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A função social da propriedade rural

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

IVANA INÊS DE MOURA FAVA

A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL

Ijuí (RS) 2014

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IVANA INÊS DE MOURA FAVA

A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: Carlos Guilherme Probst

Ijuí (RS) 2014

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Dedico este trabalho primeiramente а Deus, por ser essencial em minha vida, autor de meu destino, meu guia, pois sem ele eu não teria forças para essa longa jornada, e aqueles que de uma forma ou outra me apoiaram nessa jornada.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, acima de tudo, pela vida, força e coragem. Agradeço а todos os professores por me proporcionar о conhecimento, em especial ao meu orientador pelo empenho à elaboração deste trabalho.

Aos meus pais, pelo amor, incentivo е apoio incondicional.

A todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formação, о meu muito obrigado.

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RESUMO

O presente trabalho de pesquisa monográfica faz uma análise de como surgiu o direito de propriedade rural e quais são seus princípios. Verifica-se como surgiu e quais foram as etapas evolutivas do princípio da função social. Dando atenção especial aos requisitos da função social da propriedade presentes na Constituição Federal de 1988 e consideração no Código Civil. Quando se cumpre esses requisitos. Analisando por final o descumprimento deste princípio no Brasil.

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ABSTRACT

This work of monographic research is an analysis of how the law came to farm and what are its principles. Verificasse as emerged, and what were the evolutionary stages of the principle of social function. Giving special attention to the requirements of the social function of property present in the Federal Constitution of 1988 and consideration by the Civil Code. When it meets these requirements. Looking for the ultimate failure of this principle in Brazil.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 7

1 DIREITO DE PROPRIEDADE RURAL ... 10

1.1 Evolução histórica do direito de propriedade rural ... 10

1.2 Os princípios que norteiam a propriedade rural no Brasil ... 14

2 O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL ... 18

2.1 A função social na propriedade rural brasileira ... 18

2.2 Função social na posse agrária ... 25

2.3 O não cumprimento da função social ... 27

CONCLUSÃO ... 35

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INTRODUÇÃO

O tema deste trabalho é analisar como surgiu a propriedade privada rural e sua evolução até os dias de hoje. Buscando quais os princípios que regem a propriedade rural, dando enfoque especial ao princípio da Função Social, definindo conceito e diferenciando a função social na posse e na propriedade.

Ainda esmiuçando os requisitos do cumprimento da função, sobre a ótica do Estatuto da Terra, da Constituição Federal, da Lei da Reforma Agrária e do atual Código Civil. Verificando também o que acontece quando não se cumpre a função social da propriedade.

Após a entrada em vigor das Constituições cidadãs e demais legislações no mesmo sentido, o direito de propriedade foi modificado? Como essas mudanças atingiram a propriedade rural no Brasil? Quais foram os princípios incorporados ao nosso ordenamento jurídico com as novas legislações? E como cumprir o princípio da função social na posse e na propriedade? E quais as sanções para o descumprimento da função social, e realmente há efetivação desse princípio, a lei é cumprida da forma adequada?

O entendimento sobre direito de propriedade, que é enquadrado como um direito privado nos dias de hoje deve ser analisado em conjunto com os princípios que regem as relações jurídicas, os quais evoluíram junto com a sociedade e são relacionados aos direitos coletivos. Ao analisarmos como está delimitada hoje a propriedade rural, devemos observar que estão presentes vários princípios entre eles o da função social.

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A função social da propriedade é um princípio que organiza seu uso, exigindo que a propriedade rural seja produtiva, gerando riquezas para aqueles que a laborem e que essa produtividade respeite o meio ambiente, protegendo a fauna e a flora, e ainda respeitando as normativas do direito do trabalho, para garantir um bem-estar do trabalhador.

Dessa forma, ao respeitar os princípios inerentes à propriedade privada rural e cumprindo sua função social, econômica e ambiental, o proprietário ou possuidor estará trazendo benefícios a todos que vivem a sua volta. Os requisitos para o cumprimento da função social devem ser respeitados simultaneamente, não basta cumprir alguns e deixar outros de lado, todos devem ser cumpridos, para que possamos buscar uma sociedade mais justa e igualitária.

É necessário estudar a propriedade rural, conhecendo melhor suas características para podermos entender os princípios que a conduzem. Como ficou a situação da propriedade rural no Brasil com a entrada em vigor da Constituição Federal em 1988. E qual a melhor forma de cumprir a função social da propriedade rural.

Para isso é preciso verificar a evolução do conceito de propriedade privada de rural, criando um entendimento moderno sobre o princípio da função social na propriedade rural brasileira e as consequências geradas pelo seu não cumprimento.

Hoje vivemos num mundo em que as mudanças acontecem muito rapidamente e a demanda de produtos, bens de consumo e alimentos são muito grandes. Por isso, não podemos desperdiçar nada, muito menos áreas com potencial produtivo sendo negligenciadas por seus proprietários. Muito menos que os proprietários para utilizar-se dessas áreas prejudiquem o meio ambiente, comprometendo o futuro das novas gerações ou ainda que não cumpram com as regras trabalhistas.

Para a realização desse estudo utilizamos agraristas consagrados no Brasil, Raimundo Alves Junior Campos, Roberto Wagner Marquesi, Benedito Ferreira Marques entre outros, além de teóricos consagrados como, Jonh Locke. Ainda fazendo o uso de legislações brasileiras.

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Este trabalho está organizado em dois capítulos. O primeiro é para contextualização, sendo direito de propriedade rural, sendo este dividido em outros dois subtítulos: “Evolução histórica do direito de propriedade rural” e “Os princípios que norteiam a propriedade rural no Brasil”. E um segundo capítulo, especificando mais o tema, O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL, dividido em três subtítulos: “A função social na propriedade rural brasileira”, “A função social na posse agrária” e para finalizar “O não cumprimento da função social”.

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1 DIREITO DE PROPRIEDADE RURAL

O direito de propriedade é uma garantia constitucional, fazendo parte do capítulo dos direitos fundamentais e sendo regulado em vários artigos da Constituição Federal de 1988, como inciso XII do grandioso art. 5º. Essa propriedade rural propicia a muitos cidadãos outro direito constitucional que é o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, sendo uma fonte de trabalho e de geração de riquezas para o nosso país.

1.1 Evolução histórica do direito de propriedade rural

O direito de propriedade privada como atualmente é conhecido difere, em larga escala, daquele que surgiu na era do direito romano. Sua evolução se deu sempre, conforme o contexto político e econômico de cada época, desde a Lei das XII Tábuas até as constituições e códigos contemporâneos.

Para entendermos como surge o direito de propriedade devemos saber que há duas correntes discutidas e idealizadas entre os teóricos do Direito e da Filosofia. Assim, ainda nos dias de hoje alguns etnólogos defendem que desde o povo mais primitivo que existiu na terra, estes já tinham compreensão de propriedade privada. Para Campos Junior (2011, p. 82):

Todas as teorias podem ser divididas em dois grandes grupos: aquelas que afirmam que a propriedade é um direito natural, ou seja, um direito e nasce no estado de natureza, antes e independentemente do surgimento do Estado, e aquelas que negam o direito de propriedade como direito natural e, portanto, sustentam que o direito de propriedade nasce somente como consequência da constituição do estado civil.

