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Gibi, o aparelho ideológico quadrinizado: considerações sobre a diversidade discursiva e o caráter instrutivo-educativo nas histórias da Turma da Mônica

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Universidade Federal da Bahia Instituto de Letras

Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística Rua Barão de Geremoabo, nº147 - CEP: 40170-290 - Campus Universitário Ondina Salvador-BA

Tel.: (71) 263 - 6256 – Site: http://www.ppgll.ufba.br - E-mail: pgletba@ufba.br

GIBI, O APARELHO IDEOLOGICO QUADRINIZADO: CONSIDERAÇÕES SOBRE A DIVERSIDADE DISCURSIVA E O CARÁTER

INSTRUTIVO-EDUCATIVO NAS HISTÓRIAS DA TURMA DA MÔNICA

por

Erivelton Nonato de Santana

Orientadora: Profª Drª Iracema Luiza de Souza

SALVADOR 2007

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Universidade Federal da Bahia Instituto de Letras

Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística Rua Barão de Geremoabo, nº147 - CEP: 40170-290 - Campus Universitário Ondina Salvador-BA

Tel.: (71) 263 - 6256 – Site: http://www.ppgll.ufba.br - E-mail: pgletba@ufba.br

GIBI, O APARELHO IDEOLOGICO QUADRINIZADO: CONSIDERAÇÕES SOBRE A DIVERSIDADE DISCURSIVA E O CARÁTER

INSTRUTIVO-EDUCATIVO NAS HISTÓRIAS DA TURMA DA MÔNICA

por

Erivelton Nonato de Santana

Orientadora: Profª Drª Iracema Luiza de Souza

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia como parte dos requisitos para obtenção do grau de Doutor em Letras.

SALVADOR 2007

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Biblioteca Central Reitor Macêdo Costa - UFBA

S232 Santana, Erivelton Nonato de.

Gibi, o aparelho ideológico quadrinizado : considerações sobre a diversidade discursiva e o caráter instrutivo-educativo nas histórias da Turma da Mônica / por Erivelton Nonato de Santana. - 2007.

196 f. : il.

Orientadora : Profª. Drª. Iracema Luiza de Souza.

Tese (doutorado) - Universidade Federal da Bahia, Instituto de Letras, 2007.

1. Histórias em quadrinhos - Brasil. 2. Análise do discurso. 3. Ideologia. 4. Histórias em quadrinhos na educação. 5. Cultura de massa. I. Souza, Iracema Luiza de. II. Universidade

Federal da Bahia. Instituto de Letras. III. Título. CDU - 81’42 CDD - 401.41 CDD –

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Dedico este Trabalho

 Aos meus pais (Maria Edna e Ednaldo Santana), por tudo que fizeram e fazem por mim até hoje (especialmente minha mãe), esperando que os resultados positivos deste trabalho possam, de algum modo, retribuir o carinho e empenho dedicados a mim, aos meus irmãos de sangue (em especial a Sandra Suely – por todo o apoio nos momentos difíceis – Ednei, Edmilson, Ednaldo, Rosângela e Edna Santana) que de algum modo fazem parte da minha trajetória, aos sobrinhos (as) (em especial a Paulo Roberto Oliveira), aos cunhados (as) (Roberto Oliveira, Edvaldo Gomes, Luciene Santana e demais) e aos amigos mais próximos, de hoje e (espero) de sempre Ivandilson Miranda, Aline Rodrigues, Daniel Filho, Rosemeire Moreira, Augusto Magalhães, Vania Rita Salles, Patrícia Verônica Santos, a Antonio Matos, a outros que, porventura, tenha esquecido e à Professora Doutora Iracema Souza, por ter trilhado comigo este caminho tão árduo em busca do conhecimento.

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Agradecimentos

 À Professora Iracema Souza pela orientação e por todas as oportunidades, aos meus pais, irmãs e irmãos, sobrinhos (as), Adriana Telles por ter fornecido pistas para a elaboração das idéias aqui contidas, à Professora Maria do Socorro Netto pelo carinho e amizade, aos colegas de trajetória acadêmica, André Gaspari, Carla Santana, Renata Nascimento, Claudia Silva, Ednei Pereira, Marcos Oliveira, Laura Almeida, Sérgio Lima, Ari Freitas (pelo Abstract e incentivo!), a Roberto Gonçalves (In Memorian) e aqueles que não foram citados, mas contribuíram de algum modo com a realização deste trabalho, à Família ProPEEP (Margarida Macêdo, Nívea Bispo, Marina Hatty, Lice Santa Inês, Zilda Castro, Kaline Araújo, Aline Mascarenhas, Lícia Perez, Lene Dias, Marli e demais membros).

 Aos Professores da Pós-Graduação UFBa, ao pessoal do Colegiado da Pós-Graduação, a turma da UNEB (Fernanda Burgos, Márcia Leane, Vera Santos, Marcela Silva, Milton Rocha, Roselene Mesquita, aos Professores Stella Rodrigues, Luciano Bomfim e Ronalda Barreto e demais) pelos ensinamentos e incentivos, ao pessoal da BIC-UFBa e BIC-UFPEL (Aydê Andrade e Edna Fonseca) pelo apoio logístico, ao pessoal da xerox de Letras (Dona Dália, Simone, Robson e todos os demais), a Jorge Costa (amigo), a Edna Cunha (a diarista!).

 Aos colegas de Militância Política (Sandra Gama, Maristela Dias, Juvenal de Carvalho, Maurício Brito “Punk”, Daniela Franco, Hilton Coelho, Iacy Maia, Carlos Patrocínio, Liliane Reis, Sandro “Paixão”, Alessandro Fernandes, Sandro Ferreira, Jorge Macedo, Jairo Brasileiro, Marilene Sena, Rogério Rios e tantos outros que me introduziram na agitada vida política), aos colegas de “Militância Religiosa” Luísa, Isabel, Socorro, Adenildes, Cláudia (Nina), Moacir (Cizinho) e todos os demais, aos primos (as) (Edméa Gomes, Eliene Silva e outros), tias (Fátima e Valquíria Amâncio dentre outros).

 Aos demais colegas de trajetória acadêmica Eliéte Oliveira, Moacir Jr., Nazaré Motta, Raquel Nery, Emília B. Barros, Luis Cláudio Silva, Marcela Moura, Gilberto Sobral, Carlos Augusto Viana, Braulino Pereira, Virgínia Silva, Raimundo Bernardes Jr., Oseas Jr., André Carvalho, Professores Sandro Ornellas e Eliana Mara Chiossi, ao professor Juvenal Serra, aos colegas de trabalho (Professores das Escolas nas quais trabalhei) aos ex-alunos do Sindvigilantes-Ba (Antônio Luiz Sacramento, Ivã Alves, dentre outros) e dos demais bons alunos dos estabelecimentos nos quais atuei como professor, e a todos que não foram mencionados, mas que, de algum modo, colaboraram, direta ou indiretamente, com a realização deste trabalho, ajudando-me a colocar em prática a complexa tarefa de escrever.

