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Os protegidos de Boiteux : tecendo o campo das artes visuais em Santa Catarina nas décadas de 1920 e 1930 na PrimeiraRepública

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Academic year: 2021

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OS PROTEGIDOS DE BOITEUX:

TECENDO O CAMPO DAS ARTES VISUAIS EM SANTA CATARINA NAS DÉCADAS DE 1920 E 1930 NA PRIMEIRA

REPÚBLICA

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Mestra em História

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Flávia Florentino Varella

Coorientadora: Prof.ª Dr.ª Maria de Fátima Fontes Piazza

Florianópolis 2019

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Ficha de identificação da obra elaborada pela autora através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

de Haro, Líbia Palma

Os protegidos de José Boiteux: : tecendo o campo das artes visuais em Santa Catarina nas décadas de 1920 e 1930 na Primeira República / Líbia Palma de Haro ; orientador, Flávia Florentino Varella, coorientador, Maria de Fátima Fontes Piazza , 2019. 213 p.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História,

Florianópolis, 2019. Inclui referências.

1. História. 2. campo artístico catarinense. 3. trajetórias de vida. 4. história da arte catarinense. 5. capitais sociais. I. Varella, Flávia Florentino. II. Piazza , Maria de Fátima Fontes. III. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em História. IV. Título.

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OS PROTEGIDOS DE BOITEUX:

TECENDO O CAMPO DAS ARTES VISUAIS EM SANTA CATARINA NAS DÉCADAS DE 1920 E 1930 NA PRIMEIRA

REPÚBLICA

Esta Dissertação foi julgada adequada para obtenção do Título de “Mestra” e aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina

Florianópolis, 05 de abril de 2019. ________________________

Prof. Henrique Espada Rodrigues Lima Filho, Dr. Coordenador do Curso

Banca Examinadora:

_____________________________ Prof.ª Flávia Florentino Varella, Dr.ª

Orientadora

Universidade Federal de Santa Catarina

_____________________________ Prof.ª Maria de Fátima Fontes Piazza, Dr.ª

Coorientadora

Universidade Federal de Santa Catarina

_____________________________ Prof. Marcelo Robson Téo, Dr. Universidade Estadual de Campinas

_____________________________ Prof.ª Michele Bete Petry, Dr.ª

Universidade de São Paulo

_____________________________ Prof.ª Daniela Queiroz Campos, Dr.ª Universidade Federal de Santa Catarina

_____________________________ Prof.ª Letícia Borges Nedel, Dr.ª (Suplente)

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Agradeço a minha orientadora professora Flávia F. Varella por toda sua dedicação, paciência e parceria em toda trajetória de construção deste trabalho. Da mesma forma, agradeço imensamente a minha segunda orientadora professora Fatima F. Piazza por todas indicações de leituras, orientações, companheirismo e amizade. Devo as duas o incentivo para continuar esta dissertação quando pensei em desistir e também por isso agradeço à professora Beatriz Mamigonian, ex-coordenadora da PPGH/UFSC.

Aos professores Michele Bete Petry, Marcelo R. Téo, Daniela Queiroz Campos e Letícia Borges Nedel por terem aceitado meu convite para compor a banca. Em especial ao professor Marcelo R. Téo, levo comigo seus ensinamentos.

Agradeço à equipe do Museu Thiago de Castro de Lages que acolheu prontamente. Yolanda Bathke por me receber em seu atelier, a Nara e a Eunice Martorano abrirem sua casa. À senhora Camila e ao senhor Élvio da Pousada São Pedro de São Joaquim pelas caronas e conversas ao pé do fogão a lenha.

A minha família de sangue e de coração do Morro do Assopro, Isadora, Benjamin, Lela, Idésio, Leonardo e Vanessa, Sofia, Adriano e a pequena Maria Clara. E a maior inspiração para este trabalho meu tio Rodrigo de Haro que me adotou como filha para viver com ele neste lugar mágico que é a nossa casa.

A todos amigos que torceram por mim e me ajudaram especialmente a Celisa Canto e ao Guilherme Mäder. A dança, que proporcionou momentos que precisava para respirar e continuar no ritmo.

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notas dispersas de um diário que as traças e o tempo acabaram destruindo. Foi melhor assim, muita coisa esqueci. Ofereço-te este livro. Talvez em momento de luta, de desânimo, quem sabe, encontres nele alguma coisa que te console e o encoraje para suportar os sofrimentos que enchem as nossas vidas de artistas.

Nasceste, cresceste e homem te fizeste no meu atelier. Foste sempre testemunha ocular de todos os meus atos. Muitas vezes me viste torturado pelas injustiças, martirizado cruelmente pelas lutas; nunca, porém me viste enfraquecer, abandonar os meus pincéis e maldizer a arte. Ao contrário, sempre me viste por ela me sacrificar e a ela dedicar todas as forças de minha alma e da minha vida.

A meu lado, na nossa pátria e no estrangeiro, acompanhando-me sempre como a minha própria sombra, pudeste viver comigo na comunhão mais íntima e profunda. Pude pôr-te nas mãos os pincéis, indiquei-te o caminho, formei a tua alma. Moldando-a como o escultor modela na cera e, com alegria imensa de pai e de irmão em arte, pude acompanhar-te no início da tua vida artística, e assistir aos teus primeiros sucessos. Eles me causaram infinito prazer. Gozei-os como se fossem meus e, hoje, já velho, no fim da existência, de novo começo a viver, volto à minha mocidade vendo que, como eu, só tens um ideal, a arte.

Este livro contém parte de tua vida. São os primeiros capítulos dela; que o Senhor te permita poderes um dia como eu, terminá-la como um trabalhador que vai repousar de longa jornada de trabalho, corpo fatigado, braços esmorecidos, mas com consciência tranquila.

Teu pai

(Dedicatória de Antonio Parreiras a seu filho Dakir Parreiras em livro autobiográfico: História de um pintor contada por ele mesmo de 1926)

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Martinho de Haro teria construído sozinho o mercado de artes visuais em Santa Catarina. O questionamento dessa afirmação já estava presente em meu Trabalho de Conclusão de Curso, mas não foi esgotado. Como meio de investigar esta questão, foi fundamental observar as trajetórias de alguns artistas que transitaram pelo Estado de Santa Catarina, principalmente, os chamados “protegidos de José Boiteux”. Para esta análise, foi utilizada a categoria de “Genealogia” onde estendemos seus limites para além dos laços de parentesco incluindo os de amizade e de apadrinhamento. A partir do acervo de cartas passivas de José Arthur Boiteux depositado no Instituto Histórico Geográfico de Santa Catarina, foi possível reconstruir as trajetórias desses artistas até o encontro deles com José Boiteux, este, chamado por alguns de “protetor das artes”. O acervo conta com 800 cartas, e entre os remetentes, estão familiares, membros da política catarinense, diretores de instituições culturais brasileiras e estrangeiras, pintores e escultores. Nesta dissertação, foram analisadas 76 correspondências de artistas, pais de artistas e políticos que formavam as comissões propagadoras de estátuas. Além das cartas, também foram consideradas a crítica de arte e a frequência de exposições em periódicos catarinenses e cariocas, somando 63 fontes entre jornais e revistas, do mesmo modo foi realizada a coleta de depoimentos para elucidar algumas questões. A partir das trajetórias dos protegidos catarinenses, foi possível perceber algumas características importantes, como a atuação da família no espaço social e a maneira pela qual os filhos das famílias tratadas neste trabalho herdaram os capitais sociais. Em todos os casos observados, os pais se serviram de sua rede de sociabilidade para impulsionar a carreira de seus filhos. Também foi utilizado o conceito de “Campo” no sentido criado por Bourdieu, primeiro, observando-se o campo de atuação dos próprios pintores e escultores e, depois, fazendo-se análise de campo de Boiteux, “o mecenas catarinense”. Boiteux foi membro de uma elite catarinense e esteve à frente da criação e organização de várias instituições culturais catarinenses, além de eventos artísticos que passaram a ser as primeiras estruturas na formação do campo das artes visuais em Santa Catarina. Com a presente pesquisa, concluímos que o sucesso ou insucesso na carreira dos protegidos, e mesmo de artistas locais, esteve diretamente ligado à proteção de José Boiteux e à influência da Escola Nacional de Belas Artes.

Palavras-chave: Campo Artístico Catarinense, Trajetórias de vida, História da Arte Catarinense, Capitais Sociais, Família.

