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Ouvidorias públicas: estratégias para o aprimoramento do sistema democrático

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Academic year: 2021

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Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ

Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito

Mestrado em Direitos Humanos

MAISA MACHADO SALDANHA

OUVIDORIAS PÚBLICAS: ESTRATÉGIAS PARA O APRIMORAMENTO DO SISTEMA DEMOCRÁTICO

Ijuí (RS) 2014

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Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Mestrado em Direitos Humanos

MAISA MACHADO SALDANHA

OUVIDORIAS PÚBLICAS: ESTRATÉGIAS PARA O APRIMORAMENTO DO SISTEMA DEMOCRÁTICO

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direitos Humanos, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Linha de pesquisa: Fundamentos e Concretização dos Direitos Humanos

Orientador: Prof. Dr. Enio Waldir da Silva

Ijuí (RS) 2014

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S162o Saldanha, Maisa Machado.

Ouvidor ias púb licas : estratégias par a o aprimoramento do sistema d emocr ático / M aisa Machado Saldanha. – Ijuí, 2014. –

136 f. ; 29 c m.

Dissertação ( mestr ado) – Univer sidad e Regio nal do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul ( Camp us Ij uí). Dir eitos Humano s.

“Or ientador: Dr. E nio Wald ir d a Silva”.

1. Demo cracia participativa. 2. Ouvidorias p úblicas. 3 . Participação. 4. Direito s humano s. I. Silva, E nio Waldir da. II. T ítulo. III. T ítulo : E stratégias p ara o apr imor amento do sistema d emocr ático.

CDU: 304 342 .7

Catalogação na Publicação

Aline Morales dos Santos Theobald CRB10/1879

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UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Programa de Pós-Graduação em Direito

Curso de Mestrado em Direitos Humanos

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

O

OUUVVIIDDOORRIIAASSPPÚÚBBLLIICCAASS::EESSTTRRAATTÉÉGGIIAASSPPAARRAAOOAAPPRRIIMMOORRAAMMEENNTTOODDOO S

SIISSTTEEMMAADDEEMMOOCCRRÁÁTTIICCOO

elaborada por

MAISA MACHADO SALDANHA

como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Enio Waldir da Silva (UNIJUÍ): _________________________________________

Prof. Dr. Lindomar Wessler Boneti (PUCPR): ______________________________________

Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin (UNIJUÍ): ________________________________________

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Aos meus pais que muito se dedicaram para que eu que chegasse até aqui.

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho contou com o apoio de várias pessoas e instituições, sem as quais não poderia ser concretizado. Desta forma, meus agradecimentos vão:

Aos meus pais “Lota e Sal” pela amizade, carinho e amor, pela paciência para entender meus momentos de angústia e pelo simples fato de estar ao meu lado, sem cobrar nada...em todos os momentos da minha vida;

Aos meus irmãos, Marcos e Marcelo, pela amizade, carinho e por estarem sempre por perto....para me proteger;

Aos meus afilhados, Mariana, Gerônimo, Nathália e Valentina os quais pela simples presença fazem da minha vida ainda mais feliz;

As minhas amigas, quase irmãs, Gardi, Seca, Ana e Cris por estarem ao meu lado, “me aguentando”, e dando apoio incondicional;

Ao Professor e Orientador Dr. Enio Waldir da Silva que teve a tarefa espinhosa de acompanhar e orientar este trabalho agradeço a atenção e dedicação;

Aos colegas, professores e secretária do Curso de Mestrado em Direito, com área de concentração em Direitos Humanos, pela troca de conhecimentos e experiências e, por colaborarem, de diferentes formas, na construção do conhecimento durante a realização do mestrado. Um agradecimento especial ao Coordenador do Curso Prof. Dr. Gilmar Bedin, pelas orientações e apoio e ao Professor e amigo Dr. Doglas César Lucas que desde a graduação foi um grande incentivador para que eu realizasse o mestrado;

À UNIJUÍ pela concessão de bolsa para a realização do mestrado, sem a qual não teria concretizado esse sonho;

Ao Departamento Municipal de Energia de Ijuí-DEMEI e aos colegas Ouvidores, membros do Fórum Nacional de Ouvidores do Setor Elétrico, que me proporcionaram conhecer e trabalhar com o instituto da ouvidoria, pouco conhecido no Brasil, mas de extrema relevância para a garantia e proteção de direitos e construção de uma sociedade realmente democrática;

A toda equipe da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, na pessoa do Ouvidor Dr. Bruno Renato Nascimento Teixeira, e a Ouvidoria Geral da União, na pessoa do Ouvidor Dr. José Eduardo Romão, meu agradecimento por todas as informações e dados que contribuíram para a realização deste trabalho.

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“Disseste que se tua voz tivesse força igual à imensa dor que sentes Teu grito acordaria não só a tua casa mas a vizinhança inteira”.

Renato Russo

“O que ameaça a Democracia é a fome, é a miséria, é a doença dos que não tem recursos para enfrentá-la. Esses são os males que podem ameaçar a Democracia, mas nunca o povo na praça pública no uso dos seus direitos legítimos e democráticos”.

João Goulart, em 11.03.1964

“Porque no fundo o que se passa é que todos estamos de acordo que vivemos em um sistema democrático, portanto somos cidadãos, somos eleitores, há eleições, votamos, forma-se um parlamento, e a partir desse parlamento, forma-se uma maioria parlamentar. Temos os juízes, tribunais, temos todo o esquema montado. Este esquema é formal. Mas até que ponto se permite que esse sistema seja substancial?”

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RESUMO

Desde o século XX a democracia tornou-se um ideal de organização política buscada por todos aqueles envolvidos na promoção da justiça social. No entanto, há inúmeras controvérsias referentes à forma adotada, a eficácia diante do nível de cidadania e de sociabilidades existentes nas diferentes sociedades. Com o passar dos anos, foram observados avanços, problemas e retrocessos, o que levou a ampliação dos entendimentos sobre o conteúdo da democracia e as configurações de seu aperfeiçoamento. A democracia representativa, por exemplo, não conseguiu dar conta da pluralidade cultural, nem reconhecer as novas identidades, tampouco soube tratar da questão das minorias, além de ter se enfraquecido diante das exigências de participação. Atualmente, fala-se em “reinventar a democracia”, e uma dessas propostas refere-se à “democracia participativa”, a qual defende que o processo participativo deve ser amplo, irrestrito e contínuo tanto nos processos decisórios, como na implantação e nos resultados. Esta proposta congrega debates políticos em torno dos ideais de reconhecimento cultural, inclusão social e emancipação. Desta forma, a renovação do modelo democrático, baseado na criação de uma nova cultura política - a cultura da participação – vai contar com instituições fortes e espaços de produção de entendimentos e de implementação de racionalidades compatíveis com as prerrogativas da igualdade social. Este é o papel das ouvidorias, em especial das ouvidorias públicas, já que essas emergem das lutas democráticas, tornando-se alternativas viáveis e eficazes para promover os princípios democráticos, resguardando as diversidades, a promoção e proteção dos direitos humanos, o aprimoramento do sistema democrático, fortalecendo a cidadania e aperfeiçoando as práticas do Estado democrático de direito. É isso que será abordado nesta pesquisa.

Palavras-chave: Democracia participativa; Ouvidorias públicas; participação;

direitos humanos.

