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O Instituto do Indigenato e teoria crítica: a possibilidade de reinvenção do fundamento jurídico dos direitos territoriais indígenas a partir da análise da territorialidade e dos processos de luta Guarani

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Adriana Biller Aparicio

O INSTITUTO DO INDIGENATO E TEORIA CRÍTICA: A possibilidade de reinvenção do fundamento jurídico dos direitos

territoriais indígenas a partir da análise da territorialidade e dos processos de luta Guarani

Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial para a obtenção do Grau de Doutora em Direito.

Orientadora: Profa. Dra. Letícia Albuquerque

Florianópolis 2018

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Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor

através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

Aparicio, Adriana Biller

O Instituto do Indigenato e teoria crítica : A possibilidade de reinvenção do fundamento jurídico dos direitos territoriais indígenas a partir da análise da territorialidade e dos processos de luta Guarani / Adriana Biller Aparicio ; orientadora, Letícia Albuquerque, 2018.

253 p.

Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em Direito, Florianópolis, 2018. Inclui referências.

1. Direito. 2. Direitos indígenas. 3. Direitos territoriais Guarani. 4. Instituto do Indigenato. 5. Teoria crítica dos direitos humanos. I. Albuquerque, Letícia. II. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

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Adriana Biller Aparicio

O INSTITUTO DO INDIGENATO E TEORIA CRÍTICA: A possibilidade de reinvenção do fundamento jurídico dos direitos

territoriais indígenas a partir da análise da territorialidade e dos processos de luta Guarani

Esta Tese foi julgada adequada para obtenção do Título de “Doutora em Direito” e aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina

(PPGD/UFSC).

Florianópolis, 26 de fevereiro de 2018. ________________________

Prof. Dr. Arno Dal Ri Jr. Coordenador do Curso Banca Examinadora:

________________________

Prof. Dr. Everton das Neves Gonçalves (Presidente) Universidade Federal de Santa Catarina

________________________ Profª. Drª. Thais Luzia Colaço Universidade do Extremo Sul Catarinense

________________________ Prof. Dr. Antônio Carlos Wolkmer

Universidade La Salle e Universidade do Extremo Sul Catarinense ________________________

Prof. Dr. João Mitia Antunha Barbosa Fundação Nacional do Índio

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AGRADECIMENTOS

À Professora orientadora Dra. Letícia Albuquerque pela parceria e apontamentos na realização desta pesquisa. À Profa. Dra. Thais Luzia Colaço, eterna orientadora, amiga e presença fundamental em toda a minha vida acadêmica. Ao Professor Antônio Carlos Wolkmer, por suas inestimáveis contribuições à pesquisa. Aos Professores Rogério Silva Portanova, João Mitia Antunha Barbosa, Luana Renostro Heinen, Liz Beatriz Sass e Everton das Neves Gonçalves por aceitarem a avaliação do trabalho.

Aos colegas do Grupo de Pesquisa em Antropologia Jurídica (GPAJU/UFSC) e do Observatório de Justiça Ambiental (OJE) pelo diálogo e aprendizado. Aos amigos Elton Fogaça, que sempre me “abriu portas”, à amiga Camila Damasceno, que sempre torceu por mim e auxiliou de todas as formas durante a elaboração do trabalho.

Ao Colega de Doutorado Fabiano Pires Castagna e ao Professor Celso Leal, meus Coordenadores na Universidade do Vale do Itajaí.

Aos vários amigos que me “abrigaram” em dias de tempestade, dentre eles Rogério Lacerda, Mauricio Pereira Gomes e o casal argentino radicado em Santa Catarina, Mariel Rebolini e Nicolas Lemme.

Ao “clube da tese de Bombinhas”, os doutorandos do “Interdisciplinar”, os amigos Mauricio Pereira Gomes, Marina Mujica e Marinês da Rosa.

Ao “quarteto biruta”, Fernanda Câmara, Marcelo Mameh e João Carlos Malatian, com quem tenho meus melhores momentos paulistanos hoje e sempre.

Ao amigo José Augusto (Gutão), o melhor rábula da Baixada Santista e ao afilhado Manoel Fernando Marques da Silva (Mané) por integrar a valente equipe do “Exército de Titoleone” enfrentando comigo os bancos e os planos de saúde para o bem-estar de minha família.

À minha família biológica estendida, meus pais, irmã, cunhado, sobrinho, avó, minhas tias e primas pela solidez do grupo nos tempos difíceis. À minha família socioafetiva, porque assim quis o destino, Dona Maria da Silva e Adriana da Silva, de Porto Belo e minha família gaúcha Vera Regina e sua filha Carol, por todo carinho e suporte ao longo da caminhada.

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La adquisición de conocimientos hace que nos acerquemos a la verdad, cuando se trata del conocimiento de lo que se ama, y en ningún otro caso.

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RESUMO

A pesquisa trata dos direitos territoriais indígenas no Brasil que têm seu fundamento jurídico no Instituto do Indigenato, categoria desenvolvida pelo jurista João Mendes Junior no começo do século XX, mas que remonta, historicamente, ao tempo do Brasil Colônia. O fundamento jurídico dos direitos territoriais indígenas foi retomado por militantes dos direitos indígenas na década de 1980 e utilizado discursivamente pelos povos indígenas, ingressando na Constituição Federal de 1988 por meio da expressão “direitos originários”. A Constituição Federal de 1988 trouxe também o novo paradigma interpretativo para os direitos indígenas ao reconhecer o direito à diferença, agregando ao conceito de terra indígena a perspectiva da tradicionalidade. Do ponto de vista da realidade social, há uma demora nos processos demarcatórios de terras indígenas que agrava os conflitos e a violência. Além disso, a decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento do caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, que entendeu que os povos indígenas deveriam estar em suas terras na data da promulgação da Constituição Federal de 1988 para que seus direitos fossem reconhecidos, ainda que não vinculante são contextos que delineiam a problemática da pesquisa que é o questionamento acerca da instrumentalidade do Instituto do Indigenato para garantir o acesso e permanência dos povos indígenas em seus territórios tradicionais. A hipótese é a de que, com base na teoria crítica do direito, o Instituto do Indigenato, da forma jusnaturalista como é interpretado hoje, não abarca a dinamicidade da territorialidade indígena e não assegura tais direitos. A metodologia proposta é a indutiva e monográfica, uma vez que se opta por aprofundar a história e territorialidade Guarani na busca de investigar a hipótese. O trabalho é desenvolvido da seguinte forma: no primeiro capítulo aborda-se a categoria terra indígena em sua historicidade e categorias. No segundo capítulo, apresenta-se um panorama da situação das terras indígenas no Brasil e da realidade vivenciada por estes povos e atuação do STF na (des)construção destes direitos. Em terceiro capítulo, trata-se da história, identidade e do território Guarani, reconhecendo a importância da mobilidade (guata) para estes povos. No último capítulo, confirma-se a hipótese de que o Instituto do Indigenato, enquanto expressão de uma perspectiva jusnaturalista de direitos, é insuficiente para abranger a realidade vivenciada pelos povos indígenas. Dentro dos limites de um trabalho feito por uma pesquisadora não-indígena, aponta-se que é preciso reinventar o Instituto do Indigenato, fazendo-o a partir da análise dos processos de territorialização e resistência Guarani e da importância da caminhada (guata) e das redes de reciprocidade que

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integram o seu território-mundo. Ao final, propõe-se a reinvenção do Instituto do Indigenato para que, além da ideia de “origem”, baseada em critérios de autoidenficação, também seja reconhecido o “percurso” realizado pelos povos indígenas para assegurar a manutenção e o vínculo com seus territórios, em respeito aos processos de luta pela vida digna, ou seja, como supõe a teoria crítica, em respeito aos direitos humanos.

Palavras-chave: Direitos indígenas. Direitos territoriais Guarani. Instituto do Indigenato. Teoria crítica dos direitos humanos.

