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Ativismo judicial e o impacto no Sistema Público de Saúde

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Academic year: 2021

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DEPARTAMENTO DE DIREITO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

MARCIEL JUNCKES

ATIVISMO JUDICIAL E O IMPACTO NO SISTEMA PÚBLICO

DE SAÚDE

Florianópolis 2020

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MARCIEL JUNCKES

ATIVISMO JUDICIAL E O IMPACTO NO SISTEMA PÚBLICO

DE SAÚDE

Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Everton das Neves Gonçalves

Florianópolis

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O povo brasileiro ao definir na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 a saúde como direito fundamental buscou a melhor qualidade de vida de toda a população do País, assumindo compromisso de promover esse direito de forma igualitária e universal. Porém o crescente fenômeno da judicialização, aliado à postura ativista no Poder Judiciário tem provocado a migração de recursos das políticas públicas para a satisfação de demandas individuais, em prejuízo da grande maioria desassistida. Os juízes acabam por produzir a microjustiça, desconsiderando sua repercussão na macrojustiça. Assim, procurou-se analisar os impactos dessa volumosa demanda sobre o sistema público de saúde e suas consequências para a parte mais frágil da população, que não tem acesso para demandar ao Judiciário. Para a realização deste trabalho, foi utilizado o método de abordagem dedutivo, com a realização de pesquisas em obras impressas e também digitais, disponibilizadas na rede de internet. Para encerrar, esse trabalho procura comprovar a ideia que a judicialização individual do direito a saúde acaba por provocar danos aos direitos sociais e coletivos, e que é necessária a mudança de atitude do Poder Judiciário para se alcançar a macrojustiça.

Palavras-chave: Judicialização da Saúde; Ativismo Judicial; Direito à Saúde, Poder Judiciário; Sistema Único de Saúde (SUS). Política Nacional de Medicamentos.

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Tabela 1 - Evolução do número de processos de saúde distribuídos por ano (1ª

instância)………..………...40

Tabela 2 - Evolução dos números de processos de saúde distribuídos por ano (2ª instância)…….….………..…....40

Tabela 3 - Sentenças por assunto TJSP- 2008 a 2017………...41

Tabela 4 - Distribuição anual de antecipações de tutela….………...42

Tabela 5 - Gastos SES/SC com judicialização por ano……….....…44

Tabela 6 - Número de processos judiciais - SES/SC - 2000 a 2018…..…..…….….44

Tabela 7 - Medicamentos judicializados de maior custo - 2018 – SES/SC……...….45

Tabela 8 - Quantidade de novas ações por ano no Estado de São Paulo……..….......46

Tabela 9 - Ações judiciais por ano, valor e tipos de demandas no Estado de São Paulo………..………...…...46

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AIDS - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

ANS - Agencia Nacional de Saúde Suplementar

ANVISA - Agencia Nacional de Vigilância Sanitária

CBAF - Componentes básicos da assistência farmacêutica

CEAF - Componente especializado da assistência farmacêutica

CESAF - Componente estratégico da assistência farmacêutica

CRFB/88 - Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

CFM - Conselho Federal de Medicina

CNS - Conferência Nacional de Saúde

CNS - Conselho nacional de Saúde

CONASEMS - Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde

CONASS - Conselho Nacional das Secretarias Estaduais de Saúde

CONITEC - Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS

HGCR - Hospital Governador Celso Ramos

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INAMPS - Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social

INPS - Instituto Nacional de Previdência Social

INSPER - Instituto de Ensino e Pesquisa

MS - Ministério da Saúde

OMS - Organização Mundial de Saúde

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SES/SC - Secretaria de Estado da saúde de Santa Catarina

SUS - Sistema Único de Saúde

TCU - Tribunal de Contas da União

TJPA - Tribunal de Justiça do Pará

TJRS – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina

UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina

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1. O DIREITO À SAUDE NO BRASIL...15

1.1 O Direito à Saúde na Constituição da República Federativa do Brasil (CRFBb/88)... ...17

1.2 Direito à Saúde na Legislação Brasileira Infraconstitucional...19

1.3 Os Direitos Sociais... ...21

1.4 O Mínimo Existencial...24

1.5 A Reserva do Possível...25

1.6 Princípio da Máxima Efetividade da Norma Constitucional...27

1.7 Responsabilidades do Estado na Efetivação do Direito à Saúde...28

1.8 A Política Nacional de Medicamentos...31

2. A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL...33

2.1 Ativísmo Judicial... ...35

2.1.1 Ativismo Judicial x Judicialização...38

2.2 Decisões Judiciais na Saúde no Brasil...40

2.3 Decisões Judiciais na Saúde no Brasil em Números...42

2.3.1 Ações Judiciais Contra o Estado de São Paulo...48

3. IMPACTO DAS DEMANDAS JUDICIAIS NO SISTEMA DE SAÚDE NO BRASIL... ...50

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3.4 O Resultado Óbvio: A Privatização de Benefícios Por Poucos (que Judicializam)

em Detrimento da Grande Massa Desassistida...60

3.5 Experiências Para Diminuir o Impacto Negativo da Judicialização na Saúde...62

3.6. A Coletivização das Demandas na Área da Saúde...65

CONCLUSÕES FINAIS...68

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INTRODUÇÃO

O direito à saúde no Brasil, cada vez mais ganha espaço no debate público, em função do aumento da demanda ao Poder Judiciário por parte dos cidadãos que requerem do Estado a garantia de acesso a medicamentos, e outras prestações de serviços de saúde. Cada vez mais, pessoas têm recorrido individualmente ao judiciário para solucionar demandas de saúde pública, e a jurisprudência consolidada na última década tem contribuído para o aumento destes números.

A CRFB/88 definiu a saúde como sendo um direito de todos e dever do Estado, devendo este, promovê-la através de políticas sociais e econômicas, garantindo o acesso universal e igualitário a toda a população brasileira. Porém, a excessiva procura pelo Judiciário, de forma individual e não coletiva, tem contribuído não para a universalização, mas para a elitização da saúde pública, no qual quem tem acesso ao Poder Judiciário tem mais direito do que aqueles que não podem ou não buscam a judicialização.

O presente trabalho fará a análise acerca do fenômeno da judicialização da saúde no cenário brasileiro e a postura ativista do Poder Judiciário e os impactos provocados nas políticas públicas e no Sistema Público de Saúde, bem como as consequências àqueles que dependem única e exclusivamente destes para a promoção da saúde.

A relevância e atualidade do tema são inequívocas, devido ao volume de ações judiciais que crescem ano a ano, assim como, a vultosa movimentação de recursos das políticas públicas de saúde para o atendimento das demandas individuais, em detrimento da coletividade. Trata-se de problema que envolve não somente os Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, mas a sociedade como um todo, principalmente as classes menos privilegiadas.