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Epígrafe

Um produto ideológico faz parte de uma realidade (natural ou social) como todo corpo físico, instrumento de produção ou produto de consumo. Entretanto, ele reflete e

refrata uma outra realidade, que lhe é exterior. (Mikhail Bakhtin)

As histórias em quadrinhos devem ser um instrumento de educação, formação moral, propaganda dos bons sentimentos,

e exaltação das virtudes sociais e individuais... (Álvaro de Moya)

(Mauricio de Sousa) As formações discursivas são formações componentes das formações ideológicas e determinam o que pode e deve ser dito... (Eni Orlandi)

Ideologia: conjunto de práticas materiais que reproduzem as relações de produção nas sociedades... (Louis Althusser)

As formações ideológicas comportam, necessariamente, como um de seus

componentes, uma ou várias formações discursivas interligadas que determinam o que pode e deve ser dito, a partir de uma posição dada numa

conjuntura ... (Pêcheux & Fuchs) Antes da enunciação, a língua não

é senão possibilidade de língua. Depois da enunciação, a língua é efetuada em uma instância de discurso, que emana de um locutor... (Émile Benveniste)

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Resumo

O presente trabalho realiza uma análise das relações estabelecidas entre discurso, sujeito e enunciação, aí destacando a influência da ideologia. A Análise do Discurso de linha francesa forneceu o principal referencial teórico para a realização desta pesquisa, implementada a partir de uma perspectiva histórico-discursiva. Observa-se a linguagem em contextos sociais reproduzidos ficcionalmente pelas histórias em quadrinhos da Turma da Mônica, criadas por Maurício de Sousa. Além da fundamentação teórica referida, são utilizados conceitos oriundos da Teoria da Enunciação e dos estudos sobre Ideologia. O trabalho contém, ainda, algumas considerações acerca dos conceitos sobre ideologia, e um quadro panorâmico do trajeto histórico da nona arte aqui no país, o qual buscou mostrar a importância e a influência deste produto cultural na sociedade brasileira ao longo das décadas. Assim, o estudo evidencia que a história em quadrinhos é um aparelho ideológico capaz de disseminar idéias, comportamentos e pontos de vista marcados por ideologias diversas. Além disso, as histórias da Turma da Mônica que compõem o corpus da pesquisa evidenciam a presença de um discurso de caráter educativo, aspecto que permeia toda a produção quadrinizada de Mauricio de Sousa. Desse modo, os resultados da investigação revelam que os conteúdos ideológicos observados nas histórias emergem da memória discursiva coletiva e das práticas sociais desenvolvidas pelos sujeitos no processo de interação social, fatores que contribuem para evidenciar a influência exercida pela ideologia enquanto fenômeno social presente e atuante nos diversos contextos sócio-culturias em que a linguagem está inserida.

Palavras-Chave: Análise do Discurso, Aparelhos Ideológicos, Discurso Instrutivo-Educativo, História em Quadrinhos, Turma da Mônica.

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Abstract

The present work aims to do an analysis of the established relation between, speech, subject and enunciation, marked elements by the ideology’s influence. By its turn, it was done from a historical-discursive perspective, taking for grant the language in social contexts ficcionally reproduced by “Turma da Mônica’s cartoons’ stories, created by Maurício de Sousa. To make this study real, were used the theoretical referencials from the Discourse Analysis, mainly the French branch, the Theory of the Enunciation and some assumptions about the concepts on ideology, and a panoramical sketch of the historical path of the “ninth art here in the country, which intended to show the the importance and influence of this cultural product in the Brasilian society along the last decades. In this way, it was supposed to enlighten that the cartoons’ stories is an ideological device able to disseminate ideas, behaviors and point of views stressed by so many idelologies. Besides, the reserarch intended to show the presence of the instructive and educative purpose of the Turma da Mônica’s adventures, aspects which pursue all Maurício de Souza’s cartoons production. The studies herein shown reveal that the ideological contents noticed in these stories rise from the colective discursive memory, and the social practices developed by the subjects in the social interective process, factors that help to enlighten the influence done by ideology while a social phenomenum, present and active in the very social – cultural contexts in which language is inserted.

KEYWORDS: Discourse Analysis, Ideological Devices, Instructive–Educative Discourse, Cartoons’ Stories, Turma da Mônica.

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S U M Á R I O

Página

INTRODUÇÃO ... 11

CAPÍTULO 1 - DISCURSO, IDEOLOGIA E ENUNCIAÇÃO ... 18

1. Palavras iniciais ... 18

1.1 Discurso, Enunciação e Linguagem ... 19

1.2 Algumas reflexões sobre a gênese da Análise do Discurso ... 26

1.3 Considerações sobre os Aparelhos Ideológicos ... 31

1.4 Nos domínios da Interdiscursividade ... 43

CAPÍTULO 2 – A HISTÓRIA EM QUADRINHOS NO BRASIL ... 51

2. A trajetória das Historias em Quadrinhos no Brasil ... 51

2.1 A gênese da HQ no Brasil: Como essa história começou ... 52

2.2 Seguindo na trilha ideológica dos quadrinhos ... 62

2.3 Maurício de Sousa e a Turma da Mônica: um capítulo à parte ... 76

2.4 Atualidades Quadrinizadas: comentários sobre a situação atual das HQ’s ... 83

CAPÍTULO 3 – APRENDENDO COM A TURMA DA MÔNICA: DISCURSOS DE CARÁTER INSTRUTIVO-EDUCATIVO ... 86

3. O Perfil dos discursos de orientação e formação ... 86

3.1 O Discurso Pedagógico e seus “ensinamentos” ... 87

3.2 O Discurso Religioso e seu perfil “educativo” ... 122

3.3 Verde que te quero verde: O Discurso Ecológico nos Quadrinhos da Mônica ...152

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 184

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Lista de Figuras

Figura 1: Revista Gibi, publicação mensal – junho de 1942 ... 53

Figura 2: Suplemento Juvenil, nº 76 – 1935 ... 56

Figura 3: O Globo Juvenil, nº 01 – junho de 1937 ... 58

Figura 4: O Guri, maio de 1935 ... 60

Figura 5: Revista Flash Gordon ... 63

Figura 6: Revista Raio Vermelho, 1ª publicação da Editora Abril, 1950 ... 64

Figura 7: Edição especial da Revista Mirim, publicada em abril de 1941 ... 68

Figura 8: Edição número 15 da coleção Série Sagrada ... 69

Figura 9: Capa do livro de Fredric Wertham – 1954 ... 70

Figura 10: Revista em quadrinhos da EBAL sobre a construção de Brasília ... 73

Figura 11: Fantasma, revista publicada na década de 1960 ... 74

Figura 12: Galeria de nomes dos personagens de Mauricio de Sousa ... 76

Figura 13: História ”Um Aniversário Festejado”, outubro de 2005 ... 80

Figura 14: Mauricio de Sousa, criador da Turma da Mônica ... 82

Figura 15: Cartaz promocional de filmes da Mauricio de Sousa Produções ... 84

Figura 16: “Já volto!”, revista Magali – julho de 2006 ... 89

Figura 17: “Engorda, emagrece, engorda”, revista Cebolinha – junho de 2006 ... 92

Figura 18: “Heróis (muito, muito) poderosos”, revista Cascão – agosto de 2005 ... 99

Figura 19: “Aprendendo a falar com as mãos”, revista da Mônica – maio de 2006 ... 102

Figura 20: “Movidos a quê?!”, revista Cascão – setembro de 2005 ... 108

Figura 21: “Uma cópia mal feita”, revista Cebolinha – junho de 2006 ... 115

Figura 22: “Aprendendo a dividir”, revista Chico Bento – julho de 2006 ... 124

Figura 23: “Será que foi homenagem?”, revista Chico Bento – julho de 2005 ... 130

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Figura 25: “Fazer o bem faz bem!”, revista Cascão – junho de 2005 ... 139

Figura 26: “Consciência pesada”, revista Magali – setembro de 2005 ... 143

Figura 27: “Olho gordo, que nada!”, revista Magali – setembro de 2005 ... 148

Figura 28: “O poderoso reciclador”, revista Cascão – julho de 2006 ... 154

Figura 29: “Supercascão e os monstros do lixo”, revista Cascão – março de 2006 ... 159

Figura 30: Marina, revista Mônica – outubro de 2005 ... 165

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Introdução

A palavra é o fenômeno ideológico por excelência. A realidade de toda palavra é absorvida por sua função de signo. A palavra não comporta nada que não tenha sido gerado por ela. A palavra é o modo mais puro e sensível de relação social.

Mikhail Bakhtin

Os estudos em Análise do Discurso têm evoluído nos últimos tempos e este fator tem despertado o interesse de diversas áreas do conhecimento e da produção intelectual, sobretudo no âmbito das ciências humanas, que consideram o discurso como um dos seus elementos de investigação científica. Pensar em Análise do Discurso, hoje, como um conjunto metodológico de investigação científica é levar em conta que se pode dispor de um eficiente e valioso instrumental teórico para a realização de observações acerca de uma realidade construída sócio-historicamente ao longo de décadas. Este processo de construção social, que sofreu transformações políticas e culturais diversificadas, revela-se, sobretudo, através dos discursos circulantes nos variados contextos e situações sócio-comunicativos, os quais sempre estiveram sobre a égide de ideologias distintas.