Para os seguidores da Escola Sociológica Francesa e Escola Interpsicológica a propriedade privada há um direito natural, um prolongamento do eu. Contra esse entendimento estão os que defendem o positivismo, que afirmam que só existe propriedade privada em virtude da criação do Estado, pois é esse que regula propriedade, do contrário teríamos no máximo uma posse, compartilham dessa ideia Hobbes e Rousseau.

Nos períodos antes da época romana, na sociedade só existia propriedade para as coisas móveis, e ainda para o uso pessoal, como vestuários e instrumentos para caça e pesca.

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O solo e a terra não pertenciam a membro específico e sim para toda a coletividade, todos os membros da tribo deveriam trabalhar nela.

Foi preciso criar uma sociedade para poder existir direito sobre as cosias, para haver uma organização, para Hobbes (1973, p. 90) “onde não há Estado não há propriedade, pois todos os homens têm direito a todas as coisas”.

O homem não tinha ligação com o solo, só o utilizava durante o cultivo do alimento e quando o solo não era mais adequado para o plantio, a tribo migrava para outro local. E a ideia de utilizar-se da mesma terra plantio após plantio iniciou coletivamente, depois as pessoas começaram a utilizar o solo individualmente.

Formalmente a propriedade individualizada surgiu com a Lei das XII Tábuas, como explica Venosa (2010, p. 166):

Nesse primeiro momento o indivíduo recebia uma porção de terras que devia cultivar, mas uma vez, terminada a colheita, a terra voltava a ser coletiva. Paulatinamente, fixa-se o costume de conceder sempre mesma porção de terra às mesmas pessoas ano após ano.

Assim, o pai e a família fixavam moradia sobre o solo, passava a cuidá-lo e cultivá-lo. O domínio sobre a terra era absoluto, sendo esta individual e perpétua. A propriedade tanto para os gregos quanto para os romanos estava ligada à família e à religião, o lar da família, o solo que por ela cultivado, era o lugar de cultuar os antepassados, onde habitavam os deuses da família e cada família tinhas seus próprios deuses. Assim, onde era o local de adoração aos deuses da família era sagrado e guarneciam sob o poder do pater.

Mas sabemos que a obtenção de bens sempre foi para o homem, sinônimo de segurança e de progresso pessoal e a propriedade desses bens sempre foi assegurada pelo Estado, a princípio de maneira individual, plena e absoluta. Dessa forma, o ser humano começou a acumular terras e a adquirir ferramentas para melhorar sua forma de cultivar a terra.

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Também para Locke (2014, p. 8) a propriedade privada é um direito natural e deve ter seu fundamento no trabalho, empregando-se desse o indivíduo pode se apropriar de alguma coisa para transformá-la ou aperfeiçoando-a economicamente, assim ele define:

[...] pressupõe que Deus deu a terra e tudo o que ela contém ao gênero humano em comum, mas, prossegue ele, todo homem tem uma propriedade em sua própria pessoa. A esta ninguém tem qualquer direito a não ser ele mesmo. O trabalho de seu corpo e a obra de suas mãos... são propriedade sua. Por isso, seja o que for que ele tira do estado que a natureza proporcionou e ali deixou, ele misturou aí o seu trabalho, acrescentando algo que lhe é próprio, e assim o torna sua propriedade.

Podemos entender que é o trabalho que valoriza a coisa, para que seja proprietário da terra é preciso transformá-la e valorizá-la, pois as coisas naturais foram dadas a todos de forma igualitária, mas foi o homem com seu fundamento de propriedade que as transformou, em seu próprio benefício.

Conforme Rousseau (apud CAMPOS JUNIOR, 2011, p. 82) “o primeiro que tendo cercado um terreno, arriscou-se a dizer: „isso é meu‟, e encontrou pessoas bastante simples para acreditar nele, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil”.

A garantia ao direito de propriedade começa a aparecer positivado nas legislações pelo mundo inteiro, no século XIII, a Carta Magna do Rei João Sem-Terra, datada de 15 de junho de 1215, trazia cláusulas que estabeleciam a garantia do respeito à propriedade privada contra confiscos e requisições, decretadas autoritariamente pelo Rei ou seus oficiais. Mais tarde a Declaração de Virgínia, no final do século XVIII, que é a precursora dos direitos fundamentais humanos prescreve no seu primeiro artigo:

Todos os homens nascem igualmente livres e independentes, têm direitos certos, essenciais e naturais dos quais não podem, pôr nenhum contrato, privar nem despojar sua posteridade: tais são o direito de gozar a vida e a liberdade com os meios de adquirir e possuir propriedades, de procurar obter a felicidade e a segurança.

A Europa reconheceu os direitos do homem, universalizados, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, produzida pela Revolução Francesa. E em seu art. 17 protegeu a propriedade privada: “Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indenização”.

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No Brasil, a sua primeira Constituição em 1824, protegeu a propriedade no todo, em seu art. 179, §22º garantiu o direito de propriedade pleno, com uma única restrição, a desapropriação, a qual só poderia ser realizada por interesse público.

Na Constituição Federal de 1934, no art. 113, no capítulo dos Direitos e Garantias Individuais, assegurava aos brasileiros a inviolabilidade do direito de propriedade, mas limitava ao interesse social ou coletivo, aqui o legislador já inovou.

Após a Segunda Guerra Mundial os Estados Europeus optaram por uma democracia social como ideologia, seguidos pelo Brasil, constitucionalizando assim muitas normas antes do direito civil.

Em 1946, a constituição com seu espírito democrático garantiu novamente a inviolabilidade do direito de propriedade no art. 141 e também limitou a desapropriação. Ainda condicionou o uso da propriedade ao bem-estar social, o titular devia exercer seu direito de propriedade em função do bem-estar da comunidade.

A carta de 1967, em sua EC nº 1/69, no art. 153, assegurou o direito de propriedade, salvo no caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou ainda por interesse social ou Reforma Agrária. E já surgiu discretamente no art. 160, inciso III, o princípio da função social, buscando a realização do desenvolvimento nacional e justiça social.

Assim, o conceito de propriedade privada foi se modificando com a entrada em vigor das constituições cidadãs em grande parte do mundo, começando pelos Estados Unidos da América, na França e no Brasil, sendo limitado por princípios que norteiam essas constituições, como a função social e o respeito ao meio ambiente.

Antes só existiam os direitos de primeira geração que são aqueles referentes à vida, à liberdade individual, à segurança, à igualdade e a propriedade quais foram consagrados nas primeiras constituições democráticas, não foram mais suficientes para um mundo em constante transformação, assim surgem os direitos sociais, culturais, econômicos e direitos coletivos, denominados de direitos de segunda geração.

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Mas ainda não atendiam as exigências do novo mundo e assim surgiu a terceira geração de direitos, nesta nova Carta Magna, os quais fazem parte aqueles direitos que buscam o bem da coletividade, a defesa daquilo que é de todos, sendo abandonada a figura do homem-indivíduo em prol dos grupos humanos.

Mas é longa a caminhada, pois o Brasil estava acostumado com coronéis, com senhores donos da terra e que com essa faziam o que queriam. Assim, as leis sempre tiveram cunho patronal, a Lei de Terras que em 1850 criou a propriedade rural, a protegeu, e impediram que fosse adquirida por negros ou pobres, a abolição da escravatura três décadas depois, os ex-escravos foram libertados, mas ficaram praticamente obrigados a trabalhar por salários baixíssimos.