O primeiro Capítulo apresentará resumo sobre o direito à saúde nas Constituições brasileiras, começando pelo período da primeira república, passando pelo período do Estado Novo, o pós-segunda guerra mundial, o regime militar de 1964 até a redemocratização e a Carta Magma de 1988, a “Constituição Cidadã”, que elevou o direito à saúde à categoria de direito fundamental e lançou as bases

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para a criação do Sistema Único de Saúde. Também serão apresentados os conceitos básicos dos direitos sociais, bem como, o mínimo existencial, conceito esse intimamente ligado ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, e da reserva do possível, haja vista que os recursos estatais não são infinitos, e prioridades devem ser traçadas na utilização destes.

Ainda o primeiro Capítulo apresentará a política nacional de medicamento, sua estruturação e a responsabilidade solidária pelo fornecimento de fármacos, de acordo com categorias pré-estabelecidas, tendo em vista que o maior gasto com demandas judiciais do Estado são com fármacos, sendo que muitas das demandas que recaem sobre os Estados-membros seriam de responsabilidade da União, segundo a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME).

O segundo Capítulo tratará sobre a judicialização da saúde no Brasil, com histórico sobre o tema, desde as primeiras ações, ainda na década noventa do Século passado, quando portadores do Vírus HIV/AIDS demandavam pelo direito aos coquetéis de medicamentos contra a doença.

Trará ainda os conceitos de judicialização e ativismo judicial, buscando diferenciá-los para a maior compreensão do fenômeno. Bem como, alguns exemplos da postura ativista do Supremo Tribunal Federal (STF). Ainda nesse Capitulo, serão apresentados números e estatísticas das demandas judiciais de saúde, através de análises de dados do Tribunal de Contas da União (TCU), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e da Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina (SES/SC).

A última parte do trabalho dará maior atenção aos impactos da judicialização nas políticas públicas de saúde e aos usuários que dela dependem, e traz como exemplo negativo do ativismo judicial o caso da substância fosfoetanolamina sintética, no qual o Poder Judiciário, de maneira geral, desconsiderou os princípios da razoabilidade e proporcionalidade ao protagonizar um dos casos mais controversos da judicialização da saúde no País.

Ainda abordando os impactos causados aos usuários do SUS uma análise sobre a microjustiça e macrojustiça, sob a ótica da realização dos Direitos Sociais, e os resultados das demandas individualizadas, em detrimento das coletivas sobre aqueles que têm dificuldade ou nenhum acesso ao sistema judiciário.

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Por último, serão apresentadas sugestões encontradas na literatura para a redução do excessivo número de ações impetradas judicialmente contra o poder público, principalmente para o fornecimento de fármacos, que abarrotam o Poder Judiciário e drenam recursos públicos essenciais para a manutenção e melhoria das políticas públicas de saúde.

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1. O DIREITO À SAUDE NO BRASIL

A Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1948, definiu o conceito de saúde como sendo “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”. Trata-se de um direito Social, garantido no Brasil em sua Carta Magma e que deve ser assegurado a todos, sem distinção de raça, orientação religiosa ou política ou condição socioeconômica. Porém trata-se de conceito abstrato, sendo criticado por muitos por ser confundido com o conceito de felicidade.

A Legislação Brasileira, tanto a nível constitucional ou infraconstitucional, não traz a definição legal e conceitual da saúde, o que deixa dúvidas sobre até onde vai a responsabilidade do Estado na efetivação deste direito.

Porém, para Mapelli Júnior (2017), apesar de o legislador brasileiro não ter positivado o conceito de saúde, a complexidade do tema não impede a elaboração de um conceito jurídico, pois é possível identificar na CRFB/88 e nas normas infraconstitucionais os contornos jurídicos do conceito de saúde, no que constitui a assistência terapêutica integral, que deve ser garantida pelas políticas publicas de saúde, e que foi classificada como direito social, direito que pode ser exigido judicialmente se for desrespeitado, mas que se efetiva por meio de políticas públicas de Estado, acessível a todos de forma universal e igualitária.

As políticas públicas de saúde no Brasil têm evoluído com o passar dos anos, mas foi com a CRFB/88 que houve um salto na busca por uma política de saúde que traga a universalidade, a integralidade e a equidade na prestação de serviços de saúde à população.

No primeiro quarto do século passado, as políticas de saúde no país limitavam praticamente ao combate de epidemias. Poucos ou nenhum hospital público deixavam nas mãos da iniciativa privada, para os poucos que podiam pagar, e das entidades de caridade a promoção de ações curativas. A Constituição da República de 1891 não trazia nenhum artigo sobre o direito à saúde por parte da população.

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Nos anos 30, com a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, passou-se a prestar a assistência médica individual previdenciária aos trabalhadores que se encontravam inseridos no mercado formal de trabalho, distinguindo-os dos demais. A Constituição da República dos Estados Unidos Do Brasil de 1934 no seu art. 10°, inciso II estabelece que “compete concorrentemente à união e aos estados cuidar da saúde e assistências públicas.” (BRASIL, 1934).

Já a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1937, período conhecido como Estado Novo, limitou-se a prever no art. 16, inciso XXVII que as “normas fundamentais da defesa e proteção da saúde, especialmente da saúde da criança” são de competência privativa da união, e no art. 18, permitiu que, em caso de deficiência de lei federal, os Estados legislassem sobre “assistência pública, obras de higiene popular, casas de saúde, clínicas, estações de clima e fontes medicinais” (BRASIL, 1937).

Após o fim do Estado Novo, em 1946 o mundo vivia o pós-guerra, e vários países europeus estavam reformulando suas constituições, e o Brasil, com a redemocratização também reformulou sua Carta Magna. A Nova Carta trazia poucas mudanças em relação ao direito à saúde, com destaque para o Art. 157 da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de Setembro de 1946, que versava que “A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão nos seguintes preceitos, além de outros que visem à melhoria da condição dos trabalhadores” e em seu inciso XIV: “assistência sanitária, inclusive hospitalar e médica preventiva, ao trabalhador e à gestante”. (BRASIL, 1946).

Durante o período do regime militar, iniciado em 1964, o acesso à saúde publica ainda era restrito aos segurados do sistema previdenciário oficial, Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Em 1978 foi criado o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). Porém os não segurados, trabalhadores informais, urbanos e rurais continuavam sendo mantidos às margens da prestação de saúde pública. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 concentrou o poder na esfera federal, conferindo amplos poderes ao Chefe do Executivo, não trazendo mudanças significativas quanto ao direito à saúde. Tampouco a Emenda Constitucional Nº 1, de 17 de Outubro de 1969 corroborou com a melhoria e na universalização da assistência de saúde no Brasil.

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Em 1986 ocorreu a 8° Conferência Nacional de Saúde (CNS), decorrente do Movimento Sanitarista da década de 70, contando com a participação de profissionais de saúde, políticos, representantes dos ministérios da saúde e da previdência social e da sociedade civil, entre outros, com o objetivo de formular um sistema de saúde para o País, tendo como temas principais: a saúde como dever do Estado e direito do cidadão, a reformulação do Sistema Nacional de Saúde e o financiamento setorial. (CHAGAS e TORRES, 2008, p.1).

