Um aplicativo exclusivo: o Facebook Mentions e o capital social na internet1
Ana Raquel Romeu AGUIAR2
Monique Martins Targino ALVES3 Rafael Rodrigues da COSTA4
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE
RESUMO
Este artigo tem como objetivo analisar o uso do Facebook Mentions, que é um aplicativo exclusivo para contas de figuras públicas verificadas, e a relação com o capital social na internet. O artigo vai analisar também a recepção do público através de comentários na Apple Store em relação à segregação criada pelo aplicativo e explicar, através do conceito de capital social, as reações mais comuns que os usuários tiveram. Por fim, mostrará como o Facebook reagiu em relação a essa recepção e que mudanças foram feitas pela empresa para o aplicativo.
PALAVRAS-CHAVE: Facebook, Mentions, capital social, rede social, internet
INTRODUÇÃO
O Facebook é um site de rede social lançado em 2004 por Mark Zuckerberg. O nome se originou dos livros feitos pelas universidades dos Estados Unidos com fotos de novos alunos. Esses livros servem para facilitar a socialização com os novos estudantes. De maneira semelhante, a função original do site é manter contato com amigos ou conhecer pessoas novas. O site teve uma rápida expansão, sendo hoje a maior rede social na internet. Segundo estatísticas divulgadas em janeiro de 2016, havia 1,59 bilhão
1 Trabalho apresentado no IJ05 – Comunicação Multimídia do XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste, realizado de 29 de junho a 1 de julho de 2017.
2 Estudante de Graduação do 6º semestre do Curso de Jornalismo da UFC, email: anaraqueen@outlook.com. 3 Estudante de Graduação do 7º semestre do Curso de Jornalismo da UFC, email: moniquemta@yahoo.com. 4 Orientador do trabalho. Professor do curso de Jornalismo da UFC, email: rafaelrg@gmail.com.
de usuários cadastrados. Em novembro de 2016, a média era de 1,19 bilhão de pessoas ativas diariamente.
Devido à rápida popularização e expansão, o Facebook acabou incorporando diversas aplicações, como o feed de notícias em 2006, o botão “curtir” em 2009 e a linha do tempo em 2011. Além de ter adquirido outros sites de rede social, como o Instagram. As ações de expansão da Facebook Inc, empresa que administra a rede social, tem mostrado interesse em estar sempre atual, fazendo com que o usuário sempre tenha a necessidade de utilizar os aplicativos do Facebook.
O lógico seria pensar que as ações empresa sejam no sentido de atrair cada vez mais usuários para o site. Entretanto, após conseguir um grande público e, algum tempo depois, atingir o título de maior rede social do mundo, o Facebook começou a lançar aplicativos que segregam o já grande público, funcionalidades indisponíveis para a maioria dos perfis. Em 2012, foi lançada a opção de verificar o perfil e em 2015, o polêmico aplicativo Facebook Mentions.
O que é o Mentions?
O Facebook Mentions é um aplicativo de transmissão de vídeos ao vivo através da internet, por dispositivos móveis ou computadores. Lançado em 21 de julho de 2014, o Mentions não é o primeiro app desse tipo, mas tem a característica peculiar de ser restrito a um pequeno grupo. Ao contrário de outros aplicativos ou sites, como o
YouTube, que buscam atingir o maior número possível de usuários, a função do Facebook busca um público limitado.
Esse aplicativo é exclusivo para figuras públicas, desde seu lançamento. Algumas personalidades puderam testar o Mentions antes do lançamento oficial, como Luciano Huck e Marcelo Tas. Segundo descrição retirada do próprio Facebook, ele é “uma forma melhor de atores, atletas, jornalistas e outras figuras públicas manterem contato com seus seguidores e com as pessoas e tópicos que são importantes para eles. ”5 (FACEBOOK, 2014)
Para acessar o app, é preciso realizar uma busca, em que os usuários são filtrados e aparecem os que podem acessar. Caso encontre seu perfil na busca, é só colocar a senha utilizada por sua conta no Facebook.
Figuras 1 a 3 - Acesso ao Mentions
Fonte: Reprodução
De acordo com os dados liberados pela empresa a respeito do Mentions, o requisito para ser aprovado para usar o aplicativo é ter um perfil verificado. A imagem abaixo é um exemplo de como se dá o funcionamento da plataforma. Perfis ou páginas verificadas são as que possuem um selo azul ou cinza ao lado do nome. O selo azul é para figuras públicas e o selo cinza, mais fácil de conseguir, é para empresas. A verificação dos perfis é feita automaticamente, mas a rede social não especifica quantos seguidores são necessários para conseguir o selo azul. Na central de ajuda do site, existe a observação de que no momento os administradores da rede social não estão aceitando solicitações para o selo de verificação azul.