Até a Consolidação das Leis do Trabalho em 1943 excluiu aqueles que trabalhavam no meio rural das proteções ali instituídas. Assim, percebemos muitas dificuldades encontradas para que seja realizada uma mudança na forma com que a propriedade rural é tratada no Brasil.

O direito de propriedade sempre fez parte do direito privado, mas após essas mudanças ele não pode ser analisado somente sob essa perspectiva, pois com a entrada em vigor da nova Constituição Federal os interesses coletivos não podem ser separados desse instituto e cada dia mais deve haver o justo equacionamento entre os interesses do proprietário e o que anseia a sociedade. Assim, hoje não há mais de se pensar num direito privado egoísta, individualista ou só visando o lucro.

1.2 Os princípios que norteiam a propriedade rural no Brasil

Princípio vem do latim, que significa principium, ou seja, “começo da vida”, é o início das coisas, a origem, sendo a mesma definição que traz o Dicionário Aurélio “s.m. começo, origem, fonte”. Juridicamente, princípio significa a “base” da lei, o seu alicerce, sendo o ponto de encontro de determinada legislação para que todos os artigos de determinada lei tenham uma linha mestra para seguir.

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Segundo Oliveira (2011, p. 79):

Nessa linha numa primeira definição, princípios traduzem o conjunto de regras e preceitos, que se fixaram para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando, desse modo, a conduta a ser tida e qualquer operação jurídica.

A função dos princípios no ordenamento jurídico é vital, pois o direito não é um amontoado de regras avulsas, deve ser um conjunto de regras com coerência uma com as outras, formando um sistema jurídico consistente e uniforme.

Além do direito civil que regula a propriedade de forma mais ampla, temos o direito agrário que é a área específica que regula a propriedade, a posse e o uso da terra e as pessoas vinculadas ao trabalho da terra de forma direta e indireta.

Para entendermos os princípios do direito agrário, primeiro precisamos um conceito do que é direito agrário no Brasil. Para Furtado (2010, p. 28): “[...] entendido como conjunto de regras e princípios que regem as relações sociais e econômicas advindas da atividade agrária deve ser construído essa direção, qual seja a efetivação dos fundamentos e objetivos da constituição”.

Assim, o direito agrário deve buscar a melhor forma de organizar a atividade produtora de bens vitais, sendo atividade primária geradora de matérias-primas indispensável para a vida humana, além da geração de riquezas e empregos.

A legislação agrária foi construída e deve ser interpretada visando a concretização dos objetivos fundamentais do art. 3º da Constituição Federal, pois trata da terra que é um dos bens mais preciosos que possuímos. O direito agrário através de seus institutos busca o cumprimento desses fundamentos.

Por isso, os princípios do direito agrário têm origem nos fenômenos econômicos e sociais da exploração da terra e precisa ser fundado de acordo com a realidade e necessidade da atividade agrária com finalidade de aprimorar a legislação agrarista, como forma de trazer harmonia ao desenvolvimento das áreas rurais.

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Estes princípios precisavam ser bem abrangentes, pois o direito agrário regula a atividade rural, o trabalho da terra pelo homem e esse trabalho enquadra diferentes modalidades de exploração do solo, a agricultura, a pecuária, a agroindústria e o extrativismo. Portanto, o Estatuto da Terra em 1964 descreveu vários princípios que norteiam a atividade rural:

a) justiça social, presente no art. 1º, §1º do Estatuto da Terra, que preceitua que o trabalhador, aquele que tem o contato com a terra não seja mero figurante, e este seja tratado com respeito e dignidade, tirando o proprietário o foco principal;

b) preservação dos recursos naturais renováveis, art. 2º, §1º, alínea “c” do Estatuto da Terra;

c) aumento da produção, art. 2º, §1º, alínea “b” do Estatuto da Terra, buscando melhor condição de vida para aqueles que vivem da terra, também viabilizando atender a demanda interna e externa de alimentos, o qual o Brasil é um dos maiores produtores mundiais;

d) e o princípio da permanência na terra daquele que a tornar produtiva com o seu trabalho e com o de sua família, art. 2º, §3º do Estatuto da Terra, esse princípio busca a proteção daquele que trabalha a terra, sendo que na Constituição Federal de 1988 trouxe a inovação do art. 191, que prescreve que aquele que tornar a terra produtiva, não sendo proprietário de outro imóvel urbano ou rural e pelo prazo não inferior a cinco anos adquirirá a propriedade.

Na mesma linha a Constituição Federal de 1967 reforçou que o Estatuto da Terra, colocando o princípio da função social no cenário jusagrarista no título Da Ordem Econômica e Social, sendo seu primeiro artigo:

Artigo 157 – A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios:

[...]

III – função social da propriedade.

A Constituição Federal de 1988 renovou e foi o primeiro texto no Brasil a trazer o princípio da função social da propriedade junto com os demais direitos e as garantias fundamentais no seu art. 5º e trouxe conectividade com o art. 170, quando fala nos fundamentos da ordem econômica e um dos princípios gerais, buscando desse modo o

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constituinte que neste princípio tem um instrumento de progresso para que se chegue a uma sociedade justa, livre, igualitária, garantindo o desenvolvimento nacional, diminuindo a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, sendo estes os fundamentos da República Brasileira, conforme preceitua o art. 3º da Constituição Federal de 1988.

O direito de propriedade tem em sua missão o dever social e deve ser compreendido sempre interligado ao art. 170 da Constituição Federal, pois é garantidor da ordem econômica. E podemos acrescer ainda a livre concorrência (inciso IV), assegurando o acesso a qualquer pessoa o exercício de uma atividade lucrativa, permitindo uma maior geração de riquezas.

No mundo de hoje, com o aumento populacional, não basta trabalhar e produzir, é preciso fazer isso com o máximo de eficiência para suprir a demanda e isso demonstra a relevância do trabalho do ser humano, pois é o trabalho que traz dignidade e progresso aos povos.

Fica claro que os princípios que norteiam a propriedade rural é o bem-estar coletivo, o qual é buscado através do cuidado com o meio ambiente, a segurança dos trabalhadores e de uma economia local desenvolvida que traga riquezas para a comunidade, deixando em segundo plano a vontade do indivíduo.

E, com isso, o legislador busca promover um avanço social, diminuindo as desigualdades sociais através do trabalho do ser humano, buscando aumento da produtividade, com a regulamentação do uso de novas tecnologias que facilitem o dia a dia do trabalhador rural, resultando numa melhor condição de vida do trabalhador rural.

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2 O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL

Na era moderna tem se buscado a melhoria de vida do ser humano e mais igualdade entre as pessoas. Assim, foi necessário deixar o individualismo de lado e buscar o social, o coletivo. Essas mudanças para serem alcançadas precisavam ser idealizadas por grandes teóricos como São Tomás de Aquino e Marx, os quais defendiam que a propriedade deve ser utilizada em benefício do outrem, buscando o progresso de toda a coletividade. Estes iniciaram o pensamento da função social da propriedade, a qual deveria ser amplamente produtiva e utilizada, preservando o ambiente em que se vive, trazendo bem-estar ao trabalhador. Para fortalecer o que o Estatuto da Terra já trazia sobre função social o constituinte de 1988 trouxe esse princípio como um direito e garantia fundamental.

2.1 A função social na propriedade rural brasileira

Nas classificações doutrinárias clássicas o direito se divide em dois grandes grupos com interesses distintos, o direito público e direito privado, aquele protegendo os interesses da coletividade e este protege interesses particulares.