Foi na 8° CNS que foram discutidas e desenhadas as bases do Sistema Único de Saúde, o SUS, positivado através da Carta Magna dois anos depois, trazendo os Princípios da Universalidade, no qual todo cidadão tem direito a acesso a todos os serviços públicos de saúde disponíveis, da Integralidade, no qual todas as pessoas devem ser atendidas desde as necessidades básicas, de forma integral, e da Equidade: Toda pessoa é igual perante o SUS. Pela Primeira vez no Brasil, a saúde era tratada como um direito de todos.

1.1 O DIREITO À SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (CRFB/88)

A CRFB/88 concebeu a visão completamente diferente das anteriores sobre o direito a saúde. Se até então esse direito era apenas para os contribuintes do sistema previdenciário, deixando os demais a mercê de políticas esparsas de saúde ou dependentes de instituições filantrópicas, a nova carta magna trouxe em seu Art.6° a saúde como direito fundamental e social:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL,1988).

Para não deixar dúvidas quanto à universalidade do direito à saúde, o Art.196 formaliza que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, que deverá garantir acesso universal e igualitário as ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde.

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Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988).

Reconhecendo a saúde como direito social fundamental, o constituinte passou a obrigar o Estado nas prestações positivas quanto à formulação de políticas públicas sociais e econômicas destinadas à promoção, à proteção e à recuperação da saúde. Passando o Estado a ser responsável por fornecer tratamento e assistência médica a toda população, sem distinções.

Porém o conceito de saúde é muito amplo, e ao não delimitar o objeto dessa prestação, o constituinte abriu espaço para um amplo debate, que vem sendo travado desde a promulgação da Carta Magna em 1988: Até onde vai o dever do Estado nas prestações positivas quanto à coletividade e individualmente, haja vista as limitações orçamentárias para tal? Para Ingo Sarlet (2007) é o Legislador, nas esferas federal, estaduais e municipais quem irá concretizar o direito à saúde, ficando ao Poder Judiciário, quando acionado, a tarefa de interpretar as normas da Constituição e as normas infraconstitucionais que a concretizam.

Adotando o amplo conceito da OMS sobre a saúde, pode-se destacar que a CRFB/88 contemplou o direito à saúde com outros pontos de forma indireta, como no Art.7, quando trata dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, garantindo direitos que visem à melhoria de sua condição social, Art.23 inciso II, que trata da competência comum entre União e Estados e Municípios de cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência.

Também o Art.182, que versa sobre a política de desenvolvimento urbano e tem por objetivo ordenar o desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, ou nos Art. 194 e 195. Que tratam da seguridade social e sua forma de financiamento e “compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.” (BRASIL, 1988).

Uma das maiores conquistas sociais da CRFB/88, está no Art. 198, que trata da criação do Sistema Único de Saúde (SUS): As ações e os serviços públicos de saúde integram a rede regionalizada e hierarquizada, constituindo o sistema único organizado com as diretrizes de descentralização, atendimento integral, com

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prioridade para as atividades preventivas e a participação da comunidade. Também trata de definir a forma de financiamento do sistema através de recursos da seguridade social, da União, dos Estados e dos Municípios, mas não limita a estes, permitindo outras fontes.

1.2 DIREITO À SAÚDE NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA INFRACONSTITUCIONAL

A Lei Orgânica da Saúde (Lei n° 8.080/90) regulamenta os Artigos 196 a 200 da CRFB/88 e dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como a organização e o funcionamento do Sistema Único de Saúde.

No Art. 2º da referida lei, temos a ratificação do artigo 196 da CF/88:

Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

§ 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade. (BRASIL, 1990).

Já no Art. 3°, fica claro que a saúde não depende apenas da ausência de doenças, mas sim da garantia de vários direitos fundamentais constitucionais:

Art. 3º Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais. (Redação dada pela Lei nº 12.864, de 2013) Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social. (BRASIL, 1990).

O Art. 5º traça os objetivos do SUS, que são a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde; a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de Direito Público ou Privado; e a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção

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e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas.

O Art. 6º coloca, no campo de atuação do SUS, amplo rol de atribuições, entre elas podemos destacar as execuções de ações de vigilância sanitária e epidemiológicas, de saúde do trabalhador, e principalmente o de ações de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica. Este último, diga-se de passagem, o principal objeto das demandas judiciais do direito à saúde.

No mesmo artigo, pode-se destacar ainda a competência dos SUS para a formulação da política de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e outros insumos de interesse para a saúde e a participação na sua produção. Cabe aos SUS determinar quais medicamentos irão compor a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename).

O Art. 7º traça os princípios e diretrizes do SUS, em especial os Princípios da Universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência, que é direito de todos. O acesso às ações e serviços deve ser garantido a todas as pessoas, independentemente de sexo, raça, religião, condição social e econômica; da integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema, desde a atenção básica aos procedimentos mais complexos, com a integração de ações, incluindo a promoção da saúde, a prevenção de doenças, o tratamento e a reabilitação, mas também a integração com outras políticas públicas, como saneamento e meio ambiente, que possam ter repercussão na saúde e no bem estar coletivo; e o Princípio da Equidade, que visa diminuir as desigualdades: Todos são iguais perante os SUS e têm direito aos serviços, mas suas necessidades são diferentes. Deve-se investir mais onde a carência for maior.

A lei Orgânica do SUS trás ainda os seus Princípios Organizacionais, entres eles a Regionalização, onde os serviços devem ser organizados dentro de determinada área geográfica (municípios, grupos de municípios, estados). A Hierarquização: os serviços devem ser organizados em níveis crescentes de complexidade, priorizando a atenção básica por parte dos municípios, e garantindo formas de acesso a serviços que façam parte da complexidade requerida; e a

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descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de Governo. Como exemplo, pode-se citar a estrutura organizacional do SUS em Santa Catarina. A prestação de serviços de baixa complexidade fica (ou deveria ficar, em alguns casos) por conta dos Municípios, através de policlínicas e postos de saúde, já a média e alta complexidade é prestada através de hospitais referenciados, que atendem determinadas regiões do Estado, nas mais diversas especialidades clínicas e cirúrgicas.

Com relação à estrutura do SUS, a Lei Orgânica permitiu, nos casos em que as disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, que se recorra aos serviços ofertados pela iniciativa privada, de forma complementar, mediante contrato ou convênio, observadas as normas de Direito Público, com preferência para as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

Já em relação à saúde suplementar (hospitais particulares, planos de saúde, profissionais liberais de saúde), a lei determina que a assistência à saúde seja livre à iniciativa privada, desde que sejam observados os princípios éticos e as normas expedidas pelo órgão de direção do SUS quanto às condições para seu funcionamento.

1.3 OS DIREITOS SOCIAIS

Os direitos sociais são direitos fundamentais assegurados pela CRFB/88 a todos os brasileiros, e necessitam de prestações positivas do Estado que tenham por objetivo a minimizar as desigualdades sociais para serem concretizados. A Carta Magna de 1988 define como direitos fundamentais sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados.

Neste sentido, pode-se afirmar que os direitos sociais “se realizam pela execução de políticas públicas, destinadas a garantir amparo e proteção social aos

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mais fracos e mais pobres; ou seja, aqueles que não dispõem de recursos próprios para viver dignamente” (COMPARATO, 2007, p.77).

