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um panorama histórico a partir do Porto de Santos

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Academic year: 2021

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São Paulo 2018

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Antos

Victor Hugo Mori

Carlos A. Cerqueira Lemos

Adler Homero F. de Castro

(4)

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uMário

Nota à presente edição ...11

Apresentação ...13

cApítuloi ARQUITETURA MILITAR: DA “CORTINA VERTICAL” À “CORTINA VIRTUAL” ...15

A “cortina vertical” e a neurobalística ...17

A “cortina Horizontal” e a Pirobalística ...20

Vauban e o sistema de defesa territorial: “a Cortina Rasante” ...24

A “Cortina invisível” e a Artilharia Raiada ...26

A “Cortina virtual” e o fim do capítulo da história da arquitetura militar ...27

cApítuloii A EVOLUÇÃO DA ARTILHARIA ...29

Introdução ...31

A artilharia experimental e o início da colonização do Brasil ...33

O progresso da artilharia lisa no período colonial ...39

O “Tratado de Artilharia” luso-brasileiro do engenheiro Alpoim de 1744 ...43

A época da artilharia raiada ...45

Direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19.02.1998.

É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização, por escrito, da editora.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Textos

Victor Hugo Mori

Projeto Gráfico, Capa e Editoração

Guen Yokoyama

2018

(5)

cApítulovii

AS FORTIFICAÇÕES DA ENTRADA DO CANAL DA BARRA GRANDE: FORTALEZA DE SANTO AMARO DA BARRA GRANDE

E FORTIM DO GÓES FORTE DO CRASTO OU DA ESTACADA ...125

Séculos xvi e xvii ...127

Séculos xviii e xix...140

“Último relatório do Comando da Fortaleza ...158

da Barra de Santos de 1º/01/1904” ...159

A História do Restauro nas obras da Fortaleza da Barra Grande ...160

cApítuloviii SISTEMA DE PROTEÇÃO DA VILA DE SANTOS: FORTE DE MONSERRATE, FORTE DE ITAPEMA, CASA DO TREM BÉLICO E O PLANO DE DEFESA DE JOÃO MASSÉ ...179

Séculos xvi e xvii ...181

Século xviii ...187

Séculos xix e xx ...196

cApítuloix AS NOVAS FORTIFICAÇÕES DA ENTRADA DA BARRA DE SANTOS ...201

Fortaleza de Itaipu e Forte dos Andradas ...203

cApítuloiii AS FORTIFICAÇÕES COLONIAIS NO BRASIL ... 49

Introdução ...51 A primeira etapa ...56 A segunda etapa ...62 A terceira etapa ...67 A quarta etapa ...72 cApítuloiv MAPA DAS FORTIFICAÇÕES DA BAIXADA SANTISTA ...77

cApítulov A ORGANIZAÇÃO MILITAR NA CAPITANIA DE SÃO VICENTE NOS PRIMEIROS SÉCULOS O Sistema de Ordenanças ...85

Os Engenheiros Militares ...93

cApítulovi AS FORTIFICAÇÕES DO CANAL DA BERTIOGA: FORTES DE SÃO TIAGO OU SÃO JOÃO - SÃO FELIPE - SÃO LUIZ ...97

Séculos xvi e xvii ...99

Séculos xviii e xix...108

(6)

Esse trabalho é dedicado a duas pessoas especiais na história da preserva-ção do patrimônio no Brasil, recentemente falecidas. Tive o privilégio de ter sido amigo e aluno informal desses dois mestres, tão diferentes entre si. Um muito jovem, arquiteto e professor da fau-usp, o outro, um velho militar dos quadros da engenharia do Exército Nacional. O que os unia era a paixão comum pela preservação da memória nacional.

O jovem Antonio Luiz Dias de Andrade, a quem o Dr. Lúcio Costa carinho-samente acrescentava um pronome possessivo "o nosso Janjão", fez sua trin-cheira de luta no iphan. O velho Coronel Reginaldo Moreira de Miranda, fez seu baluarte dentro do Arquivo Histórico do Exército. Muito antes do arquiteto Antonio Luiz iniciar seu aprendizado no iphan, o historiador Miranda já era um colaborador assíduo de Luís Saia e o ajudou, inclusive, nos momentos difíceis de sua vida particular como um amigo fraterno. Parte dos documentos aqui

reproduzi-dos foram frutos de seu trabalho durante os anos em que serviu no Arquivo do Exército como Capitão. O início dos estudos objetivando a res-tauração das Fortificações da Baixada Santista, em 1989, levou o jovem Anto-nio Luiz, então diretor do iphan-sp, a convocar o velho soldado Miranda

Antonio Luiz Dias de Andrade

cApítulox

AS FORTIFICAÇÕES DESAPARECIDAS DO CANAL

DE SÃO SEBASTIÃO ...213 A Proteção do Porto de São Sebastião ...215

linhAdo teMpo

(7)

Victor Hugo Mori, com muita imaginação, sabedoria e simplicidade, trans-fere ao público não especializado e aos estudantes em geral, conhecimentos inestimáveis sobre a complexa evolução da Arquitetura Militar, desde os primórdios da neurobalística até o advento da "guerra nas estrelas". Toma como linha narrativa as fortificações do Porto de Santos, para nos conduzir à formação histórica da nossa nacionalidade.

A pesquisa histórica estabelece um paralelo entre o troar dos canhões e os dife-rentes sistemas defensivos arquitetados, ao longo dos últimos séculos, sob a forma de fortalezas, fortes, fortins, redutos, baterias e baluartes. Para tanto, Vic-tor Hugo contou com a colaboração do professor Carlos A. C. Lemos, um dos mais importantes estudiosos da arquitetura brasileira, e do historiador Adler Homero F. de Castro, renomado pesquisador da História Militar.

Até meados do século xx, a Arquitetura Militar oferecia um poderoso invó-lucro de proteção contra os projéteis de artilharia que cruzavam os espaços vazios entre forças antagônicas, num campo de batalha. Hoje, os projéteis cruzam o espaço aéreo, lançados a partir de posições virtuais momentâneas em perseguição a objetos também fugazes. A Artilharia libertou-se progres-sivamente dos invólucros arquitetônicos construídos sob a forma de "corti-nas fortificadas", verticais, rasantes, horizontais e invisíveis, submersas ou aflorantes, deixando porém, de pé ou em ruínas, um acervo patrimonial de inestimável valor cultural.

n

otAàpresenteedição

ULTIMA RATIO REGIS

para mais essa luta. Nessa batalha de dez anos, em que atuei como

coadju-vante e aluno, acumularam-se sobre as mesas centenas de anotações, docu-mentos, fotografias e desenhos. O "nosso Janjão" queria que eu os transfor-masse em uma Tese de Mestrado sob a sua orientação. O "nosso coronel Miranda" sonhava com uma grande exposição sobre a engenharia militar nos fortes restaurados da Baixada Santista.

O resultado, porém, foi modesto. Nem uma inovadora tese nem tam-pouco, uma grande exposição. A importância desse catálogo reside no tênue lampejo dos ensinamentos transmitidos pelo jovem arquiteto e pelo velho coronel.

Victor Hugo Mori

Coronel Reginaldo Miranda no Forte São Luiz

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Escolher a publicação de um livro demanda agilidade em avaliar o que de fato ele oferece como divulgador de cultura, expansão de conhecimentos, que lado de uma questão ele vem tornar claro ou reavaliar. Conteúdo bom em história, ciência ou memória é o que muitas vezes se apresenta em textos que pretendem tornar-se livros, mas é preciso pôr algo mais na escolha ou aceitação de publicar. Que escolher, visto que, no geral, o autor se ampara na confiança sem abalos de que seu trabalho é o melhor, talvez até um achado literário ou científico?

Apenas para exemplificar a importância desta publicação, podemos afirmar que o capítulo "A Organização Militar na Capitania de São Vicente nos Pri-meiros Séculos", assinado por Victor Hugo Mori, é um substancial acréscimo ao que até agora se escreveu sobre São Vicente, região fundamental na histó-ria de São Paulo e na do Brasil, assim também o capítulo viii: "O Sistema de

Proteção da Vila de Santos: Forte de Monserrate, Forte de Itapema," e vários outros cujo relato chega ao século xx.

Só me resta desejar que Arquitetura Militar cumpra a sua função como livro, abrindo caminhos que levam o homem à consciência do que ele ver-dadeiramente representa neste planeta.