Mas os textos ocidentais modernos optam em unir esses dois grupos, sendo que algumas das constituições atuais em muitos casos combinam esses dois institutos, como em relação ao direito de família, direitos da personalidade e direitos de propriedade.

Segundo o consagrado agrarista Marques (2012, p. 35) foi Aristóteles, o grande filósofo grego, o primeiro a manifestar-se sobre a questão da função social, entendendo que aos bens da vida devia dar uma destinação social, para o que, a seu pensar, seria necessária apropriação pessoal. E foi seguido por Santo Tómas de Aquino o qual defendia que o homem tinha o direito natural de adquirir bens materiais, mas que não podia abstrair o dever do bem comum.

Assim, podemos ver que a função social não é uma inovação e sim uma ideia que vem se formando desde os primórdios da sociedade civil, sempre visando o bem-estar da

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coletividade. E, dessa forma, seguiram teorias como as de Marx e Duguit e legislações como o Código de Napoleão e demais Códigos Civis da época, inclusive o brasileiro de 1916.

No Brasil, desde as sesmarias ainda no século XIV, já havia certo princípio da função social, pois ao conceder a terra, a quantidade que pudesse explorar, aos sesmeiros era imposta a obrigação de cultivar a terra, sendo assim, uma função social no sentido econômico.

Conseguimos perceber que as primeiras teorias sobre a função social levavam em conta tão somente a produção de riqueza, sendo lucrativa a propriedade, a mesma cumpria sua função social. Os teóricos não incluíram na função social o bem-estar do proprietário ou dos trabalhadores do campo, nem tão pouco com a natureza ou sociedade.

Com o passar do tempo e as constituições modernas como a de Weimar e a Mexicana, tendo o pensamento mais voltado para a coletividade, algumas regras começaram a surgir em relação à propriedade. Esta continuou sendo um direito individual, mas passou a ser limitada pelos direitos alheios, os quais geram obrigações e devem ser amplamente respeitados. Se o proprietário descumprir esses interesses de terceiros, estaria praticando abusos, gerando consequências como a desapropriação.

A propriedade deixou de ser estática passando a ser dinâmica. O poder de exercício sobre o solo deixou de ocorrer a livre arbítrio do proprietário e passou a encontrar limites nos direitos subjetivos da coletividade.

A função social então seria um misto de obrigações que o proprietário tem em relação ao cultivo do solo, sendo que esse uso deve estar ligado ao interesse comum, tendo utilidade à sociedade, produzindo riquezas e proporcionando o bem-estar de todos.

O Estatuto da Terra em 1964 (Lei nº 4.504), no seu art. 2º, §1º especificou o que é a função social nos imóveis rurais, os quais eram:

a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias;

b) mantém níveis satisfatórios de produtividade; c) assegura a conservação dos recursos naturais;

d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivem.

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Para melhor compreender o que é o princípio da função social da propriedade rural, primeiro precisamos definir o que é imóvel rural e para isso podemos utilizar o Estatuto da Terra no seu art. 4º: “Imóvel rural, o prédio rústico, de área contínua, qualquer que seja sua localização, que se destine a exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através da iniciativa privada”.

O legislador definiu imóvel rural não de acordo com a sua localização e sim pela atividade desenvolvida, terminando com a discussão que imóvel rural era aquele fora do limite da cidade, vila ou povoado.

Percebemos que o princípio da função social encontra-se enraizado na legislação brasileira, sendo o seu alicerce. E também serve como embasamento para desapropriar a propriedade daqueles que não estão cumprindo este princípio.

Assim, o Estatuto da Terra iniciou a regulamentar o uso da terra pelo proprietário/possuidor, devendo este cumprir o princípio da função social, buscando que estes utilizem os imóveis de forma produtiva e consciente, assegurando a melhor utilização do bem, o qual é de forma simplificado o aproveitamento racional e adequado, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente, do mesmo modo que a observância das disposições que regulam as relações de trabalho e uma exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

A nossa Constituição Federal faz a combinação do direito privado, a garantia ao direito de propriedade e o direito público, o cumprimento da função social desta forma assegurou por um lado a inviolabilidade do direito do proprietário, mas do outro lado fixou limites ao uso da propriedade.

O art. 5º constitucionaliza que o Estatuto da Terra já mencionava que era a função social da propriedade. O constituinte primeiro protegeu a propriedade no seu inciso XXII e depois a condicionou a função social no inciso seguinte:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

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XXII – é garantido o direito de propriedade; XXIII – a propriedade atenderá a sua função social.

A Constituição Federal de 1988 no seu art. 186 também abordou o princípio da função social:

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I – aproveitamento racional e adequado;

II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Percebe-se com a leitura deste artigo acima citado que a Constituição Federal no que tange o cumprimento do princípio da função social organiza-se em quatro fatores: a) econômico; b) econômico-ambiental; c) social e d) humano-social.

Com a entrada em vigor da Nova Constituição o Estatuto da Terra ganhou um importante reforço, pois tendo integrado ao seu texto os mesmos requisitos já escritos, reforçam sua aplicação.

E, em 1993, foi criada a Lei nº 8.629, chamada “Lei da Reforma Agrária”, que veio para contribuir com o detalhamento do que é a função social, pois no seu art. 9º repete o art. 186 da Constituição Federal, mas explicou nos seus parágrafos o que é cada um dos requisitos para o cumprimento do princípio da função social.

O §1º fala sobre o aproveitamento racional e adequado, o qual deve atingir os graus de utilização da terra e de eficiência na exploração especificados nos §§1º a 7º do art. 6º da Lei da Reforma Agrária, o qual prescreve que não poderá ser utilizado para Reforma Agrária imóvel o qual está implantado projeto técnico aprovado por órgão federal que preveja que, no mínimo, 80% da área total aproveitável do imóvel seja efetivamente utilizada em, no máximo, três anos para as culturas anuais e cinco anos para as culturas permanentes, entre outras condições.

A utilização e a eficiência devem atenção a dois outros fatores, a relação da área efetivamente explorada e a área potencialmente explorável do imóvel. Os graus de utilização

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devem ser de no mínimo 80% e eficiência que deve ser de pelo menos 100% são os parâmetros para saber se a propriedade é produtiva ou não, a propriedade sendo improdutiva é passível de desapropriação. Ainda devemos observar os índices de produtividade para cada microrregião, que são medidos pela área e pela produção mínima.

Para Oliveira (2011) no aproveitamento racional e adequado são usadas várias medidas, buscando o aumento da produtividade e qualidade, no menor tempo possível. E o mesmo autor cita como exemplos, a análise do terreno por especialistas para qualificar o estado do solo; empregar tecnologia moderna, maquinário, adubos, épocas de plantio, qual a melhor cultura. O aproveitamento adequado é quando se realiza o plantio correspondente à natureza do terreno como no plantio do arroz que deve ser em solo úmido.

Mas não há grandes problemas para o ser humano transformar características de alguns tipos de solo para poder adequá-las a determinado cultivo, isto garante um dinamismo na produção. É o caso da orizicultura que necessita de área alagadiça, o que pode ser contornado pelo preparo adequado do solo e irrigação.