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ABSTRACT

The present research was built around the statement that Martinho de Haro would have built the visual arts market in Santa Catarina by himself. The questioning about this statement was already present in my Final Paper, yet not exhausted. As a means of investigating this subject, it was vital to observe some artists’ trajectories who circulated in Santa Catarina State, especially the so-called; José Boiteux’s protégés. For this analysis, the category of Genealogy; was used where its limits were extended beyond the kinship ties to include friendship’s and sponsorship’s as well. The collection of passive letters by José Arthur Boiteux found in the Historical Geographic Institute of Santa Catarina made possible to rebuild the these artists’ trajectories up to their encounter with José Boiteux, this one, called by some of them as the " protector of the arts. The collection holds 800 letters, and among the senders, we can find family members, politicians from Santa Catarina, directors of Brazilian and foreign cultural institutions, painters and sculptors. For this dissertation, a correspondence of 76 letters by diferent artists, their parents and politicians who made part of the statues propagators commissions were analyzed. Art criticism and frequency of exhibitions in the media of Santa Catarina and Rio de Janeiro, in total, 63 sources among newspapers and magazines, and a collection of testimonies to elucidate some items were considered as well. From the trajectories of the “catarinenses protégés”, it was possible to see some important characteristics, such as the role of the family in the social space and the way in which their children, treated in this work, inherited the social capital. In all cases studied, parents used their social capitals to improve their children´s careers. The concept of Field; in the sense created by Bourdieu - first, observing the painters’ and sculptors’ fields of action, and then conducting a field study about Boiteux - “the patron of art of Santa Catarina” - was also used. Boiteux was a member of the Santa Catarina elite and was always in charge in the creation and organization of several cultural institutions in Santa Catarina, as well as artistic events that became the first structures for the visual arts field in Santa Catarina. With this research, we inferred that the protégés’ success or failure, and even the local artists’, was directly related to José Boiteux’s protection and to the influence of the National School of Fine Arts.

Keywords: Catarinense Artistic Field, Life trajectories, History of Art of Santa Catarina, Social Capital, Family.

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Figura 1 ‒ Mapa dos Capitais Sociais de Martinho de Haro ... 34 Figura 2 ‒ Capa do jornal estudantil D. Sancho ilustrado por Martinho de Haro. ... 38

Figura 3 ‒ Página do Jornal estudantil ilustrada por Martinho de Haro. ... 39

Figura 5 ‒ Nara Martorano filha de Cesar Martorano pousando ao lado de seu retrato de 1950, 60X49, óleo sobre tela, coleção particular. ... 42 Figura 6 - Retrato de Yolita Ribeiro Werner, aproximadamente década de 1950. ... 43

Figura 7 - Retrato de Cesar Martorano, filho de Egídio Martorano, 1925/1930, óleo sobre madeira, 36X31,5cm ... 43

Figura 8 - Retrato de Maria do Carmo Martorano, irmã de Cesar Martorano, 1934, óleo sobre tela cartão, 33X26cm. ... 44

Figura 9 ‒ Retrato Exposto no Salão Nacional de Belas Artes intitulado “Maria” ... 45

Figura 10 ‒ Anúncio da oficina do pai de Agostinho Malinverni & Piccinini... 51

Figura 11 ‒ Carro alegórico da sociedade carnavalesca Vai ou Racha, Caprichos Nipônicos ou Pagode Japonês. Carnaval de 1928. ... 53

Figura 12 ‒ Construção do carro alegórico da sociedade carnavalesca Cravo Preto ... 54

Figura 13 ‒ Carros alegóricos da Sociedade Recreativa Cravo Preto, carnaval de 1927. ... 55

Figura 14 ‒ Detalhe da fotografia dos carros alegóricos da Sociedade Carnavalesca Cravo Preto, onde aparece Marino Malinverni. ... 57 Figura 15 ‒ Estudo de Nu masculino, datado de 1927. Lápis sobre papel. No canto esquerdo da folha diz: croqui de Sr. de Haro Rio 1927 ... 60 Figura 16 ‒ Mapa dos capitais sociais da Família Malinverni.... 80 Figura 17 ‒ fotografia de Florisbella de Araújo Figueredo, O Estado 01 de janeiro de 1920. ... 86

Figura 18 ‒ Jornal O Estado de 13 de novembro de 1918. Nota sobre viagem de Florisbella de Araújo Figueredo ao Rio de Janeiro. ... 93

Figura 19 - O Estado de 1 jan. 1920, matéria intitulada “Catharinenses Ilustres”. ... 96

Figura 20 ‒ Capa Revista do Centro Catharinense, fotografia de Acy Coelho escritora, ano I, Rio de janeiro, no. 1, 07/09/1929. ... 148

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Figura 21 - Fotografia de Corrêa Lima, 1912... 155 Figura 22 ‒ José Arthur Boiteux, sua esposa Jocelina Jacques Boiteux e seus quatro filhos Henrique Jacques, Lucinda, João e Maria Carolina ... 161

Figura 23 - fotografia de Carlo de Servi posando em frente de um de seus quadros, 1913. ... 169

Figura 24 ‒ Jornal República de 29 de novembro de 1930 ... 172 Figura 25 ‒ Quadro "Mocinha do subúrbio", 1930, óleo sobre tela, 80X64.5 ... 173

Figura 26 fotografia de Antonino Mattos, 1912. ... 176 Figura 27 ‒ Provavelmente, da esquerda para direita: Antonino Mattos, José Boiteux e Martinho de Haro. Jardim Oliveira Belo, Praça 15 de novembro, em junho de 1929. O busto de Victor Meirelles ao fundo é de autoria de Antonino Mattos. ... 180

Figura 28 - Matrícula de Martinho de Haro no curso de pintura da Escola Nacional de Belas Artes/ENBA...180

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CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil

BN - Biblioteca Nacional Digital, Fundação Biblioteca Nacional PBSC - Biblioteca Pública de Santa Catarina

IHGSC - Instituto Histórico Geográfico de Santa Catarina MTC - Museu Thiago de Castro

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LISTA DE ACERVOS PESQUISADOS

Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC (online)

Biblioteca Nacional Digital - Fundação Biblioteca Nacional – BN (online)

Biblioteca Pública de Santa Catarina/PBSC.

Instituto Histórico Geográfico de Santa Catarina/IHGSC Hemeroteca Digital Catarinense – (online)

Instituto de Documentação e Investigação em Ciências Humanas/IDCH Museu Thiago de Castro/MTC

Museu Assis Chateaubriand Museu Dom João VI (online)

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1 INTRODUÇÃO ... 17

2 GENEALOGIAS CATARINENSES, LAÇOS DE

AMIZADE E CAPITAIS SOCIAIS NO ALTO DA SERRA ... 27 2.1 MARTINHO DE HARO DOS ANJOS E SEU CÍRCULO

FAMILIAR E SOCIAL... 31

2.2 ENSINANDO ARTES PLÁSTICAS NA SERRA

CATARINENSE: A FAMÍLIA MALINVERNI, DE PAI PARA FILHOS ... 46

2.3 A AMIZADE ENTRE CONTERRÂNEOS: MARINO

MALINVERNI E MARTINHO DE HARO ... 57 2.4 AGOSTINHO MALINVERNI FILHO: PRISIONEIRO DOS

PINHEIRAIS ... 73

3 GENEALOGIAS CATARINENSES, LAÇOS DE

AMIZADE E CAPITAIS SOCIAIS NO LITORAL ... 82

3.1 FLORISBELLA: DESAVENTURA ENTRE OS HOMENS84

3.2 GUALBERTO VEIGA: O MENINO DE LAGUNA ... 99

3.3 ANTONIO DIAS: RETRAÍDO NA PENUMBRA DO

ESQUECIMENTO ... 106

4 O CAMPO ARTÍSTICO E OS PROJETOS DE JOSÉ

BOITEUX PARA SANTA CATARINA, SUA ‘PEQUENA PÁTRIA’ ... 119 4.1 O IHGSC: A ESCRITA DA HISTÓRIA CATARINENSE COMO UM PROJETO ENGRANDECEDOR PARA SANTA CATARINA ... 124 4.2 CENTRO CATHARINENSE DO RIO DE JANEIRO ... 136