Figura 4 - Solicitação ao Mentions segundo o Facebook
Fonte: Reprodução
A intenção do site ao criar esse selo era proteger os usuários de páginas falsas, que se passam por pessoas conhecidas e divulgam informações falsas. Mas o fato de o
Facebook não liberar mais informações sobre as contas causa certa confusão com os
usuários em geral. Não se sabe qual a ordem de verificação, quem tem prioridade nessa lista. Não se sabe quantos seguidores são necessários. Entretanto, dentre as dez maiores
fanpages no Brasil, todas são verificadas. Observa-se assim que a popularidade
representa um dos fatores dessa lista. A popularidade gera várias questões na internet, sendo um dos fatores que levam um perfil a ter forte capital social. Sobre a popularidade, Raquel Recuero explica que:
A popularidade é um valor relacionado à audiência, que é também facilitada nas redes sociais na Internet. Como a audiência é mais facilmente medida na rede, é possível visualizar as conexões e as referências a um indivíduo, a popularidade é mais facilmente percebida. Trata-se de um valor relativo à posição de um ator dentro de sua rede social. Um nó mais centralizado na rede é mais popular, porque há mais pessoas conectadas a ele e, por conseguinte, esse nó poderá ter uma capacidade de influência mais forte que outros nós na mesma rede. (RECUERO, 2009, p.109)
O único requisito para ser aceito no aplicativo em análise é a conta verificada, expressão do capital social. De acordo com a descrição do app, ele é voltado para influenciadores. A proposta dele é servir para diferenciar perfis de “influenciadores” dos perfis comuns, que são a maioria, dando mais visibilidade aos mais populares. O selo azul tem a mesma intenção, fazer uma diferenciação entre perfis oficiais de personalidades e contas criadas por admiradores.
(...) esses sites também são capazes de gerar valores diferenciados específicos para os atores. Chamamos esses valores de capital social. O capital social é constituído dos valores negociados e embebidos na estrutura dos grupos sociais. (RECUERO, 2014, p. 3)
Recepção do público
Foram analisados os comentários relacionados ao Mentions na App Store até o dia 13 de janeiro de 2017. As opiniões do público são mistas.
Fonte: Reprodução
No primeiro comentário, o usuário “MarlonSOficial” afirma usar o Mentions para se comunicar com membros de outra rede social, o Vine (rede social que armazena vídeos curtos, adquirida pelo Twitter em 2012 e lançada em 2013). Por outro lado, o usuário “Digorj881” denuncia que o nome dele não é achado na busca do aplicativo.
Ao pesquisar por “MarlonSOficial”, descobre-se que ele foi um viner e possui uma conta no Twitter6 com mais de 10 mil seguidores. Enquanto isso, a única coisa que se acha ao pesquisar “Digorj881” é uma página com comentários sobre o Mentions7.
Isso quer dizer que, para o facebook, o primeiro usuário é famoso o suficiente para ter uma conta verificada na rede social para usar o app, mas o segundo não.
O app, nesse caso, serve para que o ex-viner mantenha os laços que possui com os “amigos viners”, ou seja, se caracteriza como capital social de manutenção (RECUERO, 2009). Essa é, inclusive um dos objetivos do aplicativo, como mostra, em
6https://twitter.com/marlonsoficial Acesso em: 03 fev. 2017.
sua descrição8, que é um “melhor caminho para atores, músicos e outros influencers manterem contato com fãs e pessoas que se importam”.
O aplicativo é uma forma a mais de ganhar visibilidade. Conforme Recuero:
Aumentar a visibilidade social de um nó tem efeitos não apenas na complexificação da rede, mas, igualmente, no capital social obtido pelo ator. Alguém pode intencionalmente aumentar sua visibilidade no Twitter, por exemplo, utilizando-se de artifícios para aumentar o número de seguidores, apenas para popularizar seu blog. Com isso, pode obter outros valores, como reputação. A visibilidade, assim, é um valor por si só, decorrente da própria presença do ator na rede social. (RECUERO, 2009, p.109)
O Mentions tem potencial de se tornar o “artifício” para aumentar o número de seguidores de “MarlonSOficial”, seja no Vine, no Twitter ou no próprio facebook.
Figura 6 - Recepção, parte 2
Fonte: Reprodução
Já aqui temos “Kkelly.a.p” e “Susy Satiro” indignadas por não poderem usar o
app, enquanto “Laucher star” afirma ser uma estrela famosa e, por isso, pode (e vai)
usá-lo.
A principal diferença entre os comentários de “MarlonSOficial” e “Laucher star” é que o app é uma forma de manutenção de contato para o primeiro e uma forma de criar uma imagem de “pessoa famosa” para o segundo.