O reconhecimento da presença do fenômeno social chamado Ideologia no interior das sociedades é um dado praticamente consensual nos estudos sociais, políticos, culturais e, também, no terreno dos estudos lingüísticos, algo que ganhou forma e ressonância a partir do surgimento da Análise do Discurso. Por isso, falar nesta disciplina é, inevitavelmente, pensar no fenômeno ideológico perpassando os discursos e exercendo influência no pensamento e

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nas práticas sociais dos indivíduos que, em dados momentos, exercerão a função de sujeitos discursivos, revelando posicionamentos sociais, manifestando, desse modo, as formações discursivo-ideológicas que influenciam na produção e reprodução destes posicionamentos através de suas escolhas e adesões a esta ou àquela ideologia.

Vale lembrar que desde meados do século passado, os estudos lingüísticos passaram a observar com mais atenção e cuidado a linguagem do ponto de vista das relações de poder que ela manifesta e ajuda a consolidar. Se, no início, a Análise do Discurso se volta para discursos constituintes, ela, hoje, abrange novas tendências, delineando-se enquanto lugar teórico, uma linha de abordagem investigativa que considera os avanços obtidos pela lingüística textual e vai um pouco mais além, buscando desvendar as relações estabelecidas entre a língua e o contexto sócio-cultural e histórico no qual ela é realizada.

A partir daí, reconhece-se que o contexto social é fator determinante das relações sociais, sendo ele, portanto, elemento indispensável para os estudos relativos à linguagem, já que tal elemento influencia as práticas enunciativas de produção textual, atividade esta responsável pela construção de sentidos e manifestação de valores diversos, campo de atuação da ideologia. Tais valores correspondem às visões de mundo construídas e postas em circulação pelos sujeitos durante sua trajetória sócio-histórica.

Assim, pode-se constatar que o que estes sujeitos produzem por meio da oralidade e da escrita reflete e refrata o meio em que vivem, ou seja, a produção textual materializada pelo processo enunciativo de cada indivíduo advém de um contexto sócio-histórico determinado que, por sua vez, caracteriza-os como sujeitos históricos destes enunciados e, conseqüentemente, de suas produções discursivas. Os sujeitos discursivos ocupam espaços sociais que se revelam como condições de produção textual-discursivas, fazendo com que seus discursos traduzam acontecimentos e fatos sociais próprios de seu tempo.

Todos estes aspectos favorecem a construção de um elo existente entre as relações de sentido, que são operacionalizadas na realidade vivenciada por cada ser social no mundo, e a perspectiva simbólica que é inerente à língua enquanto um fenômeno social. A partir deste direcionamento, deduz-se que os sentidos presentes nos textos e revelados pelos discursos neles contidos manifestam a relação social estabelecida entre os indivíduos, a partir do lugar social ocupado por estes.

Os discursos são materializados através dos textos, sejam eles orais ou escritos, estruturados sob a forma verbal ou não-verbal, o que permite ampliar a concepção de texto para considerar que ele pode se manifestar de maneiras distintas como, por exemplo, através da pintura, da fotografia, dos gestos, do desenho, dentre outras possibilidades de expressão

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comunicativa. E cada uma dessas manifestações semióticas revela uma estrutura superficial, caracterizada pela forma como cada texto se constitui e se apresenta, além de uma estrutura profunda que revelará os valores presentes em cada texto, com vistas a estabelecerem os sentidos neles propostos.

Assim, destaca-se que este trabalho foi idealizado a partir da premissa de que a linguagem é veiculadora de ideologias reveladas através das interações sociais, colocadas o em prática pelos sujeitos discursivos presentes na sociedade. Desse modo, objetivou-se realizar uma análise das representações ideológicas e suas materializações através dos discursos presentes nas histórias em quadrinhos da Turma da Mônica, visando verificar como os discursos de sujeitos historicamente marcados podem reproduzir comportamentos, idéias e visões de mundo já presentes e circulantes na sociedade atual.

A pesquisa tomou como ponto de partida a hipótese de que a história em quadrinhos é um aparelho ideológico, não necessariamente controlado pelo Estado, mas igualmente capaz de transmitir conteúdos ideológicos responsáveis por influenciar na formação moral e educacional dos indivíduos que constituem o público leitor deste produto cultural. Este processo torna-se possível uma vez que as aventuras e narrativas quadrinizadas freqüentemente reproduzem situações e contextos sociais semelhantes ao cotidiano real de crianças, adolescentes, jovens e adultos do mundo não-ficcional, fator que facilita a assimilação destes discursos impregnados de ideologias diversas.

Nesta trajetória analítica, uma pergunta intrigante e inquietante se antepõe: por que estudar Histórias em Quadrinhos? As respostas estão associadas à concepção de que os textos presentes nesta forma de manifestação artística são desprovidos de maiores pretensões políticas e ideológicas, ou seja, eles caracterizam-se pela ingenuidade e simplicidade que colaboram com o fácil entendimento e rápida assimilação por parte dos leitores infantis, que constituem o público alvo deste tipo de narrativa. Isto estaria, portanto, de acordo com o caráter lúdico inerente à arte seqüencial que, por sua vez, funciona como aparente fator de isenção deste atrativo produto cultural em relação à disseminação ideológica.

Outro fator que justifica a escolha desta temática diz respeito à possibilidade de contribuir com o leitor mais especializado, com destaque para professores do ensino fundamental e médio, fornecendo-lhes informações e dados teóricos capazes de influenciar no desenvolvimento de um olhar mais aguçado e diversificado sobre a chamada nona arte.

A fim de efetivar uma leitura com um caráter mais polissêmico dos quadrinhos da Turma da Mônica, conduzindo a análise para a comprovação de que o gibi pode, de fato, ser considerado como um aparelho ideológico, identificam-se os tipos de discurso presentes nas

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narrativas em questão, os quais são observados nas práticas e enunciados dos sujeitos discursivos presentes nas histórias selecionadas. Estes sujeitos são apresentados em situações e contextos distintos que, por sua vez, buscam reproduzir na ficção um reflexo da vida real, visando, com isso, promover uma maior identificação das vivências do público leitor com o mundo fantástico retratado nas estampas quadrinizadas.

Desse modo, a pesquisa considera que a ocorrência de diferentes modalidades discursivas é uma evidenciação da manifestação de fenômenos como a interdiscursividade e a heterogeneidade discursiva. Assim, este trabalho busca verificar a presença de discursos distintos como o pedagógico, o religioso, o ecológico, classificados como campos discursivos inseridos em um produto cultural de massa que vem a ser o universo discursivo mais amplo, ou seja, a história em quadrinhos.

Neste universo, a escolha da Turma da Mônica decorre de diversos motivos, alguns deles já sinalizados na pesquisa do Mestrado realizada anteriormente. Dentre estas motivações, estão o fato de que a referida produção quadrinizada é genuinamente nacional e, ainda hoje, possui também um alcance internacional, representando os quadrinhos brasileiros em várias partes do mundo. Outro fator importante é o grande alcance que a obra quadrinizada criada por Mauricio de Sousa possui em relação ao público leitor, composto não só por crianças e adolescentes, mas também por jovens e adultos que leram suas histórias no passado e atualmente oferecem-nas aos seus filhos e netos.

Além disso, a pesquisa dos quadrinhos da Turma da Mônica advém da identificação da presença de um caráter instrutivo e educativo nas histórias, fator que pode interferir incisivamente na formação moral e educacional do público infanto-juvenil que dialoga com estas histórias. O trabalho foi dividido em três capítulos distintos que procuram direcionar as leituras e as análises realizadas, apresentando aspectos teóricos e metodológicos da pesquisa, além da análise das histórias selecionadas para investigação dos discursos nelas subjacentes.

O primeiro capítulo foi destinado à revisão dos princípios e pressupostos teóricos que deram suporte científico a esta pesquisa. Nele, elementos relativos à Análise do Discurso de linha francesa, algumas reflexões sobre a Teoria da Enunciação, bem como os estudos sobre Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado são apresentados de modo sistemático. Essas discussões são abordadas com o objetivo de mostrar os construtos teóricos que auxiliaram no desvendamento das ideologias e dos sentidos contidos nos discursos enunciados pelos sujeitos discursivos, representados em cada história escolhida para compor o corpus da pesquisa.