Para Silva (2014), os direitos sociais podem ser agrupados em seis classes: Direitos sociais relativos ao trabalhador; direitos sociais relativos à seguridade; direitos sociais relativos à educação e à cultura; direitos sociais relativos à moradia; direitos sociais relativos à família, criança, adolescente e idoso; direitos sociais relativos ao meio ambiente.

O surgimento dos direitos sociais remonta ao Século XIX, durante a revolução industrial europeia, quando devido às altas cargas horárias de trabalho e baixa remuneração paga aos operários que deixaram o campo para se aglomeraram nas grandes cidades industriais, percebeu-se que os princípios liberais de liberdade, igualdade e fraternidade não eram suficientes para garantir as necessidades primárias dos indivíduos.

A afirmação dos “direitos sociais” derivou da constatação da fragilidade dos “direitos liberais”, quando o homem, a favor do qual se proclamam

liberdades, não satisfez ainda necessidades primárias: alimentar-se, vestir-se, morar, ter condições de saúde, ter segurança diante da doença, da

velhice, do desemprego e dos outros percalços da vida.” (HERKENHOFF,

2002, p. 51).

Posteriormente, a “Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos” de 1917, que entre outras coisas expandia o sistema de educação pública, a reforma agrária e a proteção do trabalho assalariado, e a constituição da Alemanha de 1919, chamada de Constituição de Weimar, que trouxe grandes avanços na proteção social, exerceram grande influência por todo o mundo para a evolução dos direitos sociais, conforme se vê:

...a Constituição mexicana foi a primeira a estabelecer a desmercantilização do trabalho, própria do sistema capitalista, ou seja, a proibição de equipará-lo a uma mercadoria qualquer, sujeita a lei da oferta e da procura no mercado. A Constituição mexicana estabeleceu, firmemente, o princípio da igualdade substancial de posição jurídica entre trabalhadores e empresários na relação contratual de trabalho, criou a responsabilidade dos empregadores por acidentes de trabalho e lançou, de modo geral, as bases para a construção do moderno Estado Social de Direito. (COMPARATO, 2007, p. 181).

No Brasil, a Constituição de 1934 foi, pode-se assim dizer, sob influência das Constituições Mexicanas de 1917 e de Weimar de 1919, a primeira a tratar sobre direitos sociais, trazendo em seu Preâmbulo o fim de organizar um regime

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democrático, que assegure a Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico” (BRASIL, 1934). Porém a mesma durou apenas três anos,

sendo substituída pela Carta de 1937, já estando o País sob o “Estado Novo”, e foi nesse período que se instituiu a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que entre outros direitos sociais, garantiu aos trabalhadores brasileiros o direito à jornada máxima, salário mínimo, férias remuneradas entre outros direitos.

Após a Segunda Guerra Mundial, em 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU) adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), que serviu como inspiração para assegurar direitos sociais e individuais em vários países do mundo, inclusive na CRFB/88. Para Comparato (2007), a declaração estabelece que a base dos direitos sociais, além do Princípio da Dignidade da pessoa humana, é o Princípio da Solidariedade. Segundo o autor, este Princípio proclama que o direito a seguridade social, o direito ao trabalho e a proteção contra o desemprego, o salário mínimo, o repouso e o lazer, a jornada máxima de trabalho, as férias remuneradas e o direito a educação entre outros, são os itens elementares, indispensáveis para a proteção das classes ou grupos sociais mais fracos ou necessitados.

Porém, foi a CRFB/88, chamada de Constituição Cidadã, que melhor instituiu os direitos sociais na Ordem Jurídica Brasileira. “pela primeira vez na história do constitucionalismo pátrio, a matéria foi tratada com a merecida relevância” (SARLET, 2007, p. 75). Era o primeiro passo no sentido de garantir e respeitar a todos os direitos fundamentais.

Mas apesar dos avanços obtidos a partir de 1988, o Brasil ainda tem muito a percorrer nesse sentido. Ainda hoje, mais de 30 anos após a promulgação da Carta Magna, o desrespeito aos direitos sociais é notório, num Pais onde a desigualdade reina absoluta.

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1.4 O MÍNIMO EXISTENCIAL

O mínimo existencial pode ser definido como o conjunto básico de direitos fundamentais que visam assegurar ao indivíduo uma vida digna, tais como educação, saúde, alimentação e previdência, e está ligado diretamente ao conceito de dignidade da pessoa humana, fundamento este positivado no inciso III do primeiro artigo da CRFB/88.

Também pode-se verificar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Organizações das Nações Unidas, de 1948, no seu Artigo 25° declara que:

Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade. (ONU, 1948).

O mínimo existencial não se trata apenas de garantir ao ser humano a sobrevivência, mas sim um patamar mínimo de dignidade e qualidade vida. Para tal podemos listar, entre outros direitos, a educação, saúde, moradia digna, saneamento básico, água potável encanada, vestuário, transporte, emprego e renda e a cobertura previdenciária.

Segundo Sarlet e Figueiredo (2008), garantir uma existência digna às pessoas abrange muito mais que a garantia da mera sobrevivência física. Uma vida sem expectativas e alternativas não corresponde às exigências da dignidade humana, e esta não deve ser reduzida a simples existência, e o mínimo existencial não pode ser confundido com o mínimo de sobrevivência, uma vez que este último trata da garantia da vida humana, sem abranger as condições para a sobrevivência física em condições dignas e com mínimo de qualidade. Não deixar alguém sucumbir à fome certamente é o primeiro passo em termos da garantia do mínimo existencial, mas jamais poderá ser considerado o suficiente.

O Art. 1º da Lei Federal nº 8742 de 07 de Dezembro de 1993, Lei Orgânica da Assistência Social, trata o conceito de mínimo existencial como “A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não

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contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas” (BRASIL, 1993), e prevê para isso a proteção social, à família, o amparo às crianças e adolescentes carentes, a habilitação e reabilitação de pessoas com deficiências, o beneficio de um salário mínimo a pessoas com deficiência e idosos carentes.

Segundo Barcellos (2008), o mínimo existencial pode ser definido como elemento constitucional essencial, pelo qual se deve garantir o conjunto de necessidades básicas do indivíduo, e é composto pelo núcleo do Princípio da Dignidade Humana, sendo dotado de eficácia e de exigibilidade. Ainda para a autora, como o mínimo existencial busca garantir condições materiais essenciais à dignidade da pessoa humana, o mesmo não deve se sujeitar à reserva do possível.

A teoria do mínimo existencial deve ser compreendida como sendo direito fundamental e essencial à vida humana, protegida pela CRFB/88, devendo ser assegurada a todos os seres humanos. O mínimo existencial refere-se aos direitos sem os quais não seria minimamente possível viver com dignidade e dentro das condições condizentes com o princípio da dignidade humana. São vários os direitos abrangidos pelo mínimo existencial, sendo que dentre eles estão correlacionados os direitos sociais, culturais e econômicos, como é o caso do direito à saúde. O mínimo existencial abrange todo um conjunto de prestações materiais essenciais para que todos os indivíduos possam usufruir de uma vida digna.