Matuck e Meucci, ao analisarem a criação de identidades virtuais em blogs, fotologs e no Orkut vão argumentar que esse processo tem que ser pensado sobre duas instâncias igualmente importante: a auto-definição (a definição do eu por si mesmo) e a alo-definição (definição do eu pelos outros), uma vez que “é o relato do outro que legitima, deslegitima ou acrescenta qualidades ao perfil do sujeito” (2005, p. 172), principalmente nos sites de redes sociais. Ambas formariam o todo que compõe a identidade (2005, p. 180). (SÁ; POLIVANOV, 2012, p. 583)
O Mentions, aqui, se torna uma forma de alo-definição, pois ele considera o usuário “uma estrela famosa” por poder acessar ao app. Assim, a fama se torna identidade de “Laucher star”, não apenas auto-definição. Já para “Kkelly.a.p” e “Susy Satiro”, a indignação pode ser explicada por dois conceitos. O primeiro, de capital social, na perspectiva de Bourdieu:
O conceito de capital social teria, assim, dois componentes: um
recurso que é conectado ao pertencimento a um determinado
grupo; às relações que um determinado ator é capaz de manter; e o conhecimento e reconhecimento mútuo dos participantes de um grupo. (RECUERO, 2009, p. 47)
Como elas não são consideradas “estrelas”, elas não podem fazer parte do grupo restrito de usuários que utiliza o aplicativo. Assim, não há pertencimento a esse grupo, tampouco reconhecimento dos participantes. Assim, o capital social seria baixo.
O segundo conceito é o de fachada, de Goffman (2011). Ambas usuárias estão com a fachada errada, ou seja, “quando, de alguma forma, trazemos alguma informação sobre seu valor social que não pode ser integrada, mesmo com esforço, com a linha que está sendo mantida para ela” (p. 16). O baixo capital social que elas possuem não pode ser integrada ao grupo que usa o app, de capital social mais elevado. A solução seria
seguir uma nova linha ou receber fachada: desistir de entrar no Mentions ou ganhar a verificação do Facebook, respectivamente. Goffman (2011) define a segunda solução, dar fachada, como “possibilitar que outra pessoa assuma uma linha melhor do que ela seria capaz de assumir sozinha” (p. 17). Basicamente, os usuários do Mentions não teriam tanto capital social quanto possuem se não fosse a conta verificada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A empresa Facebook Inc. pôde criar o Mentions devido ao grande número de usuários dessa rede social que, como dito antes, é a maior do mundo. Além do número, a maior parte desses usuários é ativa. Em 2016, a “rede social é acessada por um bilhão
de usuários de todo o mundo todos os dias” (G1, 2016) Então é natural esperar algum tipo de diferenciação de usuários, ou algum tipo de organização. A proposta era criar recursos específicos para esses atores que detêm o capital social na internet, através de ferramentas como a verificação de citações.
Entretanto, esse aplicativo mostrou de maneira aberta como o capital social está distribuído desigualmente, o que acabou desagradando a maioria do público. Os usuários não queriam ser meros espectadores. Isso poderia acontecer talvez sem problemas em outras mídias, como a televisão. Mas na internet, os usuários querem ser atores, participar de forma ativa, sendo que muitos compartilham conteúdos originais. Além disso, apps para públicos seletos dificultam que novos atores consigam aumentar sua visibilidade.
Por meio da interação, característica das redes sociais, pessoas demonstraram insatisfação com o Facebook, exercendo certa pressão. Em janeiro de 2016, o Facebook expandiu o serviço de transmissão em tempo real a todos os perfis dos Estados Unidos, sob o novo título de Facebook Live. Nos meses seguintes, o serviço foi sendo disponibilizado gradualmente para outros países. Ainda assim, alguns recursos do Live são mantidos exclusivamente no Mentions, o que torna a restrição, por mais que sutil, ainda existente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APPLE. Facebook Mentions na app store. Disponível em:
<https://itunes.apple.com/BR/app/facebook-mentions/id894913642?mt=8> Acesso em: 03 de fevereiro de 2017.
DIGITAL TRENDS. Facebook Mentions app for celebs gets exclusive Live Video features. Disponível em: <http://www.digitaltrends.com/mobile/facebook-mentions-update/> Acesso em: 03 de fevereiro de 2017.
FACEBOOK. Facebook Mentions. Disponível em:
<https://www.facebook.com/about/mentions> Acesso em: 28 de janeiro de 2017.
G1. Facebook atinge marca de 1 bilhão de usuários todos os dias. Disponível em: < http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2016/04/facebook-atinge-marca-de1-bilhao-de-usuarios-todos-os-dias.html> Acesso em: 30 de janeiro de 2017.
GOFFMAN, Erving. Ritual de interação: ensaios sobre o comportamento face a face. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.
RECUERO, Raquel. Curtir, compartilhar, comentar: trabalho de face, conversação e redes
sociais no Facebook. Verso e Reverso, XXVIII, nº 68:114-124, maio-agosto 2014.
RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009. (Coleção Cibercultura)
SÁ, Simone; POLIVANOV, Beatriz. Auto-reflexividade, coerência expressiva e perfomance
como categorias para análise dos sites de redes sociais. Contemporanea, X, nº 03,
setembro-dezembro 2012.