O segundo capítulo traz uma incursão histórica pelo mundo das histórias em quadrinhos, colocando como ponto central o surgimento da arte seqüencial aqui no Brasil e a

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trajetória desse produto cultural ao longo dos tempos. Comenta-se, inclusive, o surgimento, o percurso histórico e as características dos quadrinhos criados por Mauricio de Sousa. Algumas informações sobre o mercado editorial dos quadrinhos, bem como sobre personagens e personalidades importantes para o avanço da arte em estampas no território nacional também são comentadas com o intuito de compor um quadro panorâmico, ainda que breve, da situação dos quadrinhos desde o seu surgimento até os tempos atuais.

Além disso, certos acontecimentos e fatos marcantes, de cunho político-social, também foram comentados e analisados, neste capítulo, com vistas a mostrar a relação dos quadrinhos com o aspecto ideológico, que se constituía a partir da preocupação de vários segmentos sociais com os conteúdos presentes neles. Por outro lado, esta relação era estabelecida também pela prática de vários indivíduos e grupos sociais que viam nas histórias em quadrinhos um poderoso instrumento veiculador de idéias e pontos de vistas residentes em formações ideológicas distintas. Para eles, utilizar a arte seqüencial era uma garantia de obter a simpatia e a aceitação de tais idéias e valores defendidos por estes segmentos da sociedade.

O terceiro capítulo, de caráter mais prático, traz um conjunto de análises das histórias selecionadas e uma apreciação crítica em relação ao conjunto de ocorrências encontradas em cada uma delas. Netas histórias, foi possível verificar as práticas discursivas materializadas em diversos contextos e situações sócio-comunicativas vivenciadas pelos personagens, que, de certo modo, representam distintos sujeitos discursivos, personificados nas aventuras quadrinizadas, e existentes também no cotidiano real dos leitores da Turma da Mônica. Este capítulo foi subdividido em três partes diferentes que trazem a abordagem de campos discursivos distintos, cada um deles predominantemente marcado pelos discursos pedagógico, religioso e ecológico.

Para realizar estas análises, seguiu-se o caminho da seleção de trechos de textos e partes das narrativas nas quais estão presentes as enunciações reveladoras dos discursos identificados com formações discursivas específicas, interpeladas por formações ideológicas correspondentes. Estas, por sua vez, revelam as ideologias de grupos e instituições sociais controlados pelo Estado, em maior ou menor grau, ideologias estas que também são absorvidas e disseminadas por indivíduos que se identificam com elas ou, na condição de sujeitos assujeitados, simplesmente as reproduzem em suas práticas sociais cotidianas.

Para a análise dos dados, levou-se também em conta a representação simbólica e imagética presente nas histórias em quadrinhos, aspecto que teve como objetivo inserir a linguagem não-verbal no interior da pesquisa, já que a nona arte utiliza-se, em larga escala, de recursos visuais como o desenho em si, as cores, formas geométricas e demais elementos

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similares para criar suas narrativas e compor suas histórias. Com isso, a análise considerou também imagens, signos não-verbais e símbolos que colaboram com a materialização de seus discursos e, conseqüentemente, com a transmissão de seus conteúdos ideológicos.

O corpus da pesquisa foi constituído a partir de uma seleção das histórias presentes em revistas publicadas entre os anos de 2005 e 2006, sendo estas aventuras as mais representativas para realizar as análises aqui pretendidas. Foram selecionadas, ao todo, 15 histórias completas, das quais seis delas foram utilizadas para compor a análise do campo discursivo pedagógico, cinco delas estão presentes nas analises do campo discursivo religioso, e quatro delas foram reservadas para a configuração das análises referentes ao campo discursivo ecológico.

Tal escolha foi direcionada pela categorização dos referidos campos discursivos pré-definidos, os quais teriam maior possibilidade de demonstrar o caráter instrutivo e educativo da obra de Mauricio de Sousa, bem como de revelar o seu potencial transmissor de conteúdos ideológicos, o que, por seu turno, contribui para referendar a hipótese principal da pesquisa: a de que a história em quadrinhos é também um aparelho ideológico.

As considerações finais apresentam algumas conclusões a que este trabalho conduziu, buscando deixar claro os elementos que estão subjacentes aos textos contidos nas diversas histórias em quadrinhos da Turma da Mônica, os quais são capazes de interferir nos comportamentos e práticas sociais do público leitor. Procura-se evidenciar, também, por meio dos resultados alcançados com estas análises, que o processo de figurativização e tematização, assim como o processo de produção dos discursos em si, como fruto das condições históricas e ideológicas dos sujeitos enunciadores, revelam o grande potencial que histórias em quadrinhos têm de transmitir ensinamentos, idéias e pontos de vistas diversos, identificados com ideologias distintas circulantes na sociedade atual.

Pretende-se, com a realização desta pesquisa, mostrar que a história em quadrinhos constitui-se como um poderoso instrumento de comunicação capaz de dialogar com uma gama considerável de interlocutores, muitos deles ainda em processo de formação moral, educacional e construção de sua personalidade. E, no decorrer deste percurso interativo, diversos valores, idéias, modos de pensar e ver o mundo, são retratados e transmitidos através de aventuras, personagens e narrativas ficcionais, desde o início, com o surgimento da arte seqüencial, até os tempos atuais, seja na forma de estampa típica dos gibis, ou mesmo através das adaptações destes para a televisão, o desenho animado, o cinema.

As histórias em quadrinhos ainda ocupam um importante lugar no panorama cultural da atualidade, tanto nas livrarias e bancas de revista, como no imaginário de diversas gerações

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que se deleitaram – e ainda se deleitam – com esta forma de entretenimento. Por tudo isso, é grande a importância de dedicar maior atenção ao estudo da linguagem presente nos quadrinhos, com a perspectiva de desvendar e entender cada vez mais o que está oculto por trás dos discursos veiculados através da nona arte. Espera-se, assim, que as idéias aqui apresentadas sirvam como uma contribuição a mais para os estudos em Análise do Discurso e outras áreas afins, além de incentivar, é claro, a reflexão e análise criteriosa dos conteúdos presentes nos gibis, o que contribuirá, sem dúvida, com o desenvolvimento do leitor crítico.

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CAPÍTULO 1

DISCURSO, IDEOLOGIA E ENUNCIAÇÃO

Todo signo é signo ideológico. O ponto de vista, o lugar valorativo e a situação são sempre determinados sócio-historicamente. E seu lugar de constituição e de materialização é na comunicação (...). E o campo privilegiado de comunicação contínua se dá na interação verbal, o que constitui a linguagem como o lugar mais claro e completo da materialização do fenômeno ideológico.

Valdemir Miotello

1. Palavras iniciais

Os estudos sobre Análise do Discurso vêm crescendo significativamente nos últimos tempos, aspecto que tem despertando um grande interesse de estudiosos e cientistas de diversos ramos do conhecimento e, sobretudo, na área da linguagem. Esta disciplina constitui-se como um poderoso instrumental na compreensão de diversos fenômenos históricos e culturais, além de ser uma ferramenta extremamente útil no entendimento de como são configuradas as relações sócio-culturais entre os indivíduos, os Sujeitos do Discurso, que, por sua vez, são interpelados pelo fenômeno social chamado Ideologia.

A Análise do Discurso, apesar de ser uma disciplina recente, utiliza como material de estudo, elementos que sempre fizeram parte da existência humana, visto que, desde sempre, de uma maneira ou de outra, todas as Ciências que se relacionam com a presença do homem

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na Terra possuem pontos de encontro e interseção com a Análise do Discurso. Por causa disso, suas possibilidades de investigação, realização e expansão dentro dos pressupostos que lhe são oferecidos são ilimitáveis, como já afirmou Dominique Maingueneau.

