• Nenhum resultado encontrado

O Massacre da Noite Latina na Boate LGBT em Orlando

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O Massacre da Noite Latina na Boate LGBT em Orlando"

Copied!
21
0
0

Texto

(1)

O Massacre da Noite Latina na

Boate LGBT em Orlando

Jéssica Milaré |

A Boate Pulse, em Orlando, Flórida, EUA, havia preparado mais uma noite latina para o último sábado, dia 11. “Chamando todos os nossos latinos, latinas e todo mundo que aprecia uma batida latina! É hora de festejar hoje à noite!”, dizia a página da boate na rede social. Kenya Michaels, uma drag queen portorriquenha, seria uma das convidadas. As noites de sábado na Pulse costumavam atrair muitas LGBTs latinas. Infelizmente, o que deveria ser uma noite de festa tornou-se uma noite de horror. Quando a festa já estava terminando, Omar Mateen, armado com uma carabina, foi responsável pelo maior tiroteio em massa da história contemporânea dos EUA. 49 LGBTs saíram mortas e outras 53 ficaram feridas. Muitas destas últimas provavelmente não vão sobreviver.

Mateen tinha um histórico de agressão, à sua ex-esposa; declarações racistas e homofóbicas.

Foi uma noite trágica. Mas igualmente trágica é a campanha que estão fazendo para promover o ódio contra muçulmanos, uma vez que Omar Mateen era muçulmano e, pelo que algumas fontes indicam, havia jurado lealdade ao Estado Islâmico. De fato, não há nada a ser defendido neste Estado, mas esse fato não pode ser utilizado para favorecer a islamofobia ou o racismo contra os povos islâmicos. Não podemos esquecer que a LGBTfobia não é e nunca foi exclusiva de islâmicos. O fato do responsável direto pelo ataque ser islâmico não diminui a culpa dos fundamentalistas cristãos que disseminam o ódio contra LGBTs, como a Fox News, um canal estadunidense fundamentalista cristão que dissemina ódio contra LGBTs, islâmicos e imigrantes latinoamericanos, ou como Donald Trump, que também propaga o ódio contra minorias oprimidas.

(2)

É verdade que o Estado Islâmico está comemorando o ataque, mas também há muitos fundamentalistas cristãos fazendo o mesmo. O pastor cristão Steven Anderson de Tempe, no Arizona, por exemplo, lançou um vídeo no Youtube em comemoração ao massacre: “há 50 pedófilos a menos neste mundo”. Este cretino teve ainda a coragem de dizer que “essas pessoas deveriam ter sido mortas de qualquer maneira, mas elas deveriam ter sido mortas da maneira correta, elas deveriam ter sido executadas por um governo justo que as teria julgado, condenado e garantido sua execução.” Por acaso um crime de ódio cometido pelo Estado deixa de ser um crime de ódio?

A Igreja Batista de Westboro, muito conhecida pelo ódio escancarado contra LGBTs, através do Twitter, afirmou que “Deus enviou o atirador para Pulse em Orlando!”, “Parece totalmente justo para a América Sodomita!”, entre outras aberrações. Essa igreja costuma fazer protestos carregando placas com mensagens homofóbicas como “Deus odeia os viados” [God hates fags].

Convém inclusive lembrar que, há poucas décadas atrás, ser L G B T e r a c o n s i d e r a d o c r i m e n a m a i o r i a d o s p a í s e s “ d e s e n v o l v i d o s ” , o q u e s ó f o i r e v e r t i d o p e l a s insubordinações LGBTs que se espalharam pelo mundo após a Revolta de Stonewall, em Nova Iorque, de 1969.

A criminalização da diversidade sexual e

de gênero

A partir do século IV, houve um processo de condenação moral e criminalização cada vez maiores na Europa da relação sexual entre dois homens, então chamada de “sodomia”, assim como também do desempenho do papel de gênero diferente do que era imposto (o que era considerado uma “negação do próprio sexo”). O ápice da barbárie foram as Santas Inquisições, que condenaram milhares de “sodomitas” e “bruxas” à morte, como a Inquisição nas Cidades-Estado da Itália (iniciada pelo Papa

(3)

Gregório IX em 1232) e a Inquisição Espanhola (iniciada em 1483). Um exemplo bastante conhecido dessa perseguição é condenação de Joana D’Arc à morte na fogueira, no século XV. Durante a colonização da América e da África e a escravização dos povos nativos a partir do século XVI, o homem branco europeu mostrou-se espantado com a liberdade sexual e a diversidade dos papéis de gênero que encontrou em vários desses povos. A existência de “sodomia” nesses povos era moralmente condenada e as pessoas infratoras eram condenadas. Já no final do século XVI, quando a colonização do Brasil estava em seu início, houve centenas de condenações por sodomia, entre elas pessoas brancas, negras e indígenas. Um exemplo é a Xica[1] Manicongo, negra, sapateira, escrava, quimbanda, pode ser considerada a primeira travesti documentada do Brasil. Em 1591, Xica foi denunciada ao Santo Ofício da Bahia.[2]

O frade Giovanni Antonio Cavazzi também escreveu um relato moralista sobre as quimbandas no Congo, no século XVII:

Entre os feiticeiros, um há que não mereceria ser lembrado, se esta omissão não prejudicasse o conhecimento necessário q u e e u , p o r m e i o d e s t e e s c r i t o , p r e t e n d o d a r a o s missionários. Chama-se nganga-ia.quimbanda, ou ‘sacerdote chefe do sacrifício’. Este homem, tudo ao contrário dos sacerdotes do verdadeiro Deus, é moralmente sujo, nojento, impudente, descarado, bestial e de tal modo que entre os moradores da Pentápolis teria o primeiro lugar. Para sinal do papel a que está obrigado pelo seu ministério, veste fato e usa maneiras e porte de mulher, chamando-se também a ‘grande mãe’. Não há lei que o condene como não há ação que não lhe seja permitida. Portanto, fica sempre sem castigo, embora abuse sem embaraço de sua impudecência, tão grande é a estima que por ele o demônio inspira! Por isso são julgados favores os mais manifestos ultrajes que ele faz à honra dos casados ou às concubinas dos mais guardados haréns.[3]

(4)

A condenação moral à cultura e aos costumes destes povos tinha como objetivo justificar ideologicamente a colonização e a escravidão. Os missionários cristãos impuseram a eles a cultura moralista cristã europeia, fazendo-os abandonar pouco a pouco sua própria história e sua cultura. Afinal, como a própria História demonstra várias vezes, para dominar e explorar um povo, é preciso impor sobre ele a ideologia dos dominadores.

A luta pela descriminalização da

homossexualidade e da transgeneridade

A revolução industrial trouxe multidões às cidades e ao trabalho assalariado, o que criou as condições para o surgimento de “guetos LGBTs” como bares, restaurantes e até banheiros de estações ferroviárias. Isso fez com que essas pessoas que rompiam os padrões de gênero e sexualidade se identificassem como uma minoria que é marginalizada da sociedade e privada dos direitos aos quais o resto da população tinha acesso. Consequentemente, as identidades LGBTs foram gradualmente surgindo e se desenvolvendo a partir da classe trabalhadora, ao mesmo tempo em que se desenvolviam também os métodos de repressão e criminalização.

As revoluções burguesas derrubaram os Estados Feudais e criaram os Estados Burgueses, mas não demoraram a trair a liberdade, a democracia e a laicidade que tanto pregaram, criminalizando a “sodomia”, perseguindo, prendendo e executando sistematicamente as pessoas LGBTs, a exemplo do que se fazia na Idade Média. A medicina, por sua vez, apresentou-se como uma suposta alternativa a essa barbárie, buscando nas LGBTs uma fonte de lucro, fazendo experiências com choques elétricos, castrações e lobotomias para encontrar uma “cura” às supostas doenças que denominaram “homossexualismo”, “transexualismo”, etc. Apenas uma parte dos médicos chegaram a conclusão que isso não era possível e que era necessário garantir a inclusão dessas pessoas na sociedade.

(5)

A lógica dessa barbárie não foi rompida pela “benevolência” da medicina, do cristianismo nem mesmo dos políticos. Mesmo após a perseguição pelo nazismo e pelo stalinismo, depois da II Guerra Mundial, os diversos Estados capitalistas, com poucas exceções, continuaram com a criminalização da diversidade. Nas décadas de 1950 e 60, conforme aumentava a quantidade de “guetos gays”, houve uma escalada crescente de repressão policial às LGBTs nos países capitalistas. Na época, enquanto algumas pessoas transgêneras pequeno-burguesas (como centenas de assinantes da revista Transvestia) escondiam sua identidade dentro de casa, a maioria das travestis eram expulsas de suas casas, das escolas e dos seus empregos e encontravam, como única alternativa de sobrevivência, a prostituição. Viviam nas periferias, corriam o risco de serem presas sob acusações como “usar roupas erradas”, por falsidade ideológica ou por suas condições sociais. No geral, ser LGBT era considerado um pecado e um crime.

Em 28 de junho de 1969, policiais de Nova Iorque foram até o bar Stonewall para fazer mais uma batida policial. A rotina era separar as pessoas em três grupos: os homens, as mulheres e as chamadas “aberrações” (nome dado às pessoas que usavam roupas destinadas ao sexo oposto). Estas últimas seriam presas, devido a uma lei de Nova Iorque que proibia a travestilidade. Todas as pessoas que estavam com roupas femininas eram levadas por uma policial até o banheiro feminino para que o seu “sexo” fosse verificado. Se a pessoa fosse do “sexo masculino”, seria presa. Neste dia, entretanto, as pessoas com roupas femininas se recusaram a ir ao banheiro feminino. Outras se recusavam a mostrar seu documento de identidade.

Como o camburão para levar as “aberrações” à prisão demorava para chegar, várias pessoas começaram a vir de outros bares da região e se acumularam do lado de fora de Stonewall. Houve resistência à prisão, respondida pela polícia com empurrões e

(6)

agressões. Uma mulher lésbica “masculinizada” começou a lutar com os policiais que tentavam arrastá-la para o camburão e gritou para a multidão: “Por que vocês não fazem nada?” Foi o começo da revolta. A multidão, sob gritos de “Poder Gay” [Gay Power] e chamando os policiais de porcos, prenderam-nos dentro do bar e viraram os carros da polícia. Tiveram que pedir reforços. O confronto durou várias horas.