O legislador preocupou-se com as intempéries ocasionadas sem o auxílio do proprietário e ainda quando o proprietário necessite por algum motivo técnico deixar a terra sem produzir, trazendo a previsão expressa no art. 6º, §7º:

Não perderá a qualificação de propriedade produtiva o imóvel que, por razões de força maior, caso fortuito ou de renovação de pastagens tecnicamente conduzida, devidamente comprovados pelo órgão competente, deixar de apresentar, no ano respectivo, os graus de eficiência na exploração, exigidos para a espécie.

O §2º da Lei considera como adequada a utilização dos recursos naturais disponíveis quando a exploração se faz respeitando a aptidão natural de cada localidade, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade. A preservação do meio ambiente e sua conservação não significam a sua não utilização, na verdade isto deve ser feito cultivando a área. Esse cultivo deve ser realizado com cuidado, pois se sabe que na prática da agricultura, qualquer descuido pode gerar uma grande catástrofe ambiental.

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E no §3º preceitua que a preservação do meio ambiente e a manutenção das características próprias do meio natural, são medidas adequadas à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida dos trabalhadores e proprietários.

As disposições a respeito das relações de trabalho estão no §4º, que diz que devem ser observadas as leis trabalhistas nos contratos coletivos de trabalho e também nos contratos de arrendamento e parceria rurais. Essa regra foi inserida, pois mesmo com a melhor tecnologia, sempre vai haver o elemento humano, o trabalhador rural. E esse artigo não se refere exclusivamente às reclamatórias trabalhistas em favor do empregado que configurará o descumprimento desta regra, mas situações extremas como a utilização de trabalho escravo ou o descumprimento das regras do art. 7º da Constituição Federal.

E o §5º estabelece que a exploração favorece o bem-estar dos proprietários rurais, mas sendo esquecido pelo legislador o trabalhador rural, o posseiro que explora a terra, sendo que este inciso busca o atendimento das necessidades mínimas dos que trabalham a terra, observa as normas de segurança do trabalho e não provoca conflitos e tensões sociais no imóvel, com a finalidade da tão almejada paz. De acordo com Marques (2012, p. 40) “... que os requisitos alinhados nos preceitos legais examinados devem ser observados simultaneamente vale dizer, todos ao mesmo tempo”.

O legislador civilista de 2002 não se deteve muito a função social, o que chega mais perto deste princípio no novo Código Civil é o art. 1.228, o qual fala nos direitos do proprietário:

Art. 1.228. Proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

§1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

§2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.

§3º O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.

§4º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e sentença econômico relevante.

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§5º No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.

Assim, percebemos que o Código Civil está em consonância com a Constituição Federal, ficando claro a relativização do direito de propriedade, sendo necessário observar todas essas regras.

Esse conjunto de medidas objetiva acabar com a propriedade improdutiva, aquela que não produza bens para a nação, pois não é admissível terras férteis permanecerem inexploradas por vontade do proprietário. E essas regras não são somente para as grandes propriedades, pois se estas estiverem cumprindo sua função social e econômica devem continuar a existir.

Não permitiu o legislador a ociosidade do solo, gerando especulação imobiliária de terras que poderiam gerar muitas riquezas para o Brasil além da contribuição social, com geração de emprego e renda para várias famílias.

A função social faz conexão com princípios da ordem econômica (art. 170) visando cumprir o que preceitua o art. 3º da Constituição Federal:

Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Esse liame entre função social e ordem econômica é um meio de chegar ao desenvolvimento econômico sustentável através do trabalho da terra, buscando melhores condições de vida para os proprietários e trabalhadores do campo, agregando um bem-estar a toda população do nosso país.

Para Marquesi (2012, p. 101) “a função social pode ser entendida como uma meta a ser seguida pelo titular do imóvel urbano ou rural, que, no exercer os poderes do domínio, deverá fazê-lo segundo os balizamentos de direito público relativos à ordem econômica”.

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2.2 A função social na posse agrária

Nos dias de hoje a posse deve ser analisada com cuidado, pois também deve cumprir a função social, apesar de não haver disposições sobre o assunto na Constituição Federal. A posse pode ser vista sob dois pontos distintos: um deles é um direito real, ligado à figura do proprietário possuidor e o outro é o direito de quem não é proprietário, mas somente possuidor. No segundo caso, do não possuidor é onde se percebe a função social mais facilmente. O art. 186 da Constituição Federal diz que a propriedade rural cumpre a função social e enumera os requisitos, mas não limita a quem deve cumpri-los, assim pode ser o proprietário ou o possuidor.

Assim, percebe-se que a posse se iguala com a propriedade no quesito função social econômica, social e ambiental. Para compreender melhor a função social da posse precisamos entender algumas premissas:

a) Posse como direito autônomo: é a exteriorização do domínio, a posse e a propriedade não se confundem. A posse na história vem antes da propriedade, é preciso entender que a propriedade surgiu para proteger o apossamento da terra afastando as intervenções alheias. É esse jus possessionis que é defendido na luta pela terra e na Reforma Agrária. Esse direito à posse do imóvel que está sendo usado de forma errônea pelo proprietário é o argumento que busca legitimar o esbulho de um imóvel. E quando o imóvel é invadido e cultivado, pode começar a cumprir sua função social da posse.

b) A posse é um valor: o cultivo do solo pelo posseiro gera riqueza para si próprio e para a comunidade em que vive. Desde os primórdios da humanidade o homem utiliza da posse como forma de buscar riquezas, quando no poder de instrumentos começou a caçar e cultivar a terra iniciando a agricultura. Domesticou animais e estando estes em seu poder utilizava como alimento, como força para preparar a terra ou ainda como moeda de troca. Foi esse poder sobre os animais e as coisas que permitiu a nossa evolução até os dias de homem. A posse agrária é importantíssima para a nação, pelo elevado valor que possui, é da terra que se busca a fonte primária de riquezas, a posse traz também um valor ao próprio ser humano, pois lhe traz bem-estar.

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De acordo com Marquesi (2012, p. 130):

Não fosse o apossamento do solo e o aproveitamento de suas riquezas, não se produziriam nem os alimentos de subsistência nem os sofisticados dispositivos que tornam mais fácil a vida no lar ou nos ambientes de trabalho. É lamentável que o homem contemporâneo, enclausurado nas grandes cidades, não perceba o papel desempenhado pela terra.

O homem conseguiu chegar ao espaço, pisou na lua, conquista avanços na medicina todos os dias, muitas vezes não se dá conta que tudo isso só é possível a partir dos minerais que foram formados e são retirados do solo. A qualidade de vida do ser humano está intimamente ligada ao uso do solo, ou melhor, ao correto uso do solo, a poluição do ar, ao desmatamento e contaminação de rios e nascentes. Até medicamentos são extraídos das florestas, que por sua vez fazem parte do solo.

A posse tem grande importância social e economicamente, assim tem destaque no Estado Democrático de Direito produzindo riquezas e bens para o seu usuário e para a coletividade, resultando num viver com mais dignidade.

c) A posse é um instrumento de realização dos objetivos do Estado: aquele que possui o solo deve trabalhá-lo e com esse trabalho gera riquezas não só para si, mas para toda a sociedade, transformando o meio em que vive em um ambiente melhor, com mais renda e oportunidades de trabalho, e é esse o objetivo do Estado, que os bens sejam usufruídos, a posse não pode ser simplesmente um apoderamento do bem, espera-se um aproveitamento não egoísta.