Sérgio Kobayashi

A

presentAção A Artilharia, conhecida no mundo desde os primórdios da civilização, evoluiu

do arco e flecha à catapulta medieval, do canhão de alma lisa ao míssil conti-nental, sideral, espacial, que transporta ogivas de poder atômico. Nos últimos séculos, o canhão – último argumento dos reis – troava sob o controle das forças em teatro de operações militares. No momento, o imaginário desloca-se para a "guerra nas estrelas", onde vetores balísticos podem atingir qualquer lugar, dis-parados sob a chancela do chefe de Estado. A Artilharia, torna-se assim, instru-mento de um poder avassalador, libertando-se do invólucro da arquitetura militar que a acompanhou até o século passado.

Algumas fortalezas centenárias ainda permanecem de pé, desafiando o tempo, as intempéries e as agressões humanas. Muito se deve aos profissio-nais do iphan – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional que não medem esforços para preservá-las.

Victor Hugo Mori, como arquiteto do iphan, foi o responsável pelas obras de restauração dos mais antigos e mais importantes monumentos arquitetônico-militares do Estado de São Paulo: o Forte São João da Bertioga, erguido a partir de 1553, e a Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande, edificada a partir de 1583. Atualmente, como voluntário, o arquiteto empenha-se na restauração do complexo arquitetônico da Fortaleza de Itaipu, na Praia Grande – SP, que abri-ga a última bateria "invisível" de artilharia construída no Brasil.

Ao amigo, que prossiga trilhando o seu caminho do dever. Elcio Rogerio Secomandi - Coronel de Artilharia R/1 Fundação Cultural Exército Brasileiro

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Victor Hugo Mori

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Combate de contato na Idade Média Viollet Le Duc

A “CORTINA VERTICAL” E A NEUROBALÍSTICA

A fortificação é uma construção funcionalista por natureza. Sua tipologia se transformou conforme o desenvolvimento tecnológico da artilharia e das inovações da estratégia militar de ataque e defesa.

A

té o fim da Idade Média, as guerras eram travadas com a utilização de arma-mentos com pouco poder de des-truição. As armas de arremesso eram de alcance restrito e precisão máxima de 50 metros. Os confron-tos entre as tropas rivais eram, portanto, à curta distância, e cha-mados de “combates de contato”. Foi a era da artilharia mecânica, conforme veremos no capítulo seguinte.

A época em que se utilizavam essas armas primitivas, como o arco--e-flecha, a besta e a catapulta, foi denominada na história militar de: período da neurobalística (ciência que estuda a impulsão de projéteis, Castelo de São Miguel em Guimarães (Portugal). A torre central foi construída no século x

pela condessa Munadona. Foi residência de D, Afonso Henriques e considerado o “Berço da Nacionalidade Portuguesa”.

(11)

através da força elástica, provocada pelo tensionamento ou torção de cordas).

A proteção de um território era, então, assegurada pela presença de castelos elevados, torres de mena-gem e grandes muros defensivos, concebidos para se distanciar do alcance e precisão desses arma-mentos. Este sistema defensivo foi denominado de “cortina vertical”, pois, quanto maior a altura dos

muros (cortinas) mais seguros e inacessíveis eram os edifícios mili-tares, freqüentemente construídos nos penhascos para ampliar sua verticalidade.

São exemplos históricos dessa arquitetura militar, as Muralhas da China, a Torre de Londres, os muros medievais de Carcassone, o Castelo de Santo Ângelo em Roma, e até mesmo as paliçadas de madei-ra das fortificações provisórias.

Castelo de Chillon na Suiça

Catapulta medieval Bombarda (esq.) e balestra (dir.)

Ilustração alemã do século XV mostrando o uso de canhões e flechas incendiárias no cerco de uma cidade medieval

(12)

riências dentro desses novos princípios, na Itá-lia. O mesmo Sangallo em 1492 havia aplicado os baluartes angulares na modernização do Castelo de Santo Ânge-lo, em Roma.

A Torre de Belém, em Lisboa, concluída em 1519 por Francisco Arruda, pode ser vista como o para-digma do “período de transição” entre o sistema medieval e o siste-ma renascentista, ao conjugar num mesmo projeto a torre de menagem e o baluarte de três faces provido de guaritas nos ângulos, com a plata-forma superior e canhoneiras no

piso inferior. O Castelo da Mina, no Golfo da Guiné, construído em 1482 ainda com influên-cia da tradição medie-val, é considerado a pri-meira fortificação por-tuguesa nos trópicos. As plantas poligonais ou circula-res das fortificações medievais foram, paulatinamente, sendo subs-tituídas pela forma de estrela de múltiplas pontas – os baluartes angulares. As estreitas passagens dos arqueiros sobre os muros medievais deram lugar às amplas “plataformas de armas” para as manobras da artilharia. As

mura-Castelo Farnese em Caprarola, de 1515. Surgimento de baluartes pentagonais nos vértices da torre P.J. Mariette

Nau de Nicolau Coelho

Lisuarte de Abreu

A

nova artilharia, composta de canhões e bombardas, era capaz de destruir um sítio fortificado a distância.

Diante desta nova realidade, o sistema da “cortina vertical” pas-sou a ser estratégicamente inconve-niente, pois no “combate à distân-cia”, quanto mais alta a construção, mais exposta estaria à mira dos canhões. Por outro lado, a adapta-ção das cortinas elevadas em plata-formas de canhões diminuía a pre-cisão da artilharia defensiva, for-çando “os tiros de mergulhão”.

No reinado de D. João II

(1481-1495), consolidou-se o poderio béli-co de Portugal, béli-com a fabricação intensiva de “bocas-de-fogo” e da criação da “nau” com três mastros

equipada com artilharia de fogo – uma verdadeira fortaleza móvel de ataque e defesa1.

A época da pirobalística exigia uma nova arquitetura militar, alon-gada e de pouca altura: a “cortina horizontal”.

Neste período de grande eferves-cência cultural (Renascimento), os arquitetos italianos, através dos estu-dos da resistência estu-dos materiais, da balística e da geometria, criaram a forma ideal desta nova arquitetura militar: a “fortaleza abaluartada”.

O Castelo Farnese, em Caprarola, de planta poligonal com baluartes pentagonais nos vértices, desenha-do em 1515 por Antônio Sangallo e Peruzzi, e concluído por Jacopo Vig-nola, revelava as primeiras

expe-A “CORTINexpe-A HORIZONTexpe-AL” E expe-A PIROBexpe-ALÍSTICexpe-A

A partir do século xv, com o desenvolvimento da pirobalística (ciência que estuda a impulsão de projéteis através da explosão da pólvora), a prática do “combate de contato” começava a perder importância nas guerras.

Castelo da Mina no Golfo da Guiné (1482) – primeira fortificação portuguesa nos trópicos

(13)

Cortinas abaluartadas, segundo Vitruvius Edição Valentinus Rose, 1899

Segundo Rafael Moreira, “a base do sistema abaluartado era a prote-ção recíproca pelo cruzar de fogos entre diferentes pontos do mesmo perímetro”. Foi essa arquitetura o primeiro “estilo internacional do

Renascimento”2, repetindo-se, do oriente ao ocidente, numa seqüên-cia inumerável de fortificações este-lares, que vai do Forte da Aguada em Goa ao Forte Príncipe da Beira na Amazônia.

lhas mais grossas, ligeiramente inclinadas e de pouca altura, espar-ramavam-se horizontalmente pelo relevo, reduzindo a precisão e o poder de destruição da artilharia adversária.

O projeto de fortificação de Mazagão, no Marrocos, de autoria do italiano Benedetto de Ravenna, de 1541, é considerado a primeira obra portuguesa integralmente dentro do estilo abaluartado.

A difusão dos Tratados de Arqui-tetura, como os de Alberti (1452), Filarete (1464), di Giorgio (1500), Serlio (1537), Dürer (1554), Palla-dio (1556 e 1570), Serrão Pimentel (1680) – o primeiro em língua por-tuguesa, além da presença de inú-meros engenheiros italianos requi-sitados por Portugal e Espanha para desenhar fortificações, contri-buíram para firmar esse modelo renascentista nas Américas, África e Ásia.

Tour de la Guinette do século XII Viollet Le Duc

Torre de Belém: transição entre a torre de Menagem e o sistema renascentista

(14)

Planta de Neuf-Brisach (acima) Planta de Lille, cidade fortificada por Vauban (dir.)

Os três sistemas de Vauban

um período em que a mobilidade das tropas superou a formação geo-métrica da guerra tradicional.

As idéias de Vauban se difundi-ram com a publicação dos seus Tra-tados em 1704 e 1706, e através das atividades de seus seguidores. As cidades de Toulon e de Neuf Brisa-ch na França, fortificadas por Vauban e Nardeen, na Holanda são, exemplos desse sistema.

V

auban considerava a “praça fortificada” apenas como um instrumento tático ele-mentar, componente de uma estra-tégia global de defesa.