Assim, este capítulo será dedicado à reflexão de elementos teóricos constitutivos da Análise do Discurso, os quis são fundamentais para a compreensão desta nova disciplina que coloca o Discurso como objeto central de estudo e investigação científica. Além disso, serão feitas considerações acerca da Teoria da Enunciação e também sobre os estudos de Louis Althusser, que versam sobre os Aparelhos Ideológicos de Estado. E, como não poderia deixar de ser, algumas observações voltadas para a análise sobre o que é Ideologia e como este fenômeno social é definido também serão feitas, uma vez que a relação entre Ideologia, Discurso e Linguagem reside no interior da Análise do Discurso.

1.1 Discurso, Enunciação e Linguagem

A Análise do Discurso de linha francesa destaca-se no cenário da Lingüística Aplicada ao apresentar o discurso como unidade de sentido, sendo este materializado através do texto. Seu caráter interdisciplinar revela uma interseção entre diferentes teorias, a saber: a Lingüística, a História (mais especificamente o Marxismo), e a Psicanálise, conforme fora comentado anteriormente, neste capítulo. Esta articulação justifica-se pela associação da Análise do Discurso com questões sociais e históricas de produção dos discursos, que visam explicar o interior das estruturas lingüísticas tomando como base o seu exterior.

Ao conceber a Análise do Discurso nesta perspectiva, faz-se necessário considerar que ela precisa dialogar com teorias capazes de auxiliar no processo de interpretação da linguagem com maior grau de precisão e consistência. A união da Lingüística, que traz a língua como objeto de estudo, da Psicanálise, que apresenta o ser humano como um sujeito complexo e movido pelo inconsciente, e das teorias sociais baseadas no Materialismo Histórico, situando o indivíduo como um ser social, organizado em classes e susceptível às ideologias, revela também um sujeito discursivo que se relaciona com os elementos simbólicos das mais variadas formas.

Assim, esta nova disciplina estabelece a relação da língua com o discurso e a ideologia para mostrar que a linguagem funciona como instrumento mediador do homem com a realidade natural ou socialmente construída. Ela utiliza estes elementos teóricos e, juntamente

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com determinados procedimentos de análise, vem mostrar as possibilidades interpretativas, que unem condições de produção dos discursos com as estruturas textuais. A Análise do Discurso de origem francesa concebe o discurso não só como produto lingüístico em si, mas também, e principalmente, como produto social, formado, subjacentemente, por ideologia e historicidade, e pelo texto, em sua superfície.

O discurso passa a ser concebido como elemento que se revela a partir da linguagem, estando ele dotado de significações e que possibilitará a relação entre linguagem e exterioridade tendo em vista os processos de construção e as condições de produção desta linguagem. Neste cenário, o sujeito assume papel central para a efetivação plena do discurso, que não é só lingüístico, mas revela-se também através do seu caráter social, já que traz em seu cerne o ser humano, o qual manifesta-se individual ou coletivamente, porém sempre marcado pela ideologia, historicamente presente nas diversas formações discursivas.

Pensado deste modo, é necessário reconhecer a intrínseca relação existente entre a ideologia e o próprio discurso enquanto elementos básicos, constituintes da teoria em questão: a Análise do Discurso. Sua elaboração surge, e começa a adquirir forma, materialidade no âmbito das discussões acerca das teorias que buscavam dar conta da concepção de Ideologia, em paralelo com reflexões sobre língua e linguagem. Este arcabouço teórico contribui, substancialmente, na elaboração de conceitos fundamentais para a AD concernentes à formação ideológica e discursiva, que busca relativizar a noção estruturalista de que a língua não é apreendida na sua relação com o mundo e sim na sua estrutura interna, como um sistema fechado em si mesmo – princípio da autonomia lingüística. Assim, podemos corroborar as posições de Orlandi (2006, p.19-20) quando ela afirma:

▪ a língua tem sua ordem própria, mas só é relativamente autônoma; ▪ a história tem seu real afetado pelo simbólico;

▪ o sujeito da linguagem é descentrado pois é afetado pelo real da língua e

também pelo real da história, não tendo o controle como elas o afetam. Isso redunda em dizer que o sujeito discursivo funciona pelo inconsciente e pela ideologia.

Eni Orlandi destaca, ainda, o fato de que a leitura procura localizar tanto o sujeito como os sentidos produzidos pelas suas leituras como produtos determinados histórica e ideologicamente, e mais, que a vida intelectual está intimamente relacionada aos modos e efeitos de leitura, realizados em cada época e segmento social ao qual pertence o indivíduo.

A noção desenvolvida pela AD, que considera o discurso como algo constituído pelo estabelecimento de interações sociais, além de ser construído historicamente e atravessado

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pela ideologia, aponta para o desenvolvimento do que vem a ser caracterizado como formações ideológicas e discursivas. A este respeito, Fiorin (2006, p.32) analisa:

Uma formação ideológica deve ser entendida como a visão de mundo de uma determinada classe social, isto é, um conjunto de representações, de idéias que revelam a compreensão que uma dada classe tem do mundo. Como não existem idéias fora dos quadros da linguagem, entendida no seu sentido amplo de instrumento de comunicação verbal ou não verbal, essa visão de mundo não existe desvinculada da linguagem. Por isso, a cada formação ideológica corresponde uma formação discursiva, que é o conjunto de temas e de figuras que materializa uma dada visão de mundo.

Para Fiorin, o processo de formação discursiva ocorre ao longo do processo de apreensão e aprendizagem da língua, sendo a formação discursiva constituída desde o momento em que os indivíduos começam a desenvolver a linguagem em suas estruturas mais simples, passando pelas mais complexas, de acordo com o seu desenvolvimento social, interagindo com o meio, mantendo contato com o mundo. Desse modo, é possível apreender e internalizar diversas ideologias circundantes no meio sócio-cultural, geralmente correspondentes à classe social em que cada ser está inserido. Os discursos, portanto, são modelados e remodelados de acordo com os contextos e situações em que o sujeito discursivo se encontra situado, referenciando-se, inclusive, nos critérios espacial e temporal.

Neste sentido, é importante considerar que as palavras e expressões não possuem existência estática e inviolável, justamente porque estão susceptíveis a mudanças de sentido, de acordo com as crenças e convicções dos sujeitos que fizerem uso da palavra no processo de interação social. Desse modo, é justo e correto reiterar as perspectivas de Michel Pêcheux acerca das formações ideológicas as quais possibilitarão que os sentidos dos temos sejam determinados em conformidade com tais formações. E a propósito das elaborações sobre formação ideológica, vale salientar, ainda a reflexões feitas por Brandão (1997, p.38) em relação ao tema, quando cita Haroche, que comenta:

Falar-se-á de formação ideológica para caracterizar um elemento (...) suscetível de intervir como uma força confrontada com outras forças na conjuntura ideológica característica de uma formação social em um momento dado; cada formação ideológica constitui assim um conjunto complexo de atitudes e de representações que não são nem “individuais” nem “universais”, mas se relacionam mais ou menos diretamente a posições de classe em conflito umas em relação às outras.

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Com base nestas premissas, pode-se reafirmar que a construção de sentido resulta de um processo de interação do indivíduo, ser socialmente inserido em um determinado contexto e momento histórico-cultural, e um determinado objeto que se encontra disperso neste universo. Para tal objeto será atribuído um ou mais sentidos a partir dos referenciais sociais, políticos e culturais de acordo com os contextos nos quais este objeto encontra-se situado. A partir desta construção de sentido, as relações sociais, políticas e de ordem diversa configuram-se e se materializam, essencialmente, através da linguagem que se constitui como principal objeto de interação social.

Estas reflexões remetem às investigações científicas acerca da linguagem, realizadas por Mikhail Bakhtin, que se dedicou aos estudos sobre a filosofia da linguagem, base científica que precede o conhecimento teórico-prático de uma sociedade organizada, uma vez que um produto ideológico faz parte de uma realidade, natural ou social, sendo esta realidade materializada através do signo lingüístico. Isto vem a confirmar a relação necessária estabelecida entre a ideologia, o discurso, os sujeitos sociais e a linguagem, responsável pela materialização da ideologia, através do discurso.