Nos anos seguintes, LGBTs do mundo inteiro organizaram as Paradas do Orgulho LGBT, lutando contra as leis que criminalizavam a homossexualidade e a travestilidade, que foram sendo derrubadas em vários países. A luta LGBT espalhou-se pelo mundo e o dia 28 de junho é conhecido como o Dia do Orgulho LGBT.

A luta dos fundamentalistas contra os

direitos LGBTs

Infelizmente, em muitos países, até hoje, a “sodomia” ainda é considerada crime, principalmente nos países mais pobres do mundo, localizados na Ásia e na África. Isso porque a organização da luta LGBT por uma população mais pobre é muito mais difícil, não por motivos exclusivamente religiosos. Isso ocorre não apenas em países de maioria muçulmana, como também de maioria cristã. Um exemplo disso é na Uganda, onde 85% da população é cristã. Recentemente, nesse país, muitos pastores f i z e r a m u m a i n t e n s a c a m p a n h a p a r a q u e a p e n a p a r a homossexualidade passasse da prisão perpétua para a pena de morte, que espalhavam a ideologia que a “sodomia” é uma doença criada pelos estadunidenses para dominar o povo africano. Em 2 0 1 4 , f o i p r o m u l g a d a u m a l e i q u e c r i m i n a l i z a v a a homossexualidade com a pena de morte, mas ela foi revogada no mesmo ano porque a votação havia sido feita sem quórum.

Já os fundamentalistas, apoiados principalmente em partidos burgueses, estão intensificando os ataques contra os direitos da população LGBT. Donald Trump nos EUA, assim como Bolsonado,

(7)

Feliciano e Malafaia no Brasil, são as expressões mais visíveis destes avanços. Como a história mostrou, só a luta das LGBTs da classe trabalhadora é capaz de impedir que esses conservadores e reacionários avancem nos ataques aos nossos direitos e na disseminação do ódio LGBTfóbico.

Notas:

[1] O único nome que consta nos documentos é Francisco Manicongo. O nome Xica foi dado a ela recentemente por Majorie Marchi, ativista trans do Rio de Janeiro, como uma referência às travestis brasileiras atuais. Como ela é natural do Congo, não é possível saber o verdadeiro nome que ela utilizava, se era feminino ou masculino.

[2] MOTT, Luiz. Relações Raciais entre Homossexuais no Brasil Colonial. Revista. Brasileira de História, vol. 5, nº 10,

1 9 8 5 . D i s p o n í v e l e m

http://www.anpuh.org/arquivo/download?ID_ARQUIVO=3604 [3] Cavazzi de Montecúccolo, Padre João Antonio. Descrição Histórica dos três Reinos do Congo, Matamba e Angola (1658), Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, 1965, Volume I, p. 202-203.

Georgi

Chicherin:

homossexual, ex-aristocrata e

bolchevique

Jéssica Milaré |

(8)

durante os últimos dois anos que, no espaço de um breve jornal de revisão, é possível apenas apontar os marcos mais importantes deste período. A história política das relações exteriores da Rússia Soviética nesses dois anos é uma trágica história de luta sem fim, inspirada por inúmeros inimigos que literalmente não deram nenhum descanso ao jovem regime dos trabalhadores e camponeses. […]

A revolução de novembro, o primeiro ato da revolução social mundial, colocou de uma vez o Governo Russo Soviético à frente do movimento revolucionário mundial como o mensageiro e a inspiração da revolução proletária.

[CHICHERIN, p. 3]

É assim que Georgi Chicherin começa o “breve” jornal (um pequeno livro de bolso). Quando ele sucedeu Leon Trotsky no posto de Comissário do Povo para as Relações Exteriores (uma espécie de Ministro do Exterior), não havia, na teoria marxista, qualquer elaboração sobre relações exteriores. Esta foi, portanto, a primeira publicação marxista dedicada ao assunto.

Chicherin mudou muito. Poucas pessoas acreditariam que ele havia sido um aristocrata religioso e moralista retornaria à Rússia em 1918 como um verdadeiro bolchevique. A complexa amizade que ele teve com Mikhail Kuzmin, o autor do primeiro romance russo sobre homossexualidade, mostra uma evolução do pensamento de Chicherin ao longo dos anos. Infelizmente, pouca atenção é dada pelos historiadores à sua homossexualidade (ou talvez bissexualidade). Os artigos e livros que citam isso se restringem a falar sobre Chicherin em um ou dois parágrafos no meio de um texto que tem outro foco. É como se sua sexualidade fosse irrelevante para sua vida política e vice-versa.

Mas não há dois “Georgis Chicherins”, isso é óbvio. Houve apenas um personagem histórico que se transformou ao longo do tempo, transformação esta que atinge tanto suas visões sociais

(9)

e políticas quanto como ele encarava a sua sexualidade. De religioso e moralista a materialista

Georgi Chicherin estudou história e linguagem na universidade de São Petesburgo a partir de 1886, onde conheceu Mikhail Kuzmin. Tornaram-se amigos íntimos. Chicherin foi uma forte influência na vida do amigo, levando-o a conhecer filosofia e aprender italiano e alemão [MALMSTAD, p. 16-8]. Após retornar à Rússia em 1897, Chicherin trabalhou no departamento de arquivos do Ministério das Relações Exteriores até 1903 [MEYENDORFF, p. 175].

Chicherin e Kuzmin “mencionam suas inclinações sexuais em suas cartas” [MALMSTAD, p. 19]. Naquele momento, Chicherin convenceu Kuzmin a confiar na “Providência Divina”, da necessidade de ter “sentimentos corretos” e da abstinência sexual, apresentando a ele o jesuíta Canon Mori [p. 33-6]. A falha de Kuzmin em encontrar uma cura o levou várias vezes a tentar cometer suicídio [cf. p. 47]. Com o tempo, Canon Mori percebeu que era incapaz de resolver as crises de seu devoto e exortou-o a buscar ajuda com um médico especializado em distúrbios nervosos [p. 41-2].

Toda pessoa LGBT que teve uma educação conservadora ou moralista carrega uma antítese dentro de si. Por um lado, sua consciência alienada que compreende que ser LGBT é pecado, doença ou anormalidade. Por outro, sua própria existência concreta, que expressa as características que são consideradas de LGBTs.

No caso de Kuzmin, essa antítese teve outros desdobramentos. A busca pela religiosidade e pela “cura” o levaria à seita dos velhos crentes, muito influente em sua região. Essa seita, que defendia os “velhos costumes” e rejeitava o presente, existia desde 1666 como uma reação à Reforma da Igreja Ortodoxa Russa. Por outro lado, como a principal inspiração de Kuzmin eram suas fortes paixões por outros homens, ele passou a entender

(10)

que seu trabalho criativo era um pecado [cf. p. 66]. Essa antítese fica explícita em seu relato de 1901 [p. 63].

Já Chicherin foi para a direção oposta. Em sua carta de agosto de 1901, afirmo que, apesar de compreender como os velhos crentes atraiam a Khuzmin, este estaria enganando a si mesmo em pensar que ele poderia ser algo além de um “cidadão naturalizado”. Chicherin comparou-o a dois hegelianos russos que “viam o niilismo, o revolucionismo e o materialismo como sintomas da doença da sociedade europeia ocidental” [p. 52]. Já em 1904, Chicherin escreveu uma carta que mostrava que sua concepção deu um passo adiante. Chicherin percebia que a busca de Khuzmin por uma “nova arte” era uma rejeição dos valores de sua época. Isso fazia parte do contexto social em que emergia na Rússia o movimento social democrático, que buscava o fim da ditadura czarista e que também ansiava, segundo ele, por uma “reavaliação dos valores” [p. 51].

Os registros dos anos seguintes mostram que Chicherin abandonou a visão moralista sobre a homossexualidade. Foi em 1906, quando estava em Berlim, que Chicherin fez uma crítica à obra “Asas”, que retratava um jovem homossexual que “saiu do armário”, como se tivesse ganhado asas. A crítica era sobre o excesso de disquisição “sempre sobre o mesmo assunto” e foi aceita pelo autor, que, em consequência, fez várias mudanças na obra [p. 96]. No mesmo ano, este publicou também as “Canções Alexandrinas”, que foram baseadas na coleção de poesias lésbicas e eróticas “Les Chansons de Bilitis” e retratava romances entre homens. Chicherin exaltou-as por sua grandiosa maestria e por retratar “o mais puro Kuzmin” [cf. p. 100].

De aristocrata a menchevique e, mais tarde, a bolchevique

Boris Chicherin, tio de Georgi, faleceu em 1904 e suas propriedades foram herdadas pelo sobrinho, que tornou-se muito rico. Entretanto, Georgi Chicherin envolveu-se com o Partido

(11)

Socialista Revolucionário (que era muito influente entre os camponeses) e, por repúdio à riqueza e à propriedade privada, doou o que tinha em nome da Revolução. No mesmo ano, sua prisão iminente o obrigou a fugir para Berlim [ANDREYED, p. 76]. Em 1905, Chicherin tornou-se menchevique e inimigo de Lenin, assim permanecendo até 1914 [DEBO, p. 651].

No começo do conflito, Chicherin acreditava que a principal necessidade eram as revoluções democráticas nos países monarquistas e na Rússia czarista. Baseando-se na teoria marxista que explica que, em tempos de guerra, os socialistas deveriam apoiar o Estado cuja vitória mais ajudasse na causa da revolução socialista, defendia o apoio à Grã-Bretanha e à França, que eram, segundo ele, os países mais progressistas. Entretanto, os socialistas não deveriam apoiar o regime czarista, mas, pelo contrário, atuar para sua derrubada [p. 653].

Os artigos de do final de 1915 e começo de 1916 mostram uma mudança de posição. Conforme suas próprias palavras: “No curso da guerra defensiva, o capital inglês aproveitou-se dos sindicatos de trabalhadores para manter o poder em suas próprias mãos, enquanto mantinha-o longe das classes trabalhadoras. A política inglesa, com clareza ofuscante, revelou a ele [Chicherin] o papel da democracia, a forma mais refinada de dominação do capital” [p. 653]. Segundo ele, a guerra tinha origem imperialista e era mantida por capitalistas e monarquistas feudais para os seus próprios interesses de classe. A única forma de evitar esta guerra e as guerras futuras era a destruição do capitalismo e da monarquia feudal pelas classes dominadas dirigidas pelo proletariado. Entretanto, os imperialistas se apropriaram das organizações da classe trabalhadora e dos partidos social-democratas, que se tornaram “burocracias partidárias”. Com esta posição política, o velho menchevique já era um bolchevique em espírito [p. 653-4]. Do outro lado da Europa, num memorando de março de 1916, Lenin comentou que seu antigo adversário estava

(12)

r e a l i z a n d o u m “ g r a n d e s e r v i ç o ” a f a v o r d a c a u s a internacionalista [p. 655].

A atuação política de Chicherin que obteve maior sucesso foi entre centenas de imigrantes russos, na maioria foragidos da ditadura czarista e da conscrição, contando com o apoio da militante suffragette Mary Jane Bridges-Adams em algumas ocasiões. Houve um acordo em 1916 entre os governos russo e britânico para que esses imigrantes fossem enviados de volta à Rússia ou que fossem conscritos ao exército britânico. A partir de um protesto em 13 de março de 1916, foi criado o Comitê dos Delegados dos Grupos Socialistas Russos em Londres. A partir da denúncia do czarismo e do governo britânico, campanha alcançou um público amplo não só na comunidade russa, mas também na população britânica. Como resultado, o governo suspendeu a decisão por seis meses [p. 656].

Por causa da crescente influência dos sovietes e de Chicherin, o governo britânico decidiu prendê-lo. Preso, teve contato limitado com conhecidos e as visitas de Bridges-Adams foram proibidas [p. 660].

Leon Trotsky, que era o Comissário do Povo para as Relações Exteriores, no dia 26 de novembro, enviou uma mensagem ao embaixador britânico George Buchanan, exigindo a libertação dos prisioneiros bolcheviques Chicherin e Petrov, afirmando q u e h a v i a m i n g l e s e s e n g a j a d o s e m a t i v i d a d e s contrarrevolucionárias na Rússia e avisando que “a democracia revolucionária não pode aceitar que heróis valorosos definhem em campos de concentração na Inglaterra enquanto cidadãos ingleses não sofrem qualquer restrição no território da República Russa” [p. 660]. Diante da negativa do governo inglês, Trotsky emitiu uma ordem proibindo todos os ingleses que estavam na Rússia de saírem do país. Seu primeiro deputado, Ivan Zalkind, disse certa vez a um inglês que desejava um visto de saída: “Para lhe fornecer um visto nós precisamos consultar o camarada Chicherin – sem Chicherin, sem visto!” [p. 660-1]

(13)

Essa pressão política obteve sucesso. O acordo foi firmado em 10 de dezembro, mas foi apenas em 2 de janeiro de 1918 que Georgi foi notificado das negociações feitas por Leon Trotsky. No dia seguinte, após uma pequena festa de despedida feita por seus amigos, Chicherin embarcou no trem. Depois de 13 anos de exílio, finalmente retornaria pra casa.

De volta à Rússia Soviética

No começo do século XX, a criminalização da homossexualidade era comum entre quase todos os Estados Burgueses. O movimento homossexual ainda incipiente concentrava-se no Instituto Científico-Humanitário, na Alemanha, que reivindicava a revogação do parágrafo 175 que criminalizava a “sodomia”. Naquela época, a consciência sobre a necessidade de se combater o preconceito e a violência contra LGBTs era quase inexistente.

A Revolução de Outubro colocou a Rússia Soviética à frente de todos os principais países imperialistas com respeito aos direitos das mulheres e LGBTs. Logo nos primeiro meses, todo o Código Penal russo, com uma visão moralista herdada do czarismo e do catolicismo ortodoxo, foi descartado. O novo governo soviético pôs-se imediatamente a elaborar um novo Código Penal, promulgado em 1922, baseado em concepções mais modernas de criminalidade. No novo código penal, a criminalização da “sodomia” consensual entre adultos foi intencionalmente deixada de lado. A política bolchevique era a absoluta não-interferência do Estado Soviético nas questões sexuais. Tudo isso durou até 1933-34, quando a “sodomia” consensual foi novamente criminalizada pelo stalinismo como parte da política de perseguição aos homossexuais que já havia se iniciado sorrateiramente na segunda metade da década de 1920 [cf. HEALEY, 1993].

Lenin tinha muito respeito pelo novo Comissário para as Relações Exteriores. São inúmeras as cartas entre eles. Em

(14)

1919, ocorreu o Primeiro Congresso da Terceira Internacional Comunista, no qual Chicherin foi um dos cinco delegados russos. Ou seja, o fato de que Chicherin era homossexual não parece ter afetado essa relação de confiança.

No tempo em que permaneceu como Comissário, Chicherin manteve uma política contra o imperialismo e da opressão nacional. Defendia a “autodeterminação dos trabalhadores de toda nacionalidade”, abolição da “diplomacia secreta, rompendo de uma vez com as tradições imperialistas através da publicação dos tratados secretos como também pela renúncia de todos os acordos ditados pela política imperialista do regime czarista” [CHICHERIN, p. 3-4]. Com essa concepção, conseguiu criar acordos com países muçulmanos, em especial com o Afeganistão. Com isso, ele colocou em prática a máxima de Marx: “Um povo que oprime outros povos não pode ser livre”. Outro aspecto inédito das relações exteriores da recém-formada Rússia Soviética era o apelo para que os trabalhadores dos outros países se mobilizassem contra a intervenção militar imperialista no novo país soviético.

[O] movimento revolucionário gradual e crescente continuou avançando nos países da Entente e, por toda a Europa, as classes dominantes estão tomadas pelo medo conforme elas sentem a aproximação da revolução mundial. A imagem maravilhosa do ataque da reação mundial sobre a Rússia Soviética, a luta desesperada da última e sua defesa bem-sucedida inspira as classes trabalhadoras de todos os países. Este ano (1919), nós escrevemos menos notas aos governos, mas mais apelos às massas trabalhadoras. […] A cena da presente batalha entre dois mundo não tem precedentes na imensidade de suas proporções. […] A política externa da Rússia Soviética conforma-se mais e mais à batalha universal entre a revolução e o velho mundo. [CHICHERIN, p. 35-36]

Durante seu trabalho como diplomata, Chicherin deparou-se com um grande obstáculo: a homofobia de Maxim Litvinov, um dos

(15)

membros do Comissariado para as Relações Exteriores. Boris Bazhanov, secretário de Stalin de 1923 a 1928, relata que Chicherin e seu principal deputado, Maxim Litvinov, constantemente enviavam memorandos secretos ao Comitê Central do Partido Bolchevique criticando e xingando um ao outro. Litvinov afirmava que seu adversário era “pederasta, idiota, maníaco e anormal” [BAZHANOV, 1930 apud KOTKIN, 2014, p. 152]. Além de invejar seu adversário pelo seu posto e também das divergências políticas, Litvinov tinha especial aversão porque era homofóbico. Apesar disso, Maxim Litvinov permaneceu no posto e sucedeu Chicherin como Comissário para as Relações Exteriores em 1930.

A visita do velho amigo

Ao que tudo indica, as divergências políticas entre Chicherin e Khuzmin mantiveram-nos bastante distantes. Mikhail Khuzmin diversas vezes se opôs aos movimentos revolucionários, apesar de ter apoiado a Revolução de Outubro quando ela ocorreu.

Apesar da política bolchevique de não interferência nas questões sexuais, o clima homofóbico a partir de 1923-24 era crescente. Em junho de 1926 na “Gazeta Vermelha” (Krasnaya Gazeta), um longo artigo de Mikhail Padvo retratava a arte de Khuzmin como “burguesa” por causa das “poses e gestos eróticos” que foram emprestados das “operetas negras” [MALMSTAD, p. 337]. Sua carreira praticamente chegou ao fim nesse ano, junto com a política de liberdade artística que havia sido defendida por Lenin e também por Trotsky. Tudo isso representa um retrocesso gradual na política bolchevique que prevalecia no começo da década de 1920 [cf. HEALEY, 1993].

Chicherin não sabia disso. Em novembro de 1926, chegou em Leningrado e mandou avisar Khuzmin que queria que ele fosse visitá-lo. “Mieux veut tard que jamais,” começou dizendo. Eles conversaram sobre “artes, polêmicas, amizade, talento,

(16)

diplomacia” e também sobre a fama que Khuzmin havia adquirido na Alemanha. Chicherin indagou Khuzmin sobre por que seu amigo estava escrevendo e publicando pouco [p. 340].

Desse relato, podemos tirar duas conclusões. Como Chicherin sabia sobre a fama que Khuzmin tinha nos grupos de homossexuais que estavam florescendo na Alemanha, significa que ele tinha algum contato com esses grupos, talvez também com o Instituto Científico-Humanitário. É possível que esse contato inclusive tenha ocorrido antes de 1917, quando viveu entre a Alemanha, a França e a Inglaterra. A outra conclusão é que Chicherin acompanhou, em alguma medida, os trabalhos de Khuzmin. Não vemos aqui um julgamento moral, muito menos uma repreensão como a que foi feita por Padvo. Muito pelo contrário, o velho diplomata queria que seu amigo continuasse a produzir.

S o b r e a l e n d a d e q u e C h i c h e r i n n u n c a a c e i t o u s u a homossexualidade

Existem poucas fontes sobre a homossexualidade desse importante bolchevique. Há um motivo para isso. Como parte da contrarrevolução stalinista, todas as discussões artísticas ou científicas sobre a sexualidade foram proibidas. Livros e textos sobre o assunto foram apreendidos pela NKVD (órgão que deu origem à KGB) ou queimados na década de 1930 [HEALEY, 2001]. Alguns artigos e rascunhos pessoais de Georgi Chicherin provavelmente ainda estão detidos pela polícia da Rússia [HEALEY, 1993, p. 45]. Chicherin também foi apagado da Enciclopédia da União Soviética e dos arquivos históricos do partido comunista soviético [MEDVEDEV, p. 202; MEYENDORFF, p. 173].

Devido à falta de mais evidências sobre a homossexualidade Chicherin, surgiu uma lenda entre os historiadores de que ele nunca aceitou sua sexualidade. Entretanto, existe uma única evidência, totalmente duvidosa, que aponta nesse sentido, e

(17)

que inclusive entra em contradição com as evidências já apresentadas aqui. Todos os textos que fazem essa afirmação baseiam-se, direta ou indiretamente, em duas notas de rodapé do artigo de Alexander Meyendorff, primo de Chicherin. Entretanto, essas duas notas foram adicionadas pelo editor do artigo, Igor Vinogradoff, amigo pessoal de Meyendorff, e não pelo próprio autor. A primeira afirma que, na viagem de Chicherin a Berlim em 1904, “ele estava buscando uma cura para a homossexualidade que perturbava sua mãe e provavelmente distorcia sua própria personalidade” [MEYENDORFF, p. 175]. A segunda afirma que o termo “doença” no texto de Meyendorff era um eufemismo para a “homossexualidade e os sentimentos de culpa decorrentes dela” [p. 178]. O problema é que nem mesmo Meyendorff conhecia o pensamento do Chicherin, quanto mais o seu amigo, Vinogradoff. Por exemplo, em 1903, quando Chicherin apenas defendia o fim do czarismo e a renovação de valores, seu primo já o considera um “marxista radical” que já estava longe das visões da mãe [p. 174].

Como vimos, é provável que a primeira nota retrate um fato histórico, não só da homossexualidade de Chicherin, mas também de que ele tinha trejeitos (a “distorção na personalidade”). Já a segunda nota parece refletir, no máximo, uma opinião de Meyendorff. Chicherin foi à Berlim em 1926 e novamente em 1928 para tratamento de diabetes e polineurite (inflamação e degeneração dos nervos). Em seus últimos dias, passava por crises de loucura. Faleceu em 1936 de derrame cerebral [cf. POOLE, p. 90]. Esses fatos derrubam a única e frágil evidência apresentada de que Georgi Chicherin nunca aceitou sua própria sexualidade.

Bibliografia

Andreev, A. I. Soviet Russia and Tibet: The Debacle of Secret Diplomacy, 1918-1930s. Leiden: Brill, 2003.

(18)

in England 1914-1918.” Slavic Review 25.4 (1966): 651. Web. Chicherin, G. Two Years of Foreign Policy the Relations of the Russian Socialist Federal Soviet Republic with Foreign Nations from November 7, 1917, to November 7, 1919. New York: Russian Soviet Government Bureau, 1920.

H e a l e y , D a n i e l . “ T h e R u s s i a n R e v o l u t i o n a n d t h e Decriminalisation of Homosexuality.” Revolutionary Russia 6.1 (1993): 26-54.

Healey, Daniel. Homosexual Desire in Revolutionary Russia: The Regulation of Sexual and Gender Dissent. Chicago: U of Chicago, 2001.

Kotkin, Stephen. Stalin: Volume I: Paradoxes of Power, 1878-1928. N.p.: Penguin, 2014.

Malmstad, John E. e N. A. Bogomolov. Mikhail Kuzmin: A Life in Art. Cambridge, MA: Harvard UP, 1999.

Medvedev, Roy Aleksandrovich. Let History Judge: The Origins and Consequences of Stalinism. New York: Knopf, 1971.

Meyendorff, Baron Alexander. “My Cousin, Foreign Commissar Chicherin.” Russian Review 30.2 (1971), p. 173-178.

Poole, DeWitt C., Lorraine M. Lees, e William S. Rodner. An American Diplomat in Bolshevik Russia. Madison, WI: U of Wisconsin, 2014.

Para além de um beijo

Wilson Honório da Silva

(19)

primeira vez, ouvi gritos entusiasmados de “torcida” ecoando dos apartamentos ao meu redor não relacionados a um jogo. Evidentemente, foi a reação a uma das cenas “mais esperadas” da história da comunicação de massas no Brasil: o dia em que a Rede Globo se rendeu à realidade e decidiu colocar em cena um (singelo e pudico, vale lembrar) beijo gay em seu horário nobre.

Que a Globo tenha se movido pela mesma lógica de sempre, o olho no mercado e a luta para se manter como principal e mais lucrativa emissora do país, é inegável. Também não é possível esquecer que esta é (e sempre será) uma emissora que, como todas, “é habitada pelo poder do Capital”, sintonizada com tudo contra o que lutamos cotidianamente (inclusive na propagação da homofobia, do racismo e do machismo), desde seu surgimento, nos anos 1960, sob o patrocínio da ditadura. E mais: o beijo com décadas de atraso em relação ao mundo em que vivemos.

Contudo, não podemos menosprezar a realidade do lado de cá da tela. Aliás, é ela o que mais interessa nesta história toda. O beijo é, sim, uma vitória de todos e todas que lutam contra a opressão. São estes os verdadeiros protagonistas desta cena. Foram os LGBT’s de verdade que fizeram com que a emissora do nada saudoso Roberto Marinho tenha se rendido, “reconhecendo” o espaço que os LGBT estão conquistando, com muita luta, nas ruas.

O beijo de Félix (cuja quase beatificação no processo da novela é um capítulo à parte) e Niko não foi um “presente” da Globo para a comunidade LGBT, nem pode ser visto como um “atestado” anti-homofóbico. Pelo contrário. Foi um beijo que reflete anos de luta.

Ele merece, sim, ser saudado aos gritos aqui na vizinhança e, com certeza, em todos os cantos do país, mas não como uma demonstração de apreço à Globo. Não. Se é verdade que os atores (que nunca esconderam sua simpatia em viver a cena e a

(20)

fizeram muito bem) podem ser parabenizados, nossas homenagens, hoje, devem se voltar aos milhões de anônimos que seja na luta direta, seja simplesmente resistindo ao preconceito e à discriminação, transformaram o “beijo gay” em uma “realidade” que nem mesmo a Globo poderia continuar omitindo.

Já disse pra muita gente que, como sou “antigo”, ainda me emociono quando vejo um casal LGBT andando de mãos dadas ou demonstrando carinho nas ruas (da mesma forma quando negros e negras expressarem alegremente sua negritude, do cabelos à atitude, ou uma mulher tomando os rumos de sua vida). Muitos de nós lutamos praticamente a vida inteira pra ver algo assim. Tão normal, tão simples, tão humano. Mas, ao mesmo tempo, tão difícil pra quem não se enquadra nos “padrões”.

Por isso, ao ver, ontem, Mateus Solano e Thiago Fragoso em cena, o que me veio à mente foram os tantos e tantos que, na vida real, construíram o caminho até uma cena que, na verdade, já deveria ter ido ao ar há muito tempo, e não ser tratada simplesmente como uma “coisa do mundo”. Lembrei-me daqueles e daquelas que, com coragem, enfrentaram e enfrentam o mundo para poder existir e amar. Lembrei-me dos que foram mortos, como Edson Neres, simplesmente por terem feito isto.

Lembrei-me dos que foram expulsos de casa por terem sido “pegos” no ato ou sofreram punições inomináveis, de Oscar Wilde aos que vestiam o “triângulo rosa” nos campos nazistas. Lembrei-me dos que nunca puderam sequer se atrever a beijar alguém, sucumbindo à opressão, e vivendo sufocados em seus armários.

E, principalmente, lembrei-me daqueles que dedicaram suas vidas para que as coisas mudassem. De Magnus Hirschfeld a Milk, do “Gay Liberation Front” ao SOMOS e de tantos e tantas outras que vieram antes e depois deles.

Esse foi um beijo que não nasceu dos “planos” da Globo. Não. Ele brotou dos espaços que conquistamos com ousados e

(21)

irreverentes beijaços; ele estalou primeiro nas ruas tomadas por Paradas e protestos. E por isso mesmo ele tem “importância histórica”. Ele simboliza, em um campo pra lá de complicado como é o da comunicação de massas e da indústria cultural, uma vitória daqueles que nunca tiveram medo ou vergonha; daqueles q u e n u n c a s e d e i x a r a m a b a t e r p e l o p r e c o n c e i t o e a discriminação, os quais a Globo, durante décadas, contribuiu pra inculcar na cabeça das pessoas (e, não se iludam, continuará inculcando).

E, claro, foi um beijo com um “gostinho” todo especial. Teve sabor de “Fora Feliciano” e todos os homofóbicos de plantão. E, por isso mesmo, pra encerrar, já que estamos no campo da “ficção”, espero que o beijo tenha um efeito parecido com aqueles dos “contos de fadas”: que ajude a “despertar” os adormecidos e silenciados pela homofobia. Que fortaleça aqueles que, em suas casas, se sentem sozinhos, “anormais”, infelizes e, muitas vezes, desesperados.

A página do “primeiro beijo gay da Globo” está virada, mas sabemos que temos muito mais pelo que lutar. Até o dia em que, inclusive, não seja necessário festejar um simples beijo como final de campeonato. Mas, simplesmente, como expressão da vida, como um beijo.

Referências

Documentos relacionados

Quando o agente de Mark Osborne lhe propõe criar um filme a partir do livro O Principezinho, a reação do realizador não se fez esperar: «É impossível de adaptar para o cinema,

Não obstante, Carr estava preparado para admitir, um tanto cautelosamente, que o progresso ocorre no estudo da história assim como no desenvolvimento da sociedade, e que o

Esse ensaio foi republicado em TULLY, James (Ed.). Meaning and context, op. cit., e revisto no livro de SKINNER, Quentin. Visions of politics, I: Regarding method. Cambridge,

A tese defendida por Rui Lopes em Outubro de 2011 na London School of Economics chega agora a um público mais vasto, onde se devem incluir não apenas os estudiosos

Dentre os pontos altos dos debates, destacamos a tradicional Reunião das Enti- dades– Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), Federação Nacional dos Enfer- meiros (FNE) e

Herdeiros de Lenin: a história dos partidos comunistas na Rússia pós-soviética.. Rússia e Brasil em Transformação: história dos partidos russos e brasileiros

Visando encarar a crescente tendência da globalização industrial e o grande aumento de coação em satisfazer o cliente pela concorrência estabelecida, várias organizações

23 Diante disso, o evento que confirmaria a tese de Hegel (que a história teria um fim que é a realização da liberdade nas de- mocracias liberais), segundo Fukuyama, era