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Nanotecnologia e a condição humana no futuro: a radicalidade técnica contemporânea, os questionamentos éticos do homo viator e a visão de natureza

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

Centro de Filosofia e Ciências Humanas

Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas

Marise Borba da Silva

NANOTECNOLOGIA E A CONDIÇÃO HUMANA:

a radicalidade técnica contemporânea, os questionamentos

éticos do homo viator e a visão de natureza

Tese de Doutorado

FLORIANÓPOLIS 2008

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Marise Borba da Silva

NANOTECNOLOGIA E A CONDIÇÃO HUMANA:

a radicalidade técnica contemporânea, os questionamentos

éticos do homo viator e a visão de natureza

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Ciências Humanas - Área de Concentração Condição Humana na Modernidade da Universidade Federal de Santa Catarina.

Orientador: Selvino J. Assmann Co-orientador: Hector Ricardo Léis

FLORIANÓPOLIS 2008

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalhoa meu pai (in memoriam), que já não é mais um ser entre as coisas que as nossas escalas explicam. Deve estar na dimensão do quase nada pulverizado em quase tudo. Ele gostava de Astronomia e de Mitologia, acompanhava a evolução tecnológica, como um sequioso Prometeu. Alguns o chamavam de “Professor Pardal” por sua criatividade e inventividade. Do “mundo da vida” vinham suas idéias que viravam engenhocas, algumas delas, como suas forminhas de chumbo para fazer pirulitos; outras, como os aparelhos odontológicos que inventou, foram aperfeiçoadas e requeriam a eletricidade para funcionar.

Aqui e agora, estaria muito orgulhoso de minha conquista! Estaria vibrando em macro, micro e nano entusiasmo!!!

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AGRADECIMENTOS

Ao professor Hector Ricardo Leis, que tão prontamente aceitou orientar-me, muito atencioso e demonstrando interesse pelo assunto desta tese. Sempre me concedeu muita solicitude quando dele precisei, e agradeço seu empenho em abrir-me caminho para os primeiros passos na produção escrita. Devo-lhe meu ingresso neste maravilhoso Doutorado.

Ao meu querido orientador, professor Selvino José Assmann, pela extrema generosidade pessoal e intelectual com que aceitou dar continuidade à minha orientação. Foi mais que orientador, um professor e amigo que, em termos de categoria taxonômica, eu o denominaria carinhosamente de “homo collu”, que me ofereceu o aconchego no momento de minha maior solidão de pesquisadora, além de colocar a meu dispor sua rica biblioteca. Sem a sua colaboração tão dedicada, sem sua paciência, sem seu “cuidado de mim” e altruísmo, esta tese não teria sido possível;

Ao meu querido e eterno mestre, professor Norberto Jacob Etges, por ter sido, ainda que indiretamente, o maior responsável pela escolha deste assunto, ao ter propiciado, em minha formação intelectual e acadêmica no Curso de Mestrado, os primeiros contatos com a “nanotecnologia” e sempre ter exigido de mim o rigor necessário na busca pelo conhecimento, além de ser um grande companheiro sempre que solicitei sua ajuda;

Aos representantes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sobretudo, aos fundadores do excepcional Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas. À UFSC, da qual nós catarinenses nos orgulhamos, por ter sido a Instituição que me possibilitou o acesso ao Doutorado de forma gratuita, visto que de outro modo, isto não teria, muito provavelmente, sido possível. Ao Programa de Doutorado (DICH), com seus/suas renomados/as dirigentes e professores/as, por considerá-lo um Curso refrência, tendo verdadeira admiração por este Programa e orgulho de ter passado por ele, por sua qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio nome diz e por todos aqueles profissionais que acolhe na sua condução. Devo um agradecimento muito especial aos Coordenadores do Programa, cada um em seu tempo: Professor Héctor Ricardo Leis e à Professora Carmen Silvia de Moraes Rial, e aos respectivos Vice-Coordenadores - pelas

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ousadas, firmes e dedicadas posições à frente da estrutura administrativa, alicerçadas no desejo de fazer o Programa ser exitoso, crescer em excelência e reconhecimento nacional e internacional.

Á Liane Bergmann, ao Jorge, ao Ângelo La Porta e ao Jerônimo, por suas atitudes de solicitude, de atenção e profissionalismo, com que sempre me atenderam na Secretaria.

Ao gentil e perspicaz professor Franz Josef Bruseke e à afável e entusiástica, professora Júlia Silvia Guivant que, com despeendimento, generosidade e espontaneidade, muito me honraram com sua participação na minha Banca de Qualificação;

Aos profissionais que se dispuseram a contribuir com este estudo, aceitando meu convite para serem entrevistados de uma maneira tão especial, tão generosa, espontânea, carinhosa e nobre, que a mim causou surpresa e entusiasmo. Admirando a forma digna com que me trataram, quero registrar minha admiração eternal por eles:

André Avelino Pasa (Professor, Doutor em Engenharia Metalúrgica e de Materiais - UFSC/SC).

Tania Beatriz Creczynski Pasa (Professora, Doutora em Química Biológica - UFSC/SC).

Ricardo Machado Peres (Engenheiro, Mestre em Engenharia Mecânica - NANO ENDOLUMINAL/SC).

Norberto Jacob Etges (Professor, Doutor em Sociologia - UFSC/SC). Jatir Francisco de Moraes (Implantodontista, Florianópolis/SC).

Márcia Ramella (Programadora de Computador - Bento Gonçalves/RS).

Lidiane Goedert (Professora, Mestre em Educação Científica e Tecnológica - SENAC - UDESC/SC).

Mauro Cherobim (Professor, Doutor em Ciências Sociais - UNESP/SP). Oswaldo Luiz Alves (Professor, Doutor em Ciências – UNICAMP/SP).

Rafael Rafaelli (Professor, Doutor em Psicologia/Psicologia Clínica - UFSC/SC). Paulo Roberto Martins (Professor, Doutor em Ciências Sociais – UNICAMP- Campinas/SP).

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Vanessa Carla Furtado Mosqueira (Professora, Doutora em Biofarmácia, Farmacotécnica/Ciências Farmacêuticas - Escola de Farmácia da UFOP/MG).

Maria Helena Andrade Santana (Professora, Doutora em Engenharia Mecânica e Pós-doutora em Engenharia Química - UNICAMP/Campinas/SP).

Simone Adad Araújo (Médica, professora, Doutora em Medicina Otorrinolaringologia - USP/SP).

Silmara Nery Cimbalista (Professora, Doutora em Ciências Humanas –UFPR/PR- vínculo-livre).

Tamara Benakouche (Professora, Doutora e Pós-Doutora em Ciências

Humanas/Sociologia - UFSC/SC).

Vilma Ferreira Bueno (Professora, Mestre em Educação - SED - Florianópolis/SC). Zulmira Guerrero Marques Lacava (Médica geneticista, professora, Doutora em Patologia Molecular - UnB/SC).

Bernardo Neves (Professor, Doutor em Física - UFMG/MG).

João Ibaixe Jr. (advogado criminalista, Mestre em Filosofia do Direito).

Sérgio Barbosa (Jornalista, professor, Mestre em Ciências da Religião/Sociologia da Religião - FAI/Adamantina/SP).

Márcio José Dalmolin (Contador, Gerente de Exportação - Todeschini Indústria e Comércio - Bento Gonçalves/RS).

Azor El Achkar (Advogado, Mestrando em Direito - Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina/SC).

Paulo César Moraes (Professor, Doutor em Física - UnB/BR).

Às professoras Joana Maria Pedro, Miriam Pillar Grossi, Luzinette Simões Minella, Tamara Benakouche e, particularmente, ao Professor Rafael Raffaelli. Todos eles tornaram minha pesquisa possível e são também co-articipantes desta tese. Acima de tudo, porque com suas aulas enlaçaram-me para sempre à vontade de conhecer suas áreas de atuação, outros autores, novos temas e termos, enfim, ao novo que faltava em minha formação intelectual, a ter maisamplidãopara prosseguir fazendo-me a mim mesma e ao mundo o que me cabe nesse latifúndio.

