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O universo concentracionário nazista de 1933 a 1945 e a implementação da Solução Final da Questão Judaica, Ania Cavalcante 1

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O universo concentracionário nazista de 1933 a 1945 e a implementação da

“Solução Final da Questão Judaica”, 1941-1945

Ania Cavalcante 1

“Onde se queimam livros, algum dia também serão queimados seres humanos”.

“... wo man Bücher verbrennt, verbrennt man auch am Ende Menschen.“2 Heinrich Heine , Almansor, 1820

ES WAR ERDE IN IHNEN3, und HAVIA TERRA DENTRO DELES, e

sie gruben. eles cavavam.

Sie gruben und gruben, so ging Eles cavavam e cavavam, assim

ihr Tag dahin, ihre Nacht. Und sie lobten pereciam os seus dias, as suas noites. E eles

[ nicht Gott, [ não louvavam a Deus,

der, so hörten sie, alles dies wollte, quem, segundo eles ouviam, tudo isso queria,

der, so hörten sie, alles dies wuβte. quem, segundo eles ouviam, de tudo isso sabia.

Sie gruben und hörten nichts mehr; Eles cavavam e nada mais ouviam;

sie wurden nicht weise, erfanden kein Lied, eles não eram sábios, não inventaram nenhuma

[canção

erdachten sich keinerlei Sprache. não imaginavam nenhum tipo de língua.

Sie gruben. Eles cavavam.

Es kam eine Stille, es kam auch ein Sturm, Veio um silêncio, veio também uma tempestade,

es kamen die Meere alle. vieram todos os mares.

Ich grabe, du gräbst, und es gräbt auch Eu cavo, tu cavas e cava também o verme

[ der Wurm,

und das Singende dort sagt: Sie graben. e aquilo que canta, diz: eles cavam.

O einer, o keener, o niemand, o du: Oh um, oh nenhum, oh ninguém, oh você:

Wohin gings, da`s nirgendhin ging? Para onde vai isso, que não vai a lugar algum?

O du gräbst und ich grab, und ich grab Oh você cava e eu cavo, e eu me cavo até você

[ mich zu dir,

und am Finger erwacht uns der Ring. e no dedo desperta-nos o anel. Paul Celan (1920-1970) 4

Introdução: Definir Holocausto e a “Solução Final da Questão Judaica” Holocausto ou Shoah (הּאַוֹשּ palavra hebraica que significa, literalmente, "destruição, ruína, catástrofe") ou ainda Auschwitz são os termos utilizados pela historiografia e literatura para denominar o fenômeno histórico não-linear de destruição sistemática – perseguição,

1 Ania Cavalcante é doutoranda em História Econômica na Universidade de São Paulo (USP) com tese sobre

Holocausto, pesquisadora e professora do módulo “Holocausto e Antisemitismo” do Laboratório de Estudos sobre Intolerância (LEI) da USP e professora nativa de Língua Alemã. Foi bolsista em Seminário e Conferência sobre Holocausto pelo Yad Vashem de Israel e pesquisadora do próprio Yad Vashem e de arquivos da Alemanha e Argentina. E-mail de contato: aniacc9@hotmail.com.

2 Todas traduções dessa aula são de autoria e responsabilidade da autora.

3 O poema é de Paul Celan, cf. CELAN, Paul. Gesammelte Werke. Erster Band. Suhrkamp: Frankfurt am Main,

1983, p. 211. O poema foi originalmente publicado na obra Die Niemandsrose (A Rosa de Ninguém), de 1963. A obra completa de Paul Celan encontra-se em CELAN, Paul. Gesammelte Werke. Drei Baende. Suhrkamp: Frankfurt am Main, 1983.

4 Paul Celan, poeta judeo-alemão nascido em Czernowitz, capital de Bukowina, cidade cosmopolita de

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exclusão sócio-econômica, expropriação, trabalho forçado, tortura, guetoização e extermínio - de seis milhões de judeus da Alemanha e da Europa ocupada entre 1933 e 1945 pelo regime nacional-socialista e seus colaboradores. A Shoah tornou-se o símbolo representativo da barbárie do século XX. Esses seis milhões de vítimas representavam 65% da população judaica européia da época e 30% da população judaica no mundo.

Se especialmente a partir da década de 60 passou-se a fazer pesquisas mais aprofundadas sobre a Shoah, e já no imediato pós-guerra dos opositores comunistas e social-democrtas, as pesquisas e sistematização de estudos sobre as demais vítimas é mais recente, data em especial a partir da queda do muro de Berlin em 1989 e sobretudo da dissolução da antiga URSS em 1991 e abertura dos arquivos soviéticos. Mais recentemente, a historiografia5 incluiu o termo romani Porrajmos (“devorar”) para definir a política de perseguição, exclusão, trabalho forçado, tortura, guetoização e extermínio dos sinti e roma6, as duas ramificações dos “ciganos” que viviam na Alemanha e na maior parte da Europa ocupada. É preciso distinguir quem foram os roma os que sofreram primeiramente e também maior perseguição e extermínio, por serem nômades e preservarem a cultura e costumes. Já os sinti viviam há seis séculos na Alemanha, não eram nômades, tinham empregos fixos, cidadania alemã e lutaram na Primeira Guerra Mundial como alemães7.

O Porrajmos é considerado por alguns historiadores como tendo culminado com a “Solução Final da Questão Cigana” (“Endlösung der Zigeunerfrage”). No entanto, não há consenso na historiografia quanto a existência de uma “Solução Final da Questão Cigana”8, de um plano para o extermínio total dos roma e sinti, nem quanto ao início do Holocausto, data de iniciam que variam de 1933, 1938 e 1941.

Seguimos a corrente que considera o Holocausto um processo iniciado em 1933, defendido por historiadores, como os alemães Goetz Aly, Susanne Heim9 e Wolfgang Benz10, o tcheco-franco-israeli-americano Saul Friedlaendler11 e o norte-americano Christopher Browning12. A partir desses autores e de pesquisas em arquivos alemães e israelis, dividimos as fases do Holocausto em quatro etapas. Na primeira fase, de 1933-1935, ocorre a discriminação, início da exclusão da vida pública, com proibição de exercer profissões

5 Não houve uma sistematização de relatos e pesquisas a respeito dos ciganos durante o nazismo antes de 1972,

ano em que foi publicado The destiny of Europe’s gypsies (O destino dos ciganos europeus), de Donal Kenrick e Grattan Puxon.