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ABSTRACT

This research is about indigenous territorial rights in Brazil which legal basis is the Institute of Indigenato, a category developed by jurist João Mendes Junior in the early Twentieth Century and historically dates to Colonial´s time in Brazil. The legal basis of indigenous territorial rights was appropriate by indigenous rights activists in the 1980’s and it was used in indigenous peoples’ discourse and it gain presence in the Constitution of the Federative Republic of Brazil in 1988 through the expression “original rights”. Brazilian Constitution of 1988 also brought a new interpretive paradigm for Brazilian indigenous rights by recognizing the right to be different, adding to the concept of indigenous land the perspective of traditionality. From social’s point of view, there is a delay in the demarcation of indigenous lands that aggravates conflicts and violence. In addition, Supreme Court’s decision in the trial of indigenous land Raposa Serra do Sol, that understood that indigenous peoples should be on their lands on the date of the promulgation of Federal Constitution of 1988 in order to have their rights recognized, although not binding, delineates the problematic of this research which is questioning about the instrumentality of the Institute of Indigenato to guarantee the access and permanence of the indigenous peoples in their traditional territories. The hypothesis is that, based on legal´s critical theory, the Institute of Indigenato, as it is interpreted today in a jusnaturalist way, is not sufficient to cover the dynamicity of indigenous territoriality and does not guarantee such rights. The methodology used is the inductive and monographic, it was chosen to deepen Guarani’s history and territoriality to answer the hypothesis. The theses is developed as follow: in the first chapter it deals with the category of indigenous land in its historicity and categories. The second chapter presents an overview of the situation of indigenous lands in Brazil and the reality experienced by these peoples and the Supreme Court action in the (de) construction of these rights. The third chapter presents Guarani’s history, identity and territory, recognizing the importance of mobility (guata) for these peoples. In the last chapter, the hypothesis is confirmed that the Institute of Indigenato, as an expression of jusnaturalist perspective of rights, is insufficient to cover the reality experienced by indigenous peoples. Within the limits of a theses realized by a non-indigenous researcher, it points out that it is necessary to reinvent the Institute of Indigenato, making it from the analysis of Guarani’s territoriality and resistance processes and the importance of the pilgrimage (guata) and of the networks as part of its world-territory. At the end, it is proposed the

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reinvention of the Institute of Indigenato that besides de ideia of “origin”, based on criteria of self-identification, also be recognize the “path” carried out by the indigenous peoples to ensure the maintenance and bond with their territories, in order to respect the processes of struggle for the dignified life, that is, as the critical theory supposes, the respect to the human rights.

Keywords: Critical theory of human rights. Indigenous rights. Institute of Indigenato. Territorial rights Guarani.

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RESUMEN

La investigación trata de los derechos territoriales indígenas en Brasil que se fundamentan en el Instituto del Indigenato, categoría desarrollada por el jurista João Mendes Junior a comienzos del siglo XX y remonta históricamente al tiempo de Brasil Colonia. El fundamento jurídico de los derechos territoriales indígenas fue retomado por militantes en la década de 1980 y utilizado discursivamente por los pueblos indígenas, ingresando en la Constitución Federal de 1988, por la expresión “derechos originarios”. La Constitución Federal de 1988 también trajo el nuevo paradigma para los derechos indígenas al reconocer el derecho a la diferencia, agregando al concepto de tierra indígena la tradicionalidad. Desde la realidad social, hay una demora en los procesos demarcatorios de tierras indígenas que agravan los conflictos y la violencia. Además, la decisión del Supremo Tribunal Federal (STF) en el juicio de la Tierra Indígena Raposa Serra do Sol, que entendió que los pueblos indígenas deberían estar en sus tierras en la fecha de la promulgación de la Constitución Federal de 1988 para que sus derechos fuesen reconocidos, aunque no sea vinculante, delinea la problemática de esta investigación que es el cuestionamiento sobre la instrumentalidad del Instituto del Indigenato para garantizar el acceso y permanencia de los pueblos indígenas en sus territorios tradicionales. La hipótesis es que, con base en la teoría crítica del derecho, el Instituto del Indigenato, de la forma jusnaturalista como es interpretado hoy, no abarca el dinamismo de la territorialidad indígena y no asegura tales derechos. La metodología propuesta es la inductiva y monográfica, pues profundiza la historia y territorialidad Guaraní para investigar la hipótesis. El trabajo se desarrolla de la siguiente forma: en primer capítulo se aborda la categoría tierra indígena en su historicidad y categorías. En segundo capítulo, se presenta un panorama de la situación de las tierras indígenas en Brasil y de la realidad vivenciada por estos pueblos y la actuación del STF en la (des) construcción de estos derechos. En tercer capítulo, se aborda la historia, identidad y el territorio guaraní, tratando de la importancia de la movilidad (guata) para estos pueblos. En el último capítulo, se confirma la hipótesis de que el Instituto del Indigenato, expresión de una perspectiva jusnaturalista de derechos, es insuficiente para abarcar la realidad vivenciada por los pueblos indígenas. En los límites de un trabajo hecho por una investigadora no indígena, se busca apuntar la necesidad de reinventar el Instituto del Indigenato, haciéndolo a partir del análisis de los procesos de territorialización y resistencia Guaraní y de la importancia de la caminata (guata) y de las redes de reciprocidad que

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integran su territorio-mundo. Al final se propone la reinvención del Instituto del Indigenato para que además de la “origen”, basada en criterios de auto identificación, también sea reconocido el “recorrido” realizado por los pueblos indígenas para asegurar el mantenimiento y el vínculo con sus territorios, en respeto a los procesos de lucha por la vida digna, o sea, conforme la teoría crítica, en respeto a los derechos humanos.

Palabras clave: Derechos indígenas. Derechos territoriales de Guaraní. Instituto del Indigenato. Teoría crítica de los derechos humanos.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Situação das Terras Regularizadas com relação à Superfície do MS ... 163 Figura 2 - Situação das Terras Regularizadas com relação à Região Sul ... 163

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Situação jurídica das terras indígenas no Brasil ... 84 Tabela 2 - Situação das TIs no Brasil ... 86 Tabela 3 - Demarcações por governos no Brasil ... 88 Tabela 4 - População Guarani na Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai ... 149

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AGU - Advocacia Geral da União

APIB - Articulação dos Povos Indígenas do Brasil CIMI - Conselho Indigenista Missionário

CTI - Centro de Trabalho Indigenista FUNAI - Fundação Nacional do Índio

GPAJU - Grupo de Pesquisa em Antropologia Jurídica GT - Grupo de trabalho

INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária IHGB - Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

IHGSP - Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo ISA - Instituto Socioambiental

OIT - Organização Internacional do Trabalho ONG - Organização Não-Governamental

PPTAL - Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal

SPU - Serviço de Patrimônio da União SPI - Serviço de Proteção aos Índios STJ - Superior Tribunal de Justiça STF - Supremo Tribunal Federal TI - Terra Indígena

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 23

1 DIREITOS TERRITORIAIS INDÍGENAS O

INSTITUTO DO INDIGENATO À LUZ DA TEORIA CRÍTICA DO DIREITO ... 29 1.1 A CATEGORIA JURÍDICA “TERRA INDÍGENA” ... 30 1.2 O INSTITUTO DO INDIGENATO E SUA (DES) CONTEXTUALIDADE HISTÓRICA ... 39 1.3 OS DIREITOS INDÍGENAS DENTRE AS DEMANDAS DOS MOVIMENTOS ÉTNICO-CULTURAIS... 49 1.4 A TEORIA CRÍTICA DO DIREITO: A TEORIA CRÍTICA DOS DIREITOS HUMANOS E A CRÍTICA FEMINISTA COMO APORTE PARA SE PENSAR OS DIREITOS TERRITORIAIS INDÍGENAS ... 60

2 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A (DES)

CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS TERRITORIAIS INDÍGENAS79 2.1 PANORAMA GERAL DOS DIREITOS TERRITORIAIS INDÍGENAS NO BRASIL ... 80 2.1.1 A situação jurídica das terras indígenas no Brasil ... 80 2.1.2 A situação dos povos indígenas em suas terras no Brasil 87 Demarcações - Brasil ... 88 2.1.3 A situação política dos direitos territoriais indígenas no Brasil ...97

