativa. Para isso, são necessárias na montagem das cenas, a utilização de sons, cenários, planos e sequências decifráveis, que juntos configuram o todo do filme.

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Intersecções entre a narrativa literária e a narrativa fílmica: novas

maneiras de aprender literatura

Aprendemos... 10% do que lemos 20% do que ouvimos 30% do que vemos

50% do que vemos e ouvimos

70% do que discutimos com outras pessoas 80% do que experimentamos

95% do que ensinamos a outras pessoas

(Willian Glasser in Seven Ways of Knowing Editora: Harper Perennial, 1999.)

Levando-se em consideração os estudos do Dr. Willian Glasser, entende-se que assistir a um filme leva vantagens em relação à leitura de um livro em termos de aprendizagem. Segundo sua pesquisa, quando utilizamos os sentidos da visão e da audição aprendemos 50% de todo conteúdo apresentado, em contrapartida a leitura do livro levaria ao aprendizado de 10% do conteúdo lido. Isso, grosso modo, claro. Sabe-se que, por exemplo, em relação à adaptação do livro para o filme, o conteúdo não é o mesmo e se assim o fosse, ou seja, o filme fiel à obra literária, a linguagem é diferente e envolve outro caminho mental para se chegar ao produto final do entendimento do espectador e/ou leitor. A leitura por sua vez exige concentração, cognição, envolvimento do leitor – tudo isso contribui para uma leitura eficaz. Além do que, determinar qualidade e quantidade do que se apreende durante uma leitura exige tantos outros estudos e acompanhamentos que não serão realizados no presente estudo.

Em se tratando dos modos de aprender, sabe-se que não há um único caminho para o aprendizado, ao contrário diversas maneiras levam ao conhecimento. No mundo atual, esse conhecimento ultrapassa os muros da escola, levando a uma mudança no sistema educativo como menciona Martín-Barbero (2014) “Estamos passando de uma sociedade com sistema educativo para uma sociedade do conhecimento e aprendizagem contínua, isto é, sociedade cuja dimensão educativa atravessa tudo: o trabalho e o lazer, o escritório e a casa, a saúde e a velhice.” (MARTÍN-BARBERO, 2014, p.121)

A pesquisadora Eli Fabris (2008) confirma em seus estudos a necessidade de se buscar novos modos de aprender e considera o filme como um importante caminho nesse processo. Os filmes ajudam a conhecer a sociedade a que pertencemos e a produzir significados sociais. Daí surge a expressão, “pedagogia cultural”, cujo sentido é o de entender a educação como um processo cultural, que vai além dos limites da escola. (FABRIS, 2008)

Eles contam histórias, e analisar tais textos criticamente é uma possibilidade de entender não só os processos em que foram gestadas, como também o modo como essas histórias produzem efeitos nas diferentes culturas em que circulam. É preciso entender a educação como um processo cultural amplo que ultrapassa os limites da escola. Esse é um esforço empreendido por uma parcela considerável de estudiosos que ampliam a concepção de pedagogia, tomando toda pedagogia como cultural e incluindo na expressão “pedagogia cultural” aquelas que são produzidas em locais sociais distintos da escola. (FABRIS, 2008, p.120-121)

Importante notar que Freire (1986) percebe o processo do conhecimento na prática pedagógica como um ato sobretudo estético, pois, segundo ele, o conhecimento é um ato de criação e recriação e é isso que traz beleza no processo de aquisição do conhecimento.

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“Enquanto educadores, estamos envolvidos num projeto naturalmente estético, (...) outro ponto que faz da educação um momento artístico é exatamente quando ela é, também, um ato de conhecimento. Conhecer para mim é algo de belo! Na medida em que conhecer é desvendar um objeto, o desvendamento dá vida ao objeto, chama-o para a vida, e até mesmo lhe confere uma nova vida. Isto é uma tarefa artística, porque nosso conhecimento tem qualidade de dar vida, criando e animando os objetos enquanto os estudamos (...). Assim, a educação é simultaneamente uma determinada teoria do conhecimento posta em prática, um ato político e um ato estético. Essas três dimensões estão sempre juntas – momentos simultâneos da teoria e da prática, da arte e da política, o ato de conhecer a um só tempo criando e recriando, enquanto forma os alunos que estão conhecendo. (FREIRE, 1986, p. 145-146)

Para esse magno educador de reconhecimento internacional, o objetivo maior da educação é conscientizar o aluno de sua situação de “oprimido” e conscientizá-lo desta condição de tal forma que ele seja capaz de agir em favor de sua própria libertação. O principal livro de Paulo Freire intitulado Pedagogia do Oprimido, embasa grande parte do conjunto de toda a sua obra.