4.3 A AQUISIÇÃO DE UM ACERVO PARA A PINACOTECA

E UMA GALERIA DE PRESIDENTES DA PROVÍNCIA ... 151 5 CONCLUSÃO ... 190

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1 INTRODUÇÃO

O que me motivou a escrever esta dissertação faz parte de meu passado, está ligado à tradição oral, ao modo como escutava as histórias contadas por minha avó Dona Maria Palma de Haro sobre a trajetória de Martinho de Haro, meu avô, considerado, pela historiografia da arte catarinense e pelos textos de críticos, como um dos maiores pintores de Santa Catarina ao lado de Victor Meirelles e Eduardo Dias. As histórias perpassavam desde sua saída de São Joaquim, a passagem pelo Rio de Janeiro, a Escola de Belas Artes/ENBA, o casamento, o prêmio de viagem a Paris, o nascimento do filho Rodrigo até o retorno ao Brasil. Estas histórias eram repetidamente contadas por minha avó, e escutadas por mim com atenção. Aos poucos, a admiração por estas narrativas foram se transformando em questionamentos que culminaram com a elaboração de meu Trabalho de Conclusão de Curso (DE HARO, 2014) e, posteriormente, com a escrita desta dissertação. Comecei a perceber que estas histórias contadas por Maria Palma de Haro deixavam algumas lacunas. Estas narrativas sempre partiam de um começo muito bem definido e seguiam em direção a um final bem preciso que ajudavam a construir uma imagem de Martinho de Haro como grande artista catarinense e autodidata. Para Bourdieu, as histórias de vida pressupõem uma organização com começo, meio e fim, como um conjunto de acontecimentos encadeados dirigindo-se para um propósito, um objetivo final e previamente conhecido (BOURDIEU, 1996a) que, neste caso, é orientado pela própria fala do artista em entrevistas a jornais e reproduzida por seus familiares e críticos de arte.

O ato de contar a vida que corre em sentido único e linear está nos textos, assim como as histórias contadas sobre Martinho de Haro e de outros artistas, como Malinverni Filho que tentou fugir para seguir carreira artística no Rio de Janeiro e ainda jovem já elaborava suas próprias tintas. Com relação a Malinverni Filho, também está presente na historiografia, como expresso por Sérgio da Costa Ramos, a tematização do autodidatismo: “viveu suas primeiras letras no Grupo Escolar Vidal Ramos e, ainda uma criança haveria de dominar sua pictórica: araucária, cédula de identidade da Região Serrana” (RAMOS, 2016, p. 05). Nas narrativas em torno de Martinho de Haro, também há a ideia de talento aflorado desde criança, como se lê no trecho apresentado em texto de Walmir Ayala:

(...) Não se sabe de antecedentes artísticos na família, mas a vocação de Martinho se manifestou muito cedo, conforme declaração do próprio em

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entrevista: ‘Desde menino gostava de desenhar em qualquer material, como papel e até muros, nos quais eu não fazia cerimonia para riscar figuras humanas ou animais. (...)”1 (AYALA, 1989, p. 31)

Estes textos estão alinhados com seus relatos autobiográficos que propõem construir um significado coerente, retrospectivo e prospectivo da vida. Esta noção, esta maneira de contar histórias foi chamada por Bourdieu de “ilusão biográfica”. É uma noção do senso comum que segundo ele, invade o meio acadêmico primeiramente pela etnologia, depois pela sociologia e também pela história. Tratar a vida como uma história é acreditar na “ilusão retórica”, é acreditar em uma representação literária da existência individual. (BOURDIEU, 1996a). Ao iniciar as leituras das cartas de Martinho de Haro enviadas a José Boiteux, fui descobrindo que ele, literalmente, não estava realmente sozinho na busca por aperfeiçoar-se na pintura como havia afirmado o crítico Andrade Filho. Estava indo com ele para o Rio de Janeiro para a Escola Nacional de Belas Artes, Gualberto Veiga, desenhista caricaturista natural de Laguna. Depois, encontrei também outro serrano, Marino Malinverni, todos em busca de uma oportunidade na capital federal.

Nossos questionamentos partem de algumas afirmações correntes em torno do marasmo ou da estagnação cultural de Florianópolis. Estagnação que não acreditamos ter sido possível, e esta questão já foi colocada em meu Trabalho de Conclusão de Curso e já respondida em parte, pois ali mostrei que a Ilha recebia algumas exposições de pinturas, a cidade contava com alguns cinemas, ocorriam apresentações de peças teatrais. Quanto à pintura, encontramos exposições de pequeno porte, mas também outras de maior porte que atraíam público e mídia, e outras voltadas para atos públicos ligados ao poder político. A partir da observação de exposições na Ilha, pude apresentar 4 tipos de exposições: Exposições Vitrines, eram exposições individuais onde se expunham quadros em vitrines de lojas, geralmente retratos ou paisagens, em geral de 1 a 3 obras; Exposições Escolares, realizadas anualmente com trabalhos de alunos dos grupos estaduais; Exposições Vernissages, eventos grandes em torno das obras e que reuniam a sociedade, jornalistas e políticos; por último, as Exposições Oficiais eram direcionadas para as inaugurações públicas de retratos,

1 Trecho de texto de Walmir Ayala, A Luz Recuperada, no livro Martinho de

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pinturas ou esculturas, e como estes eventos tinham o objetivo de exaltar as figuras representadas, nem sempre as reportagens se referiam aos autores de tais obras. Esses eventos podiam acontecer em praças, para a participação do grande público, ou nos gabinetes fechados para um público mais seleto. Desvendar o funcionamento destas exposições foi fundamental para compreender a dinâmica que se formava no campo artístico catarinense, além de me permitir provar que a Ilha não era um lugar estagnado culturalmente.

O gênero artístico retrato foi muito apreciado em Santa Catarina, sobretudo, pela classe política e está diretamente relacionado com as exposições oficiais onde vemos a atuação indireta do Estado, a exemplo das comissões propagadoras de bustos, hermas e estátuas. As comissões promotoras reuniam-se para escolher os artistas que ficariam responsáveis pelas obras públicas, encarregavam-se de buscar patrocínio para custeá-las, faziam o pagamento dos honorários artísticos e faziam a ponte entre governo do estado e artistas. José Boiteux era presença constante em todas as comissões, orientando e influenciado pessoas, tomando iniciativas e intermediando as negociações entre artistas e comissões. Os membros destas comissões, muitas vezes, eram os mesmos que frequentavam as exposições dos protegidos de Boiteux, como Martinho de Haro, Marino Malinverni e os mesmos que compravam seus trabalhos. Os pedidos de auxílio a José Boiteux também ultrapassaram os limites de Santa Catarina como pudemos constatar nas cartas de Carlo de Servi, Dakir Parreiras, Carlos Otávio e Goblieb Boss.

A questão desta dissertação parte de uma afirmação de João Evangelista de Andrade Filho a respeito de Martinho de Haro, onde este é colocado como quem sozinho inicia um mercado de artes para Santa Catarina. Podemos constatar que Martinho de Haro não foi o primeiro nem o único e, tão pouco, o último artista a estar disputando o espaço artístico catarinense. Discordando do crítico Andrade Filho que diz: “(...) a criação do mercado de artes em Santa Catarina se deveu a ele [Martinho de Haro]. Havia uma equipe inteira para tratar do caso no Rio de Janeiro. Em Florianópolis, disso, durante largo tempo, Martinho se encarregou sozinho. (...)” (ANDRADE FILHO, 2007, p. 40).

Deste modo, o foco desta dissertação está na análise da trajetória desses artistas, Marino Malinverni, Agostinho Malinverni, Florisbella de Araújo Figueredo, Gualberto Veiga, Antonio Dias e inclusive Martinho de Haro, a partir de suas relações com José Boiteux, o protetor dos artistas. Somente a partir da observação das trajetórias de artistas que pertenceram ao círculo de protegidos de Boiteux, desde meados da década de 1910, é que podemos enxergar como se estruturou o espaço artístico