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ABSTRACT

Since the twentieth century democracy has become an ideal of political organization sought by all those involved in promoting social justice. However, there are several controversies regarding the form adopted, the effectiveness on the level of citizenship and existing in different societies sociability. Over the years, advances, problems and setbacks, which led to expansion of understandings about the content of democracy and settings for its improvement, were observed. Representative democracy, for example, failed to take account of cultural plurality, nor recognize new identities, nor know how to deal with the issue of minorities, and has weakened to the demands of participation. Currently, there is talk of "reinventing democracy", and one such proposal refers to "participatory democracy", which argues that the participatory process should be broad, unrestricted and continuous both in decision-making, as in the implementation and results. This proposal brings together political debates around the ideals of cultural recognition, social inclusion and empowerment. In this way, the renewal of the democratic model based on the creation of a new political culture - the culture of participation - will rely on strong institutions and production spaces of understanding and implementation of rationalities compatible with the prerogatives of social equality. This is the role of ombudsmen, especially public ombudsman, as these emerge from democratic struggles, making it viable and effective alternatives to promote democratic principles, protecting the diversity, the promotion and protection of human rights, the improvement of the system democratic, strengthening citizenship and improving the practices of the democratic rule of law. This is what will be addressed in this research.

Keywords: Participatory Democracy, Public ombudsman, participation, human rights.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 11

1. DEMOCRACIA: EVOLUÇÃO, CRISE E NOVAS PERSPECTIVAS 16

1.1 A democracia moderna... 17

1.2 A crise... 25

1.3 As heranças da democracia... 34

1.4 A democracia participativa... 40

2. AS OUVIDORIAS NA NOVA ESFERA PÚBLICA 53 2.1 A emergência das ouvidorias... 53

2.2 Ouvidoria e Democracia: a expressão legal e as dimensões propositivas... 60

2.3 A Ouvidoria e o Ouvidor no Brasil... 68

2.4 As ouvidorias públicas... 76

3. A OUVIDORIA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E A DEMOCRACIA 83 3.1 Os Direitos Humanos no contexto brasileiro... 84

3.2 A Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos... 90

3.3 A eficácia da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos: o que dizem as pesquisas... 100 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 113

REFERÊNCIAS... 122

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INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, as discussões sobre a democracia, sua plenitude, suas dimensões ideais e práticas se ampliaram, tanto nos meios acadêmicos, quanto nos movimentos sociais, além das instituições da sociedade política e da sociedade civil. Sua natureza multifacetária desafia principalmente os campos teóricos das ciências humanas e sociais, sendo objeto constante de pesquisa das ciências jurídicas, sociológicas e políticas.

Sem entrar nas especificidades dos debates e nas diferentes posições, é possível se afirmar que algumas proposições sobre o sistema democrático foram se consolidando com o passar dos tempos, como o respeito às leis e ao princípio da maioria. No entanto, a sociedade democrática exige muito mais do que os aspectos políticos e o contexto atual tem demonstrado a importância de se aprofundar os estudos em relação aos princípios de liberdade, igualdade, solidariedade e emancipação, com as práticas efetivas do Estado e das instituições, uma vez que essas práticas nem sempre representam o sentido das lutas da população pelo seu bem-estar. Essas lutas não significam necessariamente esforços para a tomada do poder, mas representam avanços que objetivam participar das decisões sobre o coletivo para poder usufruir de seus resultados. As maiores dificuldades e divergências consistem das estratégias para intensificar, fortalecer e tornar, de fato, eficazes as proposições da democracia.

Ciente dessas premissas, com o decorrer dos anos tornou-se imprescindível a inovação do processo democrático com a retomada dos espaços públicos, conduzido a partir da ótica da democracia participativa, incluída com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e, consequentemente, a necessidade de novos instrumentos de representação dos direitos constitutivos da cidadania visando à promoção de novos espaços de diálogos coletivos e à consecução do avanço democrático da sociedade e do Estado.

Nesse contexto, o Estado democrático de direito, a partir da Constituição de 1988, tem a responsabilidade de cumprir a lei e de assegurar os direitos e garantias individuais e coletivas fundamentais, pois, a partir do momento em que se

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instituem tais direitos e garantias, o Estado torna-se o maior responsável pela sua efetivação e proteção.

Importante ressaltar que o sucesso da atuação do Estado, no que tange ao cumprimento de seu papel para a consolidação da cidadania, está condicionado à tarefa de (re)inventar sua atuação, sob uma nova lógica e referência. Essa referência é a concepção inovadora de cidadania, que põe como requisito essencial a participação do cidadão na gestão pública em todos os seus níveis de atuação.

É sobre esse assunto que se dedica esta pesquisa. Trata-se de uma investigação sobre como as ouvidorias públicas, especialmente a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, contribuem para o aperfeiçoamento da democracia em suas perspectivas de respeito aos direitos humanos.

Mostrar-se-á que foi em um cenário de ampliação e fortificação da cidadania que emergiram as ouvidorias. No entanto, é preciso entender mais profundamente as formas como elas foram criadas, as modificações que foram acontecendo em suas dinâmicas básicas e a configuração efetiva de responsabilidade de sua atuação. Com isso, será possível entender quais são os limites e possibilidades diante da efetivação dos direitos humanos e como as ouvidorias poderão fazer parte de um novo paradigma de cultura democrática participativa.

A partir da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, analisar-se-á o dito e feito por esse instituto e os desafios apontados por seus atores principais para uma atuação inovadora nos procedimentos democráticos em prol da efetivação dos direitos humanos e, também, ao exercer a função de promover a interlocução/mediação entre o Estado e a sociedade civil.

Acredita-se que nos últimos anos as ouvidorias, em especial as públicas, têm-se revelado instrumentos de grande importância no processo de humanização das estruturas organizacionais e estatais, sendo canais ágeis e aprimorados de participação do cidadão e, consideradas até mesmo como modelos de instituição para a gestão participativa, atualmente tão almejada e estimulada.

Para apresentar os resultados da investigação realizada, o presente trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro capítulo, é abordada a evolução do modelo democrático clássico até o moderno, mediante a mostra de suas

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peculiaridades e principais características, culminando com a crise da democracia moderna e o surgimento de um novo paradigma democrático, chamado de democracia participativa, com a análise de suas características e especificidades, com um enfoque especial no processo democrático brasileiro a partir da Constituição Federal de 1988.

No segundo capítulo é analisado o surgimento do instituto das ouvidorias, trazendo sua história, institucionalização e sua inserção no Brasil, com um destaque para as ouvidorias públicas e a criação de um sistema federal de ouvidorias com a padronização de procedimentos e de padrões que visam o desenvolvimento de soluções integradas e inovadoras para aperfeiçoar o desenvolvimento institucional.

No terceiro e último capítulo, se examina a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, desde sua criação até sua forma de atuação, em um contexto de proteção aos direitos humanos. Destaca-se a exposição de dados, fruto das informações obtidas a partir de entrevistas e da análise de casos práticos, para verificar se as ouvidorias públicas, cujo formato atual no Brasil recria um novo modelo de gestão voltado à transparência no serviço público, as quais podem ser consideradas um instrumento de ampliação dos espaços democráticos junto à administração pública garantindo a cidadania e a proteção aos direitos humanos.

A metodologia utilizada para a realização deste trabalho científico foi o estudo bibliográfico, a análise de documentos e entrevistas. O estudo bibliográfico e documental buscou o cruzamento de olhares dos pesquisadores sobre o objeto aqui em destaque, utilizando como fontes teses universitárias, livros, relatórios técnicos, artigos em revistas científicas, anais de congressos, livros-texto e tratados. As entrevistas foram efetuadas com gestores de diferentes níveis hierárquicos e técnicos ou atendentes que compõem a estrutura da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos. Frisa-se que o método da entrevista tem um caráter, aqui, dialogal, pois somos interlocutores de um processo dialógico onde muitos argumentam sobre seus próprios pontos de vista, ou diante de outros pontos de vista colocados pela interlocução, até que se forme um consenso compreensível do fato, da realidade e da temática envolvida. As experiências reflexivas dos atores reconstroem os pressupostos pragmáticos das ações

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orientadas e das condições viáveis para a construção de possíveis entendimentos dos processos nos quais participam (HABERMAS, 1997).