6 Optamos por usar os os termos “sinti e “roma”, referentes aos dos dois grupos que viviam na Alemanha, “sinti”

e “roma”, já que o termo “ciganos” passou a ser considerado como pejorativo com o nazismo e, por isso, a historiografia usa ambos termos. Os sinti são a ramificação estabelecida na Alemanha, França e Itália no final do século XV, e os romas, o grupo maioritário da Europa oriental, de procedência húngara, que viviam na antiga província austríaca de Burgenland. Os romas foram os mais perseguidos pelos nazis.

7 F. BASTIAN, Till. Sinti und Roma im Dritten Reich: Geschichte einer Verfolgung. München: Beck, 2001. 8 A maior parte dos historiadores não considera que tenha havido a implementação e documentos

comprobatórios da “Solução Final da Questão Cigana”. Um dos primeiros historiadores a considerar a “Solução Final da Questão Cigana” é o francês Leon Poliakov, em sua obra Bréviaire de la Haine. Buenos Aires, Sticolgraf, 1954. Atualmente, defensores dessa tese historiográfica são os historiadores alemães Wolfgang Wippermann, Romani Rose, Walter Weiss, e o scholar, lingüista, defensor dos direitos humanos romani-inglês Ian Hancock.

9 ALY, Goetz / HEIM, Susanne. Vordenker der Vernichtung. Auschwitz und die Deutsche Plaene fuer eine neue

europaeische Ordnung. Frankfurt am Main: fischer, 1991.

10 BENZ, Wolfgang. Der Holocaust. München: Beck, 1995; BENZ, Wolfgang. Die Dimension des Völkermords,

no livro por ele organizado Dimension des Völkermords: Die Zahl der jüdischen Opfer des Nationalsozialismus: München, 1991

11 FRIEDLAENDER, Saul. The Years of Extermination. Nazi Germany and the Jews 1939-1945. New York:

HarperCollins, 2007. O primeiro volume desta última obra também é uma obra de referência sobre Holocausto: FRIEDLAENDER, Saul The Years of Persecution. The Germany and the Jews 1933-1939. London: Phoenix Paperback, 2007 [1997].

12 BROWNING, Christopher. The Origins of the Final Solution. The Evolution of Nazi Jewish Policy,

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liberais, de freqüentar escolas e universidade, de boicote contra lojas judaicas. A segunda fase compreende os anos de 1935 a 1938: isolamento e degradação, que se inicia com as Leis de Nuerenberg, segunda a qual os judeus deixam se ser considerados cidadãos e são proibidos de se casarem com “arianos”, sob pena de morte (posteriormente, essas Leis foram estendidas a ciganos e negros). Na terceira fase, de 1938 a 1941, sobressaem-se a expropriação de bens judaicos pelo Estado nazista, a expulsão, o recrudescimento da perseguição, a privação completa de todos direitos e a guetoização. A quarta e última fase, de 1941 a 1945, é a fase da “Solução Final da Questão Judaica”, ou seja, do extermínio em massa.

Em relação ao início da “Solução Final da Questão Judaica” (“Endloesung der

Judenfrage”), denominação cifrada utilizada pelos nazistas para nomear o plano de assassinar

todos os judeos da Europa13, a historiografia concorda como sendo pouco depois da invasão da Alemanha nazista à União Soviética em junho de 194114, ao contrário do que ainda – e desatualizadamente - muito se propaga, de que a “Solução Final” teve início com a Conferência de Wannsee15 de 20 de janeiro de 1942.

Desde os Processos de Nürenberg (1945/46), os acusadores acreditavam que o Protocolo de Wannsee16 representasse o documento-chave do sistema de extermínio dos nazistas e até hoje essa idéia é amplamente divulgada. No entanto, muitos historiadores questionaram esse ponto de vista a luz de novos documentos17 e novas análises e desde o início da década de 90 tornou-se superada essa análise.

Os Campos de concentração: fundamento do sistema nazista

A política de Estado nazista foi caracterizada pela arbitrariedade e desumanidade de suas ações, em especial, por perseguições sistemáticas, prisões arbitrárias, tortura, encarceramento de pessoas em campos de concentração, trabalho forçado, e durante a guerra, genocídio. Essa política seguia critérios estabelecidos pela doutrina racial e ideológica nazista, pela “expansão do espaço vital” e por interesses econômicos. Nesse contexto, os campos de concentração representam um dos fundamentos constitutivos do sistema nazista.

Desde 1949 sabe-se que o sistema concentracionário nazista de exploração de trabalho forçado nos campos e guetos da Alemanha e Europa ocupada chegou a englobar 2498 empresas, 20 mil “campos de trabalho civil” e “entre 10 a 12 milhões de pessoas provenientes

13 Os nazistas pretenderam esconder da opinião pública nacional e internacional os planos e a execução de

assassinar em massa os judeos, o que dificultou o conhecimento público de tudo o que ocorria nos campos de concentração e de extermínio, mas é inegável que uma parte do plano e execução da “Solução Final” acabou sendo conhecido e divulgado. Cf. a obra ainda bastante atual de LAQUEUR, Walter. O Terrível Segredo. A verdade sobre a manipulação de informações na “Solução Final” de Hitler. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. Original: The Terrible Secret. London: George Weinfeld and Nicolson, 1980.

14 As recentes obras de referência a respeito da “Solução Final da Questão Judaica” são; ALY, Goetz / HEIM,

Susanne, op. cit. ; BROWNING, Christopher. The Origins of the Final Solution. The Evolution of Nazi Jewish Policy, September 1939-March 1942. Jerusalem: Yad Vashem, 2004; FRIEDLAENDER, Saul. The Years of Extermination. Nazi Germany and the Jews 1939-1945. New York: HarperCollins, 2007. O primeiro volume desta última obra também é uma obra de referência sobre Holocausto: FRIEDLAENDER, Saul The Years of Persecution. The Germany and the Jews 1933-1939. London: Phoenix Paperback, 2007 [1997].