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ou o campo2 das artes visuais nas décadas de 1920 e 1930, sem, contudo,

deixar de observar aqueles que ficaram de fora deste círculo de proteção. O campo é formado por esferas ou pólos onde um lado se encontram as esferas ou instâncias de legitimação de poder e cultura entendidas aqui como Instituto Histórico Geográfico de Santa Catarina, Centro Catarinense do Rio de Janeiro, Pinacoteca de Santa Catarina, Academia de Letras e Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. Nestas instâncias de Legitimação de poder e cultura existem sistemas de transmissão e reprodução de crenças ou regras como forma de propagar e consagrar suas produções sejam elas obras de artes, livros, textos críticos em jornais e revistas. Este sistema de transmissão e produção de regras e crenças para consagrar os artefatos culturais (quadros, esculturas, textos críticos, textos históricos, exposições e eventos) criando assim outra esfera ou pólo e que serve para a formação de público que consumirá os artefatos. Há um outro lugar limítrofe entre as duas esferas de instituições de legitimação e a da produção de regras e crenças, um espaço fora do campo mas que influencia a forma de como o campo das artes visuais se organiza. Este espaço é formado pelos ateliês, pelo comercio de retratos de artistas transitórios com encomendas demandas por famílias ricas e prefeituras de pequenos municípios. Este espaço também é formado pelas exposições vitrines e exposições escolares, diferente das exposições oficiais e das vernissagens que estão inseridas no campo e fazem parte de sistema de legitimação e produção de regras e crenças. O limite entre as duas esferas é movimentado pelas aulas particulares de desenho e pintura oferecido por jovens estudantes de artes da ENBA ou artistas pouco conhecidos de público. Também podemos inserir neste espaço limítrofe as aulas de desenho e pintura inseridas na educação formal escolar, visto que geravam as exposições escolares. Este espaço limítrofe acaba por formar estruturas fora do campo de consagração e legitimação. Dentro do contexto de formação de um campo para as artes visuais em Santa Catarina José Boiteux torna-se uma figura central, pois transita entre as duas esferas ou polos, estando sempre ligado a máquina estatal e idealizador de várias instâncias de legitimação de poder e cultura catarinense.

Os protegidos se relacionavam com José Boiteux buscando prestígio, trabalho e reconhecimento de público. O sistema montado por Boiteux para auxiliar seus protegidos estava voltado à criação de retratos,

2 Sobre o conceito de campo ler Bourdieu: As Regras da Arte: gênese e estrutura

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a começar pela idealização de monumentos, além dos auxílios prestados. Com o projeto de criação da Pinacoteca e da galeria de presidentes de província, é possível vislumbrar este sistema em torno dos retratos o que, a nosso ver, reflete até hoje na constante realização de retratos de presidentes da Assembleia Legislativa de Santa Catarina, devido à predileção pelo retrato compreendido nas décadas de 1910 e 1920.

É a partir do acervo passivo de cartas de José Boiteux depositados no Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, que cheguei aos jovens catarinenses aspirantes a uma vaga na Escola Nacional de Belas Artes. O acervo pessoal de cartas de José Boiteux conta com 140 nomes de remetentes entre: amigos, familiares, políticos, intelectuais e artistas completando um número de 800 cartas. Os temas tratados são os mais diversos: assuntos burocráticos, pedidos de ajuda, publicação de livros, história, política e assuntos íntimos de âmbito familiar. Nos limitamos as cartas de artistas e escultores catarinenses e cariocas, políticos membros das comissões de estatuas e hermas, enviadas à José Boiteux, contando com 68 documentos no total. Com base nestas cartas foi possível remontar parte das trajetórias de vida de artistas que se comunicavam com José Boiteux em início do século XX e consequentemente remontar o processo de formação do campo. As cartas foram importantes meios de comunicação muito difundido no século XIX e primeira metade do XX no Brasil. Estes documentos foram importantes fontes de acesso ao passado catarinense relativo ao mercado de artes visuais e fragmentado pois, com a leitura delas enxergamos frações de diálogos que representam vestígios de uma época. Além das cartas nos utilizamos de fontes periódicas como jornais e revistas com circulação em Santa Catarina e no Rio de Janeiro, somando 63 fontes periódicas entre textos sobre crítica de arte, notas e reportagens sobre exposições e inauguração de estatuas em homenagem aos catarinenses ditos ilustres. Na Serra catarinense foi realizada coleta de depoimentos para elucidar questões pertinentes ao passado do grupo de artistas pertencentes a esta região, família Malinverni e principalmente Martinho de Haro.

Ao encontrar outros estudantes, aspirantes às artes, nosso principal objetivo foi entender o processo de construção do campo das artes visuais de Santa Catarina a partir das trajetórias de artistas que estiveram ao redor de José Boiteux. De modo que, não há uma figura central na escrita deste trabalho e, sim, um grupo de artistas que ocuparam o espaço artístico catarinense antes da chegada de Martinho de Haro dos Anjos, década de 1920 e, depois de sua inserção no espaço artístico catarinense na década de 1930. Percebemos a existência de alguns nomes nunca citados antes na história da arte catarinense, Marino Malinverni,

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Florisbella de Araújo Figueredo, Gualberto Veiga e Antonio Dias, nomes estes, sobre os quais pretendemos lançar luz neste trabalho. Assim como percebi nomes de artistas conhecidos nas décadas de 1920 e 1930, como Corrêa Lima e Antonino Mattos, autores de monumentos catarinenses e que hoje são pouco conhecidos do público florianopolitano, pois seus nomes não são mais vinculados às suas obras públicas distribuídas pelo estado catarinense, como o monumento à Anita Garibaldi de Antonino Mattos. Percebemos algumas semelhanças na trajetória artística entre aqueles que se tornaram protegidos de Boiteux como, por exemplo, o ingresso na Escola Nacional de Belas Artes, com ou sem ajuda de Boiteux.

Na medida do possível, faremos uma genealogia de cada artista catarinense que aparece como remetente nas cartas do acervo de José Boiteux do Instituto Histórico Geográfico Catarinense/IHGSC. Neste sentido, não consideramos a genealogia somente como uma busca pelas origens familiares, mas também uma busca pelos laços de amizade traçados pelas relações de trabalho e de clientelismo. Acrescentamos a este grupo que chamamos de protegidos de Boiteux, Agostinho a Malinverni Filho que, apesar de não aparecer como remetente das cartas, foi um dos catarinenses a cursar a Escola Nacional de Belas Artes no período tratado aqui, tendo sido o último a ingressar, em abril de 1934, após a morte de José Boiteux, em fevereiro do mesmo ano. Dada a importância que este pintor tem para o campo artístico catarinense, resolvemos incluí-lo e pelo fato de este artista ter sido o último a ir para o Rio de Janeiro por intermédio de Boiteux, pois este, em fonte jornalística, entrou em contato com o cel. Otávio Silveira Filho que o auxiliou com a bolsa.

Percebendo a atuação de todos estes personagens históricos, dividimos este trabalho em três capítulos sendo o primeiro dedicado a traçar a genealogia de seus protegidos oriundos da Região Serrana. Começamos por Martinho de Haro, observando como a família foi fundamental para o início e para o desenvolvimento de sua carreira. As ligações com a família Martorano, através de graus de parentescos (apadrinhamento) com sua tia, irmã de sua mãe, até o momento em que seu pai o apresenta a Boiteux, que se tornou seu protetor. Procuramos fazer o mesmo com Marino Malinverni, apresentando suas origens familiares, filho de imigrante italiano que aprende o ofício de cantareiro, arte de esculpir em pedra, trabalha com seu pai e irmãos no Carnaval na elaboração de carros alegóricos na cidade de Lages. Também pudemos observar a forte atuação da família em relação a Marino Malinverni, seu pai Agostinho Malinverni utiliza-se de seus laços de amizade

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proporcionados pelo Carnaval. Por fim, também nos acercamos de Malinverni Filho, este artista foi o último a ir para o Rio de Janeiro por intermédio de Boiteux, antes de seu falecimento. Malinverni Filho é apresentado a uma rede de catarinenses residentes na capital federal, assim como Martinho de Haro o tinha sido, mas este teve sua bolsa cortada por conta de rixas políticas entre os primos Aristiliano Ramos e Nereu Ramos.

No segundo capítulo, propus-me a fazer o mesmo que fiz com os artistas serranos, mas agora com os residentes no litoral de Santa Catarina. Começando com Florisbella Araújo Figueredo, filha de Juvêncio Araújo Figueredo, poeta catarinense que se liga a José Boiteux pelos laços de amizade. O poeta foi pai de 9 filhos, teve uma infância difícil quando seu pai perde as posses da família. Encontramos cartas dele endereçadas a Boiteux pedindo ajuda para seus filhos, primeiro para um de seus filhos homens cujo nome não pudemos identificar. Alguns anos depois, em favor de Florisbella, sua filha escultora. Em ambos os casos, Juvêncio de Araújo Figueredo foi atendido, vimos que em fins de 1910, Florisbella se encaminhava para o Rio de Janeiro em busca de aperfeiçoamento artístico onde se casa e passa a residir. Seguimos o capítulo falando de Gualberto Veiga, lagunense, desenhista e caricaturista. Não nos foi possível conhecer fatos relacionados a sua família, pois as únicas fontes a seu respeito foram suas cartas a José Boiteux e algumas notas de jornal. Ao fim deste capítulo, chegamos a Antonio Dias, filho de Eduardo Dias, pintor conhecido em Florianópolis, apreciado, mas pouco valorizado como artista. O diálogo entre Antonio Dias e José Boiteux se resume a uma única carta encontrada no acervo.