Assim, a posse agrária também busca o que preceitua o art. 3º da Constituição Federal, uma sociedade justa e igualitária que busque o desenvolvimento do país, diminuir as desigualdades sociais e promover o bem-estar de todos.

E podemos encontrar julgados defendendo a posse quando este cumpre a função social da propriedade em relação ao proprietário que não exerceu a sua função, como neste acórdão do Tribunal Gaúcho:

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APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DIVISÃO DE CONDOMÍNIO RURAL. EXCEÇÃO DE USUCAPIÃO ARGUIDA COMO DEFESA. POSSIBILIDADE. POSSE MANSA, PACÍFICA E COM ANIMUS DOMINI POR PARTE DO RÉU. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NÃO EXERCIDA PELO AUTOR. PROVA SUFICIENTE DOS REQUISITOS LEGAIS PARA A AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE. SENTENÇA ANTERIOR DECLARANDO A USUCAPIÃO EM FAVOR DO RÉU E POSTERIORMENTE RESCINDIDA POR QUESTÕES FORMAIS. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. I. Uma vez preenchidos os requisitos legais para o reconhecimento da aquisição originária da propriedade por usucapião, cabível o acolhimento na forma de exceção para fins de julgar improcedente o pedido de dissolução de condomínio rural. Prova dos autos a indicar que o réu utilizava como sua toda a extensão da propriedade rural, cercando o imóvel e recolhendo o ITR incidente, sendo desnecessária a prova de efetivo aproveitamento de todo o bem, porquanto questões inerentes a índices de aproveitamento do imóvel rural são estranhos ao instituto da usucapião, senão à eventual pretensão de desapropriação para fins de reforma agrária, do que não se trata na espécie. II. Comprovada posse mansa, pacífica e com animus domini por parte do demandado por mais de vinte anos, é de ser acolhida a exceção arguida. Acolhimento que, distintamente do que ocorre na ação própria, não tem em efeito mandamental, considerada a ausência de angularização plúrima do processo e intervenção do Ministério Público. III. Julgamento de improcedência do pedido de dissolução de condomínio rural e demarcação de terras, até porque comprovado, no caso concreto, que o autor não destinava qualquer função ao imóvel. APELAÇÃO PROVIDA (Apelação Cível nº 70033954256, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em 10/06/2010). Assim percebemos que o Tribunal Gaúcho protege a posse em relação à posse quando não há o cumprimento da função social, e principalmente quando o posseiro passa a cumprir com os princípios do direito agrário.

2.3 O não cumprimento da função social

O cumprimento da função social até agora foi abordado positivamente, mas precisamos saber o que acontece quando não são preenchidos os requisitos do princípio da função social e qual é a punição prevista para aqueles proprietários ou possuidores que não cumprem o que estabelece a Constituição Federal, o Código Civil, o Estatuto da Terra e a Lei da Reforma Agrária.

A sanção pelo não cumprimento deste princípio, afeta a propriedade agrária em relação à desapropriação, tanto por necessidade ou utilidade pública, quanto por interesse social. Com esses institutos busca-se que a terra improdutiva seja distribuída para quem queria utilizá-la de forma adequada, cumprindo sua função social e atendendo os princípios da justiça social e do aumento da produtividade.

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Para o proprietário ter a proteção constitucional é necessário fazer o uso adequado do solo, ser produtivo, respeitar o meio ambiente e os direitos dos trabalhadores. Só se espera do proprietário que utilize o bem de forma que traga benefício para a coletividade, do contrário é preciso permitir que outras pessoas tenham acesso ao bem para que possam gerar riquezas.

É mais fácil identificar o descumprimento da função social na posse agrária pelo viés econômico e ambiental, pois se o possuidor no imóvel agrário não realizar uma boa plantação, de acordo com o padrão rentável está descumprindo a função social produtiva levando a pouca rentabilidade econômica e ao mexer em vegetações nativas ou encostas de rio ou nascentes, este possuidor está descumprindo a função social da preservação ambiental.

Podemos encontrar vários acórdãos pelos Tribunais Estaduais restringindo o uso da propriedade até que se cumpra a função social no quesito preservação ambiental, como o caso do julgado abaixo:

RECURSO DE APELAÇÃO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESERVA FLORESTAL LEGAL. PRETENSÃO DE AFASTAR IMPOSIÇÃO DE CONSTITUIÇÃO E AVERBAÇÃO DE RESERVA FLORESTAL LEGAL E RECUPERAÇÃO AMBIENTAL. 1. Ilegitimidade passiva de parte. Inocorrência. Obrigação de constituição, averbação de reserva legal na matrícula de imóvel e recuperação ambiental que possui natureza propter Rem, recaindo sobre o proprietário do imóvel. 2. Denunciação da lide à União e pretensão indenizatória. Inaplicabilidade. Restrição de uso e gozo de área de imóvel rural em consonância com a função social da propriedade rural, consonância com os artigos 170, 185 e 225 da Constituição Federal e artigo 16, §2º da Lei 4.771/65. 3. Imposição de restrição de benefício fiscal ao imóvel até que seja efetivada a recuperação ambiental e constituída reserva legal no imóvel. Possibilidade. Medida adotada para forçar o cumprimento de decisão judicial que se revela adequada e oportuna, em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Sentença mantida. Aplicação do art. 252 do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça. Recurso desprovido TJ-SP – Apelação APL 01648084720088260000 SP 0164808-47.2008.8.26.0000 (TJ-SP).

O art. 170 da Constituição Federal traz os preceitos da ordem econômica e que uma forma de chegar à justiça social é pelo cumprimento da função social da propriedade, a defesa do meio ambiente, que também está englobado no princípio da função social.

Mas o entendimento dos tribunais de justiças é mais conservador do que a novas regras, se baseia nos costumes do local, como esta decisão do tribunal gaúcho:

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AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEIO AMBIENTE. SINDICATO RURAL DE SÃO FRANCISCO DE PAULA. PEDIDO DECLARATÓRIO. SAPECADA NOS CAMPOS DE PASTAGENS. LIMINAR DE RECONHECIMENTO DO DIREITO MEDIANTE AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO COMPETENTE. MANUTENÇÃO. 1. Sapecada dos campos de pastagens. Prática imemorial por motivo relevante. No Rio Grande do Sul, a sapecada dos campos de pastagens é prática imemorial nas regiões de criação de gado. Consiste na queima do capim seco e duro que se forma em razão das geadas. Não tem valor nutritivo e o gado sequer o come. A manutenção dessa cobertura retarda a quebra da dormência que é o despertar da natureza na primavera e, por conseguinte, retarda a formação de pastagens novas. Trata-se de fogo rápido e superficial que acontece por motivo relevante, qual seja a formação de novas pastagens naturais para alimentar o gado, que é a função social da propriedade. 2. Proteção da flora, fauna e qualidade do ar. Constitucionalmente, a proteção acontece na forma da lei. Assim, infraconstitucionalmente, (a) se o parágrafo único do art. 27 do Código Florestal Federal (Lei-BR 4.771/65) reconhece o direito ao emprego do fogo em práticas agropastoris, conforme as particularidades locais ou regionais; (b) se no Rio Grande do Sul é pública e notória, desde tempos imemoriais, a prática da sapecada dos campos de pastagens em razão das geadas, então, (c) não pode o §1º do art. 28 do Código Florestal Estadual (Lei-RS 9.519/92), admitir o uso de fogo apenas com objetivos fitossanitários (eliminação de pragas e doenças). Onde existe o fato, isto é, a prática, o direito é reconhecido pela lei federal como norma geral. À lei estadual cabe apenas disciplinar o seu exercício. Não há, aí, ao legislador estadual, juízo de conveniência e oportunidade para instituir o direito. 3. Liminar do juízo a quo. Provisoriamente, merece mantida a liminar do juízo de 1º Grau que não autorizou a sapecada sem controle, mas mediante licença do órgão competente, sem levar em consideração o disposto no art. 28 do Código Florestal Estadual. 4. Dispositivo. Por maioria, recurso desprovido. (Agravo de Instrumento nº 70040107849, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em 06/04/2011).

