OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO E O REGIME MILITAR NO PARANÁ: O ENSINO DE HISTÓRIA DO PARANÁ NAS ESCOLAS ESTADUAIS
Cezar Felipe Cardozo Farias (UEM) Ana Paula Mariano dos Santos (UEM) Resumo: O presente trabalho tem por objetivo apresentar a proposta de ensino sobre a temática dos movimentos sociais no campo e o regime militar no Paraná, um dos temas trabalhados pelo projeto PIBID/História da UEM (Campus Regional de Ivaiporã/PR), no Colégio Estadual Antonio Diniz Pereira. Aplicamos este projeto nos períodos contra-turno com a turma do 9º ano (matutino) deste colégio nas tardes de quintas-feiras, com o intuito de ampliar o conhecimento dos alunos sobre a História do Paraná. Este conteúdo possui uma extrema relevância, pois o Paraná e dando destaque para a região Norte, e sendo mais específico a microrregião do Vale do Ivaí fez parte desses movimentos, com a criação dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais em cidades dessa microrregião, a criação do Hospital do Trabalhador Rural na cidade de Ivaiporã/PR e a criação de um assentamento, e durante o regime militar a fundação do Colégio Estadual Bento Mossurunga também nesta cidade. Apesar da Lei 13.381/01 que obriga tanto o Ensino Fundamental quanto ao Ensino Médio dedicar algumas horas aos conteúdos de História do Paraná, essa demanda não é suprida o que causa aos alunos a carência destes conteúdos. Palavras-chaves: História do Paraná; Movimentos sociais no campo; Regime militar; Vale do Ivaí; Ensino de História.
Financiamento: CAPES/PIBID.
Muito tem se falado sobre os movimento sociais ocorridos no Brasil no século passado e a ditadura civil-militar, congressos, simpósios, semanas, conferências, palestras, enfim eventos que versam sobre estes temas têm sido cada vez mais recorrentes na academia, por se tratar de um período próximo e que deixou marcas profundas na história do Brasil, onde agentes dessa história ainda estão presentes em nosso meio. Como lembrou Eric Hobsbawn (2014, p.
20) “Afinal, a história não é como uma linha de ônibus em que todos — passageiros, motorista e cobrador — são substituídos quando chega ao ponto final”.
Este trabalho procurou englobar duas questões, a primeira sobre os movimentos sociais ocorridos no campo no Paraná, sendo mais específico, a revolta camponesa de Porecatu, nas décadas de 1940, 1950, e a segunda sobre a atuação do regime militar no Paraná, que se instaurou no Brasil em 1964 e portanto no Estado do Paraná, perdurando até 1985, onde buscamos analisar uma operação ocorrida na década de 1970, conhecida como Operação Marumbi, que foi responsável por perseguir e torturar membros do Partido Comunista nessa década, e simpatizantes com a causa, que tinham por objetivos ideais voltados para a queda do regime militar a nível estadual e nacional.
Sobre estas temáticas procuramos também enfatizar questões referentes a localidade e região onde nos encontramos, que seriam sobre a criação do Assentamento Oito de Abril por ocupantes do MST, em finais da década de 1990 e início dos anos 2000.
Os movimentos sociais no campo: a revolta de Porecatu
Durante as décadas de 1940 e 1950, ocorreu no estado do Paraná, um conflito por terras com um impacto nacional, denominada na época pela imprensa de “a guerra de Porecatu”.
A região onde se localiza a cidade de Porecatu-PR, fica no extremo norte do Estado, sendo mais específico no vale do Rio Paranapanema. De acordo com Priori [et. al.], (2012) esta região foi alvo de colonização a partir da política de terras, implementada pelo governo Vargas, chamada de “Marcha para o Oeste”, no final dos anos de 1930 e 1940.
Neste lugar se estabeleceram posseiros, pequenos proprietários trabalhadores e colonos, que vinham principalmente do Estado de São Paulo, em busca de melhores condições de vida e trabalho nessa região, que antes era desconhecida. (PRIORI [et. al.], 2012).
A princípio de acordo com Priori [et. al.], (2012), a colonização dessa região se deu por pequenas posses de terras, onde havia o cultivo da cafeicultura e outras tipos de produção alimentar, e a criação de porcos. A organização da propriedade da terra foi feita em meados dos anos 1940, onde grandes grileiros expulsaram os posseiros que ali habitavam e modificaram a estrutura da região, com a criação então de gado, plantação de cana-de-açúcar e o cultivo do café, onde estes se associaram ao trabalho assalariado.