Foi possível, a partir destas cartas, aproximar-nos das estratégias adotadas pelos artistas para alcançarem seus múltiplos objetivos, e pudemos perceber como se dirigiam ao protetor e amigo, sejam por seus objetivos de lograr ou de manter uma pensão oferecida pelo Estado, conseguir encomendas, lugares para expor ou realizar obras públicas. O que fica evidente para nós é a importância da família nas vidas dos protegidos, pois é através da atuação delas que os aspirantes a artistas são apresentados ao protetor, e os capitais sociais herdados de suas famílias influenciarão suas carreiras de maneira positiva ou negativa. Deste modo, a família passa a ser a primeira instituição na vida desses sujeitos, é por ela que os jovens estudantes de artes são apresentados à sociedade. Sejam eles filhos de comerciantes, de escultores/marmoristas estrangeiros ou de escritores/poetas.

Deste modo, chegamos ao terceiro capítulo e destacamos as tentativas de criação da Pinacoteca de Santa Catarina, observando como

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Boiteux fez para reunir um pequeno acervo de obras de arte a partir dos acervos particulares de famílias catarinenses e os de seus próprios protegidos. Identificamos a tentativa de se construir uma pinacoteca para Santa Catarina inserida em projeto de engrandecimento do estado à medida que queria apresenta-lo como um grande berço de arte. Associado a isto, há a tentativa de se construir uma galeria de presidentes de província como uma continuação dos trabalhos das comissões promotoras de monumentos em consagração dos heróis catarinenses, como Fernando Machado. Nas homenagens com inaugurações de bustos de figuras representativas do poder político catarinense, essas figuras se promoviam a si mesmas, tornando estes momentos uma autoconsagração política.

Sobre os projetos de José Boiteux, identificamos como fez sua mediação cultural juntamente com seus irmãos Lucas e Henrique Boiteux. Deste modo, pude observar seus projetos culturais para Santa Catarina, sua terra natal, com ênfase em duas instituições, o Centro Catharinense do Rio de Janeiro e o Instituto Histórico Geográfico de Santa Catarina/IHGSC e revistas que circularam na capital federal à época. Estas instituições funcionaram sob a égide de um estado republicano para se construir uma noção de identidade catarinense arquitetando uma imagem de supervalorização da história catarinense lançada para dentro e para fora do estado. O Centro Catharinense do Rio de Janeiro foi um desses lugares idealizado por José Boiteux e, funcionando como uma instância de consagração e legitimação para seus membros, formava uma espécie de rede de ajuda mútua, pois o propósito do Centro era o de ajudar catarinenses em trânsito pela capital federal na primeira metade do século XX. O Centro Catharinense era local de divulgação da cultura catarinense para o Rio de Janeiro onde aconteciam eventos culturais em torno da temática do estado de Santa Catarina.

Os irmãos Boiteux e membros do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e Centro Catarinense do Rio de Janeiro, ao escreverem sobre Santa Catarina, ao mesmo tempo que tentavam criar uma imagem de estado forte, acabavam por se projetar em jornais e revistas com circulação no Rio de Janeiro e Santa Catarina, devolvendo aos escritores um capital simbólico e social. Os congressos de Geografia, o Instituto Histórico Geográfico de Santa Catarina/IHGSC, a Academia Catarinense de Letras/ACL, a Casa de Santa Catarina e a Pinacoteca de Santa Catarina eram espaços e instâncias de consagração ou legitimação que buscavam privilegiar alguns grupos em detrimento de outros.

Na última parte do terceiro capítulo intitulada “O IHGSC e os irmãos Boiteux: a escrita da história catarinense como um projeto engrandecedor para Santa Catarina”, visamos a observar os perfis de

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intelectuais e políticos republicanos membros da instituição. Esses perfis podem ser analisados a partir de suas atuações como jornalistas, escritores e historiadores sempre a serviço do Estado. José Boiteux, lado a lado, com seus irmãos Lucas e Henrique foram notáveis biógrafos e historiadores. Portanto, é pelos textos publicados em periódicos catarinenses e cariocas e revista do IHGSC que vemos seus empenhos na construção de uma identidade catarinense associada ao novo regime republicano e que passa pela escrita de uma “história cordial” carregada de civismo e patriotismo.

Os três irmãos foram membros do Instituto Histórico Geográfico de Santa Catarina/ IHGSC e o Centro Catharinense do Rio de Janeiro, este, idealizado por José Boiteux. Em épocas alternadas, os irmãos foram presidentes das mesmas instituições e são tomados aqui como exemplos da escrita da história catarinense de fins do século XIX e início do XX. A escrita da história produzida e divulgada por estas instituições foi, por muito tempo, a única amplamente divulgada em periódicos e no campo escolar até meados da década de 1960. Pretendemos mostrar neste capítulo, a partir da produção dos irmãos Boiteux, e através do IHGSC e CCRJ com seus eventos, o empenho em engrandecer a imagem de Santa Catarina e destacar o estado no cenário nacional. Um ideal que passava pela escrita de biografias como recurso de acesso ao passado e capaz de ensinar à população a noção de amor à pátria através das vidas tidas como exemplares. Neste sentido, vemos nas comissões promotoras de monumentos catarinenses, somadas às ações de Boiteux em reunir retratos para criação da Pinacoteca do estado de Santa Catarina, meios de se autoproclamarem incentivadores das artes e da história catarinense.

Considero também para a análise desta dissertação, o gênero pictórico – o retrato – um meio simbólico que se aproxima da biografia no sentido de proporcionar tanto aos artistas (autores das obras) como aos compradores e aos promotores de obras, prestígio de ambos os lados. Para os artistas, o retrato, era um meio de garantir o trabalho e adentrar o mercado das artes, tornando-se um nome conhecido e reconhecido. O mecenas3 Boiteux aparece como o maior promotor de obras e de artistas,

é aquele que tem a autoridade para dizer quem deveria ser ou não contratado, ou quem mereceria uma bolsa estadual. Ele ocupava o lugar de um expert em arte, aquele que lançava os talentos. Deste modo, passava a criar um lugar para artistas catarinenses para produzirem uma arte genuína catarinense e também um lugar que abrigasse uma galeria de celebridades do Estado, sejam elas celebridades da política/militar

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associadas à história do Brasil como Fernando Machado e Hercílio Luz ou às artes como Victor Meirelles. E assim, passar a construir um mecanismo para imortalizar a imagem destes atores históricos que não deviam ser esquecidos segundo seus propósitos.

O mecenato de José Boiteux está ligado à sua atuação política e intelectual, e à grande rede que teceu estando próximo a Hercílio Luz e com suas boas relações com outros governadores como Adolfo Konder. Transitou entre várias estâncias de consagração intelectual catarinense e cariocas. Reuniu patrocinadores, compradores para o levantamento de hermas, compradores para quadros em exposições de artes com objetivo de lançar seus protegidos no mercado das artes em formação. Com isso, tentou agregar mais uma faceta ao Estado de Santa Catarina, a imagem de um estado produtor de Belas Artes procurando contrapor uma imagem de estado atrasado culturalmente. Deste modo, vemos suas ações como mecenas inseridas em um projeto de engrandecimento para a sua “Pequena Pátria”, assim como foram o Centro Catharinense do Rio de Janeiro, suas revistas e o Instituto Histórico Geográfico de Santa Catarina/IHGSC, duas instituições-chave para se entender o Mecenato Boiteux dentro dos projetos culturais para Santa Catarina.