1.5 A RESERVA DO POSSÍVEL

O Princípio da Reserva do Possível tem sua origem, assim como o Princípio do Mínimo Existencial, nos tribunais da Alemanha. Na década dos anos setenta do Século passado, uma ação impetrada por alunos que pleiteavam o ingresso no curso de medicina na Universidade Pública, alegando que a Lei Fundamental Alemã garante que todos os alemães têm o direito de livremente escolher profissão e de formação profissional, e que seria responsabilidade do Estado a efetivação deste direito para todos aqueles que o postulassem.

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Porém diante da impossibilidade estatal de atender a demanda de todos, o Tribunal Alemão declarou que tais direitos deveriam ser efetivados dentro da reserva do possível, não cabendo ao Estado arcar com custos superiores a sua capacidade financeira. Cabe ressaltar que o Tribunal Alemão não reconheceu diretamente a ausência orçamentária, mas que não seria razoável alocar grande parte dos recursos para atender aquela demanda específica, o que ofenderia a proteção do bem comum, da maioria da sociedade.

Ainda sobre o conceito da reserva do possível:

De acordo com a noção de reserva do possível, a efetividade dos direitos sociais a prestações materiais estaria sob a reserva das capacidades financeiras do Estado, uma vez que seriam direitos fundamentais dependentes de prestações financiadas pelos cofres públicos. (SARLET; FIGUEIREDO,2008, p.29).

Assim, temos que o pleito deve corresponder ao que o indivíduo pode exigir da sociedade, de maneira que, mesmo o Estado tendo condições e recursos para a satisfação da demanda, não se pode falar em obrigação de prestar algo fora dos limites da razoabilidade.

A Teoria da Reserva do Possível tem relação com a disponibilidade econômica de recursos por parte do Estado para que sejam garantidos os direitos fundamentais, e acaba sendo entendido também como “reserva do financeiramente possível” devido à escassez de recursos. Para Barcellos (2008, p. 261) “A expressão reserva do possível procura identificar o fenômeno econômico da limitação dos recursos disponíveis diante das necessidades quase sempre infinitas a serem por eles supridas.”

Também é importante para a garantia da concretização dos direitos sociais, incluindo-se aí a saúde, impedindo que recursos importantes sejam utilizados em favor de pequena parcela da sociedade, em detrimento da maioria, porém encontra limitações quando se está perante os direitos relacionados ao mínimo existencial.

Segundo Barcellos (2002), deve-se entender o mínimo existencial como o núcleo fundamental do Princípio da Dignidade da pessoa humana e, sendo assim, ambos os princípios podem coexistir, porém desde que o mínimo existencial seja cumprido em sua integralidade.

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Conforme Sarlet e Figueiredo (2008), não se deve alegar a reserva do possível parar afastar os deveres do Estado de oferecer à população o mínimo existencial. Porém a discussão sobre o tema não pode ser descartada, e em cada demanda, deve ser aferido o caso concreto e demonstrado a real necessidade da prestação requerida, bem como a sua relação com o mínimo existencial.

Numa sociedade ideal, mais evoluída e justa todos os direitos e garantias fundamentais são asseguradas pelo Estado. Porém os direitos sociais possuem um status positivo, prestacional, envolvem custos que o orçamento Estatal não suporta para atender a todos de forma satisfatória; trata-se de limitação de ordem financeira. Cabe ao Poder Público realizar escolhas acerca de quais desses direitos e garantias irá priorizar através de políticas públicas. Tal conduta tem sido denominada pela doutrina como “escolhas trágicas”, já que a opção de priorizar algum direito importa em preterir outros.

1.6 PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE DA NORMA CONSTITUCIONAL

O estudo moderno das Constituições apresenta novo papel às Cartas Magnas, que vai além das funções de estruturação e definições das funções orgânicas do Estado. Admite-se, atualmente, que as Constituições também tratem de assuntos de interesse direto da sociedade, como, por exemplo, as políticas públicas de saúde.

Segundo Martino Júnior (2010), com o avanço das políticas públicas e a redefinição do papel do Estado a partir da segunda metade do Século XX, no Brasil mais especificamente após CRFB/88 dotando-o de características gerenciais e, a partir do Século XXI, com a introdução do conceito de governança na gestão pública, a Constituição também passou a seguir esta tendência.

Assim sobre a integração da Norma Constitucional com as políticas públicas, pode-se concluir que é a Constituição o documento que estabelecerá as regras e diretrizes gerais de atuação do Estado nos setores nos quais a sociedade mais anseia e necessita, como saúde e educação, e a doutrina conceitua a Constituição

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como a "norma fundamental", em virtude deste seu caráter de estabelecer o conteúdo orgânico do Estado, os limites do exercício do poder pelo Governo, as competências e os direitos, garantias e deveres dos cidadãos.

Em suma, o Princípio da Máxima Efetividade das Normas Constitucionais consiste em atribuir na interpretação das normas oriundas da Constituição o sentido de maior eficácia e efetividade possíveis.

Acrescentando a esta perspectiva o conceito de Governança Pública, tem-se que o Estado deverá formular, programar e executar as políticas públicas de forma horizontal, com a participação da sociedade.

Nos moldes dos arts. 196 e 198 da CRFB/88, base para a formulação da Política Pública de Saúde, deve-se buscar a interpretação e aplicação que garanta a máxima efetividade, sob os Princípios da Universalidade, Integralidade, Igualdade e Gratuidade. Por esta razão, quando se pretende concretizar as Políticas Publicas de Saúde com a máxima efetividade, é necessária uma interpretação sob o olhar econômico e também sob a ótica da administração pública.

1.7 RESPONSABILIDADES DO ESTADO NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE

A CRFB/88 trouxe inovações importantes quanto ao direito à saúde ao definir a política de proteção social abrangente, incluindo a saúde como direito social. O direito à saúde no Brasil se insere na órbita dos direitos sociais garantidos constitucionalmente e está associado fortemente ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. São direitos fundamentais de segunda dimensão, que necessitam obrigatoriamente de prestação positiva por parte do Estado. Trata-se de Direito Público subjetivo que deve ser assegurado a todas as pessoas, e está previsto no artigo 196 da Carta Magna de 1988:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 1988)

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Este preceito é complementado pela Lei 8.080/90, em seu Art. 2º, que diz que a saúde é direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. Ainda no mesmo artigo, o primeiro parágrafo diz que:

§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.(BRASIL, 1990)

Já o Art. 23 da mesma Lei deixa claro quanto à competência solidaria entre União, Estados e Municípios acerca do direito à saúde:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

[...]

II - Cuidar da saúde e assistência pública [...].

Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. (BRASIL, 1990)

A lei 8.080/90, Lei Orgânica do SUS (LOS), dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, definiu os papéis das esferas governamentais na busca da saúde, e define os municípios como os responsáveis imediatos pelo atendimento das necessidades básicas de saúde da população.