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Ao professor Doutor Arsênio José Carmona Gutiérrez que, com a mais indescritível generosidade, emprestou-me livros valiosos de sua biblioteca particular, para que eu pudesse dar início a leituras fundamentais e aos ensaios de produção escrita.

Aos queridos colegas de turma, Adilson Francelino Alves, Carla Schubert Sengl, Cláudia Hausman Silveira, Cristina T. da C. Rocha, Edonilce da Rocha Barros, Elisa Gomes Vieira, Maria Carolina Andion, Maria da Graça A. Faccio, Olga Regina Z. Garcia, Silmara Nery Cimbalista e Tito Sena, pelo companheirismo em sala de aula, estudos conjuntos, trocas de idéias e também nossos laços rizomáticos nas festas. Destaco outros colegas, de outras turmas que guardei com carinho em minha lembrança: Katja Plotz Froís, Sandra Makowiecky, Ana Lúcia S.V.Guimarães, Paulo Roberto Sandrini e Ronaldo de Oliveira Corrêa.

Aos componentes da Banca de Defesa da Tese: Professor Selvino José Assmann, Professor André Avelino Pasa, Professor Mauro Cherobim, Professora Myriam Raquel Mitjavila, Professor Gilson Rocha Reynaldo, Professora Betina Giehl Zanetti Ramos e

Professora Martha Kaschny Borges

,

tão amáveis e altruístas. A todos por terem aceitado compartilhar comigo um dos momentos mais expressivos de minha vida, iluminando-o e tornando-o mais grandioso com suas presenças, com seus conhecimentos a subsidiarem, fundamentarem e reencaminharem os meus próprios, e por suas reconhecidas experiências profissionais na academia e no mundo do conhecimento.

À minha mãe por seu companheirismo, paciência, apoio, amparo, cuidado, troca de conhecimentos e debates na área de Matemática, na qual é graduada, pelo socorro nas gravações de CDs, nas digitações, no enfrentamento de meus momentos de estresse profundo, e dos estados depressivos e necessidade de silêncio.

À minha família, às minha irmãs Cláudia e Miriam, pelos favores prestados nas horas de correria e por terem me suportado em meus momentos difíceis, em função de todo esforço despreendido na realização deste estudo.

Aos amigos que acompanharam mais de perto minha extenuante travessia: prima Terezinha, César, Dalal, prima Juçara, Vilma, Silvane e às colegas do Ensino Médio da

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Secretaria de Estado de Educação de Florianópolis, em especial, Maike, Maristela, Janete, Evanir, Nilza e Pedro.

A todos professores e professoras a quem ministrei cursos no Estado de Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, e aos meus alunos nos cursos de pós-graduação nestes dois estados. Não sabem eles o quanto lhes devo por muito do que fui aprendendo, construindo, avançando. Eles foram sempre um “termômetro vivo” que pulsava e media o grau alcançado na caminhada.

Ao Professor José Carlos Cechinel por quem tenho o maior carinho e a quem devo muitos, por sua confiança, amizade e reconhecimento durante minha atuação no Centro de Educação a Distância – CEAD/UDESC, no período entre 2001 e 2005.

A Sueli Wollf Weber, por sua solidariedade e compreensão, quando minha coordenadora pedagógica no CEAD/UDESC em meu exercício no Centro de Educação a Distância - CEAD/UDESC, Florianópolis, em que cursava simultaneamente o Doutorado.

A Ivone Franciozzi, minha amiga, também solidária e dedicada companheira nos momentos de aflição, em busca de esmero e concisão na redação escrita.

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SUMÁRIO LISTA DE SIGLAS ... 10 LISTA DE FIGURAS ... 11 LISTA DE TABELAS ... 12 RESUMO ... 13 ABSTRACT ... 14 INTRODUÇÃO ... 15

1 ASPECTOS GERAIS: A INOVAÇÃO NO CONTEXTO DA SOCIEDADE DO CONHECIMENTO COM AS QUESTÕES CENTRAIS COLOCADAS PELA NANOTECNOLOGIA ... 34

2 O QUE É NANOTECNOLOGIA ... 46

3 A NANOTECNOLOGIA E O CONHECIMENTO PROPICIADO PELOS CAMPOS E CONCEITOS DA FÍSICA E DA MATEMÁTICA: APROXIMANDO TECHNE E ARTE ... 81

3.1 Do universo plano, tridimensional e macroscópico de Euclides ao universo da escala de dimensão nanoparticulada ... 113

4 NANOTECNOLOGIA E A SECULAR OPOSIÇAO ENTRE NATUREZA- CULTURA: TENTANDO RECONFIGURAR O DEBATE... 127

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5 DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E FUNDAMENTAÇÃO ÉTICA PARA O DEBATE SOBRE A NANOTECNOLOGIA... 171 5.1 Bases atuais para a relação da nanotecnologia com o conhecimento racional e a postura ética ...210

6. A NANOTECNOLOGIA NO CENÁRIO: O QUE BRASILEIROS PENSAM DA

PESQUISA NESTA

ÁREA...Erro! Indicador não definido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 252

REFERÊNCIAS ... 2560

ANEXOS ... 278 ANEXO A: QUESTIONÁRIO DA PESQUISA DE DOUTORADO: NANOTECNOLOGIA E A CONDIÇÃO HUMANA NO FUTURO: a radicalidade técnica contemporânea, os questionamentos éticos do homo viator e a visão de natureza...278

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LISTA DE SIGLAS

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CRN Centro de Nanotecnologia Responsável

ETC Group Action group on Erosion, Technology and Concentration

FAI Faculdades Adamantinenses Integradas

LABJOR Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo LNLS Laboratório Nacional de Luz Síncrotron

LQES Laboratório de Química do Estado Sólido

MCT Ministério da Ciência e Tecnologia

NANO ENDOLUMINAL Empresa Nano Endoluminal S.A.

NUDECRI Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade SED Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial UDESC Universidade do Estado de Santa Catarina

UFOP Universidade Federal de Ouro Preto/MG

UFPR Universidade Federal do Paraná,

UFPR Universidade Federal do Paraná

UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

UnB Universidade de Brasília

UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization

UNESP Universidade Estadual Paulista

UNICAMP Universidade Estadual de Campinas UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Escala do nanômetro (nm). ... 49

Figura 2: Dimensões nanométricas na vida ... 53

Figura 3: Microscópio de Força Atômica (AFM ou MFA)... 55

Figura 4: Luminômetro ... 60

Figura 5: Modelização de um nanotubo.. ... 66

Figura 6: Grafite e nanotubo de carbono. ... 69

Figura 7: Grafite Faber Castell.. ... 70

Figura 8: In-Ceram. ... 71

Figura 9: Dente antes da instalação de implante com In-Ceram ... 71

Figura 10: Coroa de In-Ceram (porcelana). ... 72

Figura 11: Esqueleto estrutural do DNA ... 88

Figura 12: American Pavilion... 911

Figura 13: Moebius Strip II.... ... 92

Figura 14: Fulereno ... 93

Figura 15: Favos de abelhas hexagonais ... 94

Figura 16: Arte e técnica na nano ... 95

Figura 17: Taça de Lycurgus. ... 104

Figura 18: Body Art: piercing na língua. ... 111

Figura 19: Medicina e prótese ... 161

Figura 20:O universo do grande e do ínfimo, na potência de dez . ... 111

Figura 21: Pós-Humana? ... 161

Figura 22: O homo da mecânica. ... 162

Figura 23: Língua eletrônica e nariz eletrônico ... 169

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LISTA DE TABELAS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas

NANOTECNOLOGIA E A CONDIÇÃO HUMANA: a radicalidade técnica contemporânea, os questionamentos éticos do homo viator e a visão de natureza