Este trabalho pretende contribuir para com a história de Santa Catarina e história da arte catarinense com a proposta de analisar a formação do campo das artes visuais no estado. Enfatizando o ponto de vista social da história das artes, deste modo, focando nossas analises na agencia dos principais atores deste campo, os pintores e escultores tanto catarinenses como cariocas que juntos constroem os alicerces deste espaço cultural associado a atuação de José Boiteux como o idealizador de instituições culturais voltadas para as artes e literatura catarinense. Tendo em vista a questão do campo das artes visuais nas décadas de 1920 e 1930 também retomamos algumas questões já discutidas em meu trabalho de conclusão de curso/TCC, como rebater a tese de estagnação cultural da ilha de Santa Catarina e a ideia de que Martinho de Haro sozinho teria construído de fato o campo das artes visuais. E é a partir de sua trajetória que inicio esta dissertação, no alto da serra catarinense, começando por São Joaquim e em seguida para Lages. Martinho de Haro parece em alguns momentos no desenvolvimento desta pesquisa visto que sua trajetória cruza com a de outros artistas como transparece no conjunto de cartas pesquisadas. Seguindo paras analises de trajetória da família Malinverni, Agostinho Malinverni (pai), Agostinho Malinverni Filho, Marino Malinverni, Florisbella de Araújo Figueredo, Gualberto Veiga, Antonio Dias.

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2 GENEALOGIAS CATARINENSES, LAÇOS DE AMIZADE E CAPITAIS SOCIAIS NO ALTO DA SERRA

Esta dissertação me leva à Serra Catarinense, precisamente a Lages e São Joaquim, e conduz-me a observar a organização social da região ao notar a importância da família. A família no Brasil foi e ainda é uma instituição importante, pois muitas vezes, é através dela que um indivíduo adquire o capital cultural. É através da influência dos pais e, dependendo da posição social ocupada por eles, que os filhos são encaminhados na vida profissional e inseridos em um espaço social, em

um campo determinado, seja ele comercial, artístico, político ou

econômico. Neste contexto, o capital social também é herdado dos pais. Os laços de parentesco, muitas vezes, são traçados através de um casamento, adoção, compadrio, apadrinhamento. Estas relações acabam formando uma rede de solidariedade e sociabilidade importante aos indivíduos.

Um dos modelos de família que se desenvolve no Brasil é o patriarcal, depois, o modelo burguês nuclear. O modelo de família patriarcal forma-se ainda no Brasil colônia e parte de um núcleo “composto do chefe da casa, esposa, filhos e netos, seguido de filhos ilegítimos ou de criação, parentes, afilhados, serviçais, amigos, agregados e escravos. O chefe [da casa é] responsável por cuidar dos negócios e da honra da família”(ALVES, 2009, p. 02). Este modelo pode ser visto tanto no campo como nas cidades brasileiras e, apesar de formar-se sob a perspectiva do sistema escravista colonial, alcança os primeiros anos da República. Ele pode ser percebido também na organização espacial da propriedade: a casa da família, a dos agregados, a dos empregados, libertos, os limites com a vizinhança. O modelo nuclear difere do da família patriarcal, pois este se limita ao núcleo composto pelo pai, pela mãe, pelos descendentes diretos (filhos legítimos). A família burguesa passa a não ser mais uma família que aglutina pessoas a sua volta.

A família de Maria Palma de Haro, esta que veio a ser esposa de Martinho de Haro, estava organizada segundo os modelos da família patriarcal e com algumas influências da família burguesa. Antônio Palma e Belmira Rodrigues (Dona Lotinha) tiveram apenas duas filhas: Maria e Olga. Seus pais não adotaram o costume da época de ter uma dezena de filhos, como era o caso do pai de Maria que vinha de uma família de 16 irmãos. Assim, Antonio e Belmira puderam se preocupar mais com a educação das filhas contratando professores de francês e, mais tarde, enviando Maria e Olga para estudarem no colégio de freiras em Lages,

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Colégio Santa Rosa de Lima das Irmãs da Divina Providência. Esta preocupação com a formação das meninas e não só dos descendentes homens é característica de um modo de vida burguês. Ainda assim havia agregados na Fazenda das Palmas na década de 1920, apontando para um costume patriarcal familiar. A própria família de Martinho de Haro, um pouco maior que a de Maria, cujo pai se dedicava ao comércio e, por vezes, necessitava se locomover de cidade a cidade para adquirir seus produtos, geralmente, ia a Laguna, era uma família centrada no pai, na mãe e nos seus cinco filhos. A família de Martinho, assim como a de Maria, tinha pais igualmente preocupados com a formação escolar dos seus descendentes, alinhados com um novo estilo de vida burguês que visava a formar cidadãos civilizados. Esses dois modelos de família passam a conviver a partir das primeiras décadas do século XX na região serrana.

A partir do século XIX, as cidades brasileiras passam por transformações físicas e medidas de controle são impostas à população. As propostas higienistas na época da Proclamação da República impõem novos hábitos à população em todo Brasil. Nas décadas de 1880, Lages tem seus primeiros espaços que imprimiam mudanças de hábitos em uma elite rural serrana que passava a adotar novos códigos de civilidade.

Nesse período temos a criação dos primeiros jornais locais, organização de clubes recreativos e literários, teatro, Loja Maçônica, e demais espaços que gradativamente foram imprimindo novo ritmo à pequena cidade dos campos de cima da serra. Estes foram os espaços de propagação dos códigos de civilidade e onde os discursos de “progresso” em favor de certa modernidade ganhou contornos mais concretos. (ANDRADE, 2011, p. 09)

Foi dada nova configuração à circulação de pessoas e animais no perímetro urbano, com abertura de hospitais, conserto e abertura de estradas, regulamentação do comércio e da construção de novos prédios no perímetro urbano, construção de escolas e deslocamento do cemitério para longe do centro da cidade de Lages. Medidas como estas visavam à construção de uma cidade civilizada e moderna nas primeiras décadas do século XX e influenciavam nos modos de vida de uma tradicional sociedade rural. “O espaço urbano, antigamente usado por todos em encontros coletivos, festas, mercados, convívio social, etc., começa a ser governado por um novo interesse, qual seja, ‘o interesse público’, controlado pelas elites governantes” (D’INCAO, 1997, p. 225). Fato que, segundo Roosenberg Alves, proporciona a modernização da cidade do

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Rio de Janeiro, e que também pode ser notado na serra catarinense nas tentativas de modernização das cidades serranas comandadas pelas elites locais. Em Lages, a modernização da cidade foi comandada pela família Ramos e outras famílias da elite, já em São Joaquim, pelos Ribeiro e outros fazendeiros. Essas mudanças influenciam a vida cotidiana. Se até fins do século XIX, a convivência se limitava à vida na fazenda, a partir das primeiras décadas do século XX, ela se estende ao meio urbano. Em 1918, na cidade de São Joaquim, já existia o Cine Teatro Natal, desde 1899, o Clube Astrea e casas comerciais vendiam produtos alimentícios importados, como a casa comercial de Antonio Haro dos Anjos e a casa comercial de Paulo Bathke, também dono do cinema da cidade. Com a criação de clubes literários, cinemas, teatros e cafés, amplia-se o convívio social e, consequentemente, as possibilidades de casamentos.

Estes dois modelos de família, o patriarcal e o burguês nuclear, influenciam a organização familiar e social serrana. O povoamento da Região Serrana Catarinense ocorre a partir do caminho das tropas de gado de Viamão a Sorocaba, o que propiciou, desde a fundação das cidades de Lages e São Joaquim, que ele fosse se estabelecendo por latifundiários vindos de São Paulo e Rio Grande Sul em meados do século XVIII. A partir destes núcleos de povoamento, vemos as famílias se organizarem em torno das fazendas. O fazendeiro patriarca era chefe da família e da propriedade, dos negócios, dos empregados, venerado e respeitado por agregados e moradores da fazenda. A família, por sua vez, não se limitava à esposa e aos filhos do casal, era ampliada e abrigava afilhados e sobrinhos. Os filhos do patriarca quando se casavam, iam morar na casa dos pais e, quando o velho fazendeiro morria, seus bens eram divididos entre os inúmeros filhos tanto homens como mulheres, além da viúva. Na ausência ou morte do pai, geralmente, era o filho mais velho que ajudava a mãe na administração da fazenda.

No final do século XIX, sob os olhos da República, a família burguesa ou nuclear, formada em torno da figura do marido, da esposa e dos filhos começa a aparecer nos campos da Serra mesclando-se ao antigo caráter aglutinador presente na família patriarcal. Vemos este processo ocorrer nas famílias de Martinho de Haro e Maria Palma, como já mencionamos. Algumas das famílias que passavam a ser constituídas dentro do modelo burguês preocupavam-se mais com a formação dos filhos, e estes passavam a escolher se queriam dar continuidade ao negócio dos pais ou, queriam uma carreira para si. Os modelos de família burguesa e de família patriarcal passaram a conviver na Serra Catarinense.