15 A Conferência de Wannsee foi uma reunião com 14 representantes da administração, da economia e do

Partido Nazista, o NSDAP (NSDAP é a sigla de Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei, Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães). A Conferência tinha o objetivo de discutir um documento a respeito da “Solução Final da Questão Judaica” denominado de “Protocolo de Wannsee”, no qual se apresenta o número de judeos de toda Europa ocupada e alguns métodos de execução da “Solução Final”.

16 Uma das obras de referência é o estudo sistemático de Mark Roseman. Die Wannsee Konferenz. Wie die

NS-Bürokratie den Holocaust organisierte. München: Ullstein, 2002.

17 Referimo-nos aos documentos dos arquivos da Rússia abertos no início da década de 90, logo depois da

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dos países ocupadas que foram seqüestradas pela SS e pela Wehrmacht (Forças Armadas) para os campos”18 para exercer trabalho forçado para a economia de guerra alemã.

Campo de concentração (KZ ou Konzentrationslager, ou ainda Lager) é um termo ou expressão que remete ao extermínio de milhões de pessoas durante o nacional-sozialismo. A expressão “campo de concentração” remete aos vários tipos de campos existentes ao longo do período nazista: campos de concentração, campos de trabalho forçado, campos de extermínio19, campos de trânsito20, dentre os mais expressivos. Aos campos de concentração (Konzentrationslager) ainda somavam-se campos de trabalho forçado (Zwangsarbeitslager), campos de punição (Straflager), campos de prisioneiros de guerra (Kriegsgefangenlage), campo de punição de prisioneiros (“Strafgefangenlager”), campos de trânsito (“Durchgangslager”), campos de recolhimento (“Sammellager”) e os guetos. Somando-se todos juntos chega-se a um conjunto de mais de 10 mil campos.

Por isso, falamos também em ‘universo concentracionário’, o qual definimos a partir de três aspectos que entendemos como centrais: repressão política, extermínio por questões sobretudo raciais e brutal exploração de trabalho forçado de prisioneiros, incluindo “extermínio pelo trabalho” (“Vernichtung durch Arbeit”). Nessa definição incluímos os campos de trabalho forçado, ligados aos campos de concentração, e os campos de extermínio. Havia outros tipos de campos, como os campos de trânsito, por exemplo.

O complexo concentracionário e classificado pela historiadora Karola Fings de duas maneiras: 1) levando-se em contra exclusivamente os campos de concentração e extermínio, houve mais de vinte campos com mais de 1.200 campos menores, denominados de

Außenkommandos; 2) levando-se em conta todo o complexo concentracionário, estima-se ter

havido mais de 10 mil campos, contando aqui as prisões e campos de prisioneiros de guerra, os campos de trabalho forçado e os guetos.21

A política de trabalho forçado e de extermínio não foi homogênea, teve um desenvolvimento histórico e contradições que refletem as próprias contradições do sistema nazista. Vários historiadores e cientistas sociais tratam dessa questão há décadas, buscando compreender o fenômeno do Holocausto e essa contradição, como por exemplo, Wolfgang Benz22, Zygmunt Bauman,23 Wolfgang Sofsky24,Anellene Staudte-Lauber25, Yitzhak Arad26,

Eugen Kogon, Hermann Langbein, Barbara Distel, Falk Pingel27.

Os grupos perseguidos e os primeiros campos de concentração

18 Cf. REENTS, Jürgen. O trabalho forçado no Estado nazista é conhecido há 50 anos, Neues Deutschland, 16

de novembro de 1999. Artigo traduzido pela autora que pode ser encontrado na íntegra no Centro de Estudos Judaicos da Universidade de São Paulo.

19 Mais a frente, abordaremos os campos de extermínio.

20 Alguns exemplos de campos de transito são: Westerbork na Holanda, e Gurs, Mechelen e Drancy na França.

Esses, como os campos de concentração como Bolzano e Fossoli di Carpi na Itália foram utilizados como centro de agrupamento de judeus para a deportação aos campos de extermínio realizada pelos trens.

21 FINGS, Karola, Sinti und Roma in nationalisozialistischen Konzentrationslager, in: Herniette Asséo et. all.

Sinti und Roma unter dem Nazi-Regime, Berlin, Centre de Recherches Tsiganes / Parabolis, 1996.

22 As obras citadas na nota de rodapé 9.

23 BAUMANN, Zygmunt. Modernidade e Holocausto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998 [1989].

24 Wolfgang Sovsky. Die Ordnung des Terrors: das Konzentrationslager. Frankfurt am Main, Fischer, 1997

[1993].

25 STAUDTE-LAUBER, Anellena. Holocaust. München, Wilhelm Heyne, 1997

26 ARAD, Yitzhak. Belzec, Sobibor, Treblinka. The Operation Reinhard Death Camps. Bloomington /

Indianapolis, Indiana, 1987.

27 Esses autores publicaram importantes artigos na obra organizada por Eugen Kogon, Hermann Langbein e

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Quando Hitler subiu ao poder a 30 de janeiro de 1933, ele não o conseguiu com um discurso basicamente anti-semita, mas sim com um discurso anti-capitalista e dizendo resolver os graves problemas econômicos da Alemanha. O anti-judaísmo estava ainda em plano secundário28, embora fosse uma questão essencial do nazismo A política nazista inicialmente considerou como inimigo central os adversários políticos. A utilização dos primeiros campos de concentração está relacionada com as primeiras ondas de prisões massivas de opositores do regime do início do regime de Hitler, em 1933.