A linguagem é considerada, então, o instrumento pelo qual a ideologia adquire materialidade e pode, assim, ser apreendida, percebida, assimilada. A ideologia materializa-se pelo discurso, introduzindo e/ou modificando valores, conceitos e comportamentos através de elementos de caráter semântico – auxiliada pelos elementos simbólicos – revelando visões de mundo distintas, ora criando identificações e aproximações, ora acentuando diferenças e distâncias, demarcando fronteiras. Para Brandão (1997, p.10):

A linguagem é um distanciamento entre a coisa representada e o signo que a representa. E é nessa distância, no interstício entre a coisa e essa representação sígnica que reside o ideológico.

No âmbito da Analise do Discurso, aqui concebida enquanto uma ciência inserida no campo da Lingüística Aplicada, Orlandi (2003, p.48), considera:

A ideologia não é vista como um conjunto de representações, como visão de mundo ou como ocultação da realidade. Não há, aliás, realidade sem ideologia. E enquanto prática significante, a ideologia aparece como efeito da relação necessária do sujeito com a língua e com a história para que haja sentido.

A relação entre a linguagem e a ideologia torna-se evidente uma vez que a linguagem constitui-se como o principal instrumento veiculador de valores, comportamentos e

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informações de diversa ordem no decorrer de um percurso histórico. As formações discursivas perpassadas por formações ideológicas correspondentes, assim como a posição do sujeito e suas estratégias enunciativas são elementos definidores desta transmissão de conhecimentos e construção sócio-cultural do ser humano, manifestando-se como indivíduo ou organizado e inserido numa determinada coletividade.

Os estudos desenvolvidos pelos sucessores de Karl Marx formularam a concepção de que a linguagem é dialógica, por ser caracterizada pelas relações intersubjetivas existentes entre os locutores que a colocam em prática. Isto faz com que a “expressão do eu” seja manifestada em um espaço dialógico e polifônico, orientado pelas relações sociais estabelecidas e também pela criação de uma consciência orientada pela lógica da ideologia. Esta consciência materializa-se através de signos criados no decorrer do processo histórico-cultural com o objetivo de refletir uma lógica de pensamento que, por sua vez, corrobora a lógica da ideologia dominante.

Para os filósofos da linguagem, a exemplo de Mikhail Bakhtin, a consciência e a ideologia estão intimamente ligadas à simbologia e, conseqüentemente, ao elemento semiótico, sem o qual não há materialidade, apenas o pensamento limitado, vazio de sentidos e significações. E o signo (lingüístico ou não) é condicionado pelas condições de produção dos enunciados, bem como pela organização social dos sujeitos, pois ele – o signo – é resultado de um processo de interação. Para que haja este processo de interação, o “eu” depende do “tu”, o sujeito que permite a interlocução, o interlocutor. Assim, as idéias processadas pelo indivíduo serão materializadas com o auxílio do exterior, que contribuirá na atribuição e determinação de sentidos.

O conjunto de conhecimentos acerca dos atos de fala, desenvolvido pela teoria da enunciação e pela pragmática, contribui para esclarecer que a língua não se dissocia da realidade e que os sentidos podem ser materializados em palavras que, de certo modo, terão a capacidade de traduzi-los. Mas para isso acontecer, é necessário assegurar as condições especificas para a que seja realizada a enunciação, um ato individual e, ao mesmo tempo, dependente de outros sujeitos, pois só assim haverá a interlocução. Desse modo, Benveniste (2005, p.83-84) afirma:

O ato individual pelo qual se utiliza a língua introduz em primeiro lugar o locutor como parâmetro nas condições necessárias da enunciação. Antes da enunciação, a língua não é senão possibilidade da língua. Depois da enunciação, a língua é efetuada em uma instância de discurso, que emana de um locutor, forma sonora que atinge um ouvinte e que suscita uma outra enunciação de retorno.

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Esta interação vem a determinar uma das condições essenciais para a existência do discurso, funcionando também como um elemento básico da linguagem; o “eu” depende do “tu” para criar a interlocução e dar sentido à existência do discurso, pois a palavra em si, a linguagem, deriva de alguém – um sujeito produtor – e, ao mesmo tempo, é direcionada para um outro alguém – um sujeito receptor, individual ou coletivo.

Com base nestas reflexões, Mikhail Bakhtin afirma que o discurso não é individual, pois este se forma a partir de uma interlocução entre seres sociais que, segundo ele, são clivados pela ideologia e pelo diálogo de um determinado discurso com outros discursos já formados – a interdiscursividade. Esta análise leva em consideração a subjetividade daquele que produz o discurso, porque este se insere em um contexto sócio-cultural e histórico; isto faz com que o sujeito seja descentralizado, abrindo espaço para as variadas vozes sociais, que o condicionam através da ideologia e o transformam em um sujeito histórico.

O enunciado que materializou o pensamento passa a ser orientado por aspectos históricos e conjunturais, contribuindo para que este adquira maior complexidade, devido à exigência de se adaptar ao contexto social imediato em que adquire substância. Este percurso permite afirmar que o sujeito só pode tomar consciência de si mesmo através dos outros com os quais ele dialoga, utilizando-se da palavra que vai permitir a materialização do sujeito a partir de formas e imagens. E, tomando como base esse conjunto epistemológico, Bakhtin elabora a noção de sujeito da consciência, considerando que a estrutura enunciativa é de caráter eminentemente social. Desse modo, Bakhtin (1988, p.34) assegura:

Os signos só emergem, decididamente, do processo de interação entre uma consciência individual e uma outra. E a própria consciência individual esta repleta de signos. A consciência só se torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e, conseqüentemente, somente no processo de interação social.

O dialogismo constituiu-se, então, como um elemento fundamental nos estudos em Análise do Discurso, auxiliando nas reflexões acerca da diversidade e heterogeneidade discursivas e orientando, inclusive, na compreensão da noção de sujeito. Nesse ponto, a Psicanálise contribui, de modo significativo, ao questionar o caráter único do discurso, afirmando que o sujeito encontra-se dividido entre o consciente e o inconsciente. Este sujeito está representado por um “eu” que fala, mas que, na verdade, representa uma instituição social, portanto uma coletividade em que vigoram normas e valores.

Estas considerações corroboram, de certo modo, a afirmação de que o sujeito é um ser inconscientemente assujeitado a diversas ideologias. Através da polifonia e do inconsciente, o

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outro se faz presente no discurso do sujeito assujeitado, que se apresenta como um ser complexo. O sujeito em si é visto como uma representação, estando, portanto, na ordem da linguagem; por isso mesmo, ele se estrutura a partir da relação estabelecida entre seu inconsciente e a linguagem. Para Lacan, o inconsciente se estrutura como uma linguagem, uma cadeia latente de significantes que se repete e interfere, efetivamente, no discurso; deduz-se, daí, que o discurso é atravessado pelo discurso do outro.

A noção de interferência do discurso do outro no discurso de um sujeito constituído enquanto tal, a partir de certas condições de produção, faz parte do fenômeno da polifonia, questão já anteriormente apresentada no trabalho de Mikhail Bakhtin sobre a filosofia da linguagem. Estas abordagens teóricas conduzem às reflexões sobre outro fenômeno fundamental da Análise do Discurso: a heterogeneidade.

Este fenômeno é um importante elemento constitutivo da AD e apresenta-se sob as formas de heterogeneidade constitutiva (caracterizada pelo interdiscurso) e heterogeneidade mostrada (caracterizada pela intertextualidade). A primeira está presente em todo o discurso e constituirá a formação discursiva – considerando-se que a dialogicidade dos discursos não se dá de forma aparente, ou seja, não é mostrada, mas se faz presente ao se produzirem os enunciados. A segunda será observada pelas marcas textuais que se manifestam explicitamente ou implicitamente. Muitos lingüistas, filósofos da linguagem e analistas do discurso inseriram em seus estudos pressupostos e conceituações sobre o fenômeno da heterogeneidade, dentre eles, Machado (2003, p.38):

A heterogeneidade é um traço de constitutividade do discurso, da sua organização. A diferença entre as duas modalidades de heterogeneidade diz respeito ao modo de expressão no discurso: heterogeneidade mostrada é a que se deixa perceber, é a que, muitas vezes, é deliberadamente exposta pelo locutor, por razoes diversas e considerando sempre o seu interlocutor. Já a heterogeneidade constitutiva não se deixa apreender tão facilmente, está relacionada ao que Bakhtin salienta quando diz que é no enunciado (do seu ponto de vista) e não na oração (unidade da língua e não da comunicação) que o indivíduo apreende a língua, interpreta o significado, atribui sentido ao que ouve, incorporando-o e, mais tarde, emprestando-lhe sua expressividade, ao estar em posição de sujeito falante, enunciador, numa situação dialógica de fala.