A União, de acordo com o artigo 16 da referida Lei, cabe adotar políticas gerais de saúde, definir e coordenar sistemas de redes integradas de assistência de alta complexidade, estabelecer normas de vigilância sanitária, bem como promover a descentralização para os Estados e Municípios dos serviços e ações de saúde de abrangência estadual e municipal.

Aos Estados, conforme o artigo 17 cabe a tarefa de promover a descentralização para os Municípios dos serviços e das ações de saúde, bem como prestar apoio técnico e financeiro aos municípios e executar supletivamente ações e serviços de saúde. Também ficou a cargo dos estados a gestão de sistemas públicos de alta complexidade, de referência estadual e regional.

O Art. 23 da Lei 8080/90, bem como o artigo 196, deixam claros que a responsabilidade pela prestação de serviços de saúde é da União, Estados e

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Municípios. Ou seja, quando um cidadão precisar pleitear algum direito que lhe tenha sido negado, poderá, de acordo com a responsabilidade solidária entre os entes da Federação, colocar no polo passivo da questão, qualquer um deles. Assim, alguém que precise, por exemplo, de um medicamento ou de uma cirurgia, poderia ajuizar ação contra o Município, Estado ou União, ou dois deles ou todos ao mesmo tempo.

Porém, recentemente, ao analisar o Pedido de Suspensão de Segurança SS5.431, (STF,2020) o ministro e presidente do Superior Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, entendeu que mesmo sendo os entes da federação solidariamente responsáveis quanto às demandas de prestação na área da saúde, não é razoável fazer o Município cumprir uma decisão judicial que contraria o interesse público e desequilibra as contas da cidade. No caso em específico, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) determinou que o Município de Santa Isabel fornecesse a uma única pessoa medicamento que custaria o equivalente a 89% dos recursos destinados a saúde em um ano. Segundo o Ministro, mesmo que o STF tenha fixado a tese de que os Entes Federativos são solidariamente responsáveis pelas causas que envolvem a concessão judicial de remédios, é necessário, em certos casos, traçar interpretação menos restritiva.

Ainda Segundo o Ministro Fux:

Em minha ótica, a solidariedade, tal como interpretada, tem aprofundado as desigualdades sociais e não as diminuído; tem piorado a prestação da saúde mais básica, retirado recursos inclusive de medidas protetivas, como do saneamento básico e da vacinação infantil, da atenção à saúde de todos; tem aumentado exponencialmente gastos sem a correlata melhora na prestação da saúde; e ainda tem retirado do campo próprio — do Legislativo, ao desrespeitar as normas legais de regência, e do Executivo, ao retirar-lhe a escolha e a gestão — os poderes de planejar, executar e gerir políticas públicas (Apud ANGELO, 2020).

A obrigação imposta ao Município de Santa Isabel, SP, pelo Tribunal Estadual colocou em risco toda a prestação de serviços em saúde da Cidade. Trata-se de Município com pouco mais de 55 mil habitantes, com orçamento proporcional, que não poderia arcar com tamanha despesa sem comprometer todo o atendimento em saúde, gerando desorganização financeira e orçamentária na administração da cidade e prejudicando o atendimento de saúde a milhares de pessoas.

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1.8 A POLÍTICA NACIONAL DE MEDICAMENTOS

A Política Nacional de Medicamentos (PNM) foi instituída pela Portaria do MS 3.916 de 30 de outubro de 1998 em substituição a extinta Central de Medicamentos, tendo como propósito garantir a necessária segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, a promoção do uso racional e o acesso da população àqueles fármacos considerados essenciais.

As principais diretrizes da PNM são o estabelecimento da relação dos medicamentos essenciais, a reorientação da assistência farmacêutica, o estímulo à produção de medicamentos genéricos e a regulamentação sanitária.

A Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) define a lista de medicamentos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) com o objetivo de atender as necessidades de saúde prioritárias da população brasileira e é uma das estratégias da política de medicamentos da Organização Mundial da Saúde (OMS) para promover o acesso e uso seguro e racional de fármacos.

A Rename foi publicada pela primeira vez no Brasil no ano 2000, recebendo atualizações periódicas, a cada dois anos, sendo a última, a Rename 2020, datada de 28 de novembro de 2019. Para compor a lista de fármacos, o Ministério da Saúde se baseia nas recomendações da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). A Rename também define de quem é responsabilidade pela compra e distribuição desses medicamentos entre Estados, Municípios e a União.

A Conitec foi criada pela lei nº 12.401 de 28 de abril de 2011, que dispõe sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do SUS. A Comissão tem por objetivo assessorar o Ministério da Saúde nas atribuições relativas à incorporação, exclusão ou alteração de tecnologias em saúde pelo Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2011).

A comissão é composta por representantes de cada uma das secretarias do Ministério da Saúde (MS), além do representante do Conselho Federal de Medicina (CFM), Conselho Nacional de Saúde (CNS), Conselho nacional das Secretarias

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Estaduais de Saúde (CONASS), Conselho nacional das Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), Agencia Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e da Agencia Nacional de Vigilância Sanitária, e é responsável pela emissão de recomendação sobre incorporação, exclusão ou alteração das tecnologias no âmbito do SUS, sobre constituição ou alteração de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas, bem como a atualização da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME.

A Rename é dividida em cinco categorias: básico; estratégico; especializado; insumos; e hospitalar e determina o financiamento e a responsabilidade dos entes federativos na aquisição dos medicamentos.

Na categoria dos componentes básicos da assistência farmacêutica (Cbaf), o financiamento é divido entre União, Estados e Municípios, ficando as Secretarias Municipais de Saúde incumbidas das aquisições e distribuição à população dos medicamentos, voltados principalmente aos programas de atenção básica à saúde.

Na categoria dos componentes estratégicos (Cesaf), o financiamento é totalmente realizado pela União, através do Ministério da Saúde que adquire os medicamentos e repassa as secretarias estaduais de saúde, que distribuem aos municípios. Os medicamentos desse componente são voltados para o controle de doenças e agravos específicos e com potencial impacto endêmico, como vacinas e medicamentos para tratamentos de doenças como tuberculose e meningite e antirretrovirais para o tratamento do HIV/Aids.

Já o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (Ceaf) busca garantir a integralidade do tratamento medicamentoso, em nível ambulatorial, para algumas situações clínicas com custos de tratamento mais elevados ou de maior complexidade. Quanto ao financiamento são divididos em três grupos: o primeiro grupo pode ser subdividido em 1A, referente a medicamentos de aquisição centralizada pelo Ministério da Saúde e fornecidos às secretarias de Saúde dos estados e o grupo 1B, medicamentos financiados pelo Ministério da Saúde mediante transferência de recursos para aquisição pelas secretarias de Saúde dos estados; grupo 2: medicamentos financiados e adquiridos pelas secretarias de Saúde dos estados e grupo 3: medicamentos financiados pelos municípios, de acordo com as normativas do componente básico da assistência farmacêutica.

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A Relação Nacional de Insumos é composta por produtos para a saúde, de acordo com programas do Ministério da Saúde. Já a Relação Nacional de Medicamentos de Uso Hospitalar contempla os medicamentos que possuem descrição específica em uma tabela do Ministério da Saúde, e são financiados no âmbito da Atenção de Média e Alta Complexidade, pela União e Estados.