RESUMO

TESE DE DOUTORADO MARISE BORBA DA SILVA

A ciência dos nanoelementos vem provar relações profundas que sustentam a transição do físico e orgânico para patamares de existência ainda mais sutis, verificados na fronteira entre o material e o imaterial, o orgânico e o inorgânico, a Terra, o interplanetário e o universo, a vida e a não-vida. Lidar com nanopartículas é defrontar-se com a ambivalência de elementos de dimensão nanométricos que, em certas doses, podem ser letais e em doses menores são essenciais à vida. O imponderável dos nanoelementos abala automaticamente a mentalidade e o sistema de raciocínio que mede a importância das coisas pelo tamanho, pelo peso, ou pela sua tradução comercial em cifras, na dimensão macro e micro. Nanoelementos, de peso insignificante, intocáveis pelos cinco sentidos, entram na contabilidade básica dos seres vivos e são preocupação recente para o que pode representar casos de vida ou de morte para o ser humano, sobretudo. Analisam-se, pois, acontecimentos vinculados à nanotecnologia na visão de natureza que está se constituindo e nas questões articuladas a ensaios éticos, que voltam a pulsar sempre que se lida com o “novo”. Propõe-se a necessidade da análise multi e interdisciplinar dos dilemas gerados em meio às imbricações doutrinárias com base na relação técnica-ética, posto que muitos pensamentos permeiam esta novidade em suas implicações para a espécie, indivíduos e humanidade. Indaga-se se a visão progressista com que se concebe a “nano”, como a técnica mais radical do momento, é compatível e capaz de alterar o próprio curso da vida, já que tem sido argumentado que se trata da “última revolução tecnológica” e que esta afeta a essência de toda natureza humana. As idéias apresentadas tentam situar um patamar mediador entre determinismos biológicos e culturais, que possa contribuir para o debate sobre a liberdade de decidir os rumos que estão sendo tomados, já que os produtos da técnica tornaram-se complexos e diversificados demais para serem apreendidos em tempo hábil, antes de se tornarem ultrapassados. Imagina-se o que pode acontecer em relação ao fascinante e surpreendente “mundo do infinitamente pequeno”! Problematizam-se algumas posições particulares advindas de diferentes vozes e lugares, interlocuções empenhadas em avaliar o contexto de avanço da nanotecnologia em seus efeitos reais e potenciais, para dispor-se de um leque mais amplo, nos dias atuais, pois já se fala do século XXI, como o “século nanotecnológico”.

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FEDERAL UNIVERSITY OF SANTA CATARINA CENTRE OF PHILOSOPHY AND HUMAN STUDIES POST-GRADUATION PROGRAM IN UMAN SCIENCES OF THE

FEDERAL UNIVERSITY OF SANTA CATARINA

NANOTECHNOLOGY AND THE HUMAN CONDITION: the technical contemporary radicalidade, the questions ethics of the homo viator and the

vision of nature

ABSTRACT

DOCTORAL THESIS MARISE BORBA DA SILVA

The science of the nanoelementos comes to prove deep relations that support the transition of the physicist and organic one for landings of existence still more subtle, checked in the frontier between the material and the immaterial thing, the organic thing and the inorganic thing, the Land, the interplanetary thing and the universe, the life and the non-life. To deal with nanoparticles is to face the ambivalence of elements of dimension nanometrics what, in certain doses, can be lethal and in less doses they are essential to the life. The imponderable thing of the nanoelements shakes automatically the mentality and the system of reasoning that measures the importance of the things for the size, for the weight, or for his commercial translation in ciphers, in the dimension macro and micro. Nanoelements, of insignificant weight, untouchable by five senses, enters in the basic accountancy of the lively beings and is a recent preoccupation for what it can represent cases of life or of death for the human being, especially. There are analysed events linked to the nanotechnology in the vision of nature that is if constituting and in the questions articulated to the ethics, which pulsate again whenever if it deals with the “new”. The necessity of the analysis is proposed multi and interdisciplinary of the dilemmas produced amid the crossing doctrinary on basis of the relation nanotechnology -ethics, although many thoughts permeate this novelty in his implications for the sort, individuals and humanity. It is inquired if the progressive vision with which one conceives I her "sleep", like the most radical technique of the moment, is compatible and able to alter the course itself of the life, since it has been argued what one treats as the “ last technological revolution ” and what this one affects the essence of any human nature. The presented ideas try to situate a landing mediator between determinism biological and cultural, what could contribute to the discussion on the freedom of deciding on the courses that are being taken, since the products of the technique became complexes and diversified too much to be apprehended in reasonable time, before becoming outdated. Imagine what can happen regarding fascinatingly and surprising “world of the small infinity”! It surpasses the man, again, in the figure of “homo viator”: a walker inside the world that he himself created, changing into a citizen of the universe, so able to explore the exterior space, the "flesh" of the Land and the bottom of the sea how much the recess of his mind itself from a pointed geometrical creativity molecular-atomic. Someone are put in problem some particular positions resulted from different voices and places, interphrases pawned in valuing the context of advancement of the nanotechnology at his real and potential effects, to be prepared of a more spacious fan, in the current days, so is already spoken of the century XXI, like the “century nanotechnological”.

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INTRODUÇÃO

Retroviagem

Adiada a chegada o mar é só vertigem o porto está distante. A noite nos oceanos é uma tragédia de negrumes onde se perdem os homens ávidos de idílios entre cetáceos ressabiados e atlânticas saudades. A estrela que me acompanha (ou a persigo, em solitária romaria?) restabelece o ancoradouro que precocemente fugiu das garras tênues de um viandante inconcluso. Mais inquieta é a esperança se nela não navego ou galopam outros sonhos. A geografia dessas águas fabrica desafios, enquanto no rosto mareja o sacrifício da espera.

(Ronaldo Cagiano)

Seculares são os questionamentos sobre a relação entre natureza e cultura, entre ser humano e técnica, entre homem e animal, antigas inquietações que perseguem a humanidade. Mas os dois últimos séculos inauguraram uma forma de pensar a natureza (nature), o ambiente (nurture), a vida e o humano, radicalmente transformada, devido a diversas mudanças provenientes da oposição entre natureza e cultura, da intervenção de uma sobre a outra e das simultâneas singularidades originadas da estupenda participação humana nestes processos. Novamente inquieto, o inconformado animal humanizado que formou só por si, um reino, o Reino Hominal, assume, mais uma vez, a figura do “homo viator”: um caminhante dentro do mundo que ele mesmo criou, transmutando-se em um cidadão do universo, tão capaz de explorar o espaço exterior, o “miolo” da Terra e o fundo do mar quanto o recôndito de sua própria mente a partir de uma aguçada criatividade geométrica atômico-molecular.

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A nanotecnologia constitui uma lição exemplar em vários sentidos, como a evidência de que existem coisas que escapam à nossa apreensão, dificilmente mensuráveis por instrumentos da tecnologia moderna que aprendemos a usar, tão irredutíveis ao puro raciocínio do cálculo matemático que permaneceram por muito tempo praticamente ignoradas pela ciência objetivista que sabe medir, pesar, calcular. Bem por isso, a nanotecnologia, possivelmente, se tornou a cultura mais excitante do momento e por esta razão, é compreensível a indecisão ante as coisas do bem e do mal que ela representa em si mesma, a maneira conveniente com que nos acostumamos a pensar tudo o que provém da técnica. Trata-se certamente de um terreno fértil para a realização de muitos estudos a respeito, tomando por referência, principalmente, o desenvolvimento da biologia molecular, da biotecnologia, da nanotecnologia/nanobiotecnologia e dos processos de clonagem, e o aprofundamento das pesquisas do genoma humano. Estes importantes avanços, certamente, repercutirão mais uma vez somados à expectativa do que ainda deverá ocorrer nos próximos anos com o uso em larga escala de objetos, produtos e dispositivos reservados para vários tipos de aplicações, fabricados a partir da nanotecnologia. Esta inovação tecnológica que alcança a intimidade da matéria, já que mexe com sua estrutura atômico-molecular, foi a fonte de motivação que inovou esta tese, além do grande interesse da pesquisadora pelo assunto, já que possui familiaridade com a temática, dada a sua formação no campo das Ciências Naturais e por sua preocupação educacional.