As primeiras vítimas da perseguição dos nazistas foram opositores do regime alemães: comunistas, social-democratas e sindicalistas, que foram as primeiras vítimas dos campos de concentração. A partir de 1935, começaram a também ser concentrados um dos grupos perseguidos e discriminados pelos nazistas, os denominados “a-sociais”, no caso, os

Vorbestraften (os denominados “criminosos trabalhistas” - “Berufsverbrechern” ou

“BVern”)29. A partir de 1936, também passaram a ser levados aos campos os roma e sinti30,

internados inicialmente no campo de ciganos Marzahn, na cidade de Berlin, e logo em seguida no campo de Dachau), homossexuais31, testemunhas de Jeová32, outros “a-sociais” (desempregados, prostitutas) e alguns opositores políticos cristãos e protestantes.33

Segundo Michael Berenbaum, “prisioneiros políticos, testemunhas de Jehová e homossexuais eram levados para os campos de concentração não para morrer, mas como punição e com o intuito de mudar o seu comportamento. No entanto, muitos deles morreram durante seu encarceramento nos campos.”34 Berenbaum também afirma que “os nazistas não queriam o seu [das testemunhas de Jehová] extermínio; no entanto, mais de um em três testemunhas morreram em campos de concentração”, ou seja, um terço delas. 35 Isso ocorreu,

28 Trataremos do anti-judaísmo mais a frente.

29 Uma boa definição de “a-socialidade” é dada pela historiadora Rosa Toran: “A “a-socialidade” não era um

delito claramente delimitado e permitiu a perseguição de grupos muito heterogêneos dentro da escala social, que tinham em comum não se encaixarem na comunidade alemã nacional-socialista. Defeito hereditário ou debilidade mental congênita eram diagnósticos dos médicos oficiais, no contexto de uma política que tinha como objetivo a seleção racial, e desembocou na discriminação, perseguição e extermínio de milhares de delinqüentes, prostitutas, desempregados, e aqueles protagonistas de uma conduta considerada escandalosa.” Aos “a-sociais” foram incluídos os roma e sinti, testemunhas de Jeová e homossexuais. Cf. TORAN, Rosa. Los Campos de Concentración Nazis. Barcelona: Península, 2005, p. 59.

30 As estimativas de ciganos na Alemanha quando da ascensão de Hitler ao poder, em 1933, variam de 15 mil

(0,03% da população total de 60 milhões) a 30 mil (0,045%). Também os judeus eram uma população minoritária naquela época: 500 mil (0,77% da população). Os ciganos se encaixavam em duas categorias: na de “a-sociais” e na de “seres racial e biologicamente inferiores”. O motivo central para o extermínio dos ciganos foi racial, eles não condiziam com o ideal da “raça ariana”, mas havia também o componente social: eles foram discriminados e excluídos da sociedade porque eles não se encaixavam na sociedade preconizada por Hitler e porque deles não era sedentária.

31 Os homossexuais alemães e austríacos (e não da Europa inteira) foram vítimas do nazismo, por o homossexualismo ser condenado pelo nazismo como uma "aberração" e contradizer o princípio fundamental da "raça ariana pura".

32 Já em novembro de 1933, os primeiros estemunhas de Jeová foram encarcerados em prisões e em 1935, seu

culto é proibido. Testemunha-de-Jeová é uma seita religiosa cristã, cuja doutrina se baseia na segunda vinda de Jesus, sua doutrina é contrária ao serviço militar e a símbolos nacionais. Os testemunhas de Jeová se recusam a servir ao exército, votar e a fazer a saudação "Heil Hitler". Muitos seguidores passaram a ser internados em campos de reeducação e de concentração, em ondas de aprisionamentos em 1936, 1937, 1939 e 1944, onde ficavam separados dos demais grupos. Os nazistas lhes ofereciam a liberdade, se renunciassem às suas crenças, mas nenhum deles o fez. Eles também se negaram a fugir e a realizar resistência ativa.

33 Uma das obras pioneiras que trata dos variados grupos vitimados pelo nazismo e dos variados tipos de campos

é a do italiano Frediano Sessi. Cf. SESSI, Frediano. Non Dimenticare L´Olocausto. Antisemitismo, deportazioni, lager, sterminio. Fatti, luoghi, protagonisti. Milano: RCSLibri, 2002.

34 BERENBAUM, Michael. The World must know. The History of the Holocaust as told in the US Holocaust Memorial Museum. Boston / NY / Toronto / London, Little Brown and Company, 1993, p.129.

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porque eles se recusavam a assinar documentos, em que abriam mão de sua fé e defendiam a ideologia nazista.

As pessoas eram presas ou deportadas para os campos de concentração não pelo que tinham feito, mas pelo que eram. Eles foram criados para encarcerar e exterminar pessoas indesejáveis à ideologia nazista, aquelas consideradas seres considerados “inferiores”, de “raça inferior”, não-arianos: os judeus, ciganos, eslavos, a-sociais. Os prisioneiros políticos não se enquadravam nesse perfil, mas como opositores eram considerados perigosos ao regime. Com a expansão territorial, as pessoas que se opunham à ocupação ou a ela resistiam eram levados a realizar trabalho forçado para os campos de concentração. Até mesmo membros do Partido Nazista, caso criticassem o Estado ou regime, eram levados a campos, mas dificilmente sofreriam maus-tratos como os demais ou morreriam nos campos, Havia claras diferenças de tratamento dispendido a cada grupo vítima do nazismo nos campos.

O universo concentracionário começou a se desenvolver com a construção do campo de Dachau a 20 de março de 1933, localizado perto de Muenchen, na Baviera.. Os primeiros campos foram erigidos, sobretudo, na região industrial da Thuríngia e de Sachsen, havendo alguns isolados em outras regiões da Alemanha nazista. Segundo os historiadores alemães Wolfgang Benz e Barbara Distel, pode-se fazer uma divisão de três tipos desses primeiros campos: 1) 85 eram campos improvisados, que atualmente não são nem lembrados; 2) o campo de Dachau, com seu sistema de filiais expandido, e o campo de Sachsenhausen, ao norte de Berlin; 3) os 15 conhecidos e famigerados campos de Emsland.36

Também denominados de campos “selvagens” (“wilde” Konzentrationslager), esses campos foram sendo instalados de forma não-sistemática para prender opositores políticos do nacional-socialismo. Esse tipo de campo teve como característica central uma existência curta, em decorrência da divisão entre a SA e a SS para a administração dos campos. Posteriormente, a SS ficou responsável pela administração do sistema concentracionário. Os campos de Dachau e Sachsenhausen foram exceção dos campos dessa primeira fase. Além disso, Dachau não só continuou seu funcionamento, como também se tornou um “campo modelo” (“Musterlager”) para a construção e funcionamento dos futuros campos de concentração.37

Nessa primeira fase dos campos, de 1933 a 1936, denominada pelo historiador Israel Gutman38 de “terror político”, “os campos eram utilizados com fins “educativos””39. Depois de 1936, somente os campos de Dachau e Sachsenhausen continuaram ativos. Os demais eram campos menores e improvisados que deixaram de funcionar. Além disso, no início, eram as SA que administravam os campos, mas a partir de 1934, depois da Noite dos Longos Punhais, quando dirigentes nazistas foram assassinados a mando de Hitler, a administração dos campos de concentração passou a ser de responsabilidade da SS.