Nossa hipótese é de que, para a consolidação da democracia participativa, a administração pública deve estabelecer canais de comunicação entre as instituições e os cidadãos, aumentar a conscientização da população em relação ao exercício de seus direitos e, ainda, criar mecanismos de controle que permitam a transparência indispensável ao desempenho e aperfeiçoamento do regime democrático. Foi diante desses ideais que se iniciou o processo de implantação das ouvidoras na administração pública.

A Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos representa um novo modelo de gestão pública, que vai se formando aos poucos e contribuindo para a cooperação entre as instituições do Estado, ao mesmo tempo em que abre espaço e motiva a participação da sociedade civil na efetivação da democracia. Dados iniciais da pesquisa nos levaram a analisar o instituto das ouvidorias e sua contribuição para motivar o surgimento de um novo paradigma da democracia participativa, instigando-nos a pesquisar como se poderia fazer isso pelas práticas de defesa dos direitos humanos.

As experimentações democráticas do Estado contemporâneo, a efetividade dos institutos do Estado democrático de direito, a dinâmica da implantação e atuação das ouvidorias e a possibilidade de estas tornarem-se uma estratégia para o aprimoramento democrático são temas centrais nesta pesquisa.

Diante dos escassos estudos sobre essa temática, o presente trabalho se justifica academicamente, pois objetiva ampliar o conhecimento e os debates na comunidade acadêmica e na sociedade civil sobre essas questões, principalmente porque o Estado democrático de direito é um dos fundamentos de nosso texto constitucional e a prevalência dos direitos humanos é um princípio do Estado brasileiro em suas relações internacionais; consequentemente, os direitos humanos são tema de legítima preocupação e interesse da comunidade nacional e internacional. Nesse sentido, as ciências jurídicas e sociais precisam sempre estar acompanhando os processos regulatórios e as relações destes com os cidadãos, a organização social e as estruturas do Estado que dão validade às normas e legitimidade aos poderes. Esta pesquisa tem também um sentido prático-político porque pretende contribuir para ampliar a cultura de atores dedicados à efetivação

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das práticas jurídicas, esforçando-se para fazer valer as instituições aperfeiçoadoras da democracia. Além disso, este estudo poderá socializar o trabalho que as ouvidorias vêm fazendo e ainda podem fazer, contribuindo, inclusive, para futuros estudos de instalações de novas ouvidorias ou o redimensionamento das existentes. Este trabalho vai contribuir, também, para que se concretizem os objetivos do Mestrado em Direitos Humanos, na linha de pesquisa “Fundamentos e Concretização dos Direitos Humanos”.

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1. DEMOCRACIA: EVOLUÇÃO, CRISE E NOVAS PERSPECTIVAS

Analiticamente podemos dizer que as referências mais consistentes sobre democracia e direito avançaram seguindo o desenvolvimento das compreensões sobre o poder e o papel da razão humana no ordenamento do social. Seu caminho poderia ter sido assim traçado: Nasce com os gregos, especialmente no interior da maiêutica socrática e sua defensiva contra os sofistas, foi sufocada com o teocratismo com sua perspectiva de verdade única e imutável, renasce com os modernos justamente contra a tirania do poder absoluto dos reis e teólogos, tendo com expressão Francis Bacon, Descartes e Hobbes. Pode-se perceber um grande aprofundamento destas discussões sobre um poder aberto a razão em Maquiavel, Montesquieu, Rousseau e Locke, passando por um grande reposicionamento em Karl Marx, culminando com a denúncia das irracionalidades na realidade fática da democracia e da razão jurídica pelos teóricos da Escola de Frankfurt.

Vamos tratar destas dimensões neste capítulo, discorrendo sobre a emergência da democracia moderna, os principais significados a ela atribuídos, analisando sua evolução e apresentando as principais características desde a Antiguidade Clássica, das cidades gregas, em que o poder era exercido diretamente pelos cidadãos da pólis, até o modelo democrático da Modernidade1, exercido através da representação. Posteriormente, abordaremos a crise do processo democrático moderno e o surgimento de um novo paradigma democrático, chamado de democracia participativa, com suas características e peculiaridades. Em um segundo momento, destacaremos a democracia no Brasil.

1 “A compreensão da emergência do Estado moderno é fundamental na atualidade, pois é possível verificar que esta grande instituição está passando, em decorrência das transformações dos últimos anos, por uma grande reformulação. Esta mudança não quer dizer, no entanto, que o Estado deixou de ser, de uma hora para outra, uma das mais sólidas instituições políticas do mundo moderno. Ao contrário, o Estado mantém a sua importância. É possível, contudo, deixar de perceber que ele passou a desempenhar novas funções (como auxílio à formação de blocos regionais e de organização multilaterais) e que seu status de entidade soberana foi fragilizado.

A fragilidade referida constitui-se, de fato, uma mudança histórica de grande profundidade, pois impulsiona uma nova configuração do mundo e fortalece os canais de interdependência entre os Estados. Este fato, aliado a outros acontecimentos importantes, impulsiona o surgimento do fenômeno da globalização. Neste sentido, é possível dizer que o denominador comum das profundas rupturas políticas e econômicas produzidas nas últimas décadas é justamente o esvaziamento da soberania e da autonomia do Estado. Este fato retirou dos Estados a capacidade de controlar seus assuntos domésticos de forma exclusiva e fortaleceu os fluxos transnacionais que atravessam fronteiras e se articulam a partir de outros centros de poder, planetariamente conectados” (BEDIN, 2012).

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1.1 A Democracia Moderna

A democracia é uma expressão que goza de muitos significados2, sendo que essa diversidade abriga até mesmo sentidos antagônicos. Todavia, mesmo havendo diferentes sentidos, é consensual a ideia de que a democracia se contrapõe a formas autoritárias de governo e caracteriza-se pela existência de um conjunto de regras. Entretanto, o significado atual de democracia é diferente daquele assumido em sua emergência.

O primeiro regime democrático de que se tem notícia ocorreu em Atenas, na Grécia3, nos séculos V e IV a.C. O significado etimológico do termo advém do grego demos (povo) e kratein (governar), entendendo-se, por conseguinte, a democracia como sendo o “governo do povo”, a qual assegurava a participação de todos os cidadãos nos fóruns locais, intervindo nas questões relativas à cidade a que pertenciam. Ressalta-se que, em que pese haver participação direta nesse período, havia significativas restrições ao conceito de cidadania4, já que entre os cidadãos atenienses não se incluíam, por exemplo, as mulheres, estrangeiros e escravos.

Na Antiguidade5, conjeturava-se que a democracia estava sofrendo inúmeros males como, a volubilidade e a demagogia, o que a tornava menos

2 Com relação à diversidade de significados atribuídos à democracia e, inclusive, o antagonismo de muitas delas, Bobbio mostra o argumento que durante muito tempo vigorou: “Durante séculos, de Platão a Hegel, a democracia foi condenada como forma de governo má em si mesma, por ser o governo do povo e o povo, degradado a massa, a multidão, a plebe, não estar em condições de governar: o rebanho precisa do pastor, a chusma do timoneiro […]” (BOBBIO, 2000). Ele reforça seu ponto de vista em outra obra ao afirmar que a “democracia pode ser considerada […] com sinal positivo ou negativo, isto é, como uma forma boa e, portanto, a ser louvada e recomendada, ou como forma má, e portanto a ser reprovada e desaconselhada” (BOBBIO, 1986).