2.2 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A

INTERPRETAÇÃO DOS DIREITOS TERRITORIAIS INDÍGENAS ...103 2.2.1 O Poder Judiciário e a judicialização da política ... 103 2.2.2 O Julgamento da TI Raposa Serra do Sol e o marco temporal ...108 2.2.2.1 TI Guyraroka (Kaiova) no Mato Grosso do Sul ... 113 2.2.2.2 TI Porquinhos dos Canela-Apaniekra no Maranhão ... 117 2.2.2.3 TI Limão Verde/Córrego Seco dos Terena no Mato Grosso do Sul ...122

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2.3 A ANÁLISE DO MARCO TEMPORAL NO PARECER DO JURISTA JOSÉ AFONSO DA SILVA E A “RESISTÊNCIA” DO INSTITUTO DO INDIGENATO ... 127

3 DIREITOS TERRITORIAIS INDÍGENAS GUARANI 133

3.1 ETNICIDADE E DIREITOS TERRITORIAIS ... 133 3.1.1 Etnicidade e direitos ... 133 3.1.2 Território, Territorialidade e processos de territorialização

142

3.2 OS GUARANI: HISTÓRIA, IDENTIDADE E TERRITÓRIO ...147 3.2.1 História e Identidade ... 147 3.2.2 Território Guarani e mobilidade ... 156 3.2.3 Situação fundiária das terras Guarani ... 162

4 A REINVENÇÃO DO INDIGENATO: DAS ORIGENS

AO PERCURSO ... 171

4.1 A SITUAÇÃO COLONIAL DOS POVOS INDÍGENAS NO

BRASIL E OS LIMITES DO PARADIGMA JUSNATURALISTA . 172 4.2 O INSTITUTO DO INDIGENATO E A LEITURA ANTROPOLÓGICA DO DISCURSO DE ORIGEM ... 181 4.3 O INSTITUTO DO INDIGENATO E OS PROCESSOS DE LUTA GUARANI ... 189 4.4 A REINVENÇÃO DO INSTITUTO DO INDIGENATO A PARTIR DA POSSIBILIDADE JURÍDICA DA APREENSÃO DA CATEGORIA INDÍGENA ... 200 4.4.1 As decisões iniciais para a Reinvenção do Indigenato ... 200 4.4.2 A lógica da identidade e os limites para a apreensão da categoria nativa ... 203 4.4.3 O fundamento dos direitos territoriais indígenas Guarani: uma perspectiva para o Instituto do Indigenato ... 213 CONCLUSÃO ... 221 REFERÊNCIAS ... 229

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INTRODUÇÃO

A tese que se apresenta é o resultado de uma caminhada longa na pesquisa em direitos indígenas que teve início há aproximadamente 10 (dez) anos no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGD/UFSC), no grupo de orientandos da Professora Dra. Thais Luzia Colaço, que com sua formação interdisciplinar, proporcionava uma visão mais humanística e menos dogmática do direito.

É importante destacar que, no percurso desta pesquisa, a Professora Dra. Thais Luzia Colaço foi a orientadora entre março de 2015 até maio de 2016, auxiliando na factibilidade do projeto, sua avaliação em banca, bem como na correção do primeiro capítulo. Por circunstâncias alheias aos anseios desta pesquisadora, foi comunicado pelo Programa a necessidade de solicitação de nova orientação. Assim sendo, a Professora Letícia Albuquerque aceitou o convite para a orientação e conduziu a pesquisa dentro dos objetivos estabelecidos.

A primeira composição do grupo de pesquisadores em direitos indígenas no PPGD/UFSC, coordenado pela Professora Dra. Thais Luzia Colaço, que influenciou a elaboração deste trabalho, foi denominada como Núcleo de Estudos em Direitos Indígenas. Posteriormente, diante da inserção da antropologia como conteúdo obrigatório no Curso de Direito, logo se percebeu a relevância deste fato e a necessidade de ampliar os horizontes das pesquisas, passando o grupo a se intitular Grupo de Pesquisa em Antropologia Jurídica (GPAJU).

A partir da experiência desenvolvida no GPAJU, inclusive com a publicação de obra coletiva de Antropologia Jurídica que refletia esta nova realidade nos Cursos de Direito, iniciou-se um caminho que não tinha mais retorno, que era o estabelecimento de um imprescindível diálogo interdisciplinar entre o direito e a antropologia para a concretização dos direitos indígenas.

Em março de 2008, a pesquisadora defendeu sua dissertação intitulada “Direitos territoriais indígenas: diálogo entre o direito e a antropologia – o caso da terra guarani Morro dos Cavalos”, orientada pela Professora Dra. Thais Luzia Colaço e, antes de prosseguir para o Doutorado, sofreu relevante “desvio de rota” ao participar do Mestrado Oficial da União Europeia da Universidade Pablo de Olavide de Sevilha, com bolsa de estudos do Governo de Andaluzia, aprendendo com um importante teórico dos direitos humanos, o professor já falecido, Joaquín Herrera Flores.

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A oportunidade da reflexão sobre os direitos territoriais indígenas à luz da teoria crítica dos direitos humanos trouxe um novo e importante aporte teórico para a pesquisa, que fez com que seja esta a teoria de base no desenvolvimento da tese. Assim, a pesquisa é desenvolvida dentro do paradigma crítico do direito pois, em primeiro lugar, reconhece o esgotamento dos modelos positivista e jusnaturalista, conforme apontado por Antonio Carlos Wolkmer (2015), e também entende que os direitos humanos são processos de luta pela vida digna, como apresentado por Herrera Flores (2005), muito embora não deixe de reconhecer a importância da tecnicidade jurídica quando utilizada a favor dos povos indígenas, nas lutas empreendidas nos tribunais.

Tendo em vista que o conhecimento produzido em direitos humanos deve ter uma função social e não ser apenas mera especulação filosófica, o problema central do trabalho envolve o questionamento do fundamento jurídico dos direitos territoriais indígenas, o Instituto do Indigenato, no sentido de se buscar a concretização de direitos com o efetivo acesso e manutenção dos territórios pelos povos indígenas. O Instituto do Indigenato é considerado pela doutrina jurídica nacional como o fundamento jurídico dos direitos territoriais indígenas no Brasil, com raízes que remontam ao direito luso-colonial. Foi consagrado na Constituição Federal de 1988, que expressamente reconheceu os direitos territoriais indígenas como “direitos originários”, mas ao lado de outros direitos humanos vêm sofrendo um constante ataque em função de interesses hegemônicos e contrários à visão de mundo dos povos tradicionais.

Embora o Instituto do Indigenato seja o argumento tradicional na defesa dos direitos territoriais indígenas, o que se verifica na atualidade é que, após o julgamento do caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TI Raposa Serra do Sol) pelo Supremo Tribunal Federal (STF), esta construção – desenvolvida pelos mais renomados juristas e aceita pelos povos indígenas – sofreu um grande “golpe” de interpretação jurídica.

O STF, não por unanimidade, ao estabelecer condicionantes para o reconhecimento da terra indígena neste julgado, desenvolveu a concepção de que os direitos territoriais indígenas seriam assegurados somente se houvesse a presença indígena na terra no ano da promulgação da Constituição de 1988, resguardados os casos de renitente esbulho. Estabeleceu ainda a condicionante de que estaria vedada a ampliação de terras indígenas. Esta decisão, apesar de não ser vinculante, conforme já decidido em sede de embargos de declaração, ensejou a judicialização de demandas contra demarcações, com a anulação de portarias declaratórias

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de terras indígenas, e, por outro lado, a reação de juristas, indigenistas e povos indígenas contra o denominado “marco temporal”.

Neste contexto, a problemática que se coloca é: diante dos processos sociais e históricos aos quais foram e ainda são submetidos os povos indígenas, o Instituto do Indigenato, entendido como direitos originários que foram mantidos após a colonização, apresenta-se, nos dias atuais, como um fundamento jurídico consistente para tratar a territorialidade indígena, protegendo assim tais direitos?