Posteriormente, outros campos na Alemanha nazistas foram sendo fundados, já tendo em vista a Segunda Guerra Mundial e seus numerosos prisioneiros: os campos de concentração de Buchenwald em 1937, Neuengamme em 1938, Flossenbürg em 1938, Mauthausen em 1938 (localizado em Linz, na Áustria, território da Alemanha com o

Anschluss), e Ravensbrück em 1939.

36 Cf. a obra de referência: BENZ, Wolfgang / DISTEL, Barbara (orgs.). Der Ort des Terrors. Geschichte der

nationalsozialistischen Konzentrationslager Band 2. Frühe Lager, Dachau, Emslandlager. C.H. Beck, München, 2005.

37 Idem.

38 Israel Gutman, historiador e pesquisador do Yad Vashem de Jerusalém, Israel, e autor de inúmeras obras sobre

o Holocausto, é sobrevivente do Gueto de Varsóvia e do campo de Auschwitz, onde participou do atentado que explodiu uma das câmaras de gás. Em português, temos a importante obra: Resistência: O Levante do Gueto de Varsóvia. Rio de Janeiro: Imago, 1995 [1994].

39 Cf. GUTMAN, Israel. Holocausto y Memoria. Jerusalém: Yad Vashem / Centro Zalman Shazar de Historia

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1938: Ano-chave na política nazista anti-judia

“Eu não gostaria de ser um judeo na Alemanha.” Hermann Goering, novembro de 1938 O ano de 1938 é um ano-chave na política nazista anti-judia, representa o início da violência massiva contra os judeos. A 27 de outubro ocorre a primeira deportação

Os judeos passaram a ser deportados aos campos de concentração a partir de 193840, quando houve um recrudescimento na política nazista em relação aos judeos, que já sofriam um progressivo processo de exclusão sócio-econômica desde 1933. Na noite de 9 a 10 de novembro de 1938 ocorreu o primeiro pogrom judaico na Alemanha do século XX, denominado de A Noite dos Cristais Quebrados, a Kristallnacht. O progrom foi organizado pela SA, tendo como justificativa o assassinato do alemão vom Rath em Paris pelo judeu Gruenspan, que quis se vingar do tratamento desumano de seus pais na Alemanha. 91 judeus morreram nesta noite e nenhum assassino foi julgado. 267 sinagogas da Alemanha foram queimadas ou destruídas. 7500 lojas de judeus foram quebradas ou saqueadas, com um prejuízo de muitas centenas de milhões de marcos. Esses acontecimentos foram divulgados pela imprensa mundial. Foi imputada uma multa coletiva de um bilhão de marcos aos judeus para pagarem os seus próprios prejuízos, que posteriormente foi aumentada em 3 bilhões de marcos. Nesse momento, os judeus foram completamente banidos da vida econômica na Alemanha. As propriedades judaicas foram colocadas em contas e confiscadas pelo Estado.

O pogrom da Kristallnacht representou o marco do início da violência física em massa contra os judeus e o início da deportação dos judeus para os campos de concentração. 30 mil judeus alemães e austríacos foram presos e deportados a campos de concentração pela polícia secreta do Estado, a Gestapo (Geheime Staatspolizei, Polícia Secreta do Estado). Muitos desses 30 mil judeos, os que sobreviveram nos meses seguintes, se assinassem um documento se comprometendo a irem embora da Alemanha – emigrarem – teriam permissão para isso. Além desses fatores, a Kristallnacht representa um marco de um período iniciado em 1933 de progressiva discriminação racial, segregação sócio-econômica, expropriação econômica, em incentivo de emigração, que em 1938 radicaliza-se e se recrudesce vertiginosamente.

Defendemos que inicialmente, os objetivos nazistas eram, além da retirada dos judeus da vida política e econômica, também a emigração – e ainda não extermínio – dos judeus, como atesta o escrito de janeiro de 1937 Sobre o Problema Judaico o Serviço de Segurança da SS destaca que “se deve exigir o aumento e a imigração assegurada” dos judeus. Ele afirma que a emigração é “urgente” e deve ser “concentrada, isto é, direcionada somente para países conhecidos, a fim de se evitar que em alguns países sejam criados grupos inimigos e que a população desses países se subleve contra a Alemanha. Para a desejada emigração deve-se prestar atenção a três medidas: a) para quais paises a emigração pode ser levada tecnicamente em conta; b) quais países receberiam uma grande quantidade de judeus, sem que aí houvesse o receio de uma emigração continua; c) quais recursos técnicos exige a emigração.”41

Se até 1938 e eclosão da Segunda Guerra Mundial em 1939, a resposta nazista questão judaica foi a emigração por meio de uma legislação antijudaica desde 1933 e de forçar essa emigração, a Kristallnacht representa a culminação das medidas antijudaicas. A 30 de janeiro de 1939, no Reichtag (Parlamento) alemão Hitler criticou o mundo por não receber os judeos e advertiu sobre as conseqüências de uma guerra, que incluíam a “aniquilação”

40 A deportação inicial de judeos a campos de concentração ocorre primeira em junho de 1938, quando 1500

deles são levados aos campos. A segunda deportação ocorre com a Kristallnacht, que se tornou um marco histórico, que aqui destacamos.

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(“Ausrottung”) do judaísmo europeu42. Posteriormente, partir da implementação da “Solução Final”, vigorou a completa impossibilidade de emigrar, e a ameaça hitlerista foi posta em prática: o destino dos judeos tornou-se ou o trabalho forçado até a morte (extermínio pelo trabalho) ou o extermínio direto, sobretudo por fuzilamento ou nas câmaras de gás.