É neste cenário e com estas mudanças ocorridas, que fizeram com que o Paraná tenha sido palco de um dos mais importantes conflitos pela terra no Estado, posseiros versus grileiros, este último junto com a polícia, jagunços e pistoleiros expulsaram e tomaram as terras dos posseiros que culminou na revolta camponesa de Porecatu. (PRIORI [et. al.], 2012).
De acordo com Priori [et. al.], (2012) essa revolta teve como órgão político interventor a favor dos posseiros o PCB1, que organizou o movimento armado composto por camponeses (pequenos proprietários, arrendatários, meeiros, posseiros, parceleiros) e trabalhadores rurais (assalariados). Os conflitos armados se iniciaram no final de 1948, e cessaram com sua desmobilização pelas tropas da Polícia Militar do Estado, e de agentes das Delegacias Especializadas de Ordem Politica e Social (DOPS), do Estado de São Paulo e do Paraná em julho de 1951. Essa luta e resistência por esses posseiros, fez com que a região ficasse marcada e foi alvo de grandes reportagens que saíram na Revista “O Cruzeiro” e o semanário “Voz Operária” do PCB.
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O PCB defendia a imediata entrega das terras aos camponeses pelos latifundiários. A notícia de que o PCB estava participando da organização desses movimento levou o Estado a acionar o seu órgão juridico-burocrático-repressivo a Justiça, Polícia Militar e Órgãos de Informação montando uma operação para desmantelar o movimento. (PRIORI, 2011).
O MST e o Vale do Ivaí
Este movimento nos faz pensar sobre a atuação dos movimentos de esquerda no campo, e também a atuação de um partido na luta dessa causa. A região do Vale do Ivaí também foi palco de um movimento social parecido com este, que ocorreu nos finais dos anos de 1990, onde Mendonça [et. al.], (2012), realizou uma pesquisa de campo junto com alunos do colégio Estadual Cristóvão Colombo, buscando resgatar a história do latifúndio ocupado e do assentamento criado, o Assentamento Oito de Abril, que trata-se de um movimento não de posseiros, mas de integrantes do Movimento Sem Terra (MST), que (re)ocuparam o latifúndio Corumbataí popularmente conhecido como fazenda “7 Mil” da cidade de Jardim Alegre – PR, de propriedade de Flávio Pinho de Almeida, que pertenceu antes a seu tio José Avelino Pinho comprada do grupo Brabosa Ferraz no inicio dos anos de 1950.
Flávio Pinho de Almeida era um banqueiro muito rico, com grande poder aquisitivo e influência sobre a mídia local. Foram anos de luta com ações judiciais, que mostram que ele não se rendeu facilmente ao movimento, mas perde a causa nos finais do ano de 2004, originando assim o Assentamento Oito de Abril. (MENDONÇA [et. al.], 2013)
Este imóvel fica localizado no município de Jardim Alegre-PR na microrregião do Vale do Ivaí, ele faz divisa com mais quatro municípios, Arapuã, Godoy Moreira, Iretama e Nova Tebas, ocupando 34% do município onde está localizado.
De acordo com Mendonça [et. al.], (2012), o latifúndio possuía uma extensão de 13, 8 mil hectares, o correspondente a 5,8 mil alqueires que por consequência após a ocupação e o reconhecimento, originou 555 lotes variando entre 5 e 10 alqueires cada, sendo habitado por 555 famílias que integram o Movimento dos Sem Terra (MST).
A ocupação da antiga fazenda teve início no dia 03 de setembro de 1996, na BR 466 próximo a EXPOVALE2. Os acampados ocuparam uma das entradas da fazenda no dia oito de abril de 1997. A efetivação da compra do latifúndio Corumbataí pelo governo federal se deu no dia 10 de novembro de 2004.
A atual situação deste assentamentode acordo com Mendonça [et. al.], 2013:
Hoje as famílias que compõem o Assentamento Oito de Abril sobrevivem da agricultura familiar através da policultura e pecuária trazendo renda para os municípios do Vale do Ivaí, no Paraná, promovendo desenvolvimento e também o crescimento demográfico do município de Jardim Alegre, do qual fazem parte. (MENDONÇA [et. al.], 2013, p. 18).