3 “Apesar de os estudos sobre a Grécia clássica, ao menos em termos de democracia e cidadania, serem usualmente referidos a Atenas, Nay lembra que o primeiro modelo de cidadania surgiu em Esparta, embora não sob a forma de democracia política. Nele aparece, em meados do século 7° a.C., o princípio de igualdade, mas na prática e na função militar, deixando de lado seu caráter aristocrático, uma vez que a prerrogativa dos poderosos cedeu lugar a uma concepção comunitária do exército, centrada no soldado: ‘ É sobretudo em Esparta (no Peloponeso), cidade guerreira e rival de Atenas, que a transformação da organização militar dá testemunho de uma nova concepção cidadã onde a `comunidade dos soldados` tem primazia sobre o heroísmo dos chefes’ (2007, p.29)” (CORRÊA, 2010).

4 Consoante Bottomore e Outhwaite (1993), pessoa e cidadão não eram condições equivalentes, sendo, esta última situação, prerrogativa de aproximadamente 6 mil pessoas apenas, entre uma população de 30.000 a 40.000 habitantes. Outros autores afirmam que apenas 10% dos sujeitos residentes em Atenas eram considerados cidadãos.

5 “A expressão de desconfiança da democracia era observada por Platão e sua oposição aos sofistas, exigindo que o poder fosse submetido ao saber rigoroso. Neste sentido, naqueles tempos

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atraente que os regimes concorrentes. Por muitos anos, após a experiência grega, a ideia de democracia foi ignorada da esfera política e social, devido à fragmentação política e à consolidação do poder da Igreja. Posteriormente, as restrições atribuídas aos regimes democráticos foram desaparecendo, passando a ser aceitos, quase que de forma unânime, por sociedades de todo o mundo.

Verifica-se que as referências históricas à democracia vêm de longa data e se convencionou identificar dois modelos democráticos. O primeiro modelo, conhecido como democracia dos antigos, praticado na Antiguidade Clássica nas cidades gregas e exercido diretamente pelos cidadãos da pólis e o segundo modelo, conhecido como democracia dos modernos, praticado desde a Modernidade e exercido através da representação. Hoje, podemos dizer que se encaminha um novo modelo de democracia, oriundo da crise da modernidade, chamado de democracia participativa.

A concepção moderna de democracia nasceu e cresceu com a base epistemológica da razão moderna, a partir dos séculos XV, XVI e XVII, sistematizada pelo iluminismo do século XVIII, em oposição aos regimes absolutistas6, aos entraves à livre expansão do capital e, consequentemente, ruptura com o paradigma teológico em que os critérios de justiça e estratificação social eram baseados na lógica do divino. A democracia, visando construir uma nova política e um novo fundamento social, recuperou o princípio da cidadania e os homens deixaram de ser súditos ou subordinados a um rei, para se transformar em cidadãos.

É neste período da modernidade que se pode buscar entendimento de que o Estado é uma construção social histórica que poderia ser modificado e estruturado conforme interesses dos indivíduos. A finalidade da razão era a de manter a esfera pública, ou seja, garantir que a razão pública não se submeta a razão privada. Vimos com Maquiavel e os outros pensadores modernos que o móbil do Estado de guerra era evidente que a cultura destacava os vencedores como sendo os cidadãos e somente estes poderiam influenciar na organização e funcionamento da polis. Escravos (os vencidos e os imorais), os estrangeiros e as mulheres (que não cuidavam das questões públicas) estariam fora da constelação do poder assumido pela mente mais universal da época: o Filósofo. Somente este é capaz de fazer emergir as virtudes da res public, os interesses universais que servem ao povo (demos). Assim, para Platão, o governo justo seria aquele que administra pela força dos universais. Seria um governo de qualidade e não de quantidade como queriam os demagogos sofistas” (SILVA, 2008).

6 As principais referências são a Revolução Americana de 1776 e Revolução Francesa de 1789 (BOBBIO, 1994).

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deveria ser ciência, especialmente aquelas ciências capazes de entender de relações sociais, de indivíduos, de organização social. Ou seja, que o Estado deveria ser posto em movimento pelos cientistas sócias e humanistas (cientistas políticos, sociólogos, antropólogos, filosofia, cientistas jurídicos, psicólogos, economistas), capazes de fazer a gestão daquilo que é de todos, público.

A base teórica do paradigma moderno baseava-se na escola do direito natural – jusnaturalismo7 - e na teoria do contrato social. A primeira baseava-se na ideia de um direito imutável, cujas normas positivadas eram fundadas em leis naturais inscritas na natureza humana. A segunda, proposta por Rousseau, buscava legitimar as sociedades políticas modernas através da teoria do contrato social.

Inspirado na obra de Rousseau8 “O contrato social”, Boaventura de Sousa Santos se refere à modernidade como uma sociedade contratualista, pois para esse autor (2000, p.85), o contrato “é a metáfora fundadora da racionalidade social e política da modernidade ocidental”, apresentando critérios de inclusão e exclusão. Entre os primeiros, pode-se ressaltar que o contrato social inclui apenas os indivíduos e suas associações, excluindo dessa forma a natureza e isso é significativo haja vista que o que está antes ou fora dele se designa por Estado de natureza. Outro critério determina que apenas os cidadãos façam parte do contrato social, excluindo mulheres, crianças, estrangeiros, imigrantes, minorias e a natureza, pois se considerava que apenas os interesses exprimíveis da sociedade civil eram objeto do contrato social, excluindo dessa forma os interesses da vida privada.

Com isso, quanto mais violento e anárquico é o Estado de natureza, maiores são os poderes investidos no Estado oriundo do contrato social. Para os contratualistas Hobbes, Locke e Rousseau, a ideia e opção de abandonar o Estado

7 “Pode-se definir o jusnaturalismo como a doutrina segundo a qual existem leis não postas pela vontade humana – que por isso mesmo precedem à formação de todo o grupo social e são reconhecíveis através da pesquisa racional – das quais derivam, como em toda e qualquer lei moral ou jurídica, direitos e deveres que são, pelo próprio fato de serem derivados de uma lei natural, direitos e deveres naturais” (BOBBIO, 1994).

8 Segundo Rousseau, a origem do Estado está na emergência da desigualdade humana criada pela propriedade privada, divisão do trabalho e da acumulação. O homem submeteu-se ao Estado como um Pacto Iníquo, ou seja, pacto da desigualdade que lhe garante apenas a vida, organiza as diferenças e aliena a liberdade. Essa desigualdade não é natural e sim um acidente, pois, ao necessitar do outro para sobreviver, o homem deixou de ser igual e sentiu necessidade de uma organização, de um contrato social, que criava novos entraves aos fracos e novas forças aos ricos” (In: CHATELET, 1990).

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natural para construir a sociedade civil e o Estado moderno é uma opção radical e irreversível.

Para Boaventura (2000, p.87):

A idéia do contrato social e os seus princípios reguladores são o fundamento ideológico e político da contratualidade real que organiza a sociabilidade e a política nas sociedades modernas. Saliento as seguintes características dessa organização contratualizada. O contrato social visa criar um paradigma sócio-político que produz de maneira normal, constante e consistente quatro bens públicos: legitimidade da governação, bem-estar econômico e social, segurança e identidade coletiva. Estes bens públicos só são realizáveis em conjunto: são, no fundo, modos diferentes mas convergentes de realizar o bem comum e a vontade geral. A prossecução destes bens públicos desdobrou-se numa vasta constelação de lutas sociais, desde logo as lutas de classes que exprimiam a divergência fundamental de interesses gerados pelas relações sociais de produção capitalista. Por via desta divergência e das antinomias inerentes ao contrato social entre autonomia individual e justiça social, entre liberdade e igualdade, as lutas pela prossecução do bem comum foram sempre lutas por definições alternativas do bem comum. Essas lutas foram-se cristalizando em contratualizações parcelares, incidindo sobre menores denominadores comuns entretanto acordados. Essas contratualizações foram-se por sua vez, traduzindo numa materialidade de instituições que asseguram o respeito e a continuidade do acordado.