A heterogeneidade mostrada, manifestada através de marcas explícitas, é representada pelo uso dos discursos direto e indireto, por citações, slogans, dentre outras estratégias lingüístico-discursivas e tem a função de definir papéis e espaços discursivos, delimitando, assim, as falas dos sujeitos num processo de interação. A identidade e a alteridade destes

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sujeitos ficam explicitadas uma vez que estas marcas deixam definidas as vozes do enunciador na interlocução, alimentando a idéia ilusória de poder absoluto sobre seu próprio discurso. Já as manifestações implícitas da heterogeneidade mostrada revelam-se através do discurso indireto livre, além de paráfrases, da ironia e demais recursos capazes de mostrar diferentes vozes num único discurso, sem deixar clara a delimitação de sujeitos.

1.2. Algumas reflexões sobre a gênese da Análise do Discurso

Arriscando uma delimitação do que pode ser entendido como Análise do Discurso, numa perspectiva abrangente da sua atuação como ciência que se ocupa do sujeito, dos sentidos suscitados por ele ao produzir um discurso, é possível apontar como palavras chave para a identificação dessa prática científica, nascida no século XX, os seguintes elementos: sujeito, linguagem, história e sentido, todos estes relacionados ao discurso como elemento central, o qual está constantemente marcado pela Ideologia.

Colocando isso em palavras de Eni Orlandi fica claro entender “que a história ‘afeta’ a linguagem de sentidos. Desse encontro resulta o texto, logo textualidade que é história, que faz sentido”. Este conjunto de considerações iniciais aponta para uma ampla possibilidade de pesquisa científica e atuação prática pautada nesta nova linha de abordagem, a Análise do Discurso. A Ciência do Discurso, por seu caráter heterogêneo e intrinsecamente interdisciplinar, pode auxiliar na compreensão e resolução das questões referentes aos sujeitos de uma sociedade e os efeitos de sentido produzidos por seus diferentes discursos, verbais ou não-verbais, veiculados, inclusive, pelos produtos culturais de massa.

No âmbito da Análise do Discurso, linguagem e história se inter-relacionam e, ao mesmo tempo, possibilitam a manifestação de outros elementos externos, os quais contribuirão para o entendimento e percepção dos sentidos produzidos por cada discurso enunciado. E estes elementos fazem parte da Análise do Discurso, assumindo papéis significativos no interior da referida abordagem científica, revelando-se como pressupostos teóricos responsáveis pela constituição de tal ciência. Assim, a Análise do Discurso não pode ser confundida com uma simples análise de texto, visto que o estudo desta se detém nas relações internas, analisando apenas o aspecto lingüístico do discurso. Para a Análise do Discurso o contexto sócio-histórico no qual se organiza um discurso é de fundamental

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relevância para a compreensão dos sentidos, ou seja, para a constatação dos “efeitos de sentido”, mobilizados sujeitos discursivos e seus interlocutores.

Para melhor compreender a estrutura e o funcionamento desta nova linha teórica, é importante rever e refletir sobre alguns dos seus principais pressupostos e elementos constituintes, além de saber um pouco sobre sua história, seu surgimento e sua aplicação prática, observando-a na interpretação e análise de textos diversos. Desse modo, será possível perceber os mecanismos disponibilizados pela Análise do Discurso para a realização da investigação científica sobre as idéias e valores veiculados através dos conteúdos discursivo-ideológicos presentes no interior da produção cultural humana.

Vale lembrar que a Análise do Discurso, constituída enquanto uma ciência, nasceu de uma articulação teórica entre três vertentes do pensamento e da prática investigativa do homem, a saber: o materialismo histórico, a psicanálise e lingüística. Esta ciência ganhou notabilidade, primeiramente, na França do século XX, a partir dos estudos do filósofo Michel Pêcheux e do lingüista e lexicógrafo Jean Dubois, criadores da nova ciência e principais teóricos do discurso naquela época. O termo Análise do Discurso pode, inicialmente, suscitar uma série de ambigüidades e controvérsias, uma vez que pode ser visto como um conceito vago e amplo demais. Isto porque, no momento em que se percebe que toda produção de linguagem pode ser considerada “discurso”, tal termo pode suscitando significações diversas.

Entretanto, apesar do terreno fértil para os questionamentos acerca de sua validade enquanto ciência, a Análise do Discurso surgirá na França dos anos 60, a partir dos debates encabeçados por Michel Pêcheux e Jean Dubois. Estes dois intelectuais, em linhas de pesquisa distintas, promoverão intensas discussões perpassadas pela doutrina marxismo e pela política, o que revelará uma afinidade acerca das convicções sobre a luta de classes, a história e o movimento social. Assim, será de uma união do pensamento marxista com os métodos da lingüística que nascerá o projeto de Análise do Discurso.

Cabe ressaltar que a Lingüística, nessa época, ocupava um lugar de destaque entre as ciências humanas, o que a permitia ser vista como ciência modelo devido ao seu método científico e à fase de intenso desenvolvimento pela qual os estudos Lingüísticos passavam. A década de 60 estava sob a égide do estruturalismo, momento em que o estudo da linguagem tem uma considerável autonomia, sendo reconhecidamente importante em todos os ramos dos estudos em ciências humanas. Tal ocorrência se deve ao modo como as teorias estruturalistas passaram a estudar o seu objeto de estudo, a língua.

Em tais teorias, a língua é estudada a partir de regularidades, pois acreditava-se que, dessa forma, seria possível apreendê-la em sua totalidade, isso porque se entendia por essa

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época que as influência externas, geradoras de irregularidades, por não se constituirem como parte da estrutura, não afetam o sistema. Assim, a teoria estruturalista não vai apreender a língua em sua relação com o mundo, antes vai observá-la dentro da sua estrutura interna a partir de um sistema fechado sobre si mesmo. È muito em função destes fatores que se atribui a esta linha teórica de pensamento o nome “estruturalismo”, por se definir o objeto somente no interior do sistema, de modo estrutural.

A psicanálise lacaniana é mais um elemento teórico responsável pela genese da Análise do Discurso. A partir das elaborações do cientista Sigmund Freud acerca do inconsciente , uma nova perspectiva sobre o conceito de sujeito configura-se e, com isso, ele roperá com a concepção de sujeito como unidade homogênea, passando a concebê-lo como uma entidade clivada, dividida entre o consciente e o inconsciente. A releitura lacaniana irá, a partir daí, recorrer ao estruturalismo lingüístico, visando instrumentalizar-se da abordagem de Ferdinand Saussure e Roman Jakobson, para conceber uma abordagem mais aguda do inconsciente, que até então era visto como algo icógnito e misterioso.

Jacques Lacan irá propor que o inconsciente se constitui como a linguagem, ou seja, ele se organiza em uma cadeia de significantes latente que se repete e, por sua vez, interfere na constituição do discurso. Ele admite que sempre há sob as palavras outras palavras, de modo que o discurso está sempre sendo atravessado pelo discurso do outro, do inconsciente. Assim, Lacan propõe que a tarefa do analista, portanto, será a de fazer revelar mediante ao trabalho com a palavra, essa subliminar cadeia de significantes, ou seja, esse discurso do Outro, latente no inconsciente. Isso fará revelar, desse lugar desconhecido que é o inconsciente, o discurso do pai, da comunidade, da familia, do Outro, mostrando as bases de como o sujeito se define e de como erige a identidade deste.