Como já se foi mencionado o PCB teve grande importância para movimentos sociais na década de 1950 e 1960. Um desses movimentos surgiu no campo no formato de sindicato dos trabalhadores rurais. É então que em 29 de Janeiro de 1956 surge em Londrina – PR, o primeiro sindicato dos trabalhadores rurais do Norte do Paraná, possuindo um raio de atuação além de seu município. Houve também neste ano, a fundação de outros sindicatos nas cidades de Nova Fátima, Centenário do Sul e Maringá. O surgimento destes sindicatos era resultado da desestruturação do colonato, da cobrança do aluguel de moradia e o fim da agricultura de subsistência, que exerceram uma força desestruturante e tornou a vida dos trabalhadores rurais muito piores, o que permitiu a esses trabalhadores do Norte do Estado, se mobilizarem para lutar
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pelos seus interesses comum. Este órgão representava a segurança do trabalhador rural com relação a essas mudanças que estavam acontecendo. Muitos destes sindicatos caminhavam na contramão dos empregadores, e isto foi gerando uma insatisfação por parte destes que pediram intervenção da polícia e da Justiça do Trabalho, para fechar prender seus líderes e fecharem os sindicatos. (PRIORI [et. al.], 2012).
Sindicatos que possuíam ligação com o Partido Comunista, eram temidos pelos empregadores na época, pois a ideologia era um perigo para os seus interesses, e os movimentos que ela gerava poderiam lhe causar grandes problemas. Os empregadores logo trataram de planejar um meio para desestruturar este movimento, construindo-o como “ameaça comunista”, e mostrando o colono como inocente e vulnerável a essa ideologia. Meios de comunicação como o Jornal Folha de Londrina e mais tarde com a Frente Agrária Paranaense, foram responsáveis por publicar editoriais onde pediam medidas exemplares contra o movimento. Isto ocasionou no fechamento de sindicatos, como foi o caso do Sindicato dos Colonos e Assalariados de Londrina em 27 de Agosto de 1956, por determinação da justiça. (PRIORI [et. al.], 2012).
Outro meio que combatia o ideário comunista era a Frente Agrária Paranaense (FAP), que tinha por objetivo competir com o Partido Comunista, estruturando associações de trabalhadores rurais e sindicatos. Ela foi fundada em Maringá no dia 13 de agosto de 1961 na cidade de Maringá, desaparecendo em 1968. Essa instituição só aceitava a filiação de proprietários de terras ou parceiros e arrendatários, apresentando contratos no último caso da locação das terras, não eram aceitos trabalhadores que mantinham a relação de trabalho assalariado com o patrão, e isto nos mostra de que lado estava a FAP. (PRIORI [et. al.], 2012).
Com o golpe civil-militar ocorrido em 1964, a criação de novos sindicatos diminuem, e há repressão contra alguns sindicatos na forma de incêndios criminosos, muitos incentivados por fazendeiros e pessoas que apoiavam o
golpe e o regime. No Paraná não foi diferente em Nova Esperança, Astorga, Cianorte e Terra Boa, sindicatos foram incendiados. Todos os sindicatos que possuíam algum tipo de influência do Partido Comunista sofreram intervenção de alguma forma. (PRIORI [et. al.], 2012).
O regime militar no Paraná
A atuação contra o regime militar no Paraná não se deu só através dos sindicatos, mas também por membros do Partido Comunista e seus simpatizantes como mostra Brunelo, (2013), que pesquisou a instauração do IPM3 nº 745 que foi responsável pelo indiciamento de militantes do PCB, acusados de fazerem a rearticulação do Partido no Paraná apontando uma ligação entre o PCB e o MDB4. Lembrando que o PCB na década de 1970 era considerado um partido ilegal.
A Operação Marumbi foi executada pelo DOPS e pelo CODI-DOI, a maior desencadeada no Estado. Iniciadas em 12 de setembro de 1975, durou aproximadamente um mês, ela tinha o propósito de apreender pessoas acusadas de rearticularem o PCB no Paraná. O IPM 745 ou BNM 551 possui 5.883 páginas divididas em 20 volumes. No total 65 pessoas foram presas por essa operação. (BRUNELO, 2009).
De acordo com Ipólito, (2014), a polícia política do Paraná muitas vezes idealizou a concepção de “complô” comunista, onde partia muita das vezes de provas frágeis e interpretações duvidosas.