Desta forma, a ordem política advinda do pacto social baseava-se na ordem da razão, que visa pôr fim à ordem dos desejos ilimitados, das desigualdades e corrupção, sendo um referencial da união definitiva entre os direitos naturais e a sociedade civil (TOURAINE, 1996).

O princípio basilar de funcionamento da democracia moderna era o direito dos cidadãos de participarem dos assuntos de interesse coletivo a partir do voto, cuja função principal era a escolha de representantes. Frisa-se que o direito de voto ficou restrito a uma pequena parcela da população, em que somente alguns dos homens adultos tinham direitos políticos. Por muito tempo, restrições, ou critérios censitários, impediram que todos os homens de uma mesma comunidade pudessem votar.

As classes presentes no Estado usam o direito para aplicar seus interesses em vez de cumprir os aspectos mais regulatórios e normativos, ficando submetidos aos ditames governamentais. Com isso, um novo grupo social, diferente do clero e

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da nobreza, vai se apropriando dos meios produtivos, impondo uma hegemonia de valores e ideias ao controlar os instrumentos políticos: a Burguesia.

A democracia passa a ser uma forma dessa classe manter as dinâmicas reguladoras de suas necessidades, ajustando as práticas econômicas em franca expansão, garantindo a paridade nos negócios, afirmando a nação como espaço de produção e distribuição, a impessoalidade no trato com as questões coletivas e nas relações sociais, assegurando o direito da pessoa, da propriedade, do lucro e da acumulação, enfraquecimento do controle da igreja e a necessidade de outra centralidade social, visando à secularização da política, fortalecimento do mercado como lugar de trocas com a organização empresarial e industrial, controlando as imigrações e migrações populacionais, fortalecendo as profissões, a divisão do trabalho social e, consequentemente, o desenvolvimento do comércio internacional.

Para Schumpeter (citado por Held, 1987, p. 151), a democracia era “um método político, uma estrutura institucional para chegar a decisões políticas (legislativas e administrativas), investindo certos indivíduos com o poder de decidir sobre todas as questões como consequência de sua dedicação bem-sucedida à obtenção do voto popular”. Desta forma, para esse autor a democracia não passava de um ideal irrealista, resumindo-se apenas a um método de escolha de governantes em que o povo seria um ator totalmente passivo, restringindo sua participação política apenas ao aspecto de escolha de seus líderes.

Esse autor acreditava que o cidadão era apenas um “boneco” nas mãos da opinião pública, sendo que o debate político restringia-se à elite política eleita e aos aparelhos burocratizados que eram os partidos políticos, sinalizando desta forma um caráter minimalista para a teoria democrática, pois reduzia a democracia a um método de escolhas e o indivíduo era totalmente incapaz de discutir os problemas políticos (In HELD, 1987).

Com o passar dos anos, a democracia tornou-se não apenas uma opção de regime, entre outras disponíveis, mas, muito mais que isso, tratava-se de uma resposta a desafios e aspirações históricas tanto da antiguidade como dos tempos modernos. Segundo Dallmayr (2001, p.13):

[...] a democracia é costumeiramente apresentada como um tipo de regime político justaposto a outros tipos de regime. Vista por esse ângulo tipológico,

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a democracia surge como uma categoria universal ou ideia transtemporal, como uma modalidade particular do que Claude Lefort chama de mise-em-scène (encenação) da política. O que essa visão negligencia é a dimensão experiencial da democracia, o fato de ser inerente a lutas e a agonias concreto-temporais.

No final do século XX, a democracia tornou-se a forma hegemônica de organização e dominação política e, assim como outros conceitos políticos, a democracia, desde então, já apresentava um traço característico: era contestável. Desta forma, no decorrer da história do Ocidente, propagaram-se inúmeras controvérsias referentes aos benefícios e às debilidades da democracia por ser essa vista como governo do povo.

Bobbio, jurista italiano, entende que, apesar de apresentar diferentes conceituações de democracia, é consensual a ideia de que a mesma se contrapõe às formas autocráticas de governo, caracterizando-se pela existência de um conjunto de regras. Para ele, a democracia equivale ao “governo das leis”, enquanto opção contrária ao “governo dos homens” (BOBBIO, 1986), definindo a democracia a partir das “regras do jogo”. Nesse sentido, essas regras, além de determinar o predomínio da maioria, asseguravam o pluralismo jurídico e estabeleciam a participação do maior número de pessoas possível e, consequentemente, o respeito às minorias.

Referente às modalidades de decisões, a regra básica da democracia é a regra da maioria, em que as resoluções são coletivas e vinculatórias para todo o grupo. De acordo com Bobbio, além de um elevado número de cidadãos deterem o direito de participar da tomada de decisões e do conjunto de regras, imprescindível que aqueles chamados a decidir sejam colocados diante de alternativas reais, com a possibilidade de deliberar sobre uma ou outra, e que tenham assegurados direitos de liberdade de opinião e expressão.

O final da década de 80 foi marcado por um processo de deterioração dos sistemas políticos, ou seja, de perda de legitimidade dos governos, enfraquecimento das organizações sociais, desmoralização das ideologias e dos partidos políticos e desinteresse, por parte da população, dos processos eleitorais e agentes políticos em geral. Com o advento do neoliberalismo, descrédito da política, desinteresse pela coisa pública, privatização das relações sociais e do

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Estado, há uma corrosão na base das relações sociais, uma crise política e um choque entre o liberalismo econômico e o liberalismo político.

Segundo Emir Sader (2002, p. 654):

Na América Latina – um continente que sofreu suas mais profundas transformações regressivas em duas décadas -, o neoliberalismo transformou-se na ideologia oficial das “novas democracias”, que passaram a ser julgadas pela maior ou menor presença do Estado na economia, por um mercado de trabalho mais ou menos regulado, pela abertura maior ou menor da economia. As relações mercantis invadiram de tal forma todos os espaços sociais, que o próprio tema de reforma do Estado ganhou conotações estritamente econômicas. Reformar o Estado deixou de ser sinônimo de sua democratização para ser confundido com a redução de suas funções reguladoras, com sua readequação ao objetivo – assumido como – superior ao ajuste fiscal. Este passou a ser o crivo pelo qual passaram a ser filtradas todas as políticas, avaliadas como positivas ou negativas conforme contribuíram ou não para o equilíbrio das contas públicas e para a estabilidade monetária. Qualquer projeto de reforma política enviado pelos governos ao parlamento pode ser medido pelo quanto se deseja economizar nos gastos do Estado e quantos direitos serão cassados para atingir esse objetivo.

O liberalismo econômico baseia-se nas relações mercantis, não levando em consideração os direitos, ou, como diz Sader (2002, p. 654), “o liberalismo econômico corrói as bases do Estado de direito, como um dos componentes do liberalismo político”. A dependência ao capital especulativo e a hegemonia do capital financeiro fragilizaram as economias e as estruturas produtivas dos países e, consequentemente, a capacidade do Estado garantir os processos de democratização social, o que resulta em uma ruptura de projetos de desenvolvimento econômico e social, com a perda do emprego, deterioração dos serviços públicos, enfim, exclusão social, sendo inevitável e imprescindível o surgimento de novos arranjos políticos, sociais e regionais visando à luta por direitos e a promoção de novas formas de organização e protestos.

O Estado deveria garantir igualdade de oportunidades aos diferentes projetos de institucionalidade democrática e, também, padrões mínimos de inclusão que tornem possível a cidadania ativa necessária a monitorar, acompanhar e avaliar o desenvolvimento dos projetos alternativos. Dito de outra forma, ao Estado compete estabilizar as expectativas dos cidadãos e criar padrões mínimos de segurança e inclusão que visem reduzir a ansiedade e a garantia do exercício da cidadania ativa.