Importante notar que, dentre os países europeus, era justamente na Alemanha que os judeos eram mais assimilados. Quando da ascensão de Hitler ao poder, em 1933, viviam aproximadamente 566 mil judeus na Alemanha e representavam 0,77% da população, dos quais 160 mil em Berlim e 30 mil em Frankfurt. Nesse período, ainda se falava de uma

simbiose judaico-alemã (deutsch-jüdische Symbiose), que nunca fora completamente efetiva,

mas a assimilação judaica na Alemanha era a mais profunda dentre os países europeus. Os judeus alemães sentiam-se intimamente ligados à cultura e à nação alemãs, sentiam-se alemães. Milhares de judeus lutaram do lado alemão na Primeira Guerra Mundial, pelo que consideravam “sua” pátria, e doze milhões encontraram a morte nesta guerra. A participação na vida cultural era a maior de qualquer outro país. 11% de todos ganhadores de Prêmio Nobel eram judeus e 9% destes eram judeus alemães. Alguns estavam tão assimilados, que somente descobriram-se judeus com o anti-judaísmo e as medidas anti-judaicas nazistas. Segundo as recentes estimativas dos arquivos israelenses (Yad Vashem de Jerusalém) e europeus, estima-se que 24-25% dos judeos alemães deles tenham morrido, ou seja, entre 134.000 e 141.500. Segundo Arno Lustiger, cerca de 346.000 conseguiram emigrar ou fugir e 14.574 judeus que viviam nos denominados meios privilegiados conseguiram sobreviver ao período nazista, 5.000 sobreviveram na clandestinidade, a maioria destes em Berlim.43

As diferenças das políticas dos prisioneiros dos campos Resumo da cronologia das vítimas do nazismo levadas aos campos:

• A partir de março de 1933: opositores políticos alemães (comunistas, social-democratas e sindicalistas);

• A partir de 1935: “criminosos trabalhistas”, inseridos no grupo de “a-sociais”;

• A partir de 1936: ciganos, homossexuais alemães e austríacos, testemunhas de Jeová, demais “a-sociais”;

• A partir de 1938: judeos;

• Com a invasão dos outros que se tornaram ocupados, outros grupos foram sendo levados a campos de concentração (em especial, eslavos e prisioneiros de guerra)

Houve diferenças entre as políticas nazistas e o grau de violência direcionadas aos diferentes grupos de vítimas. Houve uma política de extermínio total contra os judeus, e de extermínio de sinti e roma, e esses grupos foram perseguidos e assassinado na Alemanha e em todo território ocupado. Os eslavos fizeram parte da política parcial de extermínio, por motivos políticos (luta anticomunista) e raciais, considerados racialmente inferiores, mas na escala nazista, “não tão inferiores” como judeos, roma e sinti. Os judeus, sinti, roma e eslavos foram vítimas do programa de "extermínio pelo trabalho", foram portanto explorados em trabalho forçado. Os judeus, os sinti e os roma foram vítimas de experimentos médicos. Nos

42 O conhecido fragmento do discurso de Hitler ao qual nos referimos: “Hoje quero voltar a profetizer: se o

judaísmo financeiro internacional, tanto dentro como fora da Europa, consegue levar os povos uma vez mais a uma guerra mundial, o resultado então não será a bolchevização do planeta e com ele o triunfo do judaísmo, mas sim a aniquilação total da raça judia na Europa.” Cf. HOFER, Walter (org.). Der Nationalsozialismus Dokumente 1933-1945. Frankfurt am Main: Fischer, 1957, p. 277.

43. Cf. LUSTIGER, Arno. Zum Kampf auf Leben und Tod: Vom Widerstand der Juden in Europa 1933-1945.

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guetos foram confinados em grande parte os judeus, mas em alguns deles também sinti e roma, e os guetos faziam parte do extermínio deliberado - por fome, doenças ou exaustão - desses seres humanos.

Os homossexuais perseguidos e concentrados foram somente alemães e austríacos, assim como a maioria dos deficientes físicos e mentais (com alguns poloneses e russos). Na hierarquia de um campo de concentração, era notável que os judeus eram o grupo mais destratado, seguido pelos ciganos e depois, eslavos.

Longe de comparar sofrimentos, longe de quantificar vidas e almas, mas as estatísticas e os dados apresentados a partir da análise de documentos e da historiografia demonstram parte do programa político e ideológico racista, nacionalista, xenófobo, explorador, desumano do nazismo.

A ampliação do universo concentracionário e a utilização de trabalho forçado dos prisioneiros

Com a preparação mais intensa da economia de guerra em 1938 e, sobretudo, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, houve mudanças estruturais na política dos campos de concentração. Os seis campos de concentração existentes na Alemanha nazista foram ampliados e novos campos foram sendo criados na Alemanha e passou-se a utilizar o trabalho forçado44.

Os primeiros trabalhadores forçados estrangeiros foram 100.000 austríacos (grande parte deles, judeus, que chegaram depois da Anschluss - a anexação da Áustria pela Alemanha em março de 1938. A 1 de agosto de 1939 - exatamente um mês antes da explosão da Segunda Guerra mundial - 70.000 trabalhadores forçados do Protetorado de Bohemia e Moravia para exercerem trabalho forçado na Alemanha. Em seguida, com a invasão da Polônia, eles inicialmente eram empregados para remover escombros, mas pouco tempo depois foram enviados a campos de trabalho forçado. Foi a partir da guerra que os nazistas passaram a utilizar prisioneiros como trabalhadores forçados, violando com isso – dentre outras arbitrariedade e atrocidades cometidas até então - o direito internacional. Desde o início os trabalhadores forçados dos campos de concentração foram tratados com brutalidade.

As empresas da SS tiveram um desenvolvimento maior a partir de 1939, com a nomeação de Oswald Pohl45 como diretor geral do Ministério do Interior e com a ajuda de industriais alemães favoráveis do nazismo. Em 1939, até antes da guerra, os sete campos de concentração da Alemanha nazista (incluída a Áustria, anexada à Alemanha) – Dachau, Sachsenhausen, Buchenwald, Neuengamme, Flossenbürg, Mauthausen e Ravensbrück - mantinham cerca de 25 mil prisioneiros.