A hipótese de trabalho se pauta na ideia da teoria crítica de que os direitos humanos são processos de luta e que, após quinhentos anos de políticas movidas pelo paradigma assimilacionista no Brasil, os fundamentos dos direitos territoriais indígenas devem estar inseridos no novo paradigma de direito à diferença, sob pena de que a territorialidade indígena continue sendo pautada pelo parâmetro colonial. Portanto, têm-se por hipótetêm-se que o Instituto do Indigenato, da forma jusnaturalista como é interpretado hoje, não abarca a dinamicidade da territorialidade indígena e não assegura tais direitos.

O processo de elaboração da pesquisa tem um primeiro momento dialético, no qual é desenvolvida a análise da historicidade da categoria da terra indígena e do Instituto do Indigenato para que, com a leitura da teoria crítica, sejam confrontados com a realidade social e jurídica dos direitos territoriais na atualidade.

Para esta análise, a pesquisa é desenvolvida com base em importantes instrumentos de diagnóstico da realidade indígena no Brasil, tais como o Relatório da missão ao Brasil da Relatora Especial sobre os direitos dos povos indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU, 2016), os dois últimos relatórios do Conselho Missionário Indigenista (CIMI), intitulados Relatório da Violência Contra os Povos Indígenas do Conselho Indigenista Missionário (CIMI, 2016; 2017) e outros estudos empíricos relevantes. Este primeiro momento de confronto entre os aspectos gerais da territorialidade indígena e a realidade social e jurídica atual é finalizado com a análise do estabelecimento do marco temporal pelo STF no caso da TI Raposa Serra do Sol e a sua consequência jurídica em julgados posteriores.

O segundo momento é indutivo, no qual se passa à abordagem interdisciplinar com a antropologia para se verificar as especificidades da territorialidade Guarani, de forma a avaliar se há um esgotamento da categoria Instituto do Indigenato e a possibilidade de se repensar novos caminhos de fundamentação jurídica a partir da cosmovisão desta etnia. Para analisar a hipótese apresentada, é utilizado o procedimento monográfico de estudo, pois a territorialidade Guarani, estudada em

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profundidade, é representativa para a compreensão dos aspectos gerais do tema.

As técnicas de pesquisa central são a bibliográfica (interdisciplinar) e documental (legislação, laudos, processos), que possibilitam o conhecimento do estado da arte e o aprofundamento das categorias adotadas também a partir de etnografias existentes sobre o povo Guarani.

O objetivo geral da pesquisa é verificar se o fundamento jurídico dos direitos territoriais indígenas, o Instituto do Indigenato, da forma como interpretado hoje, é suficiente para contemplar a territorialidade indígena e se é instrumento hábil para proteger esses direitos diante da realidade social brasileira atual, com enfoque na territorialidade Guarani.

No plano de trabalho, constituem-se em objetivos específicos da tese: 1) apresentar de forma crítica a construção histórico-jurídica da categoria terra indígena e do Instituto do Indigenato, buscando mapear os direitos indígenas no quadro das novas demandas étnico-culturais, em diálogo com a teoria crítica dos direitos humanos e a crítica feminista; 2) analisar o cenário dos direitos territoriais indígenas no Brasil, traçando um panorama da situação sociojurídica e política, destacando a interpretação do STF a partir do julgamento do caso da TI Raposa Serra do Sol; 3) identificar a relação entre etnicidade e direitos territoriais e os aspectos gerais da territorialidade Guarani; 4) verificar se, a partir dos processos de territorialização vivenciados pelos Guarani e diante das perspectivas da antropologia da dinamicidade, é possível desenvolver novos aportes ao Instituto do Indigenato, a fim de abranger a dinamicidade da territorialidade indígena e proteger com eficácia seus direitos territoriais.

A tese é desenvolvida na estrutura de 4 capítulos, sendo que, no início de cada capítulo, optou-se por trazer uma breve apresentação do que será tratado de forma a trazer dinamicidade à leitura. No primeiro capítulo, apresenta-se a historicidade da categoria jurídica “terra indígena” e o seu clássico fundamento jurídico, o Instituto do Indigenato, categoria principal da pesquisa. Ainda no primeiro capítulo, trata-se da mudança de paradigma e das perspectivas dos direitos territoriais à luz da teoria crítica do direito, em especial da teoria crítica dos direitos humanos – apresentando a teoria de base – bem como a crítica feminista.

O segundo capítulo adentra a realidade sociojurídica das terras indígenas no Brasil, tratando sua situação fundiária, a realidade vivida pelos povos em suas terras, as pretensões normativas de desconstrução dos direitos indígenas e a interpretação feita pelo STF no caso Raposa Serra do Sol, que estipulou um marco temporal para a presença indígena

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e os julgados posteriores influenciados por esta decisão. Encerra-se o capítulo com o parecer do jurista José Afonso da Silva, que questiona as interpretações daquela Corte com relação aos direitos territoriais indígenas.

O terceiro capítulo estabelece o diálogo interdisciplinar do direito com a antropologia, abordando as categorias etnicidade e processos de territorialização, e constrói a ponte teórica-estratégica para a discussão da hipótese a partir da análise da territorialidade do povo Guarani. Neste caso será tratada a sua história, identidade, religiosidade e a importância da mobilidade na construção da territorialidade Guarani.

No quarto capítulo é discutida a hipótese e se apresenta uma resposta ao problema central da tese, no sentido de buscar uma reinvenção do Indigenato, e está dividido em quatro subitens.

O primeiro subitem relaciona o discurso jusnaturalista com as categorias da antropologia dinâmica, que aborda que os povos nativos ainda são submetidos a processos vários que fazem com que estes ressignifiquem seus territórios. O segundo reencontra a importância do discurso da origem para os povos indígenas, de forma a se repensar a força discursiva do Instituto do Indigenato. No terceiro subitem, retoma-se a territorialidade guarani, desta feita para falar dos modos de resistências, ou seja, os denominados processos de luta pela terra e pela dignidade humana.

No quarto e último subitem, considerando os limites da pesquisa desenvolvida por uma não indígena, articulam-se os aspectos culturais e simbólicos da territorialidade/mobilidade Guarani (guata)1 para apresentar uma proposta de Reinvenção do Instituto do Indigenato, abordado a partir da ótica do novo paradigma da diferença, dentro de uma concepção interdisciplinar e intercultural.

1 A grafia das palavras indígenas é feita em itálico, exceto quando se tratar da etnia indígena ou seus subgrupos. Sobre a grafia das palavras na língua guarani, optou-se por seguir a forma utilizada pela antropóloga Maria Inês Ladeira (2008, p. 27), que informa que segue o Summer Institute of Linguistics, mas procura simplificá-lo. A autora esclarece que a maioria das palavras guaranis são oxítonas e, assim sendo, não as acentua, o que será seguido aqui.

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1 DIREITOS TERRITORIAIS INDÍGENAS – O INSTITUTO DO INDIGENATO À LUZ DA TEORIA CRÍTICA DO DIREITO

La libertad no necesita alas, lo que necesita es echar raíces

(Octavio Paz). Neste capítulo é tratado o tema dos direitos territoriais indígenas, apresentando seus aspectos históricos e o seu fundamento jusfilosófico, o Instituto do Indigenato, categoria central do problema de pesquisa. Busca-se posicionar epistemologicamente os direitos indígenas no cenário das demandas dos movimentos étnico-culturais, sem deixar de considerar que o território é elemento central para a realização identitária dos povos indígenas.

Apresenta-se, em primeiro lugar, a categoria jurídica “terra indígena” em seu aspecto histórico desde a Conquista até a Constituição Federal de 1988, que reconheceu o pluralismo étnico existente no país e modificou o paradigma da política indigenista da assimilação para o paradigma da diferença. São trazidos os tipos de terras indígenas de modo a introduzir, especificamente, a terra tradicional fundada no Instituto do Indigenato, objeto da pesquisa.

Este Instituto, que tem como seu idealizador o jurista João Mendes Junior, é apresentado de forma contextualizada, buscando demonstrar sua topologia no campo do jusnaturalismo. Superada a contextualização, faz-se, com base na teoria dos novos movimentos sociais e dos novos direitos, a abordagem dos direitos indígenas no quadro dos movimentos étnico-culturais.