Até mesmo o modesto baluar-te angular renascentista, foi transformado num complexo projeto geométrico poligonal, composto por múltiplos ele-mentos defensivos: fossos, tenalhas, revelins, hornarveques, meias-luas, glacis, etc.

As formas distribuíam-se numa seqüência de cortes e aterros, partes enterradas e outras semi-aflorantes, com distribuição rádio-concêntrica a

partir da praça-forte, configurando uma “cortina rasante”, quase con-fundindo-se visualmente com o per-fil horizontal do terreno.

Esse novo sistema implicava a necessidade de alto grau de especialização, diversificação e profissionalização do corpo militar. A seqüência de ele-mentos arquitetônicos de defesa, permitia tanto o aban-dono das posições fronteiras com o recuo paulatino até a praça forte, como o avanço das tropas a partir do núcleo fortificado, conforme nos ensinou o historiador militar cel. Reginaldo Moreira de Miranda. Foi

VAUBAN E O SISTEMA DE DEFESA TERRITORIAL:

“A CORTINA RASANTE”

A partir do século xvii, o engenheiro militar Sébastien le Prestre de Vauban, Marechal do Rei Luís xiv, transformou a tradicional fortaleza abaluartada num complexo sistema de defesa territorial.

Marechal Sébastien le Prestre de Vauban (em cima) Um dos métodos de Vauban de fortificar (em baixo)

(15)

O

atual e moderno sistema de proteção da costa pau-lista com lançadores móveis de foguetes “Astros II”, ao

dispensar a posição fixa das antigas fortalezas e o invólucro da arquite-tura, configura um novo sistema: a “cortina virtual”.

As fortificações, que sempre se caracterizaram como “construções funcionalistas” por excelência, hoje esvaziadas de suas funções

milita-res, buscam se adaptar a novos pro-gramas sociais. São documentos da história e da arte que as gerações futuras têm o direito de conhecer e se reconhecer.

A defesa do Porto de Santos representa um retrato resumido dessa história da arquitetura mili-tar. Do primitivo Forte da Bertioga construído para o “combate de con-tato” contra os índios, ainda dentro dos princípios medievais da neuro-balística, passando pelo complexo sistema de defesa projetado por João Massé em Santos, até as arqui-teturas subterrâneas e “invisíveis” das fortificações de Itaipu e dos Andradas, cinco séculos de história subsistem.

A “CORTINA VIRTUAL” E O FIM DO CAPÍTULO

DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA MILITAR

O fracasso da "Linha Maginot" em 1940, o surgimento dos foguetes v-2 e a explosão da bomba atômica em Hiroshima em 1945, encerraram o capítulo da história das fortificações.

Lançador de foguetes Astros II na Fortaleza de Itaipu

Imagem do lançador de foguetes Astros II, chamado de “fortaleza móvel”

A “CORTINA INVISÍVEL”

E A ARTILHARIA RAIADA

A partir de meados do século xix, com o desenvolvimento da “artilharia raiada” e da criação do torpedo “obus”, o sistema de fortificações abaluartadas tornou-se obsoleto.

O

alcance quilométrico dos projéteis explosivos, a preci-são dos disparos e o grande poder de destruição desta artilharia, permitiu concentrar em poucas bate-rias todo o complexo de fortificações criado pelo sistema Vauban.

As novas fortalezas foram proje-tadas em subterrâneos ou protegi-das por cortinas blindaprotegi-das, camu-fladas na paisagem. O uso do aero-plano para fins bélicos acentuou a necessidade de se procurar, cada vez mais, a proteção do subsolo.

A arquitetura militar perdeu defi-nitivamente seu caráter simbólico de domínio e presença do poder na paisagem ao se ocultar e se proteger nos relevos naturais. O simbolismo

da “cortina vertical” da idade média, reduzido a partir do Renas-cimento na geometria acachapada da “cortina horizontal”, desapare-ceu nesta nova configuração arqui-tetônica: a “cortina invisível”.

A construção da “Linha Maginot” pela França entre 1930 e 1936 para assegurar a proteção da fronteira leste voltada para a Alemanha, foi a maior obra subterrânea dentro deste princípio militar. Ela de nada serviu contra o ataque das tropas alemãs em 1940, que partiu pela fronteira norte e ocupou a França.

A Fortaleza de Itaipu na Praia Grande e o Forte dos Andradas no Guarujá podem ser incluídos nesse estilo.

Fortaleza de Itaipu na Praia Grande (SP) – Bateria Duque de Caxias: rampa de acesso ao subterrâneo (esq.).

Fortaleza de Itaipu – Bateria de Jurubatuba (1919) com seu canhão raiado Schneider-Canet (abaixo à esq.).

Cozinha subterrânea do Forte dos Andradas no Guarujá – SP (abaixo)

(16)

A e

volução

dA

A

rtilhAriA

Victor Hugo Mori

Adler Homero Fonseca de Castro

Notas

1 Moreira, Rafael. "Caravelas e Baluartes" in "A Arquitetura Militar na Expansão Portuguesa". Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Porto, 1994, p. 85.

2 Moreira Rafael. "Fortalezas do Renascimento". Op.cit., p. 129 – O autor neste texto cita Sir John Hale: O "Estilo Internacional" por excelência do Renascimento foi o da arquitetura militar, e o seu módulo o baluarte angular".

(17)

INTRODUÇÃO

Os primeiros armamentos criados para a defesa e a caça, eram de madeira, ossos e pedras impulsionados pela força humana. Uma grande inovação aconteceu ainda na pré-história, com a invenção de engenhos de arremesso, como o arco-e-flecha e a funda. Foi o início da história da artilharia.

Artilharia de assédio protegida por cortina de faxina

Guillaume Le Blond

A

palavra artilharia, do fran-cês artillerie tem sua origem etimológica mais aceita pelos especialistas, nos termos lati-nos Ars Telorum (arte das armas) e

Artilum cujo radical significa “enge-nho”, do francês engin. Aliás, a

pala-vra engin, era sinônimo de máquina de guerra, e sua variante “enge-nheiro”, significava quem construía esses armamentos. Assim, desde as suas origens, a arquitetura militar, a tecnologia das armas e a ciência do combate são interdependentes,

(18)

A ARTILHARIA EXPERIMENTAL

E O INÍCIO DA COLONIZAÇÃO DO BRASIL

As primitivas bombardas eram construídas com barras de ferro forjado longitudinais, presas por anéis metálicos à semelhança do processo de tanoaria (construção de tonéis de madeira). Segundo Portela F. Alves, “a precisão era deplorável e o alcance não ultrapassava o da artilharia neurotona” (cerca de 400 m), e “era considerada notável quando podia dar vinte tiros sem arrebentar”.2

D

.

Afonso V utilizou esses

arma-mentos na Batalha de Alcácer Seguer (Marrocos) em 1458. Porém, foi na Tomada de Arzila, em 1471, que algumas peças de bronze

começaram a surgir nas tropas por-tuguesas, ainda convivendo com as bombardas de anéis de ferro, espa-das, lanças e balestras. As quatro tapeçarias que retratam a Tomada

Detalhe de gravura italiana do século XV: boca-de-fogo primitiva

umas influenciando outras ao longo dos séculos.

Como vimos no capítulo anterior, a história da artilharia pode ser divi-dida em três grandes partes:

1) Período da neurobalística ou da artilharia mecânica (engenhos que impulsionam os projéteis pela força elástica produzida pela torção ou flexão de cordas ou por outro sis-tema mecânico como o de contra peso), que vai da pré-história até o fim da Idade Média.

2) Período da pirobalística ou da artilharia de fogo (engenhos que impulsionam os projéteis pela explosão da pólvora), que vai do fim da Idade Média até a Segunda Guer-ra Mundial.

3) Período dos mísseis, que vai da eclosão da Segunda Guerra até os dias de hoje.