Na concepção de Paulo Freire (1986), o ser humano é “histórico e inacabado”; histórico pela sua própria trajetória e inacabado no sentido da necessidade de buscar a cada dia algo a aprender que se some ao que já se sabe.

Segundo o professor Moran (1999), compreender a imagem em movimento, implica em captar algumas informações com o olhar e deixar passar tantas outras que, apesar de não captadas, organizam e dão sentido às informações essenciais para que se consiga acompanhar uma história e ainda proporcionar uma identificação básica, simbólica, arquetípicas dessas imagens com o espectador.

A força da linguagem audiovisual está em conseguir dizer muito mais do que captamos, chegar simultaneamente por muitos mais caminhos do que conscientemente percebemos e encontrar dentro de nós uma repercussão em imagens básicas, centrais, simbólicas, arquetípicas, com as quais nos identificamos ou que se relacionam conosco de alguma forma. (MORAN, 1999, p.4)

O autor explica ainda que estamos “reaprendendo a conhecer, a comunicar-nos, a ensinar, integrar o humano ao tecnológico” (MORAN, 1999, p.7), assim, “É importante conectar sempre o ensino com a vida do aluno. Chegar ao aluno por todos os caminhos possíveis: pela experiência, pela imagem, pelo som, pela representação (dramatizações, simulações), pela multimídia, pela interação on line e off line.” (MORAN, 1999, p.7)

Para a professora Eli Fabris “Eles (os filmes) não apenas divertem como, também, ao fazerem isso, desenvolvem uma pedagogia, ensinam modos de vida.” (FABRIS, 2008, p.119)

Essa pesquisa coletou os dados de uma escola pública paulista, na cidade de São Bernardo do Campo e que, claro, há pontos positivos a ressaltar, o currículo oficial do Estado de São Paulo é um deles, pois configura algo que não se tinha em um passado próximo – o currículo foi instituído em 2008 – e pode ser tomado como referência para as aulas e de acordo com o projeto pedagógico e plano de aula, o professor pode e deve buscar implementos que o auxilie no aprendizado do aluno. Porém reconhece-se as dificuldades e

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180 limitações estruturais de uma escola que possui somente uma sala de projeção para muitas turmas. Nesse sentido, o educador tem que se recriar e reinventar para que sua tarefa seja cumprida com eficácia. Martín-Barbero (1986 apud BALOGH, 2004), menciona:

Nós estamos construindo a teoria em meio a golpes econômicos e políticos, em meio à precariedade de nossos recursos técnicos: em meio a toda a vulnerabilidade de qualquer instituição, nesses nossos países onde algo funciona um ano e no seguinte já não funciona, porque não há enraizamentos, ou porque mudou o grupo político e ao novo não interessa o que se estava fazendo. (MARTÍN-BARBERO, 1986 apud BALOGH, 2004, p.25)

O currículo oficial do Estado de São Paulo está disposto em dois tópicos, o primeiro: Uma educação à altura dos desafios contemporâneos e princípios para um currículo comprometido com o seu tempo. No segundo tópico são apresentados os sub-itens: Uma escola que também aprende; O currículo como espaço de cultura; As competências como referência; Prioridade para a competência da leitura e da escrita; Articulação das competências para aprender e Articulação com o mundo do trabalho

Esse currículo foi pensado para uma sociedade que se modifica a todo instante e sendo assim necessita meios que proporcionem o conhecimento intensivo para conviver, exercer a cidadania ou aplicá-la no mundo do trabalho.

O desenvolvimento pessoal é um processo de aprimoramento das capacidades de agir, pensar e atuar no mundo, bem como de atribuir significados e ser percebido e significado pelos outros, apreender a diversidade, situar-se e pertencer. A educação tem de estar a serviço desse desenvolvimento, que coincide com a construção da identidade, da autonomia e da liberdade. (SEE/SP, 2012, p.11)

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, “Essas novas relações entre conhecimento e trabalho exigem capacidade de iniciativa e inovação e, mais do que nunca, aprender a aprender”. (BRASIL, 2001).