Com a observância desta nova realidade política e sociojurídica dos direitos étnico-culturais, apresenta-se a teoria de base da pesquisa, que é a teoria crítica dos direitos humanos, conforme esposada por Herrera Flores, para demonstrar a importância de se repensar novos fundamentos aos direitos humanos e, no caso específico, aos direitos territoriais indígenas.

Partindo da figura do diamante ético de Herrera Flores para a realização dos direitos humanos, pelo qual as lutas dos movimentos sociais se visualizam e se complementam, busca-se o aporte da crítica feminista para iniciar o percurso teórico de se repensar o fundamento dos direitos territoriais indígenas.

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1.1 A CATEGORIA JURÍDICA “TERRA INDÍGENA”

A categoria jurídica “terra indígena” apresenta um longo percurso teórico cuja historicidade remonta à Conquista e Colonização da América. Foi na gênese da modernidade, de acordo com Enrique Dussel (2000, p. 60), que se deram as primeiras discussões sobre que direito teria o europeu de dominar e gerir as culturas e territórios militarmente conquistados.

Antes dos primeiros atos de colonização portuguesa, ocorreram os debates sobre os direitos territoriais dos povos indígenas, ancorados na tradição do jusnaturalismo cristão de defesa dos povos da América. Sua origem remonta ao pensamento dos teólogos-juristas da Escola Clássica de Direito Natural, com irradiação a partir da Universidade de Salamanca2.

A discussão sobre a legitimidade da Conquista da América ficou praticamente fixada a partir do pensamento de Francisco de Vitoria, de acordo com Zavala (1971, p. 20).

Vitória (1998, p. 142) afirmava que o Papa não era o senhor temporal do Universo, mas a presença ibérica na América se justificava pelo ideal de universalização do cristianismo, sendo possível, inclusive, lançar contra os povos nativos “a guerra justa”:

Se os bárbaros, tanto os senhores mesmos, como o povo, impedirem aos espanhóis de anunciar livremente o Evangelho, estes podem predicar mesmo contra a vontade daqueles, tendo a razão disto em evitar o escândalo, e podem procurar a conversão daquelas gentes, e se for necessário, aceitar a guerra ou declará-la por este motivo, até que deem oportunidade e segurança para predicar o Evangelho.3

2 No capítulo 1 da dissertação intitulada “Direitos territoriais indígenas: Diálogo entre o Direito e a Antropologia – O caso a terra Guarani Morro dos Cavalos" (APARICIO, 2008, p. 15-47), delineou-se o constructo teórico sobre os direitos territoriais indígenas que se iniciou com os teólogos-juristas da primeira modernidade hispânica e sua influência na legislação colonial portuguesa.

3 Tradução própria. No original: Si los bárbaros, tanto los señores mismos, como el pueblo, impidieran a los españoles anunciar libremente el Evangelio, éstos pueden predicar aun contra la voluntad de aquellos, dando antes razón de ello para evitar el escándalo, y pueden procurar la conversión de aquellas gentes, y si fuera necesario aceptar la guerra o declararla por este motivo, hasta que den oportunidad y seguridades para predicar el Evangelio.

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Na teorização sobre os direitos dos povos indígenas, merecem destaque também os debates travados entre Bartolomé de Las Casas e Ginés de Sepúlveda, no período de 1550-1551, nas Juntas de Valladolid, cujo objeto foi a ilegitimidade de escravização dos povos indígenas defendida pelo primeiro e que influenciou a política indigenista no Brasil Colônia, de acordo com Perrone-Moisés (1998, p. 115).

Portugal seguiu a tradição jusnaturalista da Escola de Salamanca para os direitos indígenas no período colonial (CARNEIRO DA CUNHA, 1987, p. 53-54), sendo a conversão dos gentios o valor supremo do colonizador, segundo Perrone-Moisés (2000, p. 107-118, 2000).

A tarefa de catequização foi atribuída, a princípio, à Companhia de Jesus (Lei de 26 de julho de 1596), que deveria convencer os indígenas ao “descimento” junto aos povoados para a formação de aldeamentos pelos “bons meios” (BEOZZO, 1983, p. 21).

Destaca-se que, paralelamente à tradição jusnaturalista de reconhecimento de direitos territoriais e liberdade aos povos indígenas, o regime de ocupação das terras brasileiras foi da concessão de sesmarias aos homens dotados de posse, que somente findou em 1822, sustentando Lima (1990, p. 40) que este instituto foi o germe dos futuros latifúndios no Brasil.

Da legislação colonial, sustenta-se que duas Cartas Régias (1609 e 1611) e o Alvará de 1680 teriam reconhecido direitos originários aos povos indígenas. Estes seriam os marcos fundamentais dos direitos territoriais indígenas, utilizados por Mendes Junior para a construção do Instituto do Indigenato no início do século XX.

A legislação colonial portuguesa, em sua retórica jusnaturalista, defendia os direitos indígenas, mas a finalidade da política para os povos indígenas era sua conversão. Os aldeamentos eram as unidades de ocupação territorial, produção, economia e disciplina para o trabalho (OLIVEIRA FILHO, 1999b, p. 11-36).

Ao final do século XVIII, deu-se a influência de algumas ideias iluministas na política indigenista, com a expulsão dos religiosos na administração dos aldeamentos feita pelo Marquês de Pombal e, posteriormente, durante a Independência, com José Bonifácio de Andrada e Silva. Em seus “Apontamentos para a civilização dos índios bravos do Império do Brasil” (ANDRADA E SILVA, 2002, p.183-199), idealizou um projeto político para a integração dos indígenas, mas que não foi recebido pela Constituição de 1824. Segundo Carneiro da Cunha (1998, p. 137), este projeto, se aprovado, seria o etnocídio dos povos indígenas, já que ele previa a compra de suas terras.

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Durante o Brasil Império, ocorreu a extinção dos aldeamentos4 (CARNEIRO DA CUNHA, 1998, p. 133-154) e a promulgação da Lei n. 601 de 1850 (Lei de Terras), que institui o regime de registro obrigatório, ensejando a construção argumentativa de João Mendes Júnior sobre o direito originário dos povos indígenas durante a Primeira República, que será abordada mais adiante.

Inspirada na obra de Augusto Comte e divulgado no Brasil por trabalhos apresentados na Escola Militar, a crença na doutrina do equilíbrio e do progresso passou a nortear as ideias da política indigenista na República. De acordo com a visão positivista, o indigenismo protecionista republicano deveria se pautar em princípios de brandura e na atuação de agentes estatais na integração do indígena à sociedade brasileira (GAGLIARDI, 1989).

Apesar da influência positivista, a Primeira Constituição da República não tratou da questão indígena5, mas impactou em seus direitos territoriais ao transferir aos Estados-membros as terras devolutas. Esta categoria, historicamente, está associada à expropriação de terras indígenas, contra o que também se insurgiu Mendes Junior, como será abordado.

No cenário do protecionismo positivista, criou-se em 1910, o Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais, posteriormente denominado apenas Serviço de Proteção aos Índios (SPI), órgão de proteção estatal integrante do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio que buscava transformar o indígena em “trabalhador nacional” e libertar suas terras para agricultura (SOUZA LIMA, 1998, p. 157).

Ainda que tivessem ideais humanitários, os projetos positivistas abriam terras para a colonização e, conforme reflete Souza Lima (1995, p.108), relacionavam-se ao paradigma evolucionista que impactava a vida destes povos:

Mais importante é perceber como tais ideias viraram planos para ação e ganharam materialidade

4 O processo de extinção dos aldeamentos ocorreu a partir do Ato Adicional de 1834, que atribuiu às Províncias a competência para, cumulativamente com o Governo Geral, promover a catequização indígena. Com esta descentralização, várias aldeias foram extintas com expedições ofensivas de expulsão dos indígenas (CARNEIRO DA CUNHA, 1998, p. 137-138).

5 Gagliardi (1989, p. 56) aponta que o projeto dos positivistas Miguel Lemos e Teixeira Mendes previa a proteção aos povos indígenas dentro de uma perspectiva evolucionista.