No caso do nosso estudo sobre a arquitetura militar paulista, interes-sa-nos, sobretudo, o período da piro-balística, que, grosso modo, pode-mos subdividi-lo em três épocas:

a) da artilharia experimental: quando a precisão, o alcance, o poder de destruição e a

durabilida-de das bocas-durabilida-de-fogo durabilida-de alma lisa, são deficientes e imponderáveis, e o “efeito moral” causado pelo estron-do e pelas chamas, supera o real poder de destruição. Esse período vai do início das primeiras bocas-de-fogo do século XIII até a primeira

metade do século XVI – tempo em

que as armas de pólvora ainda con-viveram com as armas mecânicas.1

b) da artilharia de alma lisa: quando as primitivas bombardas evoluíram para os canhões de alma lisa, de bronze ou ferro fundido, que disparam projéteis metálicos esféri-cos. Essa época, que vai da primeira metade do século XVI até meados do

século XIX, coincide em parte com o

período da colonização do Brasil pelos portugueses.

c) da artilharia raiada: quando o raiamento das almas dos canhões, o aperfeiçoamento do sistema de retrocarga, e a criação do projétil explosivo de forma ogival, propi-ciam à artilharia, precisão, alcance quilométrico e grande poder des-trutivo. Esse período vai de meados do século XIX até a Segunda Guerra

(19)

O exemplOdO CastelOde edimburgO

A construção do Castelo de Edimburgo iniciou-se no século XII sobre uma

elevação vulcânica. Em 1449, o Duque de Burgundy mandou construir na cidade de Mons a famosa “bombarda gigante” – Mons Meg – como presen-te para o seu sobrinho Jaime II, rei da Escócia. No ano de 1497 esse canhão

foi levado para o Castelo de Edimburgo. A partir de 1570 começaram as adaptações para modificar o velho sistema de defesa medieval do castelo. Foi construído o baluarte renascentista em “meia-lua” no lado leste. Nos séculos que se seguiram, o complexo medieval foi contornado por cortinas, baterias de canhões e baluartes.

Artilharia do século XVIII

Bateria de canhões em “meia lua”,

acrescentada em 1570. A Bombarda Gigante

“Mons Meg”, construída em 1449, em uma gravura de 1880. O canhão real encontra-se, hoje, em exposição no edifício que abrigava as antigas prisões do Castelo. Página anterior: “Tomada de Arzila” (1471).

Detalhe da tapeçaria existente na cidade de Pastrana (Espanha), retratando os feitos portugueses em Tânger, executada em Flandres.

Fundição de balas esféricas no século XVI

Canhão primitivo do livro de Charles Boutell de 1868 de Arzila, representam “um

docu-mento de excepcional importância para

a reconstituição do armamento de cam-panha utilizado na época”.3

O efeito moral das bombardas era proporcional ao calibre dessas rudimentares artilharias. Houve inúmeras tentativas de se construir bombardas gigantes para atemori-zar os inimigos. Das primeiras fabricadas no século XV,

podería-mos citar as Michelettes que hoje se encontram em Mont Saint-Michel, a Dulle Griet, de fabricação holan-desa, com um metro de diâmetro e comprimento de cinco metros, e a célebre Mons Meg (Monster-Margherite), construída em 1449, que serviu por anos à proteção do Castelo Real de Edimburgo, onde ainda permanece com seus 6.600

kg de anéis de ferro forjado, capaz de disparar esferas de granito de 150 kg. Essa foi uma época de tran-sição, quando os antigos castelos construídos para resistir às armas mecânicas tiveram de se adaptar à nova artilharia que surgia.4

Foi, portanto, a partir do fim do século XV, com o progresso da

fundi-ção, que se iniciou a fabricação das primeiras peças maciças de bronze e ferro fundido. Houve, também, expe-riências no sentido de se construir canhões com carregamento pela culatra (retrocarga), aperfeiçoou-se a fundição de projéteis esféricos, subs-tituindo as pedras lavradas, e difun-diu-se o uso dos “munhões” que controlavam a pontaria.

Quando os primeiros portugueses chegaram ao Brasil, os indígenas

(20)

Desenho de 1611, reproduzido por C. Lechuga

Bombarda grossa, do livro de D. Ufano (1613) nos ataques imprevisíveis naquele inóspito território.

A artilharia de fogo dos portugue-ses era ainda bastante ineficiente nos primeiros anos de colonização. O “efeito moral”, causado pela explo-são das bombardas e arcabuzes, era logo dissipado pela demora no recarregamento das bocas-de-fogo.

Martim Afonso de Souza, após a dura recepção no Rio de Janeiro, entendeu que a conquista da região de São Vicente dependia muito mais da “tática de guerra”, que do poder da sua primitiva artilharia. Foi a aliança com os tupiniquins que, de fato, consolidou a colonização da capitania. Uma “aliança de guerra”, tal qual se fazia na Europa para assegurar conquistas através de matrimônios. O casamento de João

Ramalho com a filha do cacique Tibiriçá foi o primeiro elo para a aproximação. Seguiram-se inúme-ros outinúme-ros entre colonizadores e indígenas aliados, que acabaram por consolidar a conquista.

O Governador-Geral Thomé de Souza em 1552, “respeitando a

contí-nua guerra que nas ditas capitanias havia” mandou provê-las “de alguma

artilharia, e munições necessárias para a segurança delas”. Para a Capitania de São Vicente (Fortaleza da Bertioga)

“mandava para defensa dela a artilharia e munições seguintes: um pedreiro de metal e um reparo de rodas maciças, um falcão também de metal, duas camaras, a chave e o reparo dele, trinta pelouro para o dito falcão, quatro berços também de metal, doze camaras e quatro chaves para eles, vinte pelouros, seis arcabuzes

Armas indígenas segundo desenho de Jean B. Debret

Arcabuzes utilizados pelos bandeirantes segundo desenho de Belmonte (abaixo)

encontravam-se ainda na idade cul-tural da pedra polida. Seus arma-mentos eram rudimentares, como o arco-e-flecha, a borduna, o macha-do e a lança. Consideranmacha-do-se os parâmetros históricos da evolução dos engenhos de guerra, os nativos encontravam-se nos primórdios do período da neurobalística. Sequer conheciam as balestras, as catapul-tas e os onagros. O temor dos colo-nizadores concentrava-se na dife-rença numérica “dos contrários” e

(21)

O PROGRESSO DA ARTILHARIA LISA

NO PERÍODO COLONIAL

A pirobalística ganhou impulso com o Imperador Carlos v, depois da vitória em Pavia (1525) sobre Francisco i.

Carlos V também ordenou a normalização dos calibres, disciplinou

os tipos de artilharia e estabeleceu, inclusive, a composição do bronze (92 partes de cobre para oito de estanho).

Carlos V,

retratado por Ticiano

A

artilharia imperial foi com-posta pelas seguintes peças: o canhão (33 libras e 4 onças), a grande colubrina (15 libras e 2 onças), a colubrina bastarda (7 libras e 2 onças), a colubrina média (2 libras), o falcão (1 libra e 1 onça) e o falconete (14 onças). A Ordenança de Carlos V de 1554, prescrevia que

“ao introduzir a bala no tubo, o artilhei-ro fará o sinal da cruz na boca da peça e rogará a assistência de Santa Bárbara”.6

Com a abdicação de Carlos V em

1555, o vasto império dos Habsbur-gos foi subdividido entre seu irmão Fernando, que ficou com o título de Imperador Germânico, e seu filho Felipe II, que herdou o reino da

Tipos de canhões antigos

aparelhados, uma arroba de polvora de

espingarda, e vinte espadas com suas

bainhas”; tudo isso somado às armas

“que já estavam de Sua Alteza na dita Capitania de São Vicente, a saber um falcão outro de metal, duas camaras para ele, vinte pelouros para ele, seis meio berços de metal, dezoito camaras, vinte pelouros, um quintal mais de polvora de bombarda, trinta espadas guarnecidas, tudo avaliado em duzentos, quarenta, e seis mil, e oitenta, e oito reis”, a serem pagos das rendas do donatário Mar-tim Afonso de Souza.5

Não havia nessa época nenhuma normalização das bocas-de-fogo. Existiam grandes variedades de calibres, tipos e formatos, com denominações diversas, freqüente-mente utilizando nomenclaturas de animais. Os modelos mais

empregados em Portugal eram: • Colubrina ou colubreta: peça de bronze de grande comprimento e grande alcance.

• Passavolante: pequena colu-brina.

• Falcão: peça de bronze de ante-carga equivalente ao calibre 3 (peso do projétil em libra). A descrição do documento de São Vicente sugere ser aquele falcão de retrocarga. • Falconete: semelhante e menor que o falcão.

• Bombarda (grossa e miúda): o termo bombarda foi inicialmente empregado nas primeiras bocas-de-fogo de ferro forjado semelhante ao morteiro, posteriormente foi aplica-do genericamente a inúmeros tipos de canhões.

• Esmeril: peça pouco maior que o falconete.

• Berço: artilharia curta e de pequeno calibre de retrocarga. • Meio-berço: semelhante e menor que o berço.

• Pedreiro: tipo de bombarda destinado a lançar projéteis de pedra, posteriormente essa deno-minação foi empregada para o canhão-pedreiro da artilharia de D. Manuel I.