Marcos Napolitano (2003) também indica o cinema como instrumento pedagógico para o trabalho do professor em sala de aula. A importância do cinema é justificada pelo autor: “a peculiaridade do cinema é que ele, além de fazer parte do complexo da comunicação e da cultura de massa, também faz parte da indústria do lazer e (não nos esqueçamos) constitui ainda obra de arte coletiva e tecnicamente sofisticada” (NAPOLITANO, 2003, p.14).

O autor orienta o planejamento a seleção dos filmes e elaboração de atividades, indicando as disciplinas que podem ser envolvidas e também os temas transversais abordados na linguagem cinematográfica. Segundo o autor em artigo escrito para o

Caderno de cinema do Professor “o professor deve pensar o filme dentro do seu planejamento anual de acordo com a Proposta Curricular oficial, em consonância com a Proposta Pedagógica da Escola e seu Plano de Ensino.” (SEE/SP, 2012)

A orientação de Napolitano (2003) para utilização do filme como recurso pedagógico é válida, contudo, o que se vê na prática é a dificuldade do professor em elaborar e aplicar as sequências didáticas em sua aula, devido à deficiência de recursos de infraestrutura – salas de aula com recursos audiovisuais, principalmente na escola pública estadual. Junto a isso, ainda encontra-se a insuficiência de estudos relacionados aos filmes versus livros que subsidiem o professor nesse processo.

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Análise dos dados caso-controle

Conforme mencionado anteriormente, os estudos de caso-controle foram utilizados como ferramenta observacional com a finalidade de comparar a compreensão do livro: A hora da estrela, para os alunos que somente leram o livro e para os que leram o livro e assistiram ao filme. Apresenta-se a seguir as tabelas e gráficos resultantes do levantamento desses dados. Para a análise dos dados caso-controle foram escolhidas cinco questões de vestibulares sobre a novela A hora da estrela2.

Tabela 3 - Alunos do grupo caso - 3a. Série X

3a. Série X quantidade de alunos participantes- 38

questões acertos erros % de acertos

1 16 22 42,11 2 26 12 68,42 3 23 15 60,53 4 12 26 31,58 5 17 21 44,74 Fonte: Autor

Gráfico 3 – grupo caso – 3ª série X

Fonte: Autor

Tabela 4 - Alunos do grupo controle - 3a. Série Y

quantidade de alunos participantes- 39

questões acertos erros % de acertos

1 31 8 79,49 2 30 9 76,92 3 36 3 92,31 4 35 4 89,74 5 29 10 74,36 Fonte: Autor

2As questões aplicadas na avaliação foram selecionadas e recolhidas pelo autor e advindas de concursos

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182 Gráfico 4 - Grupo controle - 3ª Série Y

Fonte: Autor

Foram avaliados os alunos da 3ª do Ensino Médio, sendo 38 alunos da 3ª série X e 39 da 3ª série Y, sendo o total das turmas 40 e 42, com a falta de 2 e 3 alunos no dia da aplicação da avaliação.

Os alunos da 3ª série X formaram o grupo Caso e a 3ª série Y formaram o grupo controle.

Observou-se um maior número de acertos na sala avaliada do grupo controle. Em relação a esse fato podemos associar a afirmação de Willian Glasser (1999), de que se aprende mais quando se vê e ouve do que quando apenas se lê.

Ao vivenciar a experiência dos personagens no filme, o aluno também experimenta sensações, emoções e aprende sobre a vida, mesmo que por meio da atuação das personagens projetadas no filme. Dessa forma, a concepção de Vygotsky (2001) de que o aprendizado ocorre de fora para dentro, ou seja, a cultura e o momento histórico em que vive o indivíduo proporciona o aprendizado acerca do mundo pode justificar os resultados do grupo controle.

Os estudos da pesquisadora Eli Fabris (2008), também convergem para o filme como instrumento importante para o aprendizado. É o que a autora chama de “pedagogia cultural” (FABRIS, 2008, p.121), quando o conhecimento é produzido além dos limites da escola.