Se o que já diz à técnica, de modo geral, a tem colocado como algo que vem causando profundas transformações nos últimos anos, a “nanotecnologia” vai mais além. Esta tornou-se alvo crescente de grandes polêmicas e de acalorados debates em círculos intelectuais, no sentido de se buscar um melhor entendimento do seu processo de desenvolvimento e avaliar seus reais impactos na vida das pessoas. Além disso, abriram-se precedentes para que sejam também revisitados alguns aspectos específicos que dizem, na atualidade, à relação da técnica contemporânea com o par natureza e cultura (criação), com as questões ligadas à vida, ao

homem e, em decorrência, olhando para o futuro, com a natureza humana e os rumos éticos.

A nanotecnologia é ainda um assunto muito recente em nossa vida comum. Refere-se a alguma coisa que diz respeito à criação não apenas de uma nova tecnologia, mas do que ela traz subjacente, consigo, ou seja, novas propriedades que só existem numa escala não observada no âmbito do macroscópico e tampouco, por sua singularidade, no do microscópico. É uma tecnologia pertinente ao nível atômico-molecular, da ordem de um mundo potencial ainda a ser conhecido, portanto, e que por isso mesmo culmina no

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desenvolvimento de matérias-primas inéditas com aplicações na fabricação de uma gama diversificada de produtos novos, de muitas coisas que podem ser criadas a partir dela.

Tem sido bastante sinalizado na mídia e na literatura específica que a nanotecnologia representa uma nova revolução industrial, em suas distintas formas de expressões. Tanto cientistas das ciências exatas quanto das humanas e sociais têm falado que se trata da última revolução tecnológica possível. Em vários eventos realizados - a exemplo da Nanotec Expo 2006, em São Paulo, com cerca de cinco mil participantes -, têm sido devidamente apresentadas as tendências mundiais nos setores de componentes semicondutores orgânicos e inorgânicos, que alterarão profundamente a eletrônica nos próximos anos. Hoje, os trabalhos baseados em nanomateriais são considerados revolucionários perante outros sem base nanotecnológica, com a promessa de melhorar nossas vidas com produtos e ferramentas muito mais aperfeiçoados e eficazes. Mas não custa chamar a atenção para o fato de que a motivação para muitas destas promessas e da maior parte da “tinta derramada” na mídia (desde os antigos frascos de tinta para impressão aos mais potentes cartuchos) é ainda suposição, em grande parte não verificada, de que esta técnica transformará o mundo e terá conseqüências éticas e sociais profundas. Há uma gama expressiva de impressões e jornais

on-line, científicos e técnicos que colocam seu foco especificamente em nanotecnologia. Para

nosso descontentamento, porém, ainda não constituem número expressivo aqueles que, ocasionalmente, publicam artigos sobre implicações éticas e sociais com o rigor científico e argumentação necessária que gostaríamos para que o debate sobre a relação entre a nanotecnologia e uma possível mudança na natureza humana, ou o fim do próprio homem e o advento do pós-humano, não fique restrito ao campo dos próprios exageros e especulações mal embasadas.

Para dar consistência à escolha da pesquisadora por nanotecnologia, ressaltamos que, num primeiro momento, foram seus grandes aliados sua formação em Ciências Biológicas, o gosto acentuado pela informática, a paixão pelo conhecimento e pelo novo, as experiências anteriores vinculadas à formação acadêmica e ao desempenho profissional; aspectos bem mais relevantes que a disponibilidade de fontes de informação específica sobre a nova tecnologia. O que havia, nesse início, era pouco arsenal, uma literatura razoavelmente escassa.

Sucessivamente, foi aumentando o entusiasmo por este campo do conhecimento de inusitada novidade e por se tornarem mais evidentes as possibilidades de realizar uma pesquisa capaz de integrar conhecimentos de ordem biológica, física, química, filosófica, sociológica, antropológica e histórica. Ante algo que tendia a consagrar-se como mais uma

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revolução ou moda, fortificou-se a necessidade de visualizar melhor e especificar a abrangência do estudo por dispor-se de notícias tantas que vinham de um terreno ainda pouco explorado academicamente no Brasil, com pouquíssimos trabalhos neste tipo de discussão; por isso mesmo, constituía-se um locus em que começava a haver grande efervescência de problemas relevantes na atualidade.

Convém complementar, que já existia grande interesse da pesquisadora pela temática desde a realização do Mestrado1. À época, foram fascinantes as informações que procederam de obras de Pierre Lévy (1998, pp. 48-50), já alertando que há muito tempo estávamos nos despedindo das tecnologias em macroescala (mecânicas), caracterizadas também como “brutas” ou “pesadas”, com que nós operamos normalmente e não nos espantamos tanto. Igualmente estava acontecendo com as tecnologias “molares” ou técnicas quentes, consideradas “de massa” (carvão/ferro, eletricidade/fundição, petróleo/química). Ambas as tecnologias fundamentam-se no princípio da explicação da natureza em seu movimento mecânico – estática e inerte – e num princípio de uniformidade, equivalentes à visão mecanicista da matéria passiva, dotada apenas de extensão e com as qualidades materiais suscetíveis ao tratamento geométrico, à grandeza, à figura e ao movimento. Numa referência às técnicas pesadas arcaicas e às molares, um exemplo sobre a presença dessas tecnologias é reportar-se ao que permite mover grandes quantidades de átomos de um lado para outro, como nos carregamentos de grandes volumes de areia feitos nas obras e construções. São técnicas ainda vinculadas a magnitudes (massas, cargas e dimensões) de limites mais precisos à nossa visibilidade, às dimensões de como nos apercebemos das coisas através de nossos sentidos (grandezas microscópicas), exigindo a sua redefinição. Certamente, o equivalente a atirar um tijolo na cabeça de alguém é bem mais significativo que arremessar uma pedrinha de dimensão muito pequena, ou mesmo uma bolinha de algodão; faz muita diferença! E foi deste contexto motivador, que começou a busca por literatura específica que fundamentasse algumas questões existentes.

Constatamos que, na década de 1990, sobressaía no âmbito das Ciências Sociais o que constava em obras do filósofo, sociólogo e historiador francês Levy (1998), e pouca coisa

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Mestrado em Educação, linha de pesquisa Educação e Trabalho (1992-1994), da Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis. O interesse por nanotecnologia floresceu, sobretudo, a partir de 1993, mediante os estudos realizados com o Professor Norberto Etges, na disciplina Educação e Trabalho, e com a leitura de obras de Pierre Lévy (1956-) que abordavam de forma passageira o advento da nanotecnologia.

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existia, ainda, quanto a informações disponibilizadas na internet, prevalecendo conteúdo específico às áreas das Ciências Naturais e Engenharias de Materiais.

Aos que estão atentos às transformações que a nanotecnologia desencadeia na vida social em geral, para alguns, técnicas ‘enxeridas’ e, para outros, ‘bem-vindas’, acopladas à vida como estão sendo no campo da Medicina e Farmácia, por exemplo, elas prometem mudar irreversivelmente as premissas da condição humana, o que pode significar para muitos críticos uma nova mancha no tecido das relações humanas, caso seja transformada em nova estratégia eugênica. Mas se trata de uma visão ainda prematura, cuja afirmação pode ser um tiro no escuro. Há um longo caminho a percorrer antes de certezas finais, pleno de questões entrelaçadas com técnicas modernas e sua participação na produção de aspectos da vida e do homem.

O que já é possível ver, nesta abordagem, é que a nanotecnologia mexe numa ferida bastante antiga, que não somos capazes de curar, porque é um corte que nunca estancou, que ainda não sarou, mas que é preciso ao menos tentar aliviar ou fazer revigorar de outro modo: a da rivalidade entre os defensores das ciências sociais e defensores das ciências exatas (como foi sempre forte o embate entre o pensamento mítico e as explicações científicas). Tal como derivou de uma longa tradição do Ocidente, a depreciação dos escritores perante os homens de ciência, que remonta ao Renascimento e se tornou paradigmática na discussão sobre as relações entre ciências biológicas e exatas com as humanidades e a literatura, a partir do estudo clássico de C. P. Snow Two Cultures2 outra querela ocorreu entre duas culturas que representam uma espécie de dicotomia igual a que existe entre os conceitos vindos de alguns setores das ciências humanas e das ciências naturais. Concordamos com Snow (1995, p. 29) quando argumenta que “essa polarização é pura perda para todos nós. Para nós como pessoas, e para a nossa sociedade. É ao mesmo tempo perda prática, perda intelectual e perda criativa, e repito que é errôneo imaginar que esses três aspectos são claramente separáveis”.