2. A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL

Inicialmente no Brasil, as demandas judiciais e as discussões sobre o direito à saúde eram bastante superficiais e entendia-se que as Normas Constitucionais que versavam sobre a saúde eram tipicamente programáticas, princípios sem dimensões objetivas a serem cumpridas de imediato pelos órgãos do governo. Conceitos como o mínimo existencial, pouco, ou nunca eram levados em consideração.

Somente na década de 1990, após a promulgação da CRFB/88 é que começaram a surgir novas interpretações jurídicas, principalmente em demandas específicas de pacientes com a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) ou que portassem o vírus HIV. Inicialmente demandas individuais e posteriormente coletivas demandavam o fornecimento, por parte do Estado, de medicamentos necessários ao tratamento dos portadores da doença, ainda então sem cura e repleta de preconceitos aos enfermos. É certo que tal demanda judicial pelo direito ao acesso de tratamento de saúde, de proporções até então não vistas no País, contribuiu para a adoção, por parte do Governo Brasileiro, em 1996, da Política Nacional de Distribuição de Remédios para HIV/Aids, um dos maiores programas de combate e prevenção a Aids do mundo.

Segundo o médico Drauzio Varella, citado no portal do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde, em 2018, “se não tivesse adotado essa política, hoje, ao invés de 860 mil, o Brasil teria 18 milhões de brasileiros com HIV – mais ou menos a mesma prevalência da África do Sul” (BRASIL, 2018), referindo-se ao País Sul

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pessoas vivendo com HIV, onde cerca de 10% da população adulta vive com o vírus.

Após o sucesso das demandas judiciais por medicamentos para controle da AIDS, outras demandas pelo bem jurídico Saúde começaram a aparecer com mais intensidade no Judiciário Brasileiro, em especial pelo fornecimento de medicamentos, mas também sobre outros temas, como realização de exames de alto custo, vagas em UTIs, órtese e próteses, procedimentos cirúrgicos, procedimentos experimentais, entre outros.

Segundo Danielli (2018 p.63), Em 1999 ocorreu a primeira decisão colegiada, proferida pela Segunda turma do STF em 16 de novembro, sobre o direito ao tratamento da síndrome (AIDS):

SAÚDE – PROMOÇÃO – MEDICAMENTOS. O preceito do artigo 196 da Constituição Federal assegura aos necessitados o fornecimento, pelo Estado, dos medicamentos indispensáveis ao restabelecimento da saúde, especialmente quando em jogo doença contagiosa como é a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AI238328/RS,j.16.11.1999).

Ainda Segundo Danielli (2018, p.64), a partir daí passou-se a utilizar correntemente a interpretação de que o direito à saúde configura, sem ponderações, um direito subjetivo concreto, sendo exigível do Estado o tratamento necessário a toda e qualquer enfermidade, como parâmetro para a solução de casos, em que além de não haver políticas publicas preexistentes, é proposta a colisão entre o direito fundamental à saúde e questões administrativas e orçamentárias.

Com a interpretação do STF de que o direito à Saúde estava respaldado como direito fundamental de segunda geração, e sendo o Estado o responsável pela sua efetivação, associado à inexistência ou a baixa efetividade das políticas públicas de saúde na prevenção e tratamento de doenças, bem como, o surgimento recorrente de novos tratamentos e tecnologias em saúde, os quais sempre demoram a ser incorporados ao SUS, a judicialização do bem jurídico “Saúde” passou a ser cada vez mais comum no Brasil. Os Tribunais, Estaduais e Federais, passaram a definir com maior frequência qual o tratamento médico/hospitalar que cada indivíduo deveria receber.

Ocorre que assim como não se pode dizer que há um acesso universal e igualitário aos serviços de saúde no Brasil, também não é possível afirmar sobre o

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acesso à Justiça. E isso começou a trazer novo problema: se por um lado o Art. 196 da CRFB/88 assegura aos necessitados o fornecimento, pelo Estado, dos meios indispensáveis ao restabelecimento da saúde, conforme interpretação do STF, por outro lado, esse direito deve ser garantido a todos, e não somente àqueles que ao judiciário recorrem.

Neste sentido, Wang, pesquisador e professor de Direitos Humanos da London School of Economics, citado na matéria “Judicialização: um risco para a saúde pública no Brasil” no site da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, ao fazer análise sobre o uso do Judiciário para se conseguir tratamentos médicos não autorizados no SUS chegou a uma conclusão preocupante:

O litígio de saúde no Brasil está fazendo o sistema público de saúde menos justo e racional. Os tribunais estão criando um sistema público de saúde de dois níveis – um para aqueles que podem recorrer e ter acesso a qualquer tipo de tratamento, independentemente dos custos, e outro para o resto da população, que não tem acesso a cuidados restritos. A forma como o Judiciário decide tem também obrigado o Estado a fornecer drogas e serviços baseados em evidências científicas pobres e, às vezes, sem considerar a relação custo-efetividade ou as prioridades da saúde pública. (WANG, 2009, apud FGV DIREITO, 2014).

A judicialização da saúde não é necessariamente um problema, pois trata-se de direito previsto na Constituição, e, como todo direito que não é respeitado, a demanda judicial pode ajudar o sistema a funcionar com mais equidade e eficiência, como no caso da política de medicamentos para o tratamento da AIDS/HIV. Porém quando as demandas e as sentenças tem foco principal no individual, e não no coletivo, temos o resultado inverso: menos eficiência e menor equidade.

2.1 ATIVISMO JUDICIAL

O termo “ativismo judicial” possivelmente foi utilizado pela primeira vez no fim da década de 1940, pelo Jornalista americano Arthur M. Schlesinger Jr. em matéria jornalística sobre a atuação da Suprema Corte dos Estados Unidos da América, para descrever a postura de alguns juízes com relação à forma de interpretação das normas constitucionais.

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Para Ministro da Suprema Corte Brasileira Luís Roberto Barroso o ativismo judicial é:

[...] expressão cunhada nos Estados Unidos e que foi empregada, sobretudo, como rótulo para qualificar a atuação da Suprema Corte durante os anos em que foi presidida por Earl Warren, entre 1954 e 1969. Ao longo desse período, ocorreu uma revolução profunda e silenciosa em relação a inúmeras práticas políticas nos Estados Unidos, conduzida por uma jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais. Todas essas transformações foram efetivadas sem qualquer ato do Congresso ou decreto presidencial.

[...] a ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. Em muitas situações, sequer há confronto, mas mera ocupação de espaços vazios (BARROSO, 2017 p. 09).

Para Oliveira (2015, p.74), o ativismo judicial teve início com a decisão Marbury versus Madison, em 1803 nos Estados Unidos da América (EUA), quando o Juiz John Marshall em seu veredicto entendeu que a Constituição é a Lei Suprema, e por isso atos legislativos ordinários devem estar em conformidade com ela. Consequentemente, quando duas ou mais leis estão em conflito, a Corte deve obedecer a superior e aplicá-la, fixando assim a competência da Suprema Corte de rever atos legislativos Estaduais e Federais que fossem contrários a Constituição. Sendo esse caso considerado a principal referência para o controle de constitucionalidade exercido pelo Poder Judiciário.