Análise do grupo focal

O intuito da realização do grupo focal foi o de reunir informações acerca dos elementos que chamaram a atenção dos alunos, recolhendo seus sentimentos, percepções e opiniões em relação ao objeto de estudo – o filme A hora da estrela.

Foram feitas gravações em áudio e posterior transcrições das partes mais representativas para a análise dos dados. Gatti afirma a importância da participação do moderador na organização do material coletado e das análises, pois segundo a autora “Sua memória do contexto de certas falas, do clima da discussão em variados momentos, contém ricas informações para a construção de compreensões sobre o tratamento do tema proposto ao grupo, como também para as interpretações.” (GATTI, 2005, p.44)

Os dados foram analisados de forma descritiva – tentou-se apontar as diferenças entre as opiniões ou relatos dos participantes e em segundo plano − inferir interpretações a partir

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das sequências das falas dos alunos.

O grupo focal foi composto de 3 grupos com 14, 10 e 9 alunos no primeiro encontro e no segundo encontro compareceram e participaram 12, 9 e 7 alunos respectivamente. Compuseram o grupo focal, os alunos que haviam participado do grupo controle – os que leram o livro, assistiram ao filme e fizeram a avaliação sobre a obra “A hora da estrela”. Os alunos foram convidados a participar do grupo focal de forma espontânea.

Realizaram-se dois encontros com duração de quarenta e cinco minutos na primeira sessão e trinta minutos na segunda.

O pesquisador atuou como mediador e o professor da turma como observador, anotando os dados mais representativos para a análise. As sessões também foram gravadas em áudio e depois transcritas para posterior análise.

Como resultados, os alunos do grupo focal enfatizaram a falta de cultura da moça e disseram que essa situação acontece ainda nos dias atuais. Uma das falas dos alunos resume o que foi dito por todos os outros “ela sofre por não conhecer, por não saber se expressar e por não saber como conviver com as pessoas”. Acharam que as cenas refletiram para eles o que imaginavam de Macabéa quando leram o livro. De modo geral o grupo acredita que houve um reforço do que eles haviam lido, disseram achar o filme muito parecido com a narrativa literária. Comentaram também que o livro parece mais “denso” para expressar as emoções, principalmente as do narrador Rodrigo S.M. Como ele não está presente no filme, os alunos acompanharam a construção das personagens e sua interação por meio das câmeras e dos recursos fílmicos. O consenso foi de que a falta do narrador não prejudicou o entendimento do filme, mesmo porque nesse estudo de caso os alunos já haviam acompanhado a narrativa sob o olhar do narrador Rodrigo, agora substituído pelas câmeras de filmagem.

Em suma, os integrantes do grupo focal disseram ter compreendido bem a narrativa fílmica com um ganho, segundo eles as imagens traduziram alguns aspectos que haviam passado despercebido quando da leitura da novela.

Os alunos observaram que a sequência didática ajudou na compreensão do livro, principalmente porque agora eles têm um olhar mais atento e direcionado para o fio condutor da narrativa o que proporcionou, segundo eles, a compreensão de detalhes da história como a situação social de Macabéa e dos outros personagens da narrativa.

No encerramento do encontro os alunos integrantes do grupo focal observaram que houve benefícios na técnica utilizada, uma vez que tiveram a oportunidade de ampliar as próprias perspectivas em função da observação e opinião dos outros colegas.

Considerações finais

Este estudo teve por objetivo identificar se o filme A hora da estrela de Suzana Amaral pôde contribuir para a compreensão da obra literária homônima de Clarice Lispector. Para tal, procurou-se verificar se a linguagem cinematográfica contribuiu para o aprendizado dos alunos.

Seguiu-se uma sequência didática em sala de aula: aula expositiva sobre o contexto histórico e características da obra literária, leitura do livro, projeção do filme, avaliação individual e discussões sobre os aspectos relevantes com a técnica de grupo focal.

Para verificar a compreensão do livro, foram levantados os resultados das avaliações, dividindo-se os alunos em dois grupos: no grupo caso, os alunos que somente leram o livro e no grupo controle, os que assistiram ao filme, após lerem o livro. Os resultados mostraram que os alunos que assistiram ao filme, compreenderam melhor a obra literária.