A ousada constatação de Snow convida-nos a explicar melhor a que viemos e o que pretendemos. Para nós, escrever uma tese sobre um assunto tão polêmico ainda, e o fato de tomar a frente e assumir atividades, como as que puderam ser e estão sendo desenvolvidas

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No século XVI, um dos aspectos das vastas transformações acontecidas foi o início da reivindicação de autonomia da ciência em relação à retórica. Uma ilustração marcante e inaugural desse movimento se deu no século XVII com a proposta da Royal Society of London, no sentido de erigir a clareza, compreendida como a supressão de ornamentos supérfluos preconizados pela retórica, em padrão de estilo original pelo qual deveriam pautar-se os relatos científicos, a partir de então. Resulta que, mais do que uma cisão profunda, gera-se verdadeira desconfiança mútua entre humanidades e ciência, que foi ganhando contínuo aprofundamento ao longo dos séculos XVIII e XIX, motivando o ensaio famoso de C. P. Snow “The two cultures and the scientific revolution”, publicado em 1959.

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com o ensino público e a formação espontânea de grupos de estudos, contribuem de algum modo para romper o obstáculo representado pelo afastamento entre as ciências sociais e as exatas. Divórcio este que ocasiona além do empobrecimento mútuo, destacado por Snow (1995), um empobrecimento tanto de uma quanto de outra área do conhecimento e, em conseqüência, do ensino e da formação em geral. O que queremos elucidar é, justamente, o que a nanotecnologia traz consigo de comprometedor no que se refere a afetar a natureza humana e implicar em problemáticas éticas, seja para maior clareza, tanto do dia quanto da noite, que estão imbricadas nesta sua intromissão. Este é um aspecto inspirador para aquilo que acreditamos ser um estudo significativo, tanto para transitar entre razão e imaginação, quanto para ajudar na construção de uma ponte que reduza o distanciamento entre as duas culturas, a que nos referimos antes. Visamos, por isso mesmo, dar destaque a uma produção multi e interdisciplinar, tentando seguir mais de perto o que preconiza o relatório da Comissão Gulbenkian (1996), que fala da necessidade de refletir de forma conjunta e integrada sobre os modelos teóricos de determinadas disciplinas, com ênfase no que diz respeito à natureza, aos seres vivos, aos humanos e não-humanos, no que é próprio à sua complexidade e inter-relações existentes e possíveis.

No início deste estudo, dispúnhamos de certos conceitos considerados importantes, mas constatamos depois que ainda precisávamos – e muito – ter deles maior domínio. Nomeadamente, fala-se dos domínios específicos da nanotecnologia e daqueles que abrangem suas relações com a vida, a vida em geral, sobretudo a humana, pela experiência própria porque é de fato tão dura, penosa, confusa e repleta de dilemas, uns deles bastante conflitantes à existência até mesmo dificultando nossa capacidade para entender as recentes transformações por que passamos.

Hoje muito se tem pensado a respeito do que afeta a própria natureza humana e os valores políticos, éticos, sociais que têm direcionado as opções da sociedade em que vivemos, e ao mesmo tempo abre espaços para muitas perguntas. Por exemplo: sobre a relação entre a vida e a nanotecnologia; se a nanotecnologia se apresenta como aquilo que deve ser uma inclusão da cultura na natureza, mas através de uma exclusão desta; se a nano se trata de uma nova cultura originada a partir da natural continuação da natureza, capaz de contribuir com a limitação desta, numa ordem evolutiva das coisas; se ambas, natureza e cultura se interpenetram a ponto de se confundirem uma com a outra e se transformarem a partir daí em algo que as contém e ao mesmo tempo delas se destaca, como um objeto ou uma idéia. Enfim,

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são indagações que dão já o que pensar e muito trabalho, indicando que há muito ainda por saber do que teremos hoje e pela frente com o desenvolvimento das tecnologias.

Conta também que já temos um longo período de enfrentamentos e catástrofes para registrar, em estreito vínculo com o viver às custas dessa relação mal resolvida em nossa cabeça - natureza-criação/cultura -, que já vêm sucedendo desde tempos mais primitivos, acentuando-se nos tempos modernos e se tornando mais e mais agudizados nos dias contemporâneos. Indicam alguma coisa que parece escapar à nossa compreensão inteligente, ao domínio humano. Estes acontecimentos sucessivos foram mostrando a razão por que nós, e nenhum outro ser além de nós, reclamamos como objeto principal para reger nossas vidas a própria submissão a normas, regras e leis, mesmo que muitas delas pudessem frustrar nossos sonhos e desejos. Tais questões seguem ainda sendo contempladas, e, nos últimos séculos, alguns teóricos têm se esforçado para abordá-las de forma mais literal e sistemática, com menos apelo ao romântico, ao personalizado e ao sentimento calcado em questões morais. Mas este é um vasto debate, sobretudo, levando em conta uma escala de mundo de domínio técnico, que perdeu a ligação com a escala do mundo sensível, com o mundo do vivido.

O tema aqui abordado não foi uma escolha fácil, afinal, não basta defini-lo simplesmente e começar a escrever sem que se provoque algum tipo de perda de precisão nas informações, ainda mais quando se trata de algo tão específico se comparado a outros assuntos com maior amplitude temática. Em casos assim, quando está em jogo uma inovação técnica com rápida difusão, tanto no plano do conhecimento como no das aplicações e serviços, enfatizamos que esta é uma oportunidade ímpar para interrogarmo-nos sobre a nanotecnologia, sobre seu sentido, sua evolução, suas implicações éticas e, se possível, devolver e instigar tais interrogações ao debate público.

Como pensou Hans Jonas (1995), com as tecnologias modernas de última geração, são introduzidas ações de magnitude muito diferente, com objetos e conseqüências tão novos que o marco da ética anterior não pode mais abarcá-los dada a essência da técnica moderna que transformou de tal modo a natureza em algo que antes não era. Por esta razão, levando em conta uma alegação tão contundente, abordamos como tema desta pesquisa a relação entre nanotecnologia, natureza, natureza humana e ética. O tema nos remeteu necessariamente a revisitar algumas das principais correntes de pensamento que têm governado o rumo dos posicionamentos, comportamentos e atitudes tomados em torno ao vínculo natureza, técnica e ética. Isto não significa dizer que fizemos todo o caminho atrás da origem das grandes correntes doutrinárias existentes, de seus principais filósofos e autores representantes que

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delas sofreram fortes influências, tampouco aprofundamos a história da ética, porque não é nosso objetivo e porque concordamos com a filósofa Mary Midgley (1995) quando diz que perguntar de onde provém a ética não é a mesma coisa que perguntar de onde vêm os meteoritos. Preocupou-nos, desde o início, a) dispor da possibilidade de refletir e avaliar os acontecimentos que ocorrem em nosso redor, vinculados à nanotecnologia, b) analisar se eles recebem ou não uma outra explicação e, portanto, c) apontar novos questionamentos e conduções éticas colocados atualmente, já que por ética se entende o decidir entre humanos, e o que interessa à ética é como viver bem a vida humana, a vida que transcorre entre humanos.