A partir dessa concepção, o sujeito será definido como uma representação, ou seja, como a forma pela qual ele constrói os sentidos da sua identidade a partir do discurso da família, da comunidade, do pai, do Outro, sendo, portanto, esta uma atividade de linguagem. O estruturalismo também entrará na elaboração dessa abordagem do inconsciente. Será através dele que Lacan procurará mostrar a existência de uma ordem estrutural discursiva. Em conseqüência disso, a Análise do Discurso irá se ocupar das leis dessa ordem no ponto que diz respeito à forma de concepção do sujeito. Será de bastante valia para a nova matéria o fato de o sujeito ser definido a partir da maneira como ele se organiza na sua relação com o inconsciente, mais que isso, em relação com a linguagem, já que para Lacan a linguagem é a condição do inconsciente.

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Com isso, a nova disciplina além de estar circunscrita dentro de questões teóricas sobre a ideologia, irá se preocupar também com as reflexões sobre o sujeito. Assim, a teoria lacaniana que concebia um sujeito clivado, dividido, estruturado a partir da linguagem, entrou em consonância com a Análise do Discurso, pois esta tinha como interesse central uma teoria do sujeito que entendesse o texto como produto de um trabalho ideológico não-consciente. Este entrelaçamento teórico contribuiu para determinar o caráter interdisciplinar da Análise do Discurso. Este fator leva a crer que a nova disciplina estaria localizada numa zona periférica dos estudos lingüísticos, o que a possibilita promover aproximações científicas e estáveis com a Sociologia, Psicologia, História, Filosofia, e demais estudos das ciências humanas.

O materialismo histórico, construto teórico formulado por Karl Marx, tinha como uma de suas principais preocupações a observação das relações de poder existentes no interior das sociedades, algo que se configurava a partir dos conflitos de interesses entre as classes dominantes e dominadas. Neste contexto, operava a ideologia, fenômeno que está presente e intrinsecamente ligado à Análise do Discurso, ocupando lugar central no interior desta ciência contemporânea. A partir daí, conclui-se que a ideologia continua exercendo papel imprescindível no cenário da Análise do Discurso, sendo materializada através das diversas formações ideológicas existentes nas sociedades.

O Materialismo Histórico é uma teoria que dá ênfase à materialidade da existência e que veio, de certo modo, promover uma ruptura com o modelo idealista de ciência que visava o domínio do objeto de estudo mediante a um procedimento administrativo aplicável a um determinado universo, como se tudo existisse somente no nível das idéias. Umas das Ciências que funciona como pilar fundador da Análise do Discurso é a História, mais precisamente a teoria de Karl Marx, denominada de Materialismo Histórico.

Para o Materialismo Histórico o “objeto real”, tanto nas Ciências Naturais, quanto nas Ciências Humanas, tem sua existência de modo independente do seu conhecimento ou não. Tal fato fica claro se for observado o modelo econômico do capitalismo em que as relações de produção se dão dentro de uma divisão de trabalho que irá distinguir os dono do capital daqueles que vendem a mão de obra. Dentro dessa concepção clássica de capitalismo, compreendida pelas teorias marxistas, esse modo de produção consiste na base econômica da sociedade capitalista.

Assim, o Marxismo irá, simbolicamente, representar todo esse sistema como uma espécie de edifício social em que a base econômica terá o nome de infra-estrutura, e o político-jurídico e ideológico será chamado de superestrutura. É a partir dessa representeção que a filosofia althusseriana vai procurar considerar que a infra-estrutura é o que determina a

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superestrutura, ou seja, para Althusser, a base econômica é quem determina o funcionamento das instâncias político-jurídicas e ideológicas de uma sociedade. Vale ressaltar aqui que, como parte da superestrutura do edifício, a ideologia só pode ser vista como uma reprodução do modo de produção, já que é por ele determinada.

Outro aspecto que se evidencia nesse ponto da teoria athusseriana é o reconhecimento da existência de uma espécie de rotorno da superestrutura sobre a infra-estrutura, quando a ideologia dialeticamente acaba por perpertuar a base econômica que a sustenta. Althusser observará que a infra-estrutura determina a superestrutura e ao mesmo tempo é perpetuada por ela, provocando uma circularidade que faz com que o funcionamento do sistema recaia sobre si mesmo. É nesse sentido que se pode observar as bases estruturalistas da teoria elaborada por Louis Althusser.

O conceito de aparelho ideológico será então uma forma bastante esclarecedora de explicar o funcionamento da ideologia. Althusser irá considerar o que se chama de Estado como um aparelho repressivo de Estado, que opera através da violência, sendo que esta ação é complementada por instituições como a escola e a realigião, que por serem intrumento de dominção ideológica serão denominados por ele de Aparelhos Ideológicos de Estado. Dessa forma, tornar-se-á possível depreender o funcionamento da ideologia, a partir da observação de como se estruturam e agem esse aparelhos, do entendimento de seus discursos e práticas. E é justamente aqui que se insere a Análise do Discurso.

A nova ciência surge justamente porque um dos principais fatores que estimularam a sua criação foi a necessidade de melhor compreender e lidar com todo o processo de influência, persuasão, determinação de valores culturais, sociais econômicos e políticos que eram exercidos pelas classes dominantes em relação às classes dominadas, algo que acontecia no decorrer de um processo histórico. O projeto althusseriano estaria, então, à procura de um estudo da materialidade da ideologia e é exatamente nesse ponto que a lingüística se tornará valiosa para os estudos de Althusser, pois ele verá a linguagem como o lugar privilegiado de materialização da ideologia, ou seja, ela seria o meio que possibilitará a depreensão do funcionamento da ideologia.

O projeto althusseriano irá fazer a convergência entre a tradição marxista interessada em apreender a o funcionamento da ideologia dentro de sua materialidade, a partir das práticas e dos discursos dos Aparelhos ideológicos de Estado e uma lingüística fundamentada em bases estruturalistas. Entretanto, a lingüística da língua, formulada no curso de lingüística geral de Saussure não será o suficiente, o momento pedia um estudo da linguagem que contivesse uma teoria de discurso que abarcasse em seu escopo componentes lingüísticos e

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sócio-ideológicos. A partir daí os filósofos e lingüístas franceses começam a descrever e organizar uma série de pressupostos e postulados teóricos envolvendo Lingüística, Psicanálise e Materialismo Histórico, o que dará, posteriormente, origem à Análise do Discurso.

1.3 Considerações sobre os Aparelhos Ideológicos

O termo Ideologia passou a ter maior destaque a partir do século XIX, quando Karl Marx caracteriza o termo ideologia em sua obra A Ideologia Alemã, tomando como referência as elaborações teóricas de Hegel, as quais influenciaram também outros pensadores posteriores a ele. Marx faz críticas às concepções hegelianas, acrescentando-lhes novas concepções e provendo modificações significativas como o acréscimo de conceitos relativos à alienação, por exemplo. O fenômeno social chamado Ideologia assumiu lugar de destaque na doutrina marxista, embora muitos estudiosos afirmem que este conceito está marcado pela ambigüidade de sentidos, aspecto que provocou – e ainda provoca – grandes debates acerca do legado deixado por Marx e seus contemporâneos.

Em sua obra, A ideologia alemã, Marx e Engels aguçam a crítica ao pensamento dos jovens hegelianos e caracterizam como ideológica esta forma de pensar, justamente porque este grupo de pensadores valorizava demasiadamente o papel das idéias na história e na vida social, o que colocaria o produto da consciência humana como algo possuidor de existência independente, sem vinculação com a realidade e, conseqüentemente, com transformações necessárias. Para eles a Ideologia seria, ao mesmo tempo, uma doutrina teórica e uma atividade humana que considera a autonomia das idéias sem compreender as condições reais de sua existência nem mesmo as características da vida sócio-histórica.

A concepção de Ideologia adotada por Marx e Engels baseia-se em pressupostos que dizem respeito à determinação social da consciência, à divisão do trabalho e ao estudo cientifico do mundo sócio-histórico. A respeito destes pressupostos, eles afirmam que as formas da consciência humana são determinadas pelas condições materiais de vida, que o desenvolvimento de doutrinas teóricas que vêem as idéias como autônomas torna-se possível pela divisão entre o trabalho material e o trabalho mental, e mais, que as doutrinas e atividades teóricas que constituem a Ideologia seriam explicadas pelo estudo científico da sociedade e da história.

Referências

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