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institucional, como estes se transformaram ao longo do tempo, e que concretização de um estado das relações de força, das lutas de uma época implicam.

O Código Civil brasileiro de 1916 estabeleceu um regime de capacidade relativa aos povos indígenas, que somente cessaria com sua integração, ou seja, uma vez que deixassem de ser indígenas.

A Constituição de 1934, a segunda republicana, determinou a proteção das terras indígenas: “[..] será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las", assim como a Constituição outorgada de 1937. A Constituição democrática de 1946 não inovou com relação às anteriores.

É importante destacar que, na década de 1940, com as discussões para a criação do Parque Nacional do Xingu, emergiu uma nova concepção de terras indígenas. Esta visão partia da ideia de que era preciso preservar o meio ambiente para que a aculturação indígena ocorresse de forma paulatina (SOUZA LIMA, 1998, p.168). De acordo com Oliveira Filho (1999b, p. 108-109), é a formação da noção de território indígena, que se apresenta a partir de antropólogos como Darcy Ribeiro e Roberto Cardoso de Oliveira.

No plano internacional, a Convenção 107 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), apesar de reconhecer o caráter coletivo da terra indígena, ainda tinha objetivos assimilacionistas.

A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) foi criada em 1967, substituindo o SPI e, no mesmo ano, a Constituição do governo militar inclui as terras indígenas dentre os bens do Estado, na pessoa política da União, assegurando aos indígenas a posse permanente das terras que habitam e usufruto exclusivo dos recursos naturais.

É importante destacar que aquela Constituição (1967) estabeleceu que os atos jurídicos que tivessem por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras indígenas eram nulos e extintos, sem direito à indenização por parte do Estado. A Constituição de 1969 não modificou os direitos previstos na Constituição de 1967.

Por fim, o Estatuto do Índio (Lei n. 6001, de 19 de dezembro de 1973) inaugurou uma nova perspectiva com relação à demarcação ao determinar estudos prévios e levantamento das terras indígenas por parte do Estado (SOUZA LIMA, 2005, p. 51), mas ainda buscava a integração dos povos indígenas.

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Da análise do percurso histórico apresentado sobre os direitos territoriais indígenas, verifica-se que o paradigma que vigorou até a Constituição Federal de 1988 foi o paradigma do assimilacionismo.

A mudança ocorreu na década de 1980 e 1990 em diversas constituições latino-americanas e na normativa internacional – a Convenção n. 169 da Organização Mundial do Trabalho (OIT) e a Declaração das Nações Unidas sobre o Direito dos Povos Indígenas (2007). A Constituição Federal de 1988 inaugurou período chamado por Colaço (2003, p. 75-97) de “novos” indígenas.6

A mudança do paradigma na legislação para os povos indígenas foi de encontro ao largo passado latino-americano que sempre buscou transformar o indígena em “civilizado”. Verificou-se, portanto, uma grande mudança no plano normativo, mas o mesmo não ocorreu com relação ao campo de análise dos juristas, faltando assim um diálogo com a antropologia no desenvolvimento das categorias operacionais.

Thomas Kuhn (2005, p. 116) esclarece que a mudança paradigmática na ciência nem sempre se faz acompanhar da revisão automática de suas categorias e métodos e tampouco se constitui em um processo cumulativo:

A transição de um paradigma em crise para um novo, do qual pode surgir uma nova tradição de ciência normal, está longe de ser um processo cumulativo obtido através de uma articulação do velho paradigma. É antes uma reconstrução da

área de estudos a partir de novos princípios,

reconstrução que altera algumas das generalizações teóricas mais elementares do paradigma, bem como muitos de seus métodos e aplicações. Durante o período de transição haverá uma grande coincidência (embora nunca completa) entre os problemas que podem ser resolvidos pelo antigo paradigma e os que podem ser resolvidos pelo novo (grifou-se).

A Constituição Federal de 1988 trouxe uma importante inovação no conceito de terra indígena, em capítulo próprio intitulado “Dos Índios”, considerando que esta deva abranger a cosmovisão indígena. De

6 No subitem 1.4 da dissertação (APARICIO, 2008, p. 39-47), apresentou-se de forma pormenorizada como se deu a modificação do paradigma da assimilação para o paradigma da diferença na legislação para os povos indígenas.

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forma inaugural, o ordenamento brasileiro reconheceu aos povos indígenas a sua organização social, costumes, línguas, crenças, tradições e os “direitos originários” sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens (art. 231, caput).

O conceito de terra indígena previsto no artigo 231, parágrafo 1º, da Constituição Federal faz uma intersecção com a visão antropológica, uma vez que, após anos de assimilacionismo, determinou que abrangesse os espaços de importância cultural e simbólica para os povos indígenas em sua definição:

São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

Souza Filho (1999, p. 122) pondera que o conceito de terra indígena traçado na Constituição Federal de 1988 é uma solução jurídica que “[..] esconde a realidade de um direito muito mais profundo dos povos, que é o direito ao território”.

Isto porque os conceitos de povo e território ainda estão atrelados à ideia da soberania estatal para os juristas (SOUZA FILHO, 1999, p. 121-122). Suas considerações demonstram correspondência na própria Convenção n. 169 da OIT, que optou por colocar em destaque o fato de que serem considerados “povos” não traria as mesmas implicações do direito internacional:

A utilização do termo ‘povos’, na presente Convenção não deverá ser interpretada no sentido de ter implicação alguma no que se refere aos direitos que possam ser conferidos a esse termo no direito internacional (art. 1.3).

Ainda que o conceito de terra indígena previsto na Constituição Federal de 1988 busque “guardar um balão em uma gaveta”, conforme a metáfora de Souza Filho (1999, p. 121), na atualidade, sua definição se encontra em consonância com a visão da antropologia, que considera que a terra indígena não é apenas um meio de sobrevivência destes povos:

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Para as sociedades indígenas a terra é muito mais do que simples meio de subsistência. Ela representa o suporte da vida social e está diretamente ligada ao sistema de crenças e conhecimento. Não é apenas um recurso natural, mas – e tão importante quanto este – um recurso sociocultural (RAMOS, 1994, p. 13).

Apesar da dificuldade em traduzir a perspectiva territorial dos povos indígenas para a visão ocidental, Gallois (2004, p. 37) entende que o conceito jurídico de terra indígena na Constituição traz possibilidades de intersecções e articulação entre estas visões. De forma analítica, Gallois (2004, p. 39) traça a diferença ontológica entre terra, enquanto categoria jurídica e território, com seus aspectos culturais:

[...] ‘terra indígena’ diz respeito ao processo político-jurídico conduzido sob a égide do Estado, enquanto a de ‘território’ remete à construção e à vivência, culturalmente variável, da relação entre uma sociedade específica e sua base territorial. Com esta diferenciação, entende-se que a categoria jurídica terra indígena, conforme positivada na Constituição Federal de 1988, e também nas normas internacionais ratificadas pelo Brasil7, abrange o conceito de território indígena. De acordo com Jurandyr Leite (1999, p. 112):

A Constituição estabelece, assim, uma nova base sobre a qual deverá pautar-se a definição de terra indígena. E para definir-se qual a terra tradicionalmente ocupada segundo usos, costumes e tradições, torna-se necessário um estudo técnico qualificado, o do antropólogo.

Mesmo com o avanço na definição jurídica da terra indígena, que se caracteriza atualmente por ser um conceito interdisciplinar, a Constituição adotou como fundamento jurídico dos direitos territoriais indígenas a “originariedade” de direitos, consagrando assim o Instituto do Indigenato.

7 Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Decreto n. 5.051, de 19 de abril de 2004 e Declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas.

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A hipótese desta pesquisa é que esta fundamentação está emoldurada pelo paradigma assimilacionista de direitos, bem como atua no campo do jusnaturalismo, não abarcando, portanto, toda a dinamicidade da territorialidade indígena, diante dos processos de territorialização por eles vividos, trazidos pela antropologia, que será objeto de análise no Capítulo 3.

A mediação antropológica demonstra que, ao contrário da visão estática e naturalizante, a configuração territorial está relacionada com os processos sociais e políticos que sujeitam o espaço a uma constante ressignificação (OLIVEIRA FILHO, 1999, p. 11-36).