Algo nunca antes percorrido ou explorado teoricamente pela pesquisadora - por exemplo, a necessidade de examinar o uso eventual de capacidades para as quais não se dispunha antes, referentes à própria manipulação biológica e atômica para fins humanos, alguns já bem definidos e outros de que nada se sabe ainda com garantia - foi gerando novos caminhos para a delimitação do problema. Um fator determinante foi ter acompanhado os avanços crescentes da biotecnologia, das tecnologias de informação, da nanotecnologia e das ciências cognitivas, que têm contribuído para projetar a civilização em direção a uma sociedade do conhecimento e cujo alcance parece ir além da interdisciplinaridade ou da multidisciplinaridade, mas até uma verdadeira mudança “na natureza da ciência e da tecnologia”, com todo tipo de implicações possíveis para a economia, a sociedade e a cultura.

Podemos indicar alguns exemplos dessas inovações, como as recentes notícias de que o Brasil é o país com maior aumento no uso de computadores, divulgadas pela BandNews3, a invenção por um grupo de pesquisadores da Embrapa da “língua eletrônica”, como foi batizado o sensor gustativo para avaliação de bebidas (como a água, vinho e café). Este equipamento é cerca de dez mil vezes mais sensível que o paladar humano e representa um avanço no controle da qualidade para a indústria alimentícia, vinícolas, estações de tratamento de água, possivelmente, também para a indústria farmacêutica, com destaque nacional e internacional, notícia inclusive na prestigiada revista Nature (a língua eletrônica já está no mercado desde 2006, avaliando a qualidade do famoso cafezinho). Temos ainda as grandes repercussões e sucessos que as pesquisas nanotecnológicas começaram a ganhar mundo afora, haja vista a entrega recente do Prêmio Nobel de Física de 2007, em 9 de outubro deste mesmo ano, em Estocolmo4, a Albert Fert e Peter Grünberg, respectivamente um francês e um

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Brasil é o país com maior aumento no uso de computadores. Disponível em:

<http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2007/10/09/298070123.asp>. Acesso em 12 de outubro de 2007.

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Trabalho reconhecido pela radical miniaturização de discos rígidos dos computadores a serem capazes de armazenar cada vez mais informação, que contou também com a participação do gaúcho Mario Baibich.

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alemão, por seu trabalho com nanotecnologia, motivos bastante fortes para dinamizar novas indagações.

Também chamou nossa atenção a notícia bombástica, em novembro de 2007, de que cientistas anunciaram a clonagem, pela primeira vez, de embriões de um macaco extraindo células-tronco desta cópia. Certamente foram muitas as interrogações. Para surgir o primeiro macaco clonado, é só uma questão de tempo? Poderão, a partir daí, avançar os feitos da ciência para fazer surgir o primeiro ser humano clonado? Será que é este o caminho que a ciência está seguindo? Houve ainda a divulgação de recentes experimentos com células-tronco5, no dia 21 de novembro desse mesmo ano, algo que mostrou a impressionante especialização e sofisticação científica e tecnológica de nosso tempo. Acrescentamos a realização de pesquisas por dois grupos de cientistas, uma equipe japonesa e uma norte-americana, que conseguiram transformar células da pele humana em células-tronco. Abriu-se um caminho sem precedentes e potencialmente ilimitado para a substituição de tecidos ou órgãos com problemas, com a criação de células-tronco a partir do código genético do próprio paciente, eliminando assim os riscos de rejeição além de acelerar as pesquisas sobre tratamento de câncer, mal de Alzheimer, doença de Parkinson e recuperação de partes do corpo lesionadas. Este procedimento destacou-se dos realizados por meio das técnicas atuais com as quais se obtêm células-tronco pela manipulação de embriões, cuja defesa da utilização e clonagem de embriões humanos é, em última análise, segundo referenciado na mídia, para a Igreja Católica Apostólica Romana, um ato homicida e nazista; logo, trata-se de técnicas cercadas de considerações éticas, portanto, implicadas com princípios de existência humana.

Segundo foi noticiado, em termos técnicos o que os dois físicos fizeram, de forma independente um do outro, foi um modo de construir materiais mais sensíveis a campos magnéticos, mediante o fenômeno chamado “magnetorresistência gigante”. Este se vale das propriedades novas e pode-se dizer ‘esotéricas’ no sentido de serem estranhas, obscuras, ainda, no nosso dia-a-dia, que os materiais assumem na escala nanoscópica (dos bilionésimos de metro e milionésimos de milímetro). Foi uma das primeiras aplicações do campo nascente da nanotecnologia. Ver: Pesquisa com nanotecnologia vence Prêmio Nobel de Física. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2007/10/09/298070123.asp>. Acesso em 12 de outubro de 2007. Ver também: Princípio que permitiu o iPod leva Prêmio Nobel. Disponível em: <http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=477488>. Acesso em 12 de outubro de 2007.

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As células-tronco são consideradas como a esperança de cura para algumas das doenças consideradas as que mais matam, as que geram malformações congênitas no corpo humano (como craniofaciais, a exemplo das fissuras lábio-palatinas ou lábio leporino etc.), as neurofibromatoses (que geram tumores nos nervos) e as afecções neuro-degenerativas (como as doenças de Parkinson, Huntington e Alzheimer). Embora por anos e anos se venha praticando o descarte de embriões, o acesso às células-tronco embrionárias, mesmo para fins de pesquisa, é limitado em razão de considerações éticas sobre a utilização e a clonagem de embriões humanos. Além disso, tem a questão dos órgãos transplantados obtidos a partir de células-tronco embrionárias serem rejeitados pelo paciente.

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Tudo isso mostra que a questão da responsabilidade social e ética da ciência e do cientista vai migrando do terreno do discurso e passa a ser uma realidade efetivamente política, e sobretudo vai suscitando o envolvimento de todas as sociedades!

É importante destacar aqui, para elucidarmos melhor o rumo que nossas preocupações tomaram neste estudo, que o problema de pesquisa começou a tomar forma quando transitamos da compreensão de um domínio tecnológico a outro, não mais entre grandezas de escala macro e de microescala, como nos acostumamos a fazer comumente nos “cálculos” em função de nossos atos (ou políticas). Sucede que a multiplicidade de possibilidades que vieram com a Física Quântica gerou certa angústia, derivada precisamente da abertura de imprecisão a que fomos submetidos. Este acontecimento chegou a desbaratar todo cálculo e destreza racionalmente projetados abalando também as estruturas de apreensão dos fenômenos do mundo, com respeito à condição limitante dos sentidos humanos, conformados que fomos a ele segundo nossos padrões de escala, sentidos e incidência de detalhes captados. A sociedade contemporânea se viu de novo às voltas com um novo grande paradoxo. Ao mesmo tempo em que derivados e produtos nanotecnológicos acentuam sua presença no mercado, ainda que não na vida da maioria das pessoas, não se pode ainda acompanhá-los a tempo em seu progressivo desenvolvimento; o acesso a eles ainda é muito restrito e se vêm cheios de enigmas, surgem com menos parafernálias, ou pelo menos são bem menores, cujo ingresso crescente de coisas tão fenomenais impõe novas reflexões sobre nossos modos de viver. Temos então um problema que julgamos fundamental, que se refere às cogitações consequencialistas em torno da possibilidade da nanotecnologia de alterar radicalmente a natureza humana, criando o autêntico pós-humano, a afetar toda a vida no planeta. Situação esta sobre a qual novos questionamentos e conduções éticas estão sendo colocados, já que por ética se entende o decidir entre humanos, e o que interessa à ética é como viver bem a vida humana, a vida que transcorre entre humanos com o ingresso das nanotecnologias. O estudo ampliou nosso campo conceitual, aplicações e inserção da nanotecnologia na sociedade, e sobre de que modo a manipulação atômico-molecular coloca em questão valores, projetos sociais e tensões entre a técnica e o poder de decidir o modo de viver, a afirmarmos que a nanotecnologia é a maior revolução técnica de todos os tempos. Richard Feynman (Apud REGIS, 1997) alega que o objetivo da nanotecnologia é o de criar novos materiais e desenvolver novos produtos e processos baseados na crescente capacidade da tecnologia moderna de ver e manipular átomos e moléculas. Acreditamos que podemos discutir aspectos sobre o potencial de transformação e implicações da nanotecnologia na vida

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social, identificando características associadas às mudanças que vêm se configurando nos chamados contextos tradicionais e científicos dada sua introdução na natureza e no ambiente humano, e em vários setores da sociedade.