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184 Ressalta-se também o aprendizado por meio da cultura e do momento histórico, como pontuou Vygotsky (2001), o homem se desenvolve porque ele aprende e esse aprendizado vem do ser humano biológico, histórico e social. Nesse sentido, livro e filme, refletem a nossa cultura e sociedade, contribuindo assim para a construção do aprendizado no aluno.

Nesse estudo de caso perceberam-se muitos pontos de convergência entre livro e filme. Segundo a cineasta que adaptou A hora da estrela para o cinema, era seu objetivo recriar a história de Macabéa, porém sem perder o tema central ou a “alma” da obra literária. Dessa forma, acredita-se que seu objetivo obteve êxito, pois nas discussões de grupo focal os alunos afirmaram que ampliaram seus conhecimentos do livro a partir do filme.

Os alunos integrantes do grupo focal concluíram em suas discussões que houve um ganho no aprendizado após a projeção do filme, pois os elementos da linguagem cinematográfica − imagens, ruídos, música, efeitos de câmera etc, traduziram alguns aspectos do livro que eles não haviam compreendido na leitura da novela.

A Literatura se rende a tantos fins – conhecer culturas, entender questões sociais, políticas e históricas. Igualmente, a adaptação de obras literárias tem sido objeto de estudo com diferentes propósitos, porém essas adaptações não são utilizadas para a compreensão de obras literárias nas aulas de Literatura. A utilização de filmes como recurso pedagógico é positiva e deve ser implementada nas aulas de Literatura. Não como meio de verificação de fidelidade da obra literária, mas como um importante instrumento facilitador na aprendizagem do aluno acerca do contexto histórico, características das personagens, o enredo, tempo etc. Nesse estudo de caso essa utilização foi eficaz e ajudou o professor em sua prática pedagógica.

A teoria de Willian Glasser (1999) de que aprendemos 10% do que lemos ao passo que ler e ver eleva ao aprendizado para 50% pôde ser confirmada neste estudo, pois os alunos que assistiram ao filme mostraram um ganho no aprendizado – não se detendo aos percentuais exatos, porém em algumas questões da avaliação o percentual de acerto quase chegou a 50%. O autor Napolitano (2003), citado nesta pesquisa orienta o planejamento, a seleção e a elaboração de atividades, indicando as disciplinas que podem ser envolvidas e também os temas transversais abordados na linguagem cinematográfica. Contudo, em se tratando da escola pública, onde a pesquisa foi aplicada, pode-se dizer que, na prática o professor encontra dificuldades em realizar as sequências didáticas em sua aula. Em primeiro lugar devido à falta de recursos em infraestrutura – sala de recursos audiovisuais; em segundo lugar à escassez de estudos em obras da literatura brasileira adaptadas para o cinema que poderiam ajudar o professor na elaboração da sequência didática; em terceiro lugar pontua-se a falta de tempo do professor, pois muitas vezes o docente ocupa todo o tempo de estudo e preparo das aulas com o trabalho efetivo na escola, já que a maioria deles cumpre jornadas integrais de oito a nove horas/aula diárias em sala de aula.

Sob a perspectiva dos jovens do ensino médio que, em seu contexto atual estão expostos a diversos tipos de tecnologia digital de informação e comunicação (TDICs) e interagem continuamente com essas novas maneiras de conhecer, aprender e compartilhar. Faz-se então necessário que a escola e o professor proporcionem novos modos de aprender, utilizando-se de diversos caminhos possíveis, incluindo-se a utilização de filmes.

Paulo Freire nos diz que ensinar é criar possibilidades para a construção do conhecimento. (FREIRE, 1996, p.27). Dessa forma entende-se que esse estudo de caso criou novas possibilidades de construção do conhecimento a partir da utilização do filme adaptado A hora da estrela como recurso de aprendizagem da obra literária.

Algumas reflexões foram discutidas neste trabalho e outras ainda se fazem necessárias e demandam outros estudos investigativos, pois tanto o uso de filmes como outras mídias ainda são algo novo na prática escolar, portanto não foram suficientemente estudados e

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entendidos. Por isso há a necessidade de aprofundamento de estudos nos campos: cinema e literatura, a fim de subsidiar o trabalho do professor e ampliar o conhecimento e o pensamento crítico dos alunos.

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