Essa operação prendeu vários militantes do PCB, que sofreram torturas físicas e ou psicológicas, vendo as vezes colegas de carcere serem torturados.Essa operação também visava envolver candidatos eleitos do MDB
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Inquérito Policial Militar 4
em 1974, acusando-os de cumplicidade com os militantes comunistas. (BRUNELO, 2013).
Em depoimentos analisados por Brunelo, (2012), ele ressalta que a polícia politica tinha o propósito de envolver o MDB, em um esquema que pudesse prejudicá-lo na politica. Ele conclui que a Operação Marumbi prendeu torturou e condenou vários paranaenses, pelo simples fato de lutarem pela democracia e liberdade.
Considerações finais
Por fim buscamos ao longo deste trabalho analisar os movimentos sociais ocorridos no campo no Estado do Paraná, entre as décadas de 1940 e 1950, no município de Porecatu, um conflito entre posseiros e latifundiários, o qual ficou conhecido como “a guerra de Porecatu”, mostrando também as primeiras atuações do PCB dentre os movimentos sociais no Estado, que mais tarde vai desempenhar um importante papel durante o regime militar.
Buscamos trazer também os conteúdos para mais próximo da nossa realidade, enfatizando a questão da ocupação do latifúndio Corumbataí pelo MST, em Ivaiporã-PR, fazendo alusão ao movimento ocorrido em Porecatu, mas que este não resultou em uma revolta ou luta armada, e sim por meio de conquistas sociais obtidas frente a lei e a justiça.
Já sobre o regime militar, o foco se deu em mostrar a atuação do regime frente a oposição de esquerda no Estado, e o tratamento dado aos opositores, que foram perseguidos durante a década de 1970, na Operação Marumbi.
Infelizmente não foi possível abordar as questões referentes a criação dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais da região, e o Hospital do Trabalhador Rural, pois não tivemos acesso as fontes até o momento, que será alvo de possíveis estudos neste ano e recorrentes aos quais o grupo pretende constituir um material voltado para a localidade com este viés dos trabalhos desenvolvidos
até então. O mesmo aconteceu com a história do Colégio Estadual Bento Mossurunga o qual nos depararmos com as mesmas dificuldades.
Estes acontecimentos nos mostram que a história é e sempre será continua, mudarão apenas os seus atores, mas tende a se repetir os fatos, mesmo que com uma nova roupagem.
Referências:
BRUNELO, Leandro. Repressão política no Paraná, durante o regime militar. In: BRUNELO, Leandro (Org.). História do Paraná: dimensões políticas, socioeconômicas e culturais da História Regional no século XX. Maringá: Eduem, 2013. p. 81-92. (Coleção História e conhecimento, v. 32).
BRUNELO, Leandro. Repressão política durante o regime militar no Paraná: o caso da Operação Marumbi na terra das araucárias. Maringá: Eduem, 2009.
IPÓLITO, Veronica Karina. O mito da conspiração vermelha: DOPS no rastro de suspeitos comunistas no Paraná. In: PRIORI, Angelo [et. al.] (Orgs.). A História do Paraná revisitada. Maringá: Eduem, 2014. p. 91-128.
HOBSBAWN, Eric J. A era dos impérios, 1875-1914. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.
PRIORI, Angelo. O levante dos posseiros: a revolta camponesa de Porecatu e a ação do Partido Comunista Brasileiro no campo. Maringá: Eduem, 2011.
PRIORI, Angelo [et. al.]. O Partido Comunista e os movimentos sociais no campo. In: História do Paraná: séculos XIX e XX. Maringá: Eduem, 2012. p. 159-178.
PRIORI, Angelo [et. al.]. A Igreja Católica e a Frente Agrária Paranaense. In: História do Paraná: séculos XIX e XX. Maringá: Eduem, 2012. p. 179-198.
PRIORI, Angelo [et. al.]. A Ditadura Militar e a violência contra os movimentos sociais, políticos e culturais. In: História do Paraná: séculos XIX e XX. Maringá: Eduem, 2012. p. 200-214.
BRUNELO, Leandro. A operação Marumbi no Estado do Paraná. In: PRIORI, Angelo et. al. História do Paraná: séculos XIX e XX. Maringá: Eduem, 2012. p. 215-234.
MENDONÇA, Rosangela Carvalho dos Santos [et. al.]. Assentamento Oito de Abril MST - Protagonistas da sua História. Londrina: Eduel, 2013. (Coleção