(22)

Trinta Anos, suprimiu as pesadas armaduras dos soldados e, utilizan-do o binômio artilharia-infantaria com canhões de pequeno calibre, transformou o conceito de mobilida-de em fator mobilida-determinante nas guer-ras. Foi o fim das formações geomé-tricas das tropas, substituídas pelas movimentações e combinações táti-cas. A arquitetura militar teve que acompanhar esse novo tipo de

com-bate, e foi o Marechal de Luís XIV,

Sébastien le Prestre de Vauban, quem melhor sistematizou na arquitetura a complexidade desse sistema.

Em 1732, Jean F. Vallière por ordem de Luís XV estruturou a

fabricação da artilharia francesa. Vallière estabeleceu proporções de espessura e peso das peças, dimen-sões dos projéteis e carga de pól-vora, fixou os calibres e redese-nhou os reparos (carretame) para facilitar os deslocamentos. Com pequenas variações, o “Sistema Vallière” transformou-se em norma internacional, difundido em inúmeros países fabricantes de boca-de-fogo. Na Inglaterra, a pri-meira uniformização de material bélico foi feita pelo Cel. Bogard, de 1716 à 1719, que foi posteriormen-te reformulada por Armstrong a partir de 1727.7

Outra inovação no século XVIII foi

o emprego regular do “obus”, um canhão mais curto, de tiro curvo, Artilharia de Vallière (1735)

Canhão francês Gribeauval com desenho simplificado sem ornamentações barrocas – Tratado de Heinrich O. Schell’s de 1800

Espanha, grande parte da atual Itália, Borgonha, Países Baixos e as posses-sões nas Índias e no Novo Mundo. A partir de 1580, com a morte de D. Henri-que em Portugal, que não deixou des-cendentes diretos, Felipe II, cuja mãe

Isabel era filha de D.

Manuel I, assumiu o trono português

com o título de Felipe I. Toda a

Amé-rica ficou unificada até 1640. Grande parte da atual Itália tam-bém pertencia à Espanha ou estava sob protetorado do Império dos Habsburgo. Daí, saíram inúmeros arquitetos, engenheiros militares e matemáticos para trabalhar na corte de Felipe II, que havia sido

governa-dor da região milanesa antes da abdi-cação de seu pai. Esses especialistas

“espano-italianos”, transformaram os arcaicos sistemas defensivos existen-tes no novo mundo, introduzindo os modernos preceitos da arquitetura militar renascentista, apropriados para a nova artilharia que surgia.

Os armamentos de Carlos V e

Felipe II eram propícios para o “tiro

tenso” ou de trajetória rasante. O

morteiro de “tiro curvo” utilizado nessa época para atingir alvos ocul-tos por cortinas ou afundar navios, não possuía precisão e funcionava em fun-ção do acaso e das tentativas. A balísti-ca ainda desconhe-cia a ação da gravi-dade e a resistência do ar, fundamentais para o cálculo da trajetória curvilínea. Durante o reinado de Felipe II, o mais

impor-tante engenheiro militar

espano-ita-liano na América era Giovanni Batis-ta Antonelli, patriarca de uma famí-lia que adotou o mesmo ofício. Os Antonelli introduziram na arquite-tura do novo mundo, o sistema de plataformas de armas escalonadas, que permitia à artilharia de defesa, lançar tiros rasantes (trajetória tensa) e mergulhantes (trajetória inclinada) contra os navios inimi-gos. Os projetos das Fortalezas de

El Morro em Havana, de San Felipe

del Morro em Porto Rico e da Barra Grande no Guarujá, todos da lavra dos Antonelli, seguem este estilo.

O rei da Suécia (1611-1632) Gusta-vo Adolfo, durante a Guerra dos Felipe II de Espanha –

Felipe I de Portugal, retratado por Rubens

Artilharia de Gustavo Adolfo: pequeno canhão escocês (1642) do Museu do Castelo de Edimburgo

(23)

F

oi seu padrinho q u e m o iniciou nos estu-dos da artilharia na Academia de Viana. Em 1738, Alpoim foi desig-nado a reger o “ensino de enge-nharia militar” no Rio de Janeiro com o posto de sargento-mor. Sil-va-Nigra atribuiu ao Brigadeiro Alpoim a intro-dução, no Brasil, da verga em “arco abatido” nas suas obras no Rio de Janeiro, como o Palácio dos Vice-reis e o Arco do Teles, e no Palácio dos G o v e r n a d o re s em Ouro Preto. Mas foi no seu livro “Exame de A r t i l h e i r o s ” publicado em 1744 em Lisboa, con-siderado um dos primeiros e escri-tos no Brasil, que o seu amplo conhecimento sobre a engenharia militar pode ser apreciado. Esse Tratado permite-nos compreender o que foi a artilharia luso-brasileira no século XVIII.8

O “Exame de Artilheiros” abran-ge a matemática, a abran-geometria e a artilharia, sempre acompanhadas de elucidativos desenhos. Descreve os canhões e seus apetrechos sem se esquecer de preceitos religiosos. Antes do tiro, recomendava que

O “TRATADO DE ARTILHARIA” LUSO-BRASILEIRO

DO ENGENHEIRO ALPOIM DE 1744

José Fernandes Pinto Alpoin foi um dos mais importantes engenheiros militares que atuaram no Brasil colonial. Nascido em Viana do Castelo, em 1700, teve como padrinho, outro célebre engenheiro militar, Manuel Pinto Vila Lobos, que em 1712 elaborou um projeto para a Fortaleza do Crasto em Santos posteriormente modificado por João Massé.

Santa Bárbara, padroeira dos artilheiros Seção de um obuseiro do século XVIII

segundo Rudyerd (1791-1793)

Canhão Paixhans de alma lisa, do século XIX - Forte da Bertioga (SP) que possibilitava o carregamento

com as mãos.

O “Sistema Vallière” foi aperfei-çoado em 1765 pelo “Sistema Gri-beauval”, cujo criador foi chamado por Napoleão Bonaparte de “pai da artilharia francesa”. O general Gri-beauval introduziu o eixo de ferro nos reparos, criou o carretame leve de quatro rodas, e reorganizou a arti-lharia de acordo com a função mili-tar de Campanha, de Sítio, de Praça e de Costa. O sistema Gribeauval foi também responsável pela padroniza-ção dos acessórios, a criapadroniza-ção de peças

mais leves e ligeiras e a eliminação de decorações supérfluas das peças, que passaram a ter uma aparência “limpa” – a influência do Barroco diminuía na arte militar. Em Portu-gal essas inovações chegaram apenas no final do século XVIII.

O progresso da Física nos campos da força gravitacional e da resistên-cia do ar, permitiu ao estudioso da balística Benjamin Robins (1707-1751), estabelecer que a precisão do tiro estava associada à velocidade, que por sua vez dependia da carga e da forma do projétil.

(24)

O

s franceses creditam a invenção do raiamento ao General Treville de Beau-lieu em 1855, e os norte-americanos a Daniel Treadwell.10

A Guerra da Criméia (1854-1855) entre a Prússia de um lado e a Tur-quia, França, Inglaterra e o Piemon-te do outro, foi talvez o último grande conflito internacional com a utilização dos canhões de alma lisa.

Durante o governo de Napoleão

III na França, La Hitte, Temésier e

Beaulieu construíram canhões de antecarga com raiamento em larga escala. Na Inglaterra, Lancaster construiu canhões de alma helicoi-dal ovalada. Whitworth em 1855 introduziu o raiamento em espiral com seção poligonal, e nesse mesmo

ano, George Armstrong fabricou a primeira peça raiada de retrocarga composta de várias partes.

O forte atrito dos projéteis nos sul-cos do raiamento demonstrou que a resistência do bronze ou do ferro fundido eram inadequados. Alguns autores atribuem ao inglês Blakely a

A ÉPOCA DA ARTILHARIA RAIADA

Giovanni Cavalli, em 1846, construiu um obuseiro de retrocarga de 150 mm de alma sulcada com dupla raia espiralada. O projétil, de forma ogival de 30 kg, atingiu a distância de 5 km com relativa precisão.

Projétil Armstrong (esq.), projétil Whitworth (dir.) Canhão raiado Whitworth no Morro do Castelo por volta de 1895 (abaixo)

“Ballas encadeadas, enramadas, palanquetas, de pernos, diamante e mensageira”. Desenho do “Exame de Artilheiros” de Alpoim – 1744

“São panelas de barro, com suas asas, cheias de pólvora fina, com uma granada carregada dentro. Se cobre com pele de carneiro e nas asas se colocam morrões acesos ou estopim”. Desenho do “Exame de Artilheiros” de Alpoim – 1744

“em nome de Deus e da senhora Santa Bárbara, pegará o Artilheiro a lanada”, para limpar a alma do canhão, “e

feito o sinal da Cruz com a dita bala na boca da peça (…) meterá a bala em nome da Senhora Santa Bárbara”.