A Segunda Guerra Mundial e a ampliação da perseguição aos judeos

A Segunda Guerra Mundial e a expansão territorial dela decorrente foram fatores fundamentais para a ampliação do universo concentracionário e o desenvolvimento do Holocausto.

44 É preciso ressaltar que um campo de concentração significa um sistema de campos. Por exemplo, o campo de

Buchenwald, o maior campo de concentração em território da Alemanha nazista, abarcou 136 campos anexos (“Aussenlager”) com um sistema ferroviário e de exploração de trabalho forçado nos campos anexos. O campo central, atualmente Memorial (os Memoriais são sempre o que foram os campos centrais), eram os campos pelos quais todos os prisioneiros eram levados, e a maioria redirecionada para os campos anexos.

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Com o expansionismo nazista na guerra, além da ampliação do denominado “espaço vital” e com isso do universo concentracionário, houve a deportação e concentração de prisioneiros de várias nacionalidades em campos alemães e em campos erigidos nos países ocupados, o que gerou a construção de campos anexos ligados a empresas, enfim, há uma mudança na função e no papel dos campos de concentração e do trabalho forçado exercido pelos prisioneiros, que passam a também exercê-lo em empresas privadas, que pagam à SS, administradora dos campos de concentração, pela exploração dos prisioneiros, cujo trabalho forçado passa a ter maior importância na economia de guerra nazista46.

A perseguição aos judeus se intensificou no interior do Reich e ampliou-se para os países ocupados ao Leste da Europa, para o que a invasão da Polônia foi decisiva, já que nesse país se encontrava a maior concentração populacional judaica da Europa. a população judaica que teve o maior número de assassinados foi a polonesa (88-91%): 3.300.000 judeos viviam na Polônia antes da invasão nazista viviam, dos quais entre 2.900.000 a 3.000.000 foram assassinados.

A guerra modificou o cenário e os objetivos dos campos de concentração. A construção e proliferação dos campos anexos (“Auβenlager”) deu-se na direta proporção do aumento da utilização da mão-de-obra de prisioneiros para a economia de guerra, no contexto da “guerra total” declarada por Hitler. O trabalho forçado com a destruição física e psíquica desempenhou um importante papel desde a fundação dos campos de concentração, mas somente a partir da guerra e, sobretudo de 1942, com o estabelecimento da Oficina Central Econômico-Administrativa da SS (WVHA), o trabalho forçado passou a ser mais amplamente utilizado na economia de guerra e por empresas privadas alemãs.

Seguindo a demanda por mão-de-obra das empresas, a SS aumentava as deportações em massa dos países ocupados para “oferecer” cada vez mais mão-de-obra para as empresas, e também para substituir os prisioneiros mortos por exaustão, ou doenças. Esse processo, denominado pela historiografia de “extermínio pelo trabalho”, Fazia parte desse processo de assassinato gastar o mínimo possível na “manutenção”, na sobrevivência dos prisioneiros, tanto com a alimentação e moradia, quanto com o tipo e a duração do trabalho. Dentre as vítimas desse processo encontramos russos, poloneses, húngaros, iugoslavos e tchecos, judeus e não-judeus, e ciganos, ou seja, em grande maioria, eslavos, judeus e ciganos.

O programa da “eutanásia”: antecâmara do Holocausto

O programa de “eutanásia” dos nazistas consistia em assassinar os deficientes físicos e mentais. Ele é considerado por alguns historiadores como sendo o precursor do Holocausto. Ele teve início em 1939 e implementou o assassinato por gás, injeção letal ou tiro na nuca de doentes mentais (crianças e adultos) em Neustadt, na Prússia Ocidental. Esse assassinato passou a ser paulatinamente de conhecimento público e houve protestos contra ele por parte da população alemã.

Diante dos protestos e a fim de evitar a exposição pública deste programa de “purificação” e destruição de deficientes físicos e mentais, foram erigidos, a partir de outubro de 1940, sete centros de assassinato, que eram sanatórios de extermínio: Grafeneck, Hadamar,

46 É importante ressaltar que o trabalho forçado dos prisioneiros dos campos de concentração pode ser dividido

em duas categorias: 1) trabalho sem função econômica, para a construção dos campos e sua manutenção (como serviços de cozinha e reparos) ou para humilhar e maltratar os prisioneiros; 2) trabalho com função econômica, seja em benefício da SS (ou seja, do Estado nazista), seja em benefício de empresas privadas alemãs. Nesse último caso, o trabalho é sempre exercido por prisioneiros dos campos denominados de Arbeitserziehungslager (campos de correção de trabalho forçado). Duas obras de referência fundamentais a respeito são: SPOERER, Mark. Zwangsarbeit unter dem Hakenkreuz. Stuttgart/Muenchen: DTV, 2001; LOFTI, Gabriele. KZ der Gestapo. Arbeitserziehungslager im Dritten Reich. Frankfurt am Main: Fischer, 2003 [2000].

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Bernburg, Sonnenstein, Brandenburg-Görden, Kaufbeuren e Hartheim. Até o final da guerra, 100 mil eutanásias foram aplicadas no Reich.47

O papel da biologia racial no programa nazista não deve ser menosprezado. É preciso destacar que as primeiras experiências de assassinato em massa foram realizadas pelos programas de “eutanásia” que vitimou deficientes mentais e podem ser considerados como a ante-sala do Holocausto. Além disso, as pseudo-experiências com cobaias humanas realizadas nos campos de concentração revelam a natureza extremada e desumana a que chegou a “ciência” nazista, assassina, cujo intuito maior não era um desenvolvimento econômico, mas o desenvolvimento do que se chamada de “raça ariana”. O melhor exemplo disso era o projeto

Lebensborn.

Lebensborn (“Primavera da Vida”) foi um projeto secreto desenvolvido pelos

nazistas. Criado por Heinrich Himmler a 12 de dezembro de 1935 com o objetivo de purificar o que considerava “a raça germânica”. Esta sociedade, denominada também de Lebensborn

Eingetragener Verein (Sociedade Primavera da Vida Registrada), incentiva jovens mulheres

alemãs consideradas “racialmente puras” a dar a luz uma criança, geralmente em segredo, e depois entregá-la à SS, que cuidaria da adoção e educação da criança. As crianças nasciam em casas especialmente mantidas para esse fim, que também funcionavam como ponto de encontro entre mulheres consideradas “racialmente puras” e oficiais da SS. As crianças, no entanto, ao nascer, ficavam a cargo da SS e sem o contanto das mães ou pais e o afeto deste e por isso, muitas das quais se tornaram autistas.