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Segundo a memorialista e genealogista da região, Ismênia Ribeiro Schneider, os laços familiares construídos pelo casamento entre os parentes próximos, fruto de uniões consanguíneas entre primos de diferentes graus, era uma prática social estimulada pelos próprios familiares. Isso se dava muito por causa da pouca transitoriedade na região e da vizinhança, muitas vezes, ser composta de parentes do mesmo núcleo familiar. (SCHNEIDER, 2013, p. 23)

Enedino Batista Ribeiro, historiador e político joaquinense, conta em suas memórias, como se organizava a fazenda em que nascera no início do século XX. É através dele que podemos entender como se estruturavam as propriedades na Serra Catarinense, em especial em Lages e São Joaquim. “Boa vizinhança” e “Agregados e Moradores da Fazenda” são títulos de dois capítulos de suas memórias aos quais se dedica a descrever quem eram as pessoas que moravam nas proximidades da Fazenda São João de Pelotas, situada em São Joaquim. (RIBEIRO, 1999, p. 139-147). Eram em sua maioria, parentes (tios/as, sobrinhos/as, padrinhos/madrinhas, primos/as) ou trabalhadores da própria fazenda, libertos que continuaram a habitar as terras da fazenda, ou conseguiram adquirir um pedaço de terra e se tornaram vizinhos. Também os capatazes, peões, professores, pequenos vendedores (mascates) e alguns estrangeiros, assim como amigos próximos eram vizinhos ou agregados. Todos, de alguma forma, mantinham ligação com a família proprietária de grandes extensões de terras.

Para exemplificar, a extensão dos laços familiares e das relações de solidariedade e sociabilidade herdadas pela família serrana, vejamos o emblemático caso de Chico Goulart e sua filha Cândida. O pai de Enedino era muito amigo de Chico, e mantinham uma relação de patrão e empregado, respectivamente, de confiança. Além de capataz, ele era padrinho de Enedino, e tinha uma filha chamada Cândida. Quando esta fez 18 anos, ela foi morar na casa dos pais de Enedino para fazer companhia e ajudar sua mãe nos afazeres domésticos. Cândida só saiu da casa dos pais de Enedino para casar-se com o promotor público da comarca. (RIBEIRO, 1999, p. 140). Com isso, vemos como os laços traçados pelo casamento e apadrinhamento influenciaram a vida de Chico e Cândida, pois a partir do apadrinhamento, foi criada uma relação de solidariedade e troca de favores. Estas trocas vão desde o cuidado com a criação das cabeças de gado, principal fonte de subsistência da fazenda, confiados a Chico Goulart, sendo ele o capataz compondo a família graças à relação de compadrio, até o arranjo de um bom casamento para sua filha Cândida.

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Os laços familiares eram importantes não apenas para jovens de estratos sociais menos favorecidos em busca de profissionalização e uma boa inserção social no início do século XX. Gustavo Sorá, ao analisar a trajetória do editor e livreiro José Olympio, constatou o quanto o arranjo familiar foi importante no desenvolvimento de sua carreira. É por parte materna que José Olympio é apadrinhado por Altino Arantes, e isto marcou sua ascensão social. Altino Arantes era um homem de grande prestígio social e político entre os membros da elite paulista da primeira metade do século XX. Fora presidente do estado de São Paulo, presidente do Banco do Estado e membro da Academia Paulista de Letras. (SORÁ, 2011, p. 49-71)

2.1 MARTINHO DE HARO DOS ANJOS E SEU CÍRCULO FAMILIAR E SOCIAL

Ao começar a pesquisa na Serra Catarinense, nas cidades de Lages e São Joaquim, e ao vasculhar as inúmeras genealogias feitas por Ismênia Ribeiro Schneider e seu pai Enedino Batista Ribeiro, vemos que a configuração familiar serrana foi algo imprescindível na vida de seus habitantes. Os laços de parentesco eram oportunas portas de entrada na vida social e profissional de muitos jovens, sendo geralmente o casamento, o batizado, a relação de compadrio entre os pais dos jovens em questão, uma alternativa para a ascensão social. (SCHNEIDER, [s.d])

4. Percebendo a importância do papel que a família desempenhou no

território serrano, os casamentos, afilhados e padrinhos, sobrinhos e tios, pais e filhos acabam por formar uma corrente de sustentação à vida dos sujeitos, e o caso de Martinho de Haro não fugiu à regra. A partir dos pais de Martinho de Haro, vemos se formar esta corrente de relações sociais que alcança José Boiteux, seu mecenas. A atuação da família e a herança

4 Este blog apresenta as pesquisas realizadas por Ismênia Ribeiro Schneider

sobre genealogia serrana. Referem-se, principalmente, às famílias Souza, Ribeiro, Palma e outras originárias de São Joaquim e Planalto Sul de Santa Catarina. Os estudos foram iniciados por Enedino Batista Ribeiro, seu pai, a partir dos anos de 1920. O livro O voo das Curucacas: estudo genealógico de famílias serranas de Santa Catarina é da mesma autora do Blog. O livro também conta com a colaboração de Daniela Ribeiro Schneider e Cristiane Budde.

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social concedida a seus descendentes também são percebidas em outros casos no território serrano, precisamente na família Malinverni de Lages. Começamos agora a discorrer, especificamente sobre a família de Haro: Martinho, Anita, Natalia, Lourdes, Rubens e Ary - filhos de Antonio Haro dos Anjos e Sílvia Brasil. Pouco se sabe a respeito da mãe de Martinho, Sílvia Brasil, além do fato de ela ter sido dona de casa e ter pertencido a uma pequena e modesta família com três irmãos: Gil, Eulália e Martinho. Sua irmã mais velha, Eulália, tia de Martinho, era uma modista talentosa bastante requisitada com pedidos de enxovais de noivas, vestidos de festas e cópias de roupas tiradas de magazines franceses. Ela se casou com Egídio Martorano, filho de imigrantes italianos, proeminentes proprietários rurais com muitas cabeças de gado. Egídio estimulava o talento da esposa, que era paga com cabeças de gado por suas encomendas, mandando trazer revistas importadas e tudo o que era necessário para ela trabalhar em seu atelier. Daí, começamos a tecer os fios dos vínculos familiares ligados aos de Haro. A família Brasil não tinha grandes posses. Em entrevista com Yolanda Bathke, ela nos contou que ouvia, de sua mãe, histórias sobre o casamento dos avós, Egídio e Eulália:

O vovô Egídio dizia a minha mãe, “Maria [do Carmo]: quando eu resolvi casar, eu escolhi uma moça pobre, mas era uma moça muito boa pessoa”. Ela era costureira. Depois ele incentivou-a, assim ele mandava buscar revistas de Paris para vovó Eulália, aí ela aprendeu a fazer, aí ela se tornou uma grande modista. Ela aprendeu a fazer flores, chapéus. A minha mãe contava que ela aprontava noivas para se casarem, e ela recebia o pagamento com ponta de gado, assim quando recebe trinta, quarenta cabeças de gado.5

Vemos neste depoimento que o talento da esposa ajudou o casal a prosperar, Egídio Martorano e Eulália Brasil Martorano apadrinham o sobrinho Martinho de Haro, pelo menos durante a época de seus estudos no Rio de Janeiro. Da união de Egídio e Eulália, nasceu Cesar Martorano, primo de Martinho e com o qual tinha uma relação de amizade muito próxima. Cesar Martorano, mais tarde, casou-se com Joaquina Palma, tia

5 Entrevista realizada por Líbia Palma de Haro com Yolanda Bathke

em 27 de julho de 2017 na casa da entrevistada na cidade de São Joaquim, SC.

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de Maria Palma de Haro e esta veio a ser a esposa de Martinho de Haro. Notamos um círculo familiar se fechando em torno do futuro casal Maria e Martinho.