Assim, tanto a ideia de direitos territoriais quanto a demarcação de terras dos povos indígenas devem ser pensadas dentro da dinâmica a que estão submetidas enquanto sujeitos históricos. De acordo com Oliveira Filho (2002, p. 64), o ato da demarcação é a construção de uma nova realidade sociopolítica para o grupo indígena envolvido:

Demarcar terras indígenas não é jamais um fato técnico isolado, mas a construção de uma nova realidade sociopolítica em que um sujeito histórico, um grupo étnico que se concebe como originário, ingressa em um processo de territorialização e passa a ser reconhecido, sob modalidade própria de cidadania, como participante efetivo da nação brasileira.

O Estatuto do Índio, parcialmente derrogado pela Constituição Federal de 1988, definiu em seu artigo 17 três tipos de terras indígenas:

Art. 17. Reputam-se terras indígenas:

I - as terras ocupadas ou habitadas pelos silvícolas, a que se referem os artigos 4º, IV, e 198, da Constituição;

II - as áreas reservadas de que trata o Capítulo III deste Título;

III - as terras de domínio das comunidades indígenas ou de silvícolas.

Apesar de a doutrina (SOUZA FILHO, 1999, p. 131) entender que para os diferentes tipos de terra indígena não haja distinção quanto aos atributos de inalienabilidade, imprescritibilidade dentre outros, previstos no parágrafo 4º do artigo 231 da Constituição Federal, há uma diferença no que diz respeito a sua fundamentação jurídica: no inciso I, trata-se de

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terra tradicional, ou seja, é fruto de direitos originários dos povos indígenas, fundamentada no Instituto do Indigenato. A área reservada, prevista no inciso II, corresponde à “concessão” feita aos povos indígenas pelo Estado e o terceiro tipo se fundamenta na aquisição privada da titularidade da terra, como a compra e venda, por exemplo.

Independentemente da distinção feita pelo Estatuto do Índio, ainda reconhecida pela doutrina, os direitos territoriais dos povos indígenas enfrentam hoje inúmeras resistências para sua concretização, sendo que o fundamento jurídico das terras indígenas, o Instituto do Indigenato, sofre na atualidade uma crise de interpretação em função do marco temporal trazido pelo Supremo Tribunal Federal no caso do julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, que será analisada de forma pormenorizada no Capítulo 2.

Thiago Cavalcante (2016, p. 17) analisa os aspectos históricos do conceito jurídico de terra indígena, ponderando que este vem passando por uma desconstrução política, por influência dos setores conservadores da sociedade:

O processo de construção do conceito de ‘terra indígena’ foi longo e juridicamente complexo. [..]. Há também, e sobretudo, grande mobilização de setores conservadores da sociedade, que pretendem suspender ou até revogar os direitos territoriais indígenas, ou ainda atribuir novos significados ao conceito, seja por meio de influência política direta na atuação do Poder Executivo federal, ou por iniciativas no âmbito do Congresso Nacional. [..]. É factível que no presente está em curso a desconstrução política de um conceito jurídico. A originariedade de direitos, uma ideia que atua no campo do jusnaturalismo, deixa de abordar as questões fáticas, políticas, sociais relacionadas ao acesso e permanência no território em seus povos indígenas, bem como o seu protagonismo na demanda por direitos.

De acordo com Cavalcante (2016, p. 22), é importante que no reconhecimento da terra indígena seja estudada a etno-história, em especial em áreas de retomadas recentes pelos povos indígenas, como no caso do Mato Grosso do Sul e Paraná, para que se evidencie o processo de esbulho sofrido.

Em seguida, passa-se a análise aprofundada do Instituto do Indigenato de forma a contextualizar o momento e o seu principal teórico, o jurista João Mendes Júnior.

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1.2 O INSTITUTO DO INDIGENATO E SUA (DES) CONTEXTUALIDADE HISTÓRICA

A Constituição Federal de 1988 inovou ao consagrar o elemento cultural na definição de terra indígena, buscando com que a terra seja o suporte da vida sociocultural. Por outro lado, consagrou o instituto luso-colonial do Indigenato ao considerar os direitos territoriais como “direitos originários” dos povos indígenas.

José Afonso da Silva (2014, p. 873-874) entende que os artigos 231 e 232 estabeleceram a base dos direitos indígenas, sendo que a relação jurídica entre os povos indígenas e suas terras é fundamentada pelo Instituto do Indigenato:

São terras da União vinculadas ao cumprimento dos direitos indígenas sobre elas, reconhecidos pela Constituição como direitos originários (art. 231), que, assim, consagra uma relação jurídica fundada no instituto do indigenato, como fonte primária e congênita da posse territorial, consubstanciada no art. 231, parágrafo 2 [...] (grifo no original). O renomado constitucionalista expõe os aspectos jurídicos da terra indígena, para diferenciá-la da posse civil, indicando que o Instituto do Indigenato se relaciona a direitos históricos previstos já nos primeiros tempos do Brasil Colônia:

Os dispositivos constitucionais sobre a relação dos índios com suas terras e o reconhecimento de seus direitos originários sobre elas nada mais fizeram do que consagrar e consolidar o indigenato, velha e tradicional instituição jurídica luso-brasileira que deita suas raízes já nos primeiros tempos da Colônia, quando o Alvará de 1 de abril de 1680, confirmado pela Lei de 6 de junho de 1755, firmara o princípio de que, nas terras outorgadas a particulares, seria sempre reservado o direito dos índios, primários e naturais senhores delas (SILVA, 2014, p. 876).

O Anteprojeto da Constituição de 1988, da Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, a Comissão “Afonso Arinos”, já descrevia os direitos territoriais indígenas como direitos originários: “art. 380 – O

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Governo Federal, reconhecendo as populações indígenas como parte integrante da comunidade nacional, proporá legislação específica com vista à proteção destas populações e de seus direitos originários” (ANTEPROJETO).

Souza Filho (1999, p. 125), na obra “O Renascer dos povos indígenas para o direito”, abre um tópico específico sobre o direito originário apontando que, desde o regime das sesmarias até o advento da Lei de Terras de 1850, houve o reconhecimento da “reserva” de terras indígenas, que, em verdade, eram terras baseadas no Instituto do Indigenato, desenvolvido na doutrina de Mendes Junior:

[..] esta ‘reserva’ era, na verdade a reafirmação do indigenato, instituto da colônia, que nos vem desde 1680, com o alvará de 1º de abril, que garantia, quando das concessões de terras, sempre ‘reservado os direitos dos índios, primários e naturais senhores dela’.

No campo da antropologia, Manuela Carneiro da Cunha (1998) também consagra o Instituto do Indigenato na defesa dos direitos indígenas. Em esforço interpretativo, aponta que a legislação do século XIX reconhecia a primazia dos indígenas sobre suas terras, inclusive na Lei de Terras de 1850: “[...] como magistralmente demonstra João Mendes Jr. (1912) [..]”. (CARNEIRO DA CUNHA, 1998, p. 141)

Juristas e antropólogos indicam como o grande teórico do Instituto do Indigenato, o jurista paulista João Mendes Junior, que defendeu sua existência na legislação luso-brasileira em conferências realizadas em 1902, na Sociedade de Etnografia e Civilização dos Índios, sendo posteriormente publicadas na obra “Os indígenas do Brazil: direitos individuaes e políticos”, no ano de 1912. Assim sendo, passa-se a contextualizar o debate sobre o indigenismo no Brasil na virada do século e o pensamento de Mendes Junior neste cenário.

Carneiro da Cunha (1998, p. 136) explica que o final do século XIX foi marcado pelo discurso indigenista romântico no qual se construiu a autoimagem que o Brasil: "[..] é o índio do romantismo na literatura e na pintura. É o índio bom e, convenientemente, morto”.