Neste aspecto, na medida em que a abordagem metodológica permite aprofundar o conhecimento de um aspecto da realidade, comparativamente aos caminhos realizados por outros estudos acerca de inserções técnicas e seus respectivos questionamentos éticos, é fundamental para esta pesquisa a análise mais segura do tipo de relação existente entre a nanotecnologia e as questões éticas que com elas advêm, bem como com os limites éticos de nosso tempo e os posicionamentos tomados na sociedade, tendo em conta a distância que a tecnologia em nanoescala tem da experiência cotidiana. Temos aqui o objetivo geral que é avaliar as possibilidades e limitações da nanotecnologia em relação à percepção humana, quanto ao que esta técnica implica para a natureza e a natureza humana, na intenção de “alterá-las”, “destruí-las” ou “melhorá-las”, sob a alegação, por exemplo, de que dispõe do poder de interferir na preparação do ser humano para melhor se adaptar ao seu ambiente, ou o contrário, em condições ainda apenas imaginadas para a maioria de nós. Para isso, julgamos necessário, ao mesmo tempo, identificar, elucidar e discutir elementos, especialmente importantes, que expandam a nossa compreensão sobre o que a nanotecnologia efetivamente é. Do mesmo modo, é de igual importância verificar as formas de sua inserção na sociedade, mediante os direcionamentos que estão sendo tomados com relação à solução dos complexos e intensos problemas referentes às questões éticas, implicados ao avanço das nanociências e das nanotecnologias; estabelecer elos com as opiniões de leigos no assunto, avaliações técnicas e decisões éticas e políticas, cujo entendimento e encaminhamento de possíveis soluções exigem, cada vez mais, da população uma base mínima de conhecimento científico.

Consideramos, então, que a nanotecnologia, mediante sua base em ínfima escala de fazer cálculos, faz parte da evolução e, ao mesmo tempo, é um conhecimento que põe em causa uma forma de evolução - que é a evolução através dos macro-funcionamentos biológicos – a favor de como a vida se dá em seus processos átomo-moleculares, o que vai alterar necessariamente nossa visão de natureza. Mas não é uma técnica que, por sua necessidade intrínsica de vários aspectos do conhecimento, tem um fim em si mesma, com o poder de alterar por completo a natureza humana. Desde que surge e na sua trajetória vai alocando meios e fins específicos e diversos, dispondo-os à realização de novas condições para a sobrevivência, uma vez que o organismo, na sua determinação puramente biológica,

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enquanto “forma”, vai se constringindo perante suas próprias interações com o ambiente, sem que se conceda prioridade a qualquer um dos termos da relação, mediante o artifício técnico que resultou do processo de evolução bio-cultural. Ou seja, por sua atividade técnica inventiva, com a nanotecnologia o homem transcende as condições da existência que lhe foram impostas, tanto naturais quanto as subseqüentes culturais e os resultados da mútua interferência que uma vai exercendo na outra, por sua inteligência diferenciada como um processo de comunicação próprio capaz de combinar os mais distintos elementos e mesmo estranhos entre si, até mesmo inconciliáveis, contribuindo para a mudança de nossa visão de natureza.

Na realização deste estudo, buscamos fundamentos em pensadores que se dedicaram e dedicam ao estudo da relação técnica e ética para nos subsidiarem na trajetória secularmente ‘espinhosa’ que é discutir as aparentemente eternas inquirições sobre o Homo: com suas características biológicas próprias à espécie humana, sem contato com a história do mundo humano; com os impasses sobre a sua natureza incompleta ou como uma “tábua rasa”, desde ao nascer, na qual nada está escrito, só adquirindo conhecimentos através da experiência que lhe vem unicamente dos sentidos; em relação à influência da natureza biológica humana à natureza social de nossa espécie e vice-versa; no que diz respeito ao viver do homem como um estranho dentro do seu próprio mundo social e às manifestações da natureza humana, mais importantes ou não do que a tecnologia; enfim, problemáticas que, como as citadas anteriormente, dizem respeito à natureza, ao modo de viver, aos seres em geral.

Por tais razões é que visitamos autores modernos: Thomas Hobbes (1588-1679); René Descartes (1596-1650); Baruch de Spinoza, (1632-1677); John Locke (1632-1704); Gottfried Leibniz (1646-1716); Giambattista Vico (1668-1744); David Hume (1711-1776); Jean-Jacques Rousseau (1712-1778); Immanuel Kant (1724-1804) e o considerado último pensador moderno, Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831). E também os contemporâneos: como John Stuart Mill, (1806-1873); Karl Marx (1818-1883); William James, (1842-1910); Friedrich Nietzsche, (1844-1900); Edmund Husserl (1859-1938); José Ortega y Gasset (1883-1955); Martin Heidegger (1889-1976); Alexandre Koyré (1892-1964), Arnold Gehlen (1904-1976); Claude Lévi-Strauss (1908-1902) Willard Van Orman Quine (1908-2000); Donald Herbert Davidson (1917-2003 John Rawls (1921-2002); Thomas Kuhn (1922-1996); Michel Foucault (1926-1984); Karl-Otto Apel (1922); Hilary Putnam (1926); Jürgen Habermas (1929); Richard Rorty (1931-2007); Gianteresio Vattimo (1936); Richard Dawkins (1941);

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Daniel Dennett (1942); Peter Albert David Singer (1946-); Pierre Lévy (1956), além de outros.

Para responder ao que surgiu no contexto de nossa preocupação em avaliar quais as implicações mais amplas e específicas que a nanotecnologia pode ter sobre a natureza humana e sociedade, e visualizarmos a partir daí questões de fundo ético que afetam a vida, buscamos, simultaneamente, idéias centrais que fundamentassem a hipótese principal desta tese, recorremos a autores como: Antonio Negri - mais conhecido como Toni Negri (1933-), Edoardo Boncinelli (1941-), Umberto Galimberti (1942-), Giorgio Agamben (1942-), Félix Duque Pajuelo (1943-), Peter Sloterdijk (1947-), Laymert Garcia dos Santos (1948.), Roberto Esposito (1950), Werner Jaeger (1888-1961), Steven Arthur Pinker (1954-), e outros de igual expressividade.

Ecolhemos estes autores sobretudo porque não apenas oferecem seu ponto de vista filosófico, psicológico e biológico, mas também modelos de exposição clara e concisa de problemas similares ao nosso - nanotecnologia. Por acréscimo, eles se alicerçam em referências adequadamente selecionadas, apresentam abordagem de problemas de modo claro e acessível e idéias, que defendem ou criticam, com argumentos ou objeções explicitamente formulados e não apenas sugeridos. No que diz respeito à relação entre nanotecnologia e ética, arte e técnica, abordando mais diretamente o uso pragmático, ético e moral da razão, buscamos nos orientar em autores, cujas obras oportunizam uma leitura histórica da tradição baseada no confronto de argumentos e concepções. Citamos como exemplos, Habermas, Rorty, Rawls e Putnam, a nos delinearem um quadro com a ação humana se transformando em ação eticamente “boa” ou eticamente “má”. Além desta contribuição, consideramos a expressão “carência biológica” apresentada por Galimberti (2003, p. 119), particularmente especial e inusitada para nós, julgando que seja um argumento procedente da “insuficiência biológica” de Arnold Gehlen.