No estabelecimento comercial de Antonio Haro dos Anjos, encontrar-se-á [sic] à venda os seguintes gêneros: vinhos do Porto marcas Sem Ríval, Moscatel e M. Flavia; licores superiores, ameixa, doces em calda, goiabada, etc, etc; e regular sortimento de armarinho. Tudo por uns preços módicos. (GAZETA JOAQUINENSE, 1906, p. 04)

Com relação à Família de Haro, em especial à de Martinho de Haro, Antonio Haro dos Anjos, e seu avô Leovegildo Pereira dos Anjos eram negociantes da região serrana, circulavam por São Joaquim, Lages e Campos Novos. Além de comerciante, Antonio Haro dos Anjos era tesoureiro do Clube Astréa, ponto de encontro e de confraternização da cidade de São Joaquim, conforme consta no livro de comemoração do centenário do Clube, em 1907, ano de nascimento de seu filho Martinho de Haro. (MOURA; PICKER, 1999, p. 47)

O Clube Astréa era um lócus de sociabilidades onde se realizavam festas, cerimônias, Carnaval e também onde se homenageavam os ilustres que visitavam São Joaquim. A instituição foi fundada por famílias importantes da cidade graças à iniciativa de Egídio Martorano, tio de Martinho e marido de Eulália, e esta, irmã de Sílvia, mãe de Martinho. O filho de Egídio, Cesar Martorano casado com Joaquina, tia de Maria, também circulou pela diretoria do clube. Egídio era fundador e integrava a Banda Mozart, além de ser alfaiate e comerciante. Frequentavam o Astréa também, além de Antonio Haro dos Anjos e Egídio Martorano, Domingos Martorano (pai de Egídio) e alguns integrantes da família Brasil, família materna de Martinho. O clube era um espaço que congregava pais e filhos, onde rapazes e moças se conheciam e poderiam vir a se tornar jovens casais. Fazendeiros, políticos, comerciantes, farmacêuticos, alfaiates, pessoas influentes e respeitadas faziam parte da diretoria do Clube. Podemos até imaginar que foi lá que Antonio Haro dos Anjos e Sílvia Brasil se conheceram por intermédio de seus respectivos pais.

É através de seu pai e, certamente, com ajuda de seu tio Egídio e outros parentes que Martinho de Haro é apresentado a José Boiteux, por volta de 1923. Antonio Haro dos Anjos nutria boas relações sociais graças ao Clube, ao comércio e aos laços de parentescos criados pelo casamento

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formando todo um capital social que atravessava as fronteiras de São Joaquim. Provavelmente, já conhecia José Boiteux de algum evento promovido pelo Clube Astréa, ou mesmo por conta de sua casa comercial, outro lócus da sociabilidade serrana. Antonio Haro dos Anjos, sabendo de sua fama de divulgador da cultura e arte catarinense, pede auxílio a José Boiteux em favor de seu filho, e conforme data de carta endereçada a este, depreende-se que isso tenha ocorrido por volta do ano de 1927.6

Propomos, portanto, que o entroncamento da Família de Haro com a Família Palma, bem como as ligações da família de sua mãe, a Família Brasil com a Família Martorano, tenham sido fundamentais para impulsionar a carreira artística de Martinho de Haro, pois através desta rede é que se tornou possível a ele se estabelecer no estado sem depender somente de uma bolsa estatal. No Mapa dos Capitais Sociais de Martinho de Haro na Figura 1, já apontamos para a ligação de seu pai Antonio Haro dos Anjos com José Boiteux. O mapa também mostra como os capitais de Martinho de Haro vão se desenvolvendo a partir da família.

Figura 1 ‒ Mapa dos Capitais Sociais de Martinho de Haro

6 Carta de Antonio Haro dos Anjos, pai de Martinho de Haro, enviada a José

Boiteux datada de 1927, Campos Novos, referindo-se a seu filho. Nesta carta, observa-se que Antonio Haro dos Anjos agradece pelos benefícios em favor do filho, “(...) o qual por sua mão bondosa vai procurando alcançar os meios de ser útil à família, ao seu Estado e à Pátria (...)”. A carta encontra-se no acervo de José Boiteux no Instituto Histórico Geográfico de Santa Catarina/IHGSC.

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Mapa elaborado pela autora.

Com este mapa, pretendo facilitar a visualização desta rede familiar formada ao redor de Martinho de Haro e que lhe proporcionou respaldo durante os dez anos de sua formação artística no Rio de Janeiro de 1926 a 1937. Provavelmente, essa assistência se estendeu ao período em que Martinho e Maria Palma de Haro retornaram da Europa em 1939 com seu primeiro filho, Rodrigo Antônio de Haro, e passaram uma temporada em São Joaquim antes de se estabelecerem em Florianópolis, por volta de 1942. Esta rede familiar somada ao apoio de José Boiteux são elementos fundamentais para se entender o sucesso de Martinho de Haro, sem com isso diminuir seu mérito e sua atuação como criador talentoso e sensível que alcançou destaque na Escola Nacional de Belas Artes com muita dedicação e trabalho.

Foi do conjunto epistolar do acervo de José Boiteux, depositado no Instituto Histórico Geográfico de Santa Catarina (IHGSC), que emergiram as cartas enviadas a José Boiteux por Antonio Haro dos Anjos e Martinho de Haro. Nelas, descobrimos que José Boiteux mantinha contato com uma rede de jovens artistas que lhe pediam uma série de favores. Lá, encontramos nomes como os de Antonio Matos, escultor de bustos, Antonio Dias, artista plástico, filho de Eduardo Dias, Darkir Parreiras, pintor fluminense, uma mulher catarinense estudante de artes Florisbella Figueredo, filha de Araújo Figueredo, bem como outros nomes que hoje são praticamente desconhecidos. Entre os nomes encontrados nessa vasta correspondência está o de Martinho de Haro.

Quando José Boiteux e Martinho de Haro se conheceram, provavelmente em meados da década de 1920, este estava terminando a escola complementar no Grupo Escolar Vidal Ramos e, logo, teria que se encaminhar aos estudos superiores. A partir daí, começa uma relação entre um mecenas e incentivador das artes e cultura catarinenses e um jovem pintor em início de carreira. Segundo Walmor Ayala, no livro

Martinho de Haro:

A fase inicial de descoberta do desenho, desenvolveu-se principalmente em Lages, onde Martinho estudava, aos 12 anos de idade. Foi nesse período que começou a exercitar a técnica da pintura, vindo a conhecer o Dr. José Arthur Boiteux que, impressionado com seu talento, estimulou-o a tentar uma bolsa para estudos de arte no Rio de Janeiro. A bolsa solicitada lhe foi concedida, em

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1927, pelo governo Adolfo Konder. (AYALA, 1986, p. 32)

É por volta do ano de 1920, período em que Martinho foi morar com a família em Lages, que ele deve ter começado a ter aulas de pintura com Antonio Cesar Burlamaqui.7 Certamente, Antonio C. Burlamaqui

também conheceu José Boiteux e, provavelmente, fez parte de seu círculo de artistas ou pupilos. Neste sentido, podemos aventar a hipótese de que Burlamaqui e Sebastião Vieira Fernandes tenham sido apresentados por José Boiteux aos integrantes do Centro Catharinense onde poderiam encontrar futuros apoiadores dos seus trabalhos. Talvez tenha sido por intermédio de Boiteux que o pintor e professor Burlamaqui tenha sido apresentado a Martinho de Haro, pois Burlamaqui já conhecia Boiteux do Centro Catharinense, depois, veio a ser professor de Martinho. Por hora, são só hipóteses que surgem após a leitura das fontes e que não fazem parte do escopo desta dissertação.

O contato com Burlamaqui, de fato, pode ter ocorrido muito tempo antes. Suspeitamos que talvez ele tivesse conhecido os pais de Martinho de Haro no Clube Astréa, onde por ocasião de algumas reformas8, Antonio Cesar Burlamaqui responsabilizou-se pela

remodelação de sua decoração. Martinho de Haro pode ter sido seu ajudante neste trabalho, segundo afirma Rodrigo de Haro.9 Segundo

Licurgo Costa, em seu Continente das Lagens, Antonio C. Burlamaqui também foi responsável pela pintura da Casa Comercial de Vicente Gamborgi, uma loja de bijuterias e fazendas, inaugurada em grande estilo

7 Ainda é difícil afirmar tal fato, pois conhecemos pouco a respeito deste

pintor e de sua vida na Serra. Porém é possível saber que Antonio C. Burlamaqui esteve na capital federal, chegou mesmo a passar pelo Centro Catharinense em torno do ano de 1900, centro cultural filantrópico, lugar idealizado por José Boiteux que recebia catarinenses em trânsito entre a capital federal e Santa Catarina. Segundo relatório publicado na Revista Catharinense em março de 1900.

8 Não sei precisar quando ocorreram tais reformas no Clube Astréa, pois

esta informação foi coletada com Rodrigo de Haro em depoimento dado a mim em 2015, e este não soube precisar datas. Tais informações não foram encontradas em outras fontes.

9 Depoimento disponível em meu Trabalho de Conclusão de Curso,

Políticas do retrato: o mercado de artes visuais de Florianópolis na primeira metade do século XX (DE HARO, L., 2014).

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