Alpoim definia a Artilharia como “toda a sorte de peças, toda a sorte de armas, todas as ferramentas e petrechos, que podem servir na guerra, ou nos ataques das Praças e sua defesa, ou nas batalhas do mar,

ou da terra”. Sobre a peça de artilha-ria: “é um instrumento, ou

boca-de-fogo, comprido, e côncavo, por dentro, em forma redonda, feito de ferro, ou de bronze, com o qual por meio da pólvora, se arrojarão balas, bombas, e granadas”. Na segunda metade do século

XVIII em Portugal, Bartolomeu da

Costa (1731-1801) encarregado da fundição de obuseiros de campa-nha, foi o responsável pela normali-zação dos calibres.9.

(25)

Lançamento de foguete na Fortaleza de Itaipu alguns para o Exército, inclusive um de 11 polegadas. A maior parte da artilharia de costa moderna era composta de canhões Whitworth, sendo que a partir de 1877, foram comprados diversos de retrocarga. Esses canhões (Armstrong e Whit-worth), continuaram em serviço até o final da década de 1920, assim como alguns La Hitte, empregados em fortes menores.

No fim do século XIX surgiram na

França o canhão de tiro rápido, de trajetória tensa, com alcance de 11.000 metros, e na Alemanha o obus 105 mm de tiro curvo com alcance de 6.000 metros. A Primeira Guerra Mundial foi o campo de teste, onde se consagrou a artilharia pesada com

calibres variando de 155 à 280mm e alcance de até 40 km.

No Brasil, a defesa da costa resu-mia-se à artilharia de alma lisa assentada nas velhas fortificações coloniais. A modernização iniciou-se no princípio do século XX com o

Ministro da Guerra Gal. João Nepo-muceno Mallet, construindo as pri-meiras fortalezas de concreto e adquirindo canhões Krupp e Sch-neider-Canet. Os fortes foram arma-dos com canhões que iam de 150 mm (Krupp e Schneider) até 305 mm (Copacabana), sendo que a defesa do Porto de Santos foi equi-pada com seis peças de 150 mm Sch-neider-Canet C/50 modelo 1902 Tiro Rápido e quatro obuseiros de Krupp 280mm C/16 modelo 1912.

Durante a 2ª Guerra se pensou em equipar o Porto de Santos com canhões de 7 e 12 polegadas norte-a-mericanos. Os canhões foram com-prados e a construção de um forte para eles chegou a começar, mas as obras foram interrompidas.

O Forte dos Andradas, no Guaru-já, é um excelente exemplo dos pro-Obuseiro Krupp de 280 mm do Forte dos

Andradas, no Guarujá (SP)

Canhão Armstrong da Fortaleza de Itaipu no município de Praia Grande (SP).

Canhão Schneider-Canet do Forte de Jurubatuba construção do canhão de aço forjado.

A fábrica Krupp, na Alemanha, tam-bém desenvolveu a fabricação de canhões de aço. Era a consolidação da artilharia raiada com a consagra-ção do sistema de retrocarga, cujo desenvolvimento levou ao canhão de tiro rápido, que empregava cartu-chos e disparadores elétricos.

O avanço tecnológico nas siderur-gias, com o emprego do aço, cromo e níquel, transformou as empresas Krupp, Schneider, Armstrong, Bethlehem, Firth, Holtzer, etc., nos grandes fabricantes de armamentos na virada do século.

A Guerra do Paraguai surgiu no momento em que o País

encontrava-se com a artilharia obsoleta. Foram fabricadas no Rio de Janeiro alguns canhões de bronze no sistema La Hitte, copiados de canhões franceses e espanhóis adquiridos pouco antes do conflito, somando aos existentes Whitworth, além de inúmeras bocas-de-fogo de alma lisa. A guerra civil norte-americana também fomentou a sua indústria bélica, que passou a fabricar excelentes artilharias como as de Rodman e Parrott.

O exército brasileiro se rearmou, após 1872, com canhões Krupp de campanha de 75mm. Na artilharia de costa, a Marinha comprou um certo número de canhões Arms-trong para seus fortes e repassou

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A

s

F

ortiFicAções

c

oloniAis

no

B

rAsil

Carlos A. Cerqueira Lemos

CALIBRES E ALCANCES DA ARTILHARIA

Ano Peça Peso da bala (Kg) Calibre (mm) Alcance útil (m)

1620 Falcão 1,3 (sólida) 74 420 1730 Canhão/1730 11 (sólida) 148 2.000 1863 La Hitte 12 (explosiva) 121 4.100 1863 Whitworth 14,5(explosiva) 97 5.380 1895 Krupp 45,5(explosiva) 150 10.200 1914 Krupp 445 (explosiva) 305 23.000 Notas

1 Alves, J. V. Portella F. “Seis Séculos de Artilharia - A História da Arma dos Fogos Largos, Poderosos e Profundos”. Biblioteca do Exército, Rio de Janeiro, 1959, p. 96.

2 Idem. Ibidem., p. 97.

3 Moreira, Rafael. “A Artilharia em Portugal na Segunda Metade do Século xv”, adaptado do texto original “A Artilharia Portuguesa nas Tapeçarias de Arzila” de Nuno José V. Valentim, in “A Arquitectura Militar na Expansão Portuguesa”. Comissão Nacional para os Descobrimentos Portugueses, Porto, 1994, pp. 16-26.

4 Lead, Peter. “Mons Meg: A Royal Cannon”. Mennock Publishing, Staffordshire, 1984. 5 “Documentos Históricos (mandados, alvarás, provisões, sesmarias) – 1549-1553”, vol. xxxviii. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, Biblioteca Nacional, 1937, pp. 214-217.

6 Alves, J. V. Portella F. Op. cit., pp. 104-107.

7 Caruana, Adrian B.. “The identification o British Muzzle Loading Artillery”. Part 1, the Designers. In: “Canadian Journal of Arms Collecting”, vol. 21, nº 4, (nov. 1983), p. 132.

8 Alpoim, José Fernandes Pinto. “O Exame de Artilheiros” – 1744. Biblioteca Reprográfica Xerox, Rio de Janeiro, 1987.

9 Alves, J. V. Portella F. Op. cit., p. 147.

10 Manucy, Albert. “Artillery Trough the Ages”. Division of Publications National Park, Washington, dc, 1985, pp. 13-14.

blemas técnicos surgidos no Entre Guerras. Quando foi decidido cons-truir o Forte dos Andradas (o último a ser construído no País), os obusei-ros, ao invés de ficarem concentra-dos em poços, como era o caso concentra-dos dois fortes com armas semelhantes do Rio de Janeiro (Duque de Caxias e Pico), foram dispersos na mata. Além disso, as instalações de apoio foram “enterradas” dezenas de metros abaixo do solo. Era a fortale-za invisível dissimulada no relevo da paisagem da Ponta do Monduba.

Na Segunda Guerra Mundial decidiu-se modernizar a artilharia

de costa do País, adquirindo-se material norte-americano composto de 99 peças Vickers-Armstrong de 6 polegadas (152,4 mm), modelo 1917, para os Grupos de Artilharia de Costa Motorizada. Posteriormente foram usados também canhões de 90 mm antiaéreos, em disparos de tiro tenso, contra embarcações.

O surgimento dos foguetes V2 na Segunda Guerra, marcou o início de uma nova fase da história da artilharia. Na costa paulista os canhões Vickers-Armstrong foram substituídos pelo Sistema de Foguetes Astros-II.

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ortiFicAções

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no

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Carlos A. Cerqueira Lemos

CALIBRES E ALCANCES DA ARTILHARIA

Ano Peça Peso da bala (Kg) Calibre (mm) Alcance útil (m)

1620 Falcão 1,3 (sólida) 74 420 1730 Canhão/1730 11 (sólida) 148 2.000 1863 La Hitte 12 (explosiva) 121 4.100 1863 Whitworth 14,5(explosiva) 97 5.380 1895 Krupp 45,5(explosiva) 150 10.200 1914 Krupp 445 (explosiva) 305 23.000 Notas

1 Alves, J. V. Portella F. “Seis Séculos de Artilharia - A História da Arma dos Fogos Largos, Poderosos e Profundos”. Biblioteca do Exército, Rio de Janeiro, 1959, p. 96.

2 Idem. Ibidem., p. 97.

3 Moreira, Rafael. “A Artilharia em Portugal na Segunda Metade do Século xv”, adaptado do texto original “A Artilharia Portuguesa nas Tapeçarias de Arzila” de Nuno José V. Valentim, in “A Arquitectura Militar na Expansão Portuguesa”. Comissão Nacional para os Descobrimentos Portugueses, Porto, 1994, pp. 16-26.