A partir da guerra, a política do prometo Lebensborn ampliou-se para o rapto de crianças “racialmente aceitáveis” nos países ocupados da Europa Oriental, isto é, crianças com os traços do que se denominava “raça ariana”: cabelos loiros, olhos azuis, pele branca, dentre outros. Os raptos tinham o intuito de “germanizar” as crianças e eram organizados pela SS. Nos centros das Lebensborn onde ficavam as crianças, tentava-se fazer com que as crianças rejeitassem e esquecessem seus pais biológicos. Como exemplo, enfermeiras da SS tentavam convencer as crianças de que seus pais as tinham deliberadamente abandonado. As crianças que recusavam essa “educação” nazista eram castigadas. A maioria o recusou e foi levada a campos de concentração, geralmente ao de Cáliz, na Polônia. As demais eram adotadas por famílias da SS. Não se sabe o número exato de crianças raptadas na Alemanha e nos países ocupados. Em 1946, estimou-se que o número ultrapassa 250 mil crianças, das quais apenas 25 mil regressaram a suas famílias legítimas depois da guerra.

Para Henrich Himmler, chefe das SS e chefe da polícia alemã, arquiteto da “Solução Final” e um dos principais assessores de Hitler, havia ciganos “arianos puros”, embora acreditava que a maioria era “inferior”, considerando-os como seres “indesejáveis, para serem eliminadas e mortas”. A denominada biologia racial – pseudo-biologia - acabou por decidir quem deveria morrer e quem continuaria vivo, assim como determinou uma série de experiência pseudo-científicas, desumanas, buscando a “limpeza” racial, a “purificação racial” de ciganos e também de judeus. Nesse sentido, o racismo na ciência foi a tônica e os cientistas tiveram papel importante no extermínio deliberado. No que tange ao programa de “eutanásia”, os ciganos foram as vítimas mais numerosas. A política de apoio às experiências pseudo-científicas e da repressão política racista era conduzida tanto pela Polícia Criminal (Kriminalpolizei), quanto pelo “Instituto de Higiene Racial”, fundado em novembro de 1936 sob a direção do médico Robert Ritter.

Os experimentos pseudo-científicos nos campos de concentração

47 Cf. TREGENZA, Michael. Purificare e Distruggere: Il Programma “Eutanasia”. Verona: Ombre Corte,

2006; PALTEN-HALLERMUND, Alice. Die Tötung Geisterkranker in Deutschland. Psychiatrie-Verlag: Bonn, 1993.

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Entre 1939 a 1945 aproximadamente 7 mil judeos, roma e sinti (“ciganos”) e prisioneiros de guerra foram utilizados em brutais experimentos pseudo-científicos em 30 campos de concentração. Esses experimentos tinham objetivos tanto em “aperfeiçoamento” bélico, quanto cirúrgico, inseridos esses últimos na pureza da pretensa “raça ariana” (inexistente), para a qual qualquer tipo de “inferioridade” deveria ser eliminada, por esterilização, como ocorreu inicialmente: De 1933 a 1937, cerca de 200 mil jovens alemães foram esterilizados por supostamente padecer de enfermidades genéticas. O regime também buscou eliminar a “inferioridade racial” mediante confinamento nos campos de concentração, ou como ocorreu posteriormente, assassinato.

O Programa de “Eutanásia” foi um dos programas de assassinato da vítimas da política racista e nacionalista da Alemanha nazista. Era o programa de “eliminação da vida que não merece ser viviva” (“unwerten Leben”). Consistiu no assassinato de deficientes físicos e mentais, também denominado de Programa T4, por sua administração estar localizada na Rua Tiergarten 4, em Berlin. Ele teve início na passagem de 1939 a 1940 e foi realizado em especial na Alemanha.

Os centros da “Eutanásia”, como destacam vários historiadores, como a alemã48 e o inglês49 eram clínicas psiquiátricas, onde médicos decidiam aqueles que seriam assassinados. Os médicos e enfermeiros assassinavam as vítimas por meio do gás venenoso Zyklon B. Nas clínicas psiquiátricas, transformadas em centro de extermínio, depois de gaseadas, os cadáveres das vítimas eram examinados; as causas do óbito, falsificadas e enviadas aos familiares. Apesar da tentativa de encobrir a “Eutanásia”, houve rumores dentre a população e já no início de 1941 era de grande conhecimento público na Alemanha, o que gerou protestos a partir de julho de 1940, em especial das Igrejas Protestante e Católica. Em decorrência dos protestos, o Programa T4 passou a ser legalmente encoberto pelo regime em abril de 1941 e a ser continuado secretamente.

Ao longo dos vinte meses de vigência do Programa T4, segundo o historiador alemão Dieter Pohl50, foram instalados seis centros de “Eutanásia”, todos localizados no território do Reich Alemão (Alemanha e Áustria anexada):

1. Brandenburg/Havel, de início de 1940 a outubro do mesmo ano foram assassinados 9 722 pacientes alemães;

2. Grafeneck, onde de janeiro a dezembro de 1940 9 839 vítimas foram assassinadas; 3. Sonnenstein, construída em maio de 1940 e onde pereceram 13 720 vítimas do

Programa T4 e 1 000 prisioneiros de campos de concentração;

4. Bernburg, ativo a partir do outono de 1940, onde até agosto foram assassinados 8 601 vítimas do Programa T4 e, concomitantemente, milhares de prisioneiros de campos de concentração até agosto de 1943;

5. Hadamar, substituiu o centro de Grafeneck a partir de janeiro de 1941 e até agosto foram assassinados 10 072 deficientes físicos e mentais, e de agosto de 1942 até o final da guerra, mais 4 400 prisioneiros;

6. Hartheim, vizinha de Linz, fundado em maio de 1940 e vitimou 18 269 pacientes psiquiátricos austríacos, ao lado de milhares de prisioneiros de campos de concentração de Dachau e Mauthausen, assassinados no local até 1