Desde o primeiro instante, para avançarmos nesta pesquisa, toda esta fundamentação foi indispensável, mas consideramos necessário que nos reportemos à visão de natureza que hoje temos e que pensemos a ética na sua realidade atual, numa reflexão mais rigorosa, pautando-nos tanto no objetivo de conhecer, acompanhar e avaliar melhor seus princípios reguladores e orientadores quanto na conduta dos cientistas, dos tecnólogos e dos consumidores dos seus produtos. Também necessitamos estar atentos a que, no seio do viver ético, tanto insurgem aberturas impensadas, à luz do lucro, como surgem formas veladas de inquisição que ensombram o desenvolvimento da investigação científica e

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tecnológica. Estaremos assim orientando e reorientando o nosso próprio comportamento, acompanhando a história do homem, sua evolução social, cultural e ética, obtendo lições importantíssimas para o futuro da humanidade. Tudo está mesmo decidido pela técnica? Pode existir ética onde tudo está decidido pela técnica em nossa vida (ou quase tudo)? Existem implicações para a prática da ética, se é que tudo está já decidido tecnicamente, para que possamos nos situar com menos desconforto e acompanhar o desenrolar das questões éticas implicadas à nanotecnologia?

Pelo exposto, consideramos na realização da abordagem teórico-metodológica uma ampla e complexa base analítico-conceitual sobre o que é a nanotecnologia, como podem a partir dela ser representados a ‘natureza’, a ‘vida’, o ‘ser humano’ e o ‘mundo’, e também as implicações com a ética, por si só um desafio de partida. É evidente que existem muitas questões conceitualmente complexas envolvidas nesse ponto crucial do problema e não sabemos ainda com certeza qual é a melhor teoria disponível para dar conta delas, ao vincularmos a nanotecnologia com um maior poder de decisão sobre nossas vidas, com o saber, a ética e a condição humana.

Não poupamos esforços a este estudo, que exigiu a mais extenuante reflexão sobre o que se acolhe da palavra dos pensadores eleitos, e teóricos, com os quais ousamos dialogar, interagir, confrontar e não simplesmente incorporar seus discursos, para podermos avançar por um terreno que tem sido alvo de muitas discussões e controvérsias, como já o dissemos. Indicamos assim as principais idéias tratadas nos seis capítulos, destacando tópicos temáticos, essenciais para justificar a relevância do assunto abordado e definir os pressupostos teóricos juntamente com as proposições conceituais que dão sustentação às questões de pesquisa. Esses tópicos, em seu conjunto, possibilitaram estruturar o contexto da tese e facilitar a ‘visualização’ da sua abrangência.

Na introdução, buscamos definir o tema/ problema de pesquisa e seus objetivos para justificar a sua relevância científico-acadêmica e social, e para falar àqueles que, direta ou indiretamente, estão interessados em nanotecnologia. Situamos revisão da literatura, fundamentos teóricos, problema, objetivos, justificativa, hipótese principal e questões norteadoras, expondo alguns conceitos e idéias favoráveis à elaboração textual, mediante o suporte oferecido por alguns autores, cujas considerações teóricas são significativas para a construção do argumento desta tese. Procuramos servir-nos destas referências como evidências para nos situarmos quanto ao modo de como seremos – e estamos sendo - afetados por um novo parâmetro de mundo. Marcamos, assim, os pontos de partida para balizar o

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percurso feito com a delimitação de seis capítulos. Estes correspondem a quadros teóricos e de referência quanto ao conteúdo particular de cada um e em relação uns aos outros. Com eles ampliam as oportunidades de compreensão multi e interdisciplinar sobre a nanotecnologia, bem como as potencialidades da pesquisa, e o seqüenciamento mais adequado das idéias apresentadas. Buscamos igualmente desenvolver novas possibilidades analíticas e teóricas que auxiliem a investigação nas ciências sociais e humanas, para que assumam em suas abordagens uma tecnologia, aparentemente tão esotérica, estranha e distante, de forma não menos comum daquelas que já dominamos. Visamos, também, nesses capítulos: a) atender aos objetivos e questões da tese; b) favorecer a compreensão reflexiva dos métodos e instrumentos metodológicos utilizados; c) estruturar as estratégias de abordagem; d) promover a delimitação dos instrumentos de coleta, análise e interpretação dos dados; e) dar maior suporte à discussão sobre os resultados das análises feitas.

No primeiro capítulo, tratamos de aspectos gerais que revelam espaços abertos à divulgação científica da nanotecnologia, apresentando elementos marcantes de sua introdução, além de algumas abordagens sobre suas características e sua recepção na sociedade.

No segundo capítulo, discorremos sobre a necessidade de definir a nanotecnologia, ou nanotecnologias, como querem alguns dos que a abordam e a pesquisam. Considerando que a palavra nanotecnologia está intimamente relacionada ao muito pequeno, observa-se de antemão que as coisas do mundo “nano” não tratam de algo naturalmente e simplesmente assimilado por todos nós.

No terceiro capítulo, procuramos colocar a nanotecnologia em sua relação com a natureza e com a natureza humana, verificando as possibilidades de mudanças em relação à

vida em si, à nossa vida em particular. Lembramos que os materiais, cujos aspectos e

propriedades básicas fazem parte do mundo de nossa experiência, trabalhados na escala de medidas própria da nanotecnologia, passam a ganhar outras e novas propriedades e a apresentar um comportamento peculiar, acenando uma aproximação muito íntima entre techne e arte. A nova materialidade nanotecnológica, então, ao que nos parece, representa verdadeiro desafio à idéia que temos de realidade, de valor, de comportamento humano, de comportamento moral, de ética etc., perante novos acontecimentos que se apresentam e que fazem alguma diferença em nosso modo de viver e do valor da vida, imediatamente considerados. Abordam-se caminhos seguidos pelos avanços do conhecimento científico e das tecnologias, que ocasionam profundas mudanças e acontecimentos, responsáveis até mesmo

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pela natureza interdisciplinar das N&N (Nanociência e Nanotecnologia) e pelos eventos que marcaram e influenciaram o seu desenvolvimento. Quaisquer projetos neste domínio implicam, necessariamente, na congregação de competências diversificadas, não apenas da Matemática (geometria, álgebra, outras), mas também requerem uma base da Física, da Química, da Biologia e da Filosofia, em que se reconhecem conteúdos bem definidos quanto à importância que suas teorias têm para a nanotecnologia.

No quarto capítulo, levamos em conta as implicações da separação e, posteriormente, da oposição radical entre natureza e cultura, que teve início no século XVIII. Ela dificultou o entendimento da significação das ações históricas, do domínio da natureza e da criação cultural, acontecimento que se refletiu nas grandes polêmicas que existem nas discussões atuais em torno da própria nanotecnologia. A partir do século XIX alguns dos efeitos dessa dicotomia são bastante problemáticos à vida, pois a própria técnica trouxe consigo a impressão quase generalizada de que corresponde a uma espécie de processo sem nenhuma conexão com a vida, pelo qual seríamos arrastados e cuja natureza escaparia, na verdade, aos desígnios e finalidades estabelecidos pelo homem. É algo que alguns filósofos descreveram como a realização impensada de uma potência libertada pela metafísica ocidental, mas não controlável pela sua ética, pela sua moral, ou por qualquer outra filosofia prática.

No quinto capítulo, buscamos expor o que existe em torno da relação nanotecnologia, natureza humana, ética e sociedade, cujas implicações possam afetar as instâncias legais, políticas e econômicas. Mediante esta análise, identificamos distintas correntes éticas influentes do pensamento moderno e contemporâneo, que trazem elementos especialmente relacionados à inserção da nanotecnologia na sociedade, vinculando-os às fontes de tensão e aos dilemas éticos existentes face às novas modalidades de controle técnico e suas possibilidades. Acreditamos que isto se constitua numa indagação central para muitos estudos, a ser aprofundada e repensada, ponto em que colocamos o maior leque possível, que pudemos elaborar de pensadores da técnica e da ética. Fazemos uma breve revisão de idéias que tratam da ética e buscamos traçar o caminho de sua influência até o presente momento, a exemplo do que representam os expressivos debates que envolvem Habermas, Rorty, Apel e Putnam que estão interessados nisso e acerca das influências do pragmatismo americano, com relação ao desenvolvimento da técnica e sua aplicabilidade.

No sexto e último capítulo apresentamos uma forma de abordagem estruturada para descobrir e avaliar o que as pessoas pensam e sentem em relação à nanotecnologia e algumas de suas implicações, a fim de contribuir parcialmente para futuros e mais amplos debates

Referências

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