Não sendo utilizado o bem de forma adequada à Constituição Federal regularizou a sanção cabível:

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

Mas para que aconteça esta Reforma Agrária é preciso que a União disponibilize terras para que seja feita essa melhor distribuição e isso é feito geralmente através da desapropriação de imóveis particulares. Desapropriação é um procedimento pelo qual o poder público, fundado na necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, compulsoriamente, retira alguém de certo bem imóvel, adquirindo-o para si, mediante justa e prévia indenização.

A desapropriação de terras improdutivas foi a forma que o Estado encontrou para impedir que grandes áreas fiquem nas mãos daqueles que não querem gerar riquezas para o país, ou não conseguem investir de forma a conseguir alcançar o nível mínimo de

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aproveitamento. Com a redistribuição das áreas é possível trazer renda para aqueles que não conseguem adquirir uma propriedade, mas que tem o desejo de trabalhar a terra.

Mas um dos grandes problemas é provar o descumprimento de algum dos requisitos do princípio da função social, pois no Brasil não tem um órgão responsável por isso. Hoje quem tenta fiscalizar as propriedades é o INCRA e o IBAMA, mas estes se detêm somente à questão econômica e ambiental. O maior problema é verificar os demais requisitos, os sociais, pois dificilmente os responsáveis pela fiscalização do Ministério do Trabalho vão às localidades mais retiradas, que é onde a chance de ocorrer violações às normas trabalhistas são maiores.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. ART. 273, CPC. SUSPENSÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DE DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL. BASE DE CÁLCULO PARA VERIFICAÇÃO DA PRODUTIVIDADE/ IMPRODUTIVIDADE DO IMÓVEL. LEI 8.629/93. DIREITO AGRÁRIO E DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPROVIMENTO.

1. O agravo de instrumento combate a decisão proferida em sede de ação de rito ordinário que antecipou os efeitos da tutela sob o fundamento de que a área que foi considerada como base de cálculo para classificação do imóvel do agravado deveria ter sido abatida das partes inaproveitáveis como as inapropriáveis, as de reserva permanente, sem qualquer utilidade econômica. 2. O procedimento administrativo expropriatório, conforme previsto na legislação agrária de regência (Lei nº 8.629/93), tem por finalidade viabilizar a decretação do interesse social sobre o imóvel improdutivo, com fins de reforma agrária. Suspender o processo administrativo significa suprimir por ora o interesse da coletividade, pois inviabiliza a autarquia, ora agravante de atuar no local, tornando a situação fundiária ali existente cada vez mais difícil. 3. A despeito de o processo administrativo haver reconhecido a improdutividade da Fazenda São João, ele visa principalmente a expedição do decreto expropriatório, cabendo, portanto, em sede de ação de desapropriação ser realizada a produção de provas quanto à produtividade ou não do referido imóvel, nos termos da Lei Complementar nº 76/93. 4. Plausível a argumentação do agravante no que tange à regularidade dos cálculos elaborados, bem como ao raciocínio jurídico desenvolvido acerca da aplicação das normas jurídicas indicadas. Caso o INCRA tivesse utilizado o critério previsto no §3º, do art. 50, do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64) para dimensionar o imóvel do agravado, de modo a dar concretude ao disposto no art. 185, da Constituição Federal, com base de cálculo depurada de elementos que a Lei nº 8.629/93 determina excluir apenas na fase seguinte ao cálculo de produtividade, haveria ampliação indevida da exceção representada pela imunidade de desapropriação prevista na Constituição Federal. 5. O disposto no art. 6º, da Lei nº 8.629/93, que instituiu o GUT como mecanismo para aferir o cumprimento da função social da propriedade e para identificar possível improdutividade do imóvel, não se confunde com a previsão contida no art. 50, §3º, do Estatuto da Terra, que identifica a dimensão do imóvel apenas como um mecanismo-meio para implementar a justiça na tributação do Imposto Territorial Rural, no sentido da sua maior ou menor rigidez. 6. Revela-se necessária a reforma da decisão recorrida para o fim de ser revogada a antecipação da tutela, eis que ausentes os requisitos previstos no art. 273, do Código de Processo Civil. 7. Agravo de instrumento provido. TRF-2 – AGRAVO DE INSTRUMENTO AG 200302010108576 RJ 2003.02.01.010857-6 (TRF-2).

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E em relação ao inciso IV do art. 9º da Lei da Reforma Agrária que diz que a exploração deve favorecer o bem-estar do proprietário e trabalhadores, o que podemos entender por bem-estar, como se comprovar o seu cumprimento ou não?

De acordo com Marques (2012, p. 42) “... a não fiscalização do cumprimento dos requisitos da função social na propriedade da terra, a despeito das claras disposições legais analisados, deixa vulnerável a grande maioria dos estabelecimentos rurais em nosso país”. E num país tão grande como o Brasil, é difícil que o governo tome atitudes muito agressivas, pois há diversos fatores que dificultam que o produtor tenha uma performance agrícola melhor.

A sugestão de muitos agraristas é que essa fiscalização do cumprimento da função social fosse uma atribuição das instituições financeiras no momento da concessão do crédito agrícola, pois estas exigiriam a comprovação por parte do proprietário um laudo do INCRA sobre produtividade, parecer do IBAMA sobre o cuidado com o meio ambiente na propriedade e os encargos sociais e trabalhistas devidamente quitados.

O Estatuto da Terra traz a finalidade da desapropriação, o qual visa o cumprimento do princípio da função social e dos demais princípios consagrados no direito agrário:

Art. 18. À desapropriação por interesse social tem por fim: a) condicionar o uso da terra à sua função social;

b) promover a justa e adequada distribuição da propriedade; c) obrigar a exploração racional da terra;

d) permitir a recuperação social e econômica de regiões;

e) estimular pesquisas pioneiras, experimentação, demonstração e assistência técnica;

f) efetuar obras de renovação, melhoria e valorização dos recursos naturais; g) incrementar a eletrificação e a industrialização no meio rural;

h) facultar a criação de áreas de proteção à fauna, à flora ou a outros recursos naturais, a fim de preservá-los de atividades predatórias.

A desapropriação é a concretização do princípio da supremacia do poder público sobre o particular, uma vez que no governo não se encontra a possibilidade ou o interesse do particular produzir naquele terreno desprovido de qualquer cultivo, mas sim visando à futura produção agrícola que o país irá receber.

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E é de suma importância que a terra cultivável esteja nas mãos de quem queira produzir, pois a humanidade cresce a passos largos e o solo é um bem limitado, devendo ser aproveitado da melhor forma possível.

E a terra sendo um bem limitado se tornou muito valiosa, sendo muito disputada e sendo necessária à desconcentração desta das mãos de poucos. Esta concentração dificulta a máxima exploração do solo produtivo, o que é extremamente necessário nos dias de hoje.