Ainda segundo Oliveira (2015, p.74), importante exemplo de ativismo judicial pode ser encontrado no caso Roe versus Wade, também na Suprema Corte dos Estados Unidos, no ano de 1973, quando esta reconheceu o direito a privacidade não previsto expressamente na constituição, como direito fundamental adicional, concluindo que a mulher teria direito ao aborto ou a interrupção voluntária da gravidez.

Outro exemplo do ativismo judicial, porém no Brasil, foi em maio de 2011, quando ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 4277 (STF, 2011) o STF decidiu por reconhecer a união estável para casais do mesmo sexo. Dando interpretação conforme a CRFB/88 para excluir qualquer significado do Art. 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre

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o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família."(BRASIL, 2002).

Posteriormente, em 14 de maio de 2013, após inúmeros casos de cartórios no País rejeitarem a união estável entre pessoas do mesmo sexo, mesmo com a jurisprudência do STF, o Conselho Nacional de Justiça expediu a resolução n° 175, que no seu artigo 1° versa que “É vedada as autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo” (STF, 2013). Estava instituído oficialmente no Brasil o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, garantido a todos, sem distinção de orientação sexual o direito ao registro civil, declaração conjunta de Imposto de Renda, pensão alimentícia em caso de separação ou por morte, entre outros direitos anteriormente sonegados.

Para Estefânia Maria de Queiroz Barbosa a “extensão do ativismo judicial amplia o espaço público de debate sobre questões morais e políticas da sociedade’’ e “o poder judiciário assume papel de protagonista na concretização dos direitos fundamentais previstos na Constituição (Apud OLIVEIRA 2015, p.77).

Para Oliveira (2015, p 78), o ativismo judicial:

Traduz uma interpretação proativa e progressista do ideário constitucional, redimensionando o seu real sentido e seu verdadeiro alcance, sendo invocado geralmente pela inércia dos Poderes Legislativo e Executivo, que provocam a desarmonia entre a classe política e a sociedade civil e impedem as soluções efetivas das demandas sociais.

Ainda Segundo Barroso (2017, p.10) “no Brasil, há diversos precedentes de postura ativista do STF, manifestada por diferentes linhas de decisão”, e cita entre outros a aplicação direta da CRFB/88 a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário, tal como o caso da imposição de fidelidade partidária e o da vedação do nepotismo, bem como no caso de políticas públicas consideradas insuficientes, o qual exemplificou as decisões sobre direito à saúde. “Todas essas hipóteses distanciam juízes e tribunais de sua função típica de aplicação do direito vigente e os aproximam de uma função que mais se assemelha à de criação do próprio direito”.

O ativismo judicial pode ser entendido como a atitude ou a escolha proativa do Poder Judiciário de interpretar a CRFB/88, e em alguns casos extrapolar o seu

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alcance, numa tentativa de ter uma participação mais ampla e intensa na concretização de fins constitucionais, consequentemente com maior interferência na atuação dos Poderes Legislativo e Executivo.

2.1.1 ATIVISMO JUDICIAL X JUDICIALIZAÇÃO

Apesar de muitas vezes serem confundidos como sendo uma só coisa, é muito relevante separar-se os conceitos de ativismo judicial e judicialização. Na concepção do ministro do STF, (BARROSO 2017, P.11)

A judicialização é um fato, uma circunstância do desenho institucional brasileiro. Já o ativismo é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente, ele se instala – e este é o caso do Brasil – em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que determinadas demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva.

O ativismo judicial pode ser visto como consequência da judicialização, porém a omissão do Legislador e também por parte do Poder Executivo em aplicar os Princípios Constitucionais para a efetivação de direitos sociais fundamentais, como no caso do direito a saúde, provocam excesso de demandas de cunho político levadas ao judiciário e corroboram para que juízes atuem de maneira expansiva, ultrapassando o limite da lei, tornando-se o juiz legislador.

Segundo Lênio Luiz Steck, o ativismo judicial e judicialização da política são coisas que se confundem por fazerem parte de um gênero maior, o protagonismo judicial. “Enquanto se tem no ativismo judicial a feição promotora dos fins sociais (pro) postos na Constituição, na judicialização, encontra-se um movimento migratório do poder decisório próprio do legislativo para o judiciário” (STRECK, 2014 p. 47, apud OLIVEIRA, 2015 p.78).

Para os críticos do ativismo judicial, ao tomar tal atitude proativa, o Judiciário pode estar violando a teoria da separação de poderes ao usurpar competências dos Poderes Legislativo e Executivo, ocasionando um desequilíbrio entre os poderes e impondo a chamada ditadura do Poder Judiciário. Segundo essa linha de

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pensamento, assim como ao decidir sobre uma demanda não abrangida por lei o Judiciário deve decidir o mérito, não podendo alegar falta de legislação para a decisão, também não deve poupar esforços para a aplicação da legislação vigente diante das situações em que há lei que regulamente a questão em lide.

Ainda segundo Barroso (2017, p. 22), certas objeções têm sido opostas à expansão do Poder Judiciário nos estados constitucionais contemporâneos, entre elas o modo de investidura dos juízes e membros de Tribunais, não eleitos pelo voto direto, sua formação específica e o tipo de discurso que utilizam são aspectos que exigem reflexão. Ninguém deseja um Judiciário como instância hegemônica e a interpretação constitucional não pode se transformar em usurpação da função legislativa. Aqui, como em quase tudo mais, impõem-se as virtudes da prudência e da moderação.

Já a crítica político-idelógica está relacionada ao fato de juízes, desembargadores e ministros das estâncias superiores não serem agentes públicos eleitos, e quando estes invalidam atos ou impõem deveres aos Poderes Executivo e Legislativo, principalmente em se tratando de políticas públicas, como no caso da saúde, estão desempenhando um papel político.

Barroso (2017, p. 28) também cita a crítica quanto à capacidade institucional, que questiona qual dos poderes está mais habilitado a produzir decisões mais assertivas para cada matéria específica. Aspectos técnicos ou científicos de grande complexidade não tem no juiz de direito o árbitro mais qualificado, seja por falta de informação ou de conhecimento específico sobre o tema. Também há o risco de efeitos sistêmicos imprevisíveis e indesejáveis. Por isso a recomendação de uma posição de cautela por parte do Judiciário. Já a crítica quanto à limitação do debate, refere à elitização e a exclusão daqueles que não tem acesso a discussão jurídica, ainda que entidades e associações civis possam representa-los.

Para Luiz Roberto Barroso (2009, p. 21), o ativismo judicial, faz parte da solução dos problemas da judicialização. Mas ele é antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado. A expansão do Judiciário não deve desviar a atenção da real disfunção que aflige a democracia brasileira: a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade do Poder Legislativo. Precisa-se de reforma política. E essa não pode ser feita por juízes.

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