Melatti (2007, p. 6) aponta que o surgimento da etnologia do Brasil se deu por meio de autores autodidatas que viviam o conflito de estudar e se preocupar com as populações nativas em meio à influência das teorias raciais da mentalidade da época:

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A partir de meados do século passado, alguns brasileiros se incumbem de tarefas de caráter etnológico. Esses pesquisadores, quase todos autodidatas em Antropologia, a par de seus levantamentos a respeito de índios, negros, sertanejos, mostravam na maior parte dos casos um certo interesse no destino das populações que estudavam e seu lugar na formação do povo brasileiro, cujo futuro era objeto de suas preocupações. Boa parte desses autores vivem um conflito entre a simpatia que devotavam às minorias que estudavam e a situação de inferioridade em que as colocavam na hierarquia biológica que supunham existir.

Na obra “O espetáculo das raças [..]”, Schwarcz (1993, p. 111) explica que o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), criado em 1838 e imbuído do espírito de elaborar a narrativa da história oficial, onde logo ganhou destaque a etnologia, tinha uma postura fatalista com relação à integração da população negra. Já com relação à população indígena, as opiniões variam segundo a autora (SCHWARCZ, 1993, p. 111):

Porém, se imperava uma percepção fatalista quanto à integração dos negros, os indígenas provocavam opiniões variadas, tanto que era possível acomodar no interior do IHGB, seja uma perspectiva positivista e evolucionista, seja um discurso religioso católico, seja uma visão romântica, em que o indígena surgia representado enquanto símbolo da identidade nacional.

Em trabalho sobre o papel da etnografia desenvolvida no Brasil na virada do século, em especial pela atuação dos membros do IHGB, Kodama (2009, p. 108) afirma que o objeto de pesquisa era o índio – excluído o negro –, em especial o tipo “puro”, o Tupi, o índio do passado: “[..] a construção do ‘índio brasileiro’ e do símbolo da nacionalidade não recairia sobre as ‘nações’ do presente, mas sim sobre as do passado: os Tupi, quase desaparecidos e ‘assimilados’ pelo processo de colonização”. Com o advento da República, a nova corrente filosófica do positivismo passou a influenciar a política indigenista republicana, com a criação do já mencionado SPI (GAGLIARDI, 1989, p. 42-43). A política positiva para os povos indígenas buscava a proteção fraternal e a

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assimilação cultural, tendo em vista a crença na transitoriedade do indígena. (SOUZA LIMA, 2005, p. 33).

Apesar de se declarar contrário à doutrina positivista, Mendes Junior (1912), no prefácio de sua obra, teceu elogios ao Ministro da Agricultura, órgão ao qual pertencia o SPI, na intenção de catequizar e civilizar os indígenas:

Dentre os serviços importantes, que puderam ser prestados pelos homens políticos da Republica, assignalarei o impulso que o sr. Rodolpho Miranda, como Ministro da Agricultura deu à catechese e civilização dos nossos indígenas: isso foi o despertar da consciência do Governo na obrigação de proteger os primarios e naturaes possuidores do territorio nacional.

No contexto da polêmica com a Igreja sobre o melhor meio para a catequização dos índios, se missionário ou leigo, Mendes Junior (1912, p. 72), católico e membro da Sociedade de Etnografia e Civilização dos Índios, colocou-se, assim como esta Instituição, favorável à atuação religiosa:

Entendo mesmo que os leigos podem tambem concorrer ao serviço da civilização, certos, entretanto, de que, não só para a Religião, como para outras cousas que exigem tenacidade de sacrificios, sem um lucro pessoal immediato, essas Ordens são insubstituiveis, posto que não devam ser dispensadas de assistencia e inspecção. Gonçalves Dias, que participou de expedição exploradora às províncias do norte do Brasil à serviço do IHGB em 1859, também acreditava que deveria haver uma retomada da catequese dos indígenas (MELATTI, 2007, p. 6):

No fim do trabalho Gonçalves Dias propõe que, ao lado do incentivo à colonização estrangeira, haja uma retomada da catequese dos índios. Gonçalves Dias não estava à frente das idéias de seu tempo: aceitava uma hierarquia das raças e admitia, como Martius, que os índios estavam em decadência, não motivada, mas apenas acentuada pelo contato com os brancos.

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Contudo, ao contrário de Gonçalves Dias, que acreditava na decadência da raça indígena, Mendes Junior (1912, p. 51) não se deixava influenciar pelas teorias racistas de seu tempo, defendendo que a hipótese da inferioridade indígena não estava comprovada:

A capacidade mental e o vigor das raças não podem ser deduzidas desses methodos fundados em hypotheses e observações não verificadas, cada uma dellas concluindo arbitrariamente quer do peso, quer do volume, quer das formas dos craneos. Martins (1977, p.461) aponta que se trata de um período no qual diversos autores levantavam-se a favor da mestiçagem como solução para a questão racial e disto não escapou Mendes Junior (1912, p.51) que a exalta, demonstrando aspectos do romantismo indigenista:

A alma do descendente de indigena cruzado com europeu, é tão vigorosa, e às vezes mais vigorosa do que a alma do puro europeu ou do puro indigena; e tem a vantagem de unir a ambição do europeu à longanimidade do indigena, temperando uma pela outra.

Mendes Junior, conforme aponta John Monteiro (2001, p. 118), insere-se no quadro dos autores que buscavam construir a identidade paulista, tratando de encontrar as suas remotas raízes indígenas:

Se, por um lado, os homens livres recém-egressos do regime de administração particular ou das aldeias apagavam suas raízes indígenas, as principais famílias paulistas caminhavam num sentido inverso, buscando remotas raízes nativas – sempre localizadas no distante século XVI, nas primeiras uniões luso-tupis – consolidava a imagem dos paulistas enquanto povo diferenciado, constituído por famílias antigas de longa genealogia, pelo menos longa o suficiente para diluir os rastros de uma origem indígena.

Neste labor de construção da “paulistanidade”, Mendes Junior atuava como historiador no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP) e também na Sociedade de Etnografia e Civilização dos Índios,

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visando à integração do índio ao Estado brasileiro (NEVES, 2007, p. 216). O IHGSP foi criado no ano de 1894 e era composto pela elite paulista que buscava exaltar sua especificidade na História do Brasil e para isso elegeu como tema central o bandeirismo.

É possível observar este compromisso de Mendes Junior (1912, p. 73), que, em diversas passagens de suas conferências, tecia elogios às personalidades oriundas desta localidade, atribuindo aos paulistas uma missão especial na catequese indígena: “São Paulo foi o Apostolo das Gentes; o Estado de S. Paulo não pode deixar de ter a mesma missão providencial em relação o gentio das nossas florestas”.

A antropologia desenvolvida no IHGSP era eclética e as posições sobre o estudo das raças oscilavam, ora poligenistas, ora monogenistas da humanidade (SCHWARCZ, 1993, p. 130-131). Kodama (2009, p. 115-116) explica que a tese poligenista se baseava na obra do naturalista francês Julien-Joseph Virey, que defendia a ideia de distintas espécies humanas, explicando assim a diferenciação racial. Já o IHGB, com sede no Rio de Janeiro, preferia adotar a tese monogenista, que previa a unicidade do gênero humano.

Apesar das posturas de exaltação do indígena como símbolo nacional, havia visões opostas, como a postura radical Von Jhering, diretor do Museu paulista, defendia o extermínio dos Kaingang no contexto fático de inúmeros confrontos entre índios e não-índios, principalmente no oeste paulista e em Santa Catarina, com a intensificação da expansão da fronteira agrícola (GAGLIARDI, 1989, p. 63-68).

No universo de teorias racistas, o catolicismo de João Mendes (1912, p. 51) fazia com que este fosse contrário aos argumentos poligenistas, com respaldo na doutrina tomista; o jurista de São Paulo, a exemplo dos teólogos espanhóis da Segunda Escolástica, defendia a humanidade do índio:

[..] occorre que propriamente a potencia intellectual não se transmitte pela virtude seminal, mas por uma causa externa [..] e a doutrina catholica, deduzida da geogonia mosaica, confirma aquela observação do Philosopho, affirmando que a alma intelleciva, em cada individuo é uma criação direta de Deus.

Inserido seu pensamento num contexto global da discussão sobre a política indígena, no qual este se demonstra contrário a teorias racistas,

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