Assim, a desapropriação não é um desrespeito com a propriedade privada, mas uma forma de sanção, de punir aquele proprietário que não utiliza este bem tão precioso de forma consciente e racional, cumprindo os princípios inerentes a propriedade em especial ao da função social.

A carta magna no art. 185 traz quais são as propriedades que não podem ser desapropriadas e se o constituinte protegeu estas propriedades, as demais poderão ser desapropriadas:

Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:

I – a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;

II – a propriedade produtiva.

Assim, percebe-se que o Estado protege a pequena e a média propriedade, pois não haveria lógica retirar o bem de alguém que tem pouco para dar à outra pessoa que não tem nada. E a propriedade que atinge os níveis de produtividades reguladas por lei de acordo com a sua exploração também não é desapropriada com o fim de Reforma Agrária.

Produtividade, segundo o Dicionário Informal, é definida da seguinte forma: “Capacidade de produzir, característica do que produz com abundância ou lucratividade. Em outras palavras, produtividade é obter a melhor relação entre volume produzido e recursos consumidos”.

Mas não adianta somente possuir uma propriedade produtiva e rentável economicamente, pois também há a possibilidade de desapropriação de terras produtivas, quando as mesmas não exercerem sua função social. É o caso de haver o cultivo de drogas

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entre os demais cultivos, sendo pacífico o entendimento que pode ser desapropriado o imóvel ou ainda quando há trabalho escravo na propriedade.

O Estatuto da Terra, no seu Título II, intitulado Reforma Agrária, traz os objetivos desta, os quais se misturam com o princípio da função social:

Art. 16. A Reforma Agrária visa a estabelecer um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio.

Neste caso, o renomado doutrinador de direito agrário Marquesi (2012) dispõe do seguinte entendimento:

Não se pode esquecer que um dos objetivos da reforma fundiária, ao lado do incentivo à produção, assenta seus pilares na justiça social, segundo o norte firmado pelo legislador agrarista. Nesse sentido, cumpre indagar se há justiça social num imóvel que mantenha seu quadro de empregados sob regime de escravidão. Um proprietário rural que assim age está apto a manter a exploração do imóvel? E o proprietário que, desprezando regra elementar de direito ambiental, promove a limpeza dos implementos agrícolas às margens dos mananciais, de modo a comprometer a qualidade da água que abastece as cidades?

Assim, com a grandiosidade do princípio da função social da propriedade agrária é preciso observar que o art. 185, inciso II da Constituição Federal dispõe, tendo em vista que em casos extremos é possível sim realizar a desapropriação de uma grande propriedade rural, se esta não atender o requisito do artigo supracitado.

O Código Civil de 2002 veio em consonância com a Constituição Federal, onde diz que a propriedade deve manter “suas finalidades econômicas e sociais” e no mesmo sentido, deve preservar “a fauna, a flora, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, e não poluir a água e o ar” (art. 1.228).

O art. 2.035 do Código Civil assegura a função social da propriedade, pois prescreve que nenhuma convenção deverá contrariar os preceitos de ordem pública, visando assegurar a função social da propriedade e dos contratos.

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O que não pode ocorrer é ter todas essas leis, com os requisitos, a forma, as sanções e nada disso sendo cumprido de maneira a produzir resultados. Sendo mais uma letra morta da lei.

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CONCLUSÃO

O presente trabalho buscou uma visão contemporânea sobre a propriedade privada rural no Brasil, através de seus princípios instituídos no Estatuto da Terra e, posteriormente, pela Constituição Federal e demais legislações brasileiras.

Encontramos um direito privado, conectado ao direito público, ao direito coletivo, e isso se dá pela instituição de princípios que foram se amoldando junto com a evolução da sociedade.

Estes princípios fizeram com que a propriedade antes absoluta, hoje esteja relativizada e que para ter a proteção da Constituição e demais leis é necessário o cumprimento dos princípios como o da Justiça Social, preservação dos recursos naturais e o da função social.

Pudemos perceber que o princípio da função social é um misto de requisitos que garantem uma exploração digna da área, que trazem um uso racional e adequado do imóvel, buscando a geração de riquezas.

Que esse uso seja sempre de acordo com as normas ambientais e que se preserve as culturas nativas da região, como nascentes e matas ciliares, pois qualquer descuido pode gerar grandes catástrofes.

Ainda o proprietário deve respeitar todas as normas trabalhistas, afim do Brasil conseguir erradicar o trabalho escravo, essa prática tão incompatível com os dias atuais.

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Dessa propriedade para cumprir sua função social de acordo com o Estatuto da Terra, deve oferecer bem-estar aos proprietários e trabalhadores, esse é um requisito muito discutido, pois não há um conceito definido e como aferir o bem-estar de alguém, assim esse requisito possui pouca aplicabilidade prática.

Nos dias de hoje a Dignidade da Pessoa Humana é um dos fundamentos do país e para isso devemos propiciar melhores condições de vida a toda população. Precisamos potencializar os esforços para que haja um melhor aproveitamento do solo em todos os sentidos, para garantir uma vida digna ao trabalhador do campo. E não podemos aceitar que áreas de terra fiquem nas mãos daqueles que não querem a fazer dar frutos.

Além do mais percebemos que a lei ampara o princípio da função social de forma ampla e adequada, mas ao realizar a pesquisa jurisprudencial nos Tribunais percebemos que dificilmente uma propriedade é desapropriada por descumprimento da função social.

Entre os requisitos descumpridos o que mais aparece nos julgados é em relação a áreas improdutivas, mas na grande maioria das vezes o proprietário consegue “tapear” a fiscalização, implantando rapidamente alguma cultura ou até mesmo colocando gado na área.

Assim, é preciso mais fiscalização dos órgãos responsáveis, para que esse princípio não seja somente leis, teses e doutrinas, mas que seja cumprido de forma mais correta possível, sendo inadmissível que nos dias de hoje ainda exista resquícios de trabalho escravo. E que com tantas batalhas sociais, pela oportunidade de ter um pedaço de chão para cultivar, deixamos terras produtivas nas mãos daqueles que não querem ou não conseguem a fazer produzir adequadamente.

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REFERÊNCIAS

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_____. Lei 4.504, de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o Estatuto da Terra, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4504.htm>. Acesso em: 21 ago. 2013.

_____. Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ l8629.htm>. Acesso em: 15 out. 2014.

CAMPOS JUNIOR, R. A. O conflito entre o direito de propriedade e o meio ambiente (e

as questões da indenização das áreas de preservação florestal). Curitiba: Júrua Editora,

2011.

DECLARAÇÃO DE VIRGÍNIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/ Declara%C3%A7%C3%A3o_de_Direitos_de_Virg%C3%ADnia>. Acesso em: 22 abr. 2014. DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Declara%C3%A7%C3%A3o_dos_Direitos_do_Homem_e_do_ Cidad%C3%A3o>. Acesso em: 22 abr. 2014.

DICIONÁRIO INFORMAL. Conceito de produtividade. Disponível em: <http://www.dicionarioinformal.com.br/produtividade/>. Acesso em: 22 out. 2014.

LOCKE, J. Segundo tratado do governo civil. 2014. Disponível em: <www.xr.pro.br/IF/LOCKE-Segundo_Tratado_Sobre_O_Governo.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2014.

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