4 Lead, Peter. “Mons Meg: A Royal Cannon”. Mennock Publishing, Staffordshire, 1984. 5 “Documentos Históricos (mandados, alvarás, provisões, sesmarias) – 1549-1553”, vol. xxxviii. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, Biblioteca Nacional, 1937, pp. 214-217.

6 Alves, J. V. Portella F. Op. cit., pp. 104-107.

7 Caruana, Adrian B.. “The identification o British Muzzle Loading Artillery”. Part 1, the Designers. In: “Canadian Journal of Arms Collecting”, vol. 21, nº 4, (nov. 1983), p. 132.

8 Alpoim, José Fernandes Pinto. “O Exame de Artilheiros” – 1744. Biblioteca Reprográfica Xerox, Rio de Janeiro, 1987.

9 Alves, J. V. Portella F. Op. cit., p. 147.

10 Manucy, Albert. “Artillery Trough the Ages”. Division of Publications National Park, Washington, dc, 1985, pp. 13-14.

blemas técnicos surgidos no Entre Guerras. Quando foi decidido cons-truir o Forte dos Andradas (o último a ser construído no País), os obusei-ros, ao invés de ficarem concentra-dos em poços, como era o caso concentra-dos dois fortes com armas semelhantes do Rio de Janeiro (Duque de Caxias e Pico), foram dispersos na mata. Além disso, as instalações de apoio foram “enterradas” dezenas de metros abaixo do solo. Era a fortale-za invisível dissimulada no relevo da paisagem da Ponta do Monduba.

Na Segunda Guerra Mundial decidiu-se modernizar a artilharia

de costa do País, adquirindo-se material norte-americano composto de 99 peças Vickers-Armstrong de 6 polegadas (152,4 mm), modelo 1917, para os Grupos de Artilharia de Costa Motorizada. Posteriormente foram usados também canhões de 90 mm antiaéreos, em disparos de tiro tenso, contra embarcações.

O surgimento dos foguetes V2 na Segunda Guerra, marcou o início de uma nova fase da história da artilharia. Na costa paulista os canhões Vickers-Armstrong foram substituídos pelo Sistema de Foguetes Astros-II.

(28)

INTRODUÇÃO

Na costa brasileira, as primeiras feitorias portuguesas corriam o risco permanente de assaltos de piratas ingleses, franceses e holandeses. Nacionalidades variadas também tentaram a posse efetiva de regiões ainda não ocupadas por gente de Portugal, querendo estabelecer enclaves destinados a transformar-se em colônias que romperiam a continuidade do litoral lusitano.

A

França, por exemplo, soube aliar-se a alguns indígenas inimigos dos portugueses e chegaram mesmo a fixar-se longa-mente, pelo menos no Rio de Janei-ro, em 1555, e no Maranhão, em 1612. Os holandeses, mais ambicio-sos, organizados e financiados por poderosas companhias de comércio, trataram de conquistar núcleos já estruturados e ricos produtores de açúcar. Atacaram, no início do segundo quartel do século XVII, a

Bahia e logo depois conquistaram Pernambuco, lá ficando quase vinte e cinco anos.

Os primeiros estabelecimentos portugueses também se viram ameaçados pelos índios, nem sem-pre amigos porque, guerreando-se entre si, muitas vezes atacavam as povoações dos colonizadores onde estivessem homiziados os seus desafetos, ali bem relacionados.

Assim sendo, os portugueses eram hostilizados tanto pelos seus inimi-gos europeus como, muitas vezes, pelos selvagens da terra conquista-da. Inimigos, pois, possuidores de diferentes logísticas e estratégias, uns na Idade da Pedra Polida, usan-do métousan-dos primitivos, mas eficazes, Forte de São Marcelo - S. Salvador (1698) BN

(29)

Ataque do corsário Duguay-Trouin ao Rio de Janeiro em 1712 Le Brésil 1909

dada a diferença numérica entre os opositores; outros providos de todos os recursos que a modernidade ofe-recia naqueles tempos do nascimen-to da pirobalística. Contra os índios havia a intimidação, até certo ponto

fácil. Tomé de Sousa dava o exemplo matando-os às dezenas, a tiros de canhão, os selvagens aprisionados e amarrados uns aos outros com cor-das. Para combater os invasores que vinham pelo mar, providos dos mais

Tratado de Tordesilhas (1494): novos descobrimentos divididos entre Espanha e Portugal

Forte de São Marcelo em Salvador (BA), também chamado Forte do Mar. Obra de Frias de Mesquita (1622)

(30)

mitindo o exame atento dos arredo-res descampados; depois, os primei-ros muprimei-ros abaluartados. Vejamos, porém, os que nos interessa: as for-talezas defensoras, de norte a sul, dos limites portugueses nas terras da América do Sul.

Podemos estabelecer uma meto-dologia de abordagem desse vasto tema relativo à defesa do território brasileiro, dividindo a história das fortificações em algumas etapas significativas do período colonial. Salvo melhor juízo, uma primeira etapa compreende os primeiros anos a partir de 1500 até o ataque holandês, aquele que verdadeira-mente ameaçou a integridade do litoral brasileiro; corresponde, a grosso modo, ao tempo pioneiro de tomada de conhecimento do território somado ao período de dominação espanhola sobre Portu-gal, que vai de 1580 até 1640. Uma segunda etapa, com ligeira

sobre-posição de datas em relação à ante-rior, abrange o período de perma-nência dos holandeses no litoral pernambucano, aproximadamente de 1630 a 1654, não havendo cons-truções defensivas significativas no resto da costa, fora da nordesti-na. Uma terceira etapa, na bacia amazônica, vai desde os últimos anos do século XVII até

pratica-mente ao fim do século XVIII,

refe-rindo-se aos planos de fortificação da área contra os franceses, ingle-ses e holandeingle-ses, interessados em estabelecer domínio ao longo da margem esquerda do rio Amazo-nas. A quarta etapa corresponde ao período em que os espanhóis da Argentina procuraram ocupar o litoral ao sul de Cananéia, já que ainda eram nebulosas as divisas entre os domínios de Castela e Portugal antes do Tratado de Madrid, de I750, e do Tratado de Santo Ildefonso, de 1777. Artilheiros holandeses na Batalha de Guararapes. Detalhe da pintura “A Batalha de Guararapes” no forro da Igreja de N. Senhora da Conceição dos Militares em Recife, atribuída a João de Deus Sepúlveda. Ataque holandês aos Engenhos na Bahia de Todos os Santos protegidos

por paliçadas de madeira (1640), segundo Franz Post

recentes recursos em matéria de armamento com base na pólvora, tra-taram os Lusitanos de providenciar fortalezas. Lembremo-nos, porém, de um aspecto: até 1580, o sistema defensório português era incipiente porque não havia, verdadeiramente, valores a defender, a não ser meia dúzia de povoações ainda não bem estruturadas economicamente atra-vés de atividades lucrativas de modo efetivo.

Foi durante o domínio espanhol sobre Portugal que realmente se organizaram os primeiros sistemas eruditos de fortificação, principal-mente à vista do perigo holandês. Assim, desde aquele ano até 1640 a arquitetura das fortificações, no Brasil, foi baseada nas ordens dos arquitetos sob o comando espanhol e a vigilância especial de Felipe II.

Os Italianos, na época os maiores especialistas em fortificações modernas apropriadas às novas armas de fogo, foram os mentores dos espanhóis, agora donos de toda a América.

Podemos dizer que, de um modo geral, as fortificações brasileiras foram condicionadas à experiência italiana de fortificações a partir do século XVII, abandonando totalmente

as maneiras transitórias baseadas ainda na tradição medieval das altas muralhas e das ostensivas torres de defesa. Agora havia que privilegiar as fortificações baixas e de grande, enorme, espessura. De pouca altura para oferecer o menor alvo possível, e grossas para absorver o impacto de projéteis de força incrível.

Esses primeiros tempos de coloni-zação, o primeiro século de posse, foram realmente anos de muito sacrifício e improvisação. Os docu-mentos demonstram o heroísmo dos colonizadores defendendo-se de perigos de toda ordem. Esses papéis dos arquivos falam-nos das fortifi-cações iniciais, principalmente pali-çadas, cercas pontiagudas de paus--a-pique protegendo as pequenas povoações; trincheiras, atalaias, tor-res, mesmo as de igrejas providas de seteiras, como a de Cananéia,

(31)

per-in encontrou desguar-necida a Fortaleza de Santa Cruz ao assaltar a cidade. Mas não deve-mos esquecer o primei-ro desses aventureiprimei-ros do mar que saqueou o litoral sul brasileiro, que foi Thomas Caven-dish, autor da proeza de encurralar toda a população de Santos, no Natal de 1591, den-tro das igrejas, nos momentos das

cerimô-nias religiosas daquele dia e saquear a cidade e os modestos engenhos de açúcar no caminho de São Vicente.