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Com o passar dos tempos, novas controvérsias surgiram relativas ao significado e às características constitutivas da democracia. Wolin (apud Dallmayr, 2001, p.37) fala da natureza fugidia da democracia contemporânea, que está no cerco de todos os tipos de forças desagregadoras ou incapacitadoras. Esse mesmo autor, visando demonstrar um caminho alternativo para a democracia, enfatiza suas qualidades transformativas, sua radicação nas experiências concretas de sofrimento, exploração e dominação. O autor menciona que a democracia deve ser “reconhecida como algo que não uma forma de governo: como um modo de ser condicionado por uma amarga experiência, fadado a prosperar apenas temporariamente, mas que é uma possibilidade recorrente enquanto sobreviver a memória de política”.

Desta forma, constata-se que a democracia vem perdendo o uso de seus instrumentos, pois ficou apropriada pelos partidos, pela mídia, por grupos de pressão. O melhor exemplo dessa “privatização” está no alto custo das campanhas políticas e no seu financiamento por grupos econômicos. A prática democrática vem se caracterizando por atender inúmeros interesses que levam, quase que necessariamente, à corrupção. O ritual da participação social fica restrito, o povo fica excluído, as decisões são tomadas por poucos, as informações são divulgadas por uma mídia apropriada por grupos econômicos e até pelos governos. Os partidos se apoderam da atividade política, a mídia escolhe os candidatos a serem prestigiados e até mesmo os eleitores veem a democracia como um meio de obter alguma vantagem pessoal. A participação cívica fica restrita às intermediações dos meios de comunicação, dos partidos e das corporações que objetivam se beneficiar dos meios de participação política.

A democracia real e efetiva é muito recente. Se a considerarmos em aspecto político-eleitoral, ela se afirma em Estados que possuem: (1) sufrágio universal, (2) sistema político de competição multipartidária e (3) movimento de oposição com chances legítimas de ganhar ou participar do poder. Destaca-se que em 1900 não havia nenhuma democracia no mundo, em 1950 esse número sobe para 22 em um universo de 154 países, e nos anos 2000 sobe para 119, de um total de 192 países (WARREN, 2002 apud SANTOS, 2007).

Há, portanto, uma lentidão do processo de construção democrática e recente é sua universalidade. Consoante Wanderley Guilherme dos Santos (2007) a Nova

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Zelândia em 1893 e a Austrália em 1901 foram os locais onde pela primeira vez na história das organizações políticas consagrou-se a ideia de que todos os membros de uma comunidade são iguais perante as leis, dentre as quais as leis eleitorais não figuram como exceção. Segundo o autor (2007, p.13), no Brasil da Primeira República (1891-1930) “o comparecimento às urnas foi, durante todo o período, inferior a 4% da população, exceto na eleição de 1930, quando atingiu o espantoso recorde de 5,6% dos habitantes, ainda abaixo dos 10% alcançados pelo Império, em meados do século XIX. E que o país tornou-se plenamente democrático apenas em 1985, com a permissão de votos aos analfabetos”.

1.2 A Crise

Ao estudarmos este período moderno observamos como as promessas de um Estado como lugar da razão universal teórico e prático ainda está longe de ser concretizado. Segundo Habermas, esta perspectiva racional foi desviada para instrumentalismo, pois a cultura prática, do que poderia ser público e do que deveria privado, não se desenvolveu. O poder do Estado foi apropriado pelos interesses particulares e tornou-se parte um jogo eleitoreiro. O Estado razão universal, assim como democracia, o contrato social, a relação direta das leis com o espírito do povo permanece apenas como um idealismo.

A crise dos fundamentos práticos da democracia em sua dimensão conceptiva começou a ser expressa de forma contundente em Karl Marx, o qual denuncia o poder de Estado nas mãos da Burguesia. Esta perspectiva é aprofundada na Escola de Frankfurt9.

Este Instituto de Pesquisa Social foi criado como uma reação aos caminhos que objetivavam a democracia, distanciando dos fundamentos da razão humana. Ao estudar interdisciplinarmente a sociedade ocidental contemporânea este grupo contribuiu para mostrar as dificuldades reais para se efetivar uma ordem social que

9 “A Escola de Frankfurt é nome dado a um grupo pensadores e cientistas de 1920 e 130 na Alemanha, fundando a Teoria Crítica da Sociedade. Deve-se à Escola de Frankfurt a criação de conceitos como “indústria cultural” e “cultura de massa”. Theodor Adorno, MaxHorkheimer, Walter Benjamin, Herbert Marcuse, Leo Löwenthal, Franz Neumann, FriedrichPollock e Erich Fromm, são alguns dos seus membros. Eram filósofos, economistas, sociólogos, cientistas políticos, psicólogos e psicanalistas” (SILVA,2009).

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tivesse a serviço da igualdade humana. Os interesses comerciais e industriais dirigiam-se na contramão deste ideal e, foram justamente estes interesses, que minaram a razão pública e hegemonizaram culturas pragmáticas dentro da lógica de produzir, comercializar e consumir.

Max Horkheimer e Theodor Adorno discutiam as ideias do novo totalitarismo industrialista, as questões da exclusão de grande parte da população do sistema capitalista e a crise da razão moderna. A conjuntura da época: nazismo,stalinismo, fascismo e expansão da cultura de massas consumista nos Estados Unidos, levavam estes autores a escreverem sobre “desesperos”, “tempos sombrios”. Junto com Herbert Marcuse criticavam intelectuais que acreditavam na integração funcional da sociedade como um fenômeno natural e positivo (SILVA, 2009).

Contribuições especiais vieram de Antônio Gramsci e Georg Lukacs e Jürgen Habermas no sentido de mostrar que era possível corrigir ou retomar os caminhos da razão humanista e tornar o poder social em poder público e não poder de comerciantes, industrialistas e cientistas engajados na produção de mercadorias. Diante da cultura de massa e do consumismo capitalista é preciso muito esforço para produzir alternativas ao capitalismo. A lei e o povo em movimento teria este poder, a questão era como mudar as leis e como o povo poderia afinar seus interesses. Os esforçam para construir entendimentos sobre uma possível passagem articulada da racionalidade da consciência individual para uma racionalidade universal de modo a vencer a consciência dominadora do sistema capitalista.

Expandiu-se a democracia representativa burguesa e os discursos sobre a mesma se tornaram amplos e variados. No entanto, antes mesmo de a democracia se expandir, Bobbio (1986, p. 17) antecipava sua crise:

Sabemos, por experiência própria, que no momento mesmo em que a democracia se expande ela corre o risco de se corromper, já que se encontra continuamente diante de obstáculos não previstos que precisam ser superados sem que se altere a sua própria natureza, e está obrigada a se adaptar continuamente à invenção de novos meios de comunicação e de formação da opinião pública, que podem ser usados tanto para infundir-lhe nova vida quanto para entorpecê-la.

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Por mais paradoxal que possa parecer, o final do século XX registra uma das épocas de maior crescimento democrático e, também, de maior crise10 econômica e social da América Latina. Isso se verifica porque as relações entre a democracia e a modernidade nunca foram muito claras na história da América Latina, tornando-se, inclusive, um pouco confusas nas últimas décadas, sendo que muitos latino-americanos encontram-se temerosos em face do “admirável mundo novo” que se anunciava nesse fim de século. Pressentiam-se, inclusive, ameaças à sua própria identidade, o que tornava, talvez, a questão ainda mais grave do que parecia (WEFFORT 1992).

Bernard Manin (1997, p. 234), citado por Marques (2009), sumariza a constatação da existência de uma crise no seguinte fragmento:

A impressão corrente e predominante de crise reflete a frustração de expectativas anteriores acerca da direção da história. Uma vez que sua base se expandiu vigorosamente, o governo representativo tem, desde seu estabelecimento, tornado-se, sem dúvida, mais democrático. [...] Entretanto, a democratização da representação, o estreitamento do hiato entre representantes e representados e a crescente influência dos desejos dos governados sobre as decisões daqueles que estão no governo têm se mostrado menos consistentes do que o esperado. Enquanto certamente é possível dizer que a democracia se expandiu, não se pode dizer, com a mesma certeza, que ela se tem aprofundado.

Não há dúvida de que o processo de conquistas democráticas foi marcado por fragilidades que conduziram a crises e, claro, transgressões, cujas dificuldades atuais da democracia, a partir da comparação entre aquilo traçado como projeto e as práticas políticas, não se evidenciaram. Desta forma, torna-se necessária a criação de novos mecanismos institucionais que permitam a consolidação e legitimidade da democracia, ou seja, a concretização da democracia dependerá da

10 Einstein definiu muito bem a palavra crise: “Não pretendamos que as coisas mudem, se sempre fazemos o mesmo. A crise é a melhor bênção que pode ocorrer com as pessoas e países, porque a crise traz progressos. A criatividade nasce da angústia, como o dia nasce da noite escura. É na crise que nascem as invenções, os descobrimentos e as grandes estratégias. Quem supera a crise, supera a si mesmo sem ficar “superado”. Quem atribui à crise seus fracassos e penúrias, violenta seu próprio talento e respeita mais aos problemas do que às soluções. A verdadeira crise é a crise da incompetência. O inconveniente das pessoas e dos países é a esperança de encontrar as saídas e soluções fáceis. Sem crise não há desafios, sem desafios, a vida é uma rotina, uma lenta agonia. Sem crise não há mérito. É na crise que se aflora o melhor de cada um. Falar de crise é promovê-la, e calar-se sobre ela é exaltar o conformismo. Em vez disso, trabalhemos duro. Acabemos de uma vez com a única crise ameaçadora, que é a tragédia de não querer lutar para superá-la”. Disponível em: <http://www.forumdaconstrucao.com.br/conteudo.php?a=0&Cod=410>. Acesso em: 28 de jul. de 2013.

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sua eficácia para resolver problemas econômicos e sociais e da busca pela criação de outros mecanismos institucionais que admitam a sua efetiva consolidação.

Nesse sentido, Weffort explica (1992, p. 63):

Na perspectiva da década que se inicia, as relações entre democracia política e crise econômica assumem o caráter de uma contradição. As políticas nas quais a América Latina se apoiou nos quatro últimos decênios, e que dependiam de uma crescente intervenção do Estado na economia, já não encontram condições de vigência eficaz. Por outro lado, os sacrifícios impostos pela continuação da crise entram em colisão com as perspectivas de uma democracia estável. Algo de semelhante pode ser dito das políticas neoliberais propostas como solução da crise econômica que passem pelo crescimento da igualdade social. Sem saber como superar essa contradição, o Estado vive, na América Latina, talvez a mais grave crise de sua história.

Inicialmente, constata-se uma crise de governabilidade, ou seja, do conjunto das instituições, partidos políticos e lideranças que definem as condições de governabilidade do país. Essa se iniciou devido ao fracasso dos governos que em um período de transição, da ditadura para a democracia, executavam tentativas para assegurar a continuidade de sua política, demonstrando, com isso, o verdadeiro fracasso das políticas de transição do período ditatorial para o democrático. Além disso, evidencia-se que os partidos políticos encontraram inúmeras dificuldades para o cumprimento de suas funções governamentais, sendo incapazes de organizar seus governos e, consequentemente, inábeis na arte de governar (WEFFORT, 1992).

“Tão paradoxal quanto possa parecer, a queda das ditaduras foi também um processo de divisão dos movimentos democráticos” (WEFFORT,1992, p.68). Isso porque o real sentido da democracia, que havia unificado as forças democráticas, movimentos sociais e sociedade civil, não parecia ter a menor relevância a partir do momento da “vitória” da democracia, havendo uma total desarticulação das forças políticas e, por conseguinte, a fragmentação do movimento democrático e a perda do sentido geral da democracia.

Outro fator que marca a crise de governabilidade refere-se à perda de prestígio da atividade política, que pode ser observada não apenas na desmoralização dos políticos, mas também no desinteresse da sociedade pelos processos eleitorais. Weffort (1992, p.72) observa que “a incapacidade dos partidos

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para formar governos, associada à desmoralização dos políticos, é uma das raízes da crise institucional brasileira”.

Não há ética que possa justificar tamanha corrupção, que é mantida como moeda de troca para obter apoio dos parlamentares nas votações de interesse dos governos, prática que se repete tal e qual nas esferas federal, estadual e municipal, fazendo com que os cidadãos fiquem pasmos diante de tantos disparates e sintam-se impotentes para intervir, pois aqueles que deveriam agir na defesa de seus interesses estão apenas preocupados com práticas que visam ao enriquecimento ilícito.

É notório que a representação política está em crise e que o sistema político brasileiro vem demonstrando falta de representatividade. Torna-se evidente a incapacidade dos partidos políticos promoverem agregações de interesses em uma sociedade complexa e heterogênea, marcada por diferenças econômicas, sociais, culturais e regionais. Nossas instituições representativas são marcadas pela completa irresponsabilidade política, em que os poderes executivo e legislativo representam um total descrédito institucional devido aos elevados casos de corrupção e do desrespeito da legalidade pelo próprio Estado. Esses poderes fogem das formas de controle e prestação de suas contas, sustentando um sistema baseado em troca de favores, cujos partidos são verdadeiros oportunistas que pensam apenas em seus interesses particulares.

Em tal perspectiva, é possível conjeturar que o tipo de cultura política que tem se estabelecido no Brasil, ao longo de sua história, caracteriza-se pela incorporação, por parte dos cidadãos, da ineficiência e da pouca importância atribuída às instituições da democracia representativa, revelando uma dimensão estrutural de negação da política na sua forma convencional. Salazar (2001, p.2), referindo-se ao caso mexicano, porém, aplicável ao Brasil, afirma que:

Los partidos actuales se comportan como las empresas electorales de una vieja clase política que sirven como arenas para el reparto del poder y gestión de intereses particulares. Postulan los atributos personales de los candidatos, no sus posiciones ni programas. La competencia se rige por las reglas de la mercadotecnia, los candidatos se venden como productos no como portadores de proyectos. La elevada inversión en las campañas publicitarias es requisito ineludible y factor de peso en los resultados electorales. La demagogia y la propaganda son moneda corriente, inpunes, hasta el momento. Los liderazgos personales cercanos al caudillismo son muy prolongados. Los partidos son organizaciones

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verticales, corporativas, burocráticas, que no rinden cuentas a sus militantes ni a la sociedade.

Desta forma, as instituições convencionais políticas não conseguem desempenhar seu papel, tornando-se alvos da hostilidade dos cidadãos. Há desse modo uma relação causal recíproca permanente entre instituições deficientes que não produzem cidadãos com predisposições democráticas e esses, por sua vez, distanciam-se e mostram desapego por essas instituições por não acreditarem nos seus objetivos e desconfiarem de suas intenções.

No Brasil, por exemplo, a constituição de representações sobre a democracia tem se dado de uma forma negativa, desenvolvendo uma memória que

não proporciona credibilidade aos partidos e governos, o que, com o tempo, concretiza-se em uma memória coletiva de desvalorização da política, sendo que

as crises ligadas à corrupção, demonstrada com o desprezo dos cidadãos aos poderes públicos, executivo e legislativo, pode ser um devastador da democracia, pois deslegitima e desmoraliza esses poderes, fazendo com que a própria noção de democracia perca seu verdadeiro sentido.

O sistema social, também, passa por um processo de desintegração muito acentuado, ou seja, inúmeros direitos sociais são suspensos por falta de recursos para sua implantação criando um verdadeiro “apartheid” social, o qual é responsável por muitos entraves para a consolidação democrática (CAMPILONGO, 2000). Esse mesmo autor muito bem referencia que, no passado, a pobreza brasileira era associada de “modo romântico” ao samba, ao carnaval e à criatividade anárquica diante das dificuldades econômicas e sociais, e, atualmente, a pobreza é vinculada à violência, ao narcotráfico e à ignorância.

Para contribuir com esse processo, o sistema cultural brasileiro atravessa uma crise de desmotivação e descrença, sem possibilidades de mudanças, a curto prazo, o que gera um descontentamento em massa e um total descrédito da democracia representativa.

Registra-se que a história do Brasil vem sendo marcada por crises políticas, econômicas, sociais, culturais e de hegemonia. Ocorre que, no atual momento, todas essas crises incidem de forma concomitante, o que resulta em uma crise de paradigma do Estado, o que Campilongo (2000) chama de vazio de poder, que

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equivale à desmotivação, desencanto e apatia da opinião pública para com as instituições estatais.

Weffort (1992), nesse sentido, menciona que há uma pauperização ou uma diminuição dos poderes da democracia, o que para ele trata-se da “democracia vazia, democracia dos pobres ou democracia pobre”, expressões que demonstram não só a crise enfrentada pelo sistema democrático, mas, principalmente, sua fragilidade.

Nítido está que as demandas políticas, sociais, econômicas e culturais não são atendidas pelo Estado de forma eficiente. Afinal, em especial após a redemocratização, o Estado tem se revelado incapaz de desempenhar algumas de suas funções clássicas como manter a moeda valorizada, além de possibilitar aos cidadãos serviços dignos nas áreas de saúde, educação e segurança pública.

Com isso observa-se, mais do que nunca, que a sociedade clama por reformas econômicas e sociais, a opinião pública encontra-se assolada pelo desencanto, apatia e alienação política, o que, consequentemente, reduz sua participação, haja vista que as demandas por reformas são tão gerais quanto à

frustração com os governos democráticos encarregados de executá-las. Constata-se, também, uma ausência de projetos capazes de gerar o mínimo de

consenso e suporte entre as elites e a população, definido por Campilongo como crise de hegemonia do Estado.

Weffort (1992, p. 79), referente à necessidade da reforma do Estado, assim se posiciona:

O grande problema é o de saber se o Estado será capaz de atuar como fator de modernização da economia, no contexto dessa redefinição da ordem econômica internacional. A reforma do Estado requer necessariamente a criação de condições para maior racionalidade e eficácia da ação estatal. Mas isso não significa necessariamente reduzir (ou aumentar) as dimensões do Estado. A grande reforma deveria ser aquela que buscasse recapacitar o Estado para as funções que lhe impõe uma economia mundial em modernização acelerada.

Mais que uma simples reforma do Estado, que resolva os problemas da situação econômica de crise e de crescentes pressões sociais, torna-se imprescindível a consolidação democrática do país, a qual se dará com um governo com capacidades de estadista, sendo indispensável a realização de reformas econômicas e sociais associadas às demandas de progresso e igualdade

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social, do contrário, teremos de enfrentar a instabilidade das novas democracias e até o risco de uma regressão a um regime autoritário.

Verifica-se que não existe uma classe ou elite política consciente de seu papel na consolidação democrática. Segundo Weffort (1992, p.119), “para consolidar a democracia, em países com débil tradição democrática, é indispensável um esforço geral de liderança dirigido àquele fim”. Nesse mesmo sentido, Jessé Souza (2001, p.208) efetua a seguinte análise:

A liberdade política no interior das tendências imanentes da democracia exigiria a vitalidade de instâncias de participação que fortalecessem o espírito de cidadania em face da tutela administrativa do Estado centralizado moderno. Só haveria liberdade onde houvesse ação permanente dos cidadãos na esfera pública. O centro do dilema está precisamente em que a participação cívica seja uma espécie em extinção no contexto da privatização das relações sociais na moderna sociedade igualitária de massas imaginadas por Tocqueville.

Longe de ser o regime ideal, a democracia é, quando comparada aos outros regimes políticos aplicados historicamente, a que melhor atende às demandas dos indivíduos da atualidade, admitindo maior liberdade e difundindo a igualdade, ainda que não da maneira mais apropriada. Todavia, atualmente, nos encontramos acomodados com a “nossa democracia”.

Para Bobbio (1986), há dificuldades para a consecução do ideal democrático e o autor reconhece que a democracia deve ser aprofundada, no entanto, não concorda com a afirmação de que a democracia agoniza ou enfrenta uma crise comprometedora e sem volta. Consoante o filósofo italiano, certas promessas feitas pela democracia não foram cumpridas, até porque determinados compromissos nunca poderiam ser plenamente concretizados, principalmente em sociedades tão complexas, multiculturais, numerosas e com tantas demandas como as democracias modernas. Além disso, ressalta que muitos compromissos não passavam de esperanças e aspirações, carentes de elementos que oferecessem qualquer plausibilidade de efetivação.

O autor de O futuro da democracia opta por falar em “transformações da democracia”, em vez de “crise”, pois acredita que não se pode argumentar que um regime de governo que se tornou tão amplamente adotado e que fez avançar de forma vigorosa determinados princípios políticos esteja fadado ao fracasso.

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Conforme Bobbio (1986, p. 19) “A democracia não goza no mundo de ótima saúde, como de resto jamais gozou no passado, mas não está à beira do túmulo”, deixando claro que a democracia está em constante processo de transformação, devido à sua dinâmica própria e suas tentativas de dar respostas a novas demandas que se colocam como pautas dos agentes do Estado e da sociedade civil.

Nesse mesmo sentido, Robert Dahl (2001) não evidencia comoção com as conclusões pessimistas que criticam o regime democrático, pois acredita que uma democracia adequada é aquela que possui representantes eleitos, eleições livres, liberdade de expressão, fontes de informação diversificadas, autonomia para associações e defesa de direitos políticos.

Por todo o século XX, os países democráticos jamais faltaram para os críticos, que anunciavam confiantes que a democracia estava em crise, em sério perigo ou mesmo condenada. Muito bem, provavelmente algumas vezes correu um sério perigo – mas não esteve condenada. Acontece que os pessimistas estavam prontos para renunciar à democracia. Destruindo suas funestas previsões, a experiência revelou que, uma vez firmemente estabelecidas num país, as instituições democráticas se mostrariam notavelmente vigorosas e exuberantes. As democracias revelaram uma inesperada capacidade para tratar dos problemas que tiveram de enfrentar – sem muita elegância e sem grande perfeição, mas de modo satisfatório (2001, p.208).

Independente do nome que se queira dar seja crise, fracasso ou pouca saúde, se faz notável ressaltar que as democracias seguem progredindo na medida em que avançam nas garantias de direitos e liberdades de cada cidadão. Embora um dos princípios concernentes à ideia da democracia, tão importante para o exercício da soberania popular quanto para a transparência ou a garantia de liberdades, venha enfrentando, de fato, dificuldades para a sua adequada realização - como a questão da participação civil na esfera política -, acredita-se que, com o fortalecimento da participação, poderá haver o fortalecimento da democracia e, consequentemente, do Estado democrático de direito.

Por fim, o quadro atual da democracia brasileira permite a visualização das dificuldades que o governo enfrenta na aplicação de políticas públicas em um ambiente de total desconfiança, o que significa distanciamento, indiferença, falta de reciprocidade e de solidariedade social. Uma atmosfera com essas características

Referências

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