Sabemos que o almirante Diogo Flores Valdez, na sua viagem de reconhecimento pela costa, anotou os lugares que deveriam ser guarne-cidos e que chegou mesmo a erigir algumas fortificações até à altura de Santos, local onde a sua esquadra fora assaltada por ingleses. Ali fez modesta fortificação que, aos pou-cos, foi sendo aperfeiçoada até se transformar na Fortaleza da Barra,

ou de Santo Amaro, que hoje vemos na ponta da Praia daquela cidade. Do primeiro século, de 1532, também é a pequena fortificação levantada por Martim Afonso para defender, na barra da Bertioga, a vila próxima de São Vicente do ataque dos índios tamoios, e parece que nisso tal providên-cia foi inoperante, pois o local foi assaltado em 1551 pelos selvagens, que acabaram por aprisionar o seu artilheiro, o ale-mão Hans Staden, autor de célebre livro de memórias. Essa pequena Fortaleza da Bertioga foi aperfeiçoa-da entre 1551 e 1560, e praticamente reconstruída em 1750. São essas duas fortalezas santistas, as únicas ainda existentes, que podem perten-cer ao primeiro século na nossa clas-sificação. As primeiras trincheiras e baterias do Rio de Janeiro foram tão alteradas a partir da transferência da capital do vice-reinado da Bahia, Felipe II, rei de Portugal e

Espanha retratado por Ticiano Forte da Bertioga localizado na entrada da Barra Pequena do Porto de Santos (SP).

A PRIMEIRA ETAPA

Por motivos bastante compreensíveis a primeira etapa,

carece de ampla documentação escrita e é praticamente omissa em iconografia referente às primeiras fortificações brasileiras.

Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande, construída por Flores Valdez na entrada do Porto de Santos (SP)

O

s construtores militares

vin-dos nas comitivas vin-dos pri-meiros donatários e gover-nadores eram infatigáveis, e talvez o pedreiro Luís Dias seja o modelo deles. Luís Dias esteve na Bahia com Tomé de Sousa por volta de 1549, lá residindo alguns anos. Construiu os primeiros baluartes e muros da cidade, tudo obra de taipa de pilão. Parece que a taipa de pilão foi, no começo da pirobalística, um mate-rial recomendável nas fortificações porque amortecia o impacto dos projéteis, evitando o sempre perigo-so ricochetear de alcance imprevisí-vel. Essa qualidade talvez fosse de certo interesse, mas a precariedade e conservação permanente, ligadas à taipa, logo exigiram recobrimen-tos de pedra aparelhada, fazendo a pedra o papel do taipal.

Como sabemos, até o início do século XVIII, os maiores rendimentos

de Portugal no Brasil provinham da produção açucareira das áreas lito-râneas do Nordeste. Da Bahia para o sul, desde os primeiros anos até aquela data, as povoações, eram muito pobres, sem expressão algu-ma que pudesse justificar um siste-ma de defesa categorizado. Os pequenos portos daquelas humildes cidades eram unicamente assedia-dos por corsários já conformaassedia-dos com os irrisórios despojos que ante-viam. Talvez ali aportassem mais por desfastio ou diversão, porque nada havia de importante a roubar. E vinham de vez em quando, pas-sando ao lado de fortalezas vazias e de canhões abandonados, como aconteceu no Rio de Janeiro em 1712, quando o pirata

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Duguay-Trou-Fortaleza dos Reis Magos em Natal. Em 1603, essa fortificação foi reconstruída com novo projeto de Francisco Frias de Mesquita, definida por uma tenalha em cauda de andorinha na parte posterior e uma obra coroa na frente. M.I.

governo de Matias de Albuquer-que. A obra foi terminada em 1612 e elogiada, como é relatado por Sousa Viterbo. Possuía nove lados, ocupando praticamente toda a superfície do parcel que lhe deu o nome, medindo aproximadamente dez braças de diâmetro, e a sua muralha alamborada tinha mais de quatro braças de altura. O pró-prio Frias, em 1618, escreveu que o povo espontaneamente havia con-corrido com recursos para o fabri-co desta fortaleza, auxílio também ocorrido durante a construção da matriz de Olinda, o que sugere tenha sido aquele templo também projetado por ele.

Em 1614, Francisco Frias de Mes-quita estava às voltas com a Forta-leza dos Reis Magos, em Natal, Rio Grande do Norte, que fora iniciada em 1598 pelo padre jesuíta Gaspar Samperes. O arquiteto José Luís Mota Meneses, no seu livro sobre as fortificações do litoral nordesti-no brasileiro, vê proximidade de concepções entre este projeto de Frias de Mesquita e o da Fortaleza de Jesus em Mombaça, da segunda metade do século XVI, onde

espe-cialistas italianos atuaram segundo os mais recentes critérios de fortifi-cação. Assim, a Fortaleza dos Reis Magos não seria mais que um exemplar feito segundo uma conti-Forte do Picão em Recife em mapa de 1759 P.J. Caetano

em 1763, e a seguir à instalação da corte de D. João VI e à

independên-cia, proclamada por D. Pedro I, que

mais nada de original existe, restan-do delas somente vagas indicações e velhas plantas e vistas em esmae-cidas aquarelas e em algumas gra-vuras já do século XVIII.

No alvorecer do século XVII,

sobressai Francisco Frias de Mes-quita e sua obra, englobando, inclusive, trabalhos de arquitetura religiosa. Francisco Frias de Mes-quita, engenheiro militar portu-guês, nasceu em 1578, e aos 20 anos de idade conseguia ser

pen-sionista de Felipe II numa das três

vagas existentes no curso de Arquitetura que o monarca manti-nha em Lisboa. Com os estudos concluídos em 1603, é remetido ao Brasil com o importante título de engenheiro-mor, permanecendo na colônia por trinta e dois anos de muito trabalho. Foi, além de enge-nheiro militar, também soldado valoroso. Por volta de 1608, estava a construir a Fortaleza da Laje, também conhecida por Castelo do Mar, Forte de São Francisco ou Forte do Picão, no Recife, desenho de Tibúrcio Spanochi, no tempo do

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1622, projeta, com base nas orienta-ções de Spanochi, o Forte do Mar, em Salvador. Essa também é uma fortificação brasileira importante, imaginada para defender a capital baiana dos holandeses. Construída sobre uma laje que aflorava na maré baixa, como no caso do Recife,

ainda ostenta a sua forma original circular, com quase 90 m de diâme-tro. Também foi chamada de São Marcelo ou de Nossa Senhora do Pópulo. Durante a frustrada inva-são holandesa de 1624–1625 sofreu agravos que depois foram repara-dos pelo próprio Frias.

Vista do Forte dos Reis Magos, em Natal (RN).

Desenho da Casa de Pólvora, de autoria de Frias de Mesquita. nuidade teórica norteadora das

novas defesas. A fortaleza em causa não possui os já vigentes baluartes triangulares agenciados às cortinas pelos flancos de ângulos variados. A sua muralha envolvente é quase um retângulo de 50 m por 100 m cujos lados são quebrados fazendo ângulos reentrantes na maior dimensão e um ângulo saliente na face que olha para o mar. Na face oposta, há a entrada defendida por dois “orelhões”, espécie de baluar-te provido de um só flanco, como mostra com mais clareza a ilustra-ção. Talvez seja a Fortaleza dos Reis Magos o mais belo exemplar de fortificação remanescente dos tem-pos heróicos da tem-posse portuguesa, constituindo exemplo de fortifica-ção única isolada na vastidão do litoral abandonado, defendendo tão- somente a humilde povoação

de Natal. O seu papel era mais polí-tico, simbolizando a inamovível presença luso-espanhola da costa. Muitas vezes a fortaleza defendeu-se bravamente, mas um dia, em dezembro de 1631, a sua pequena guarnição não resistiu ao poderio de dois mil holandeses chegados numa esquadra de 16 navios. Então, passou a chamar-se Castelo Ceulen. Foi recuperada em 1654.

Em 1617, na barra da lagoa de Araruama, nas proximidades da recém-fundada vila de Cabo Frio, Frias localiza o Forte de São Mateus, obra destinada a proteger aquela área das incursões de ingleses e holandeses que ali, com a conivên-cia dos índios, furtavam pau-brasil. Nesse ano, freqüenta o Rio de Janei-ro, ali próximo, e elabora o seu mais prestigiado projeto de edifício reli-gioso: o Mosteiro de São Bento. Em Forte de Jesus em Mombaça segundo desenho de João Teixeira Albernaz c. 1548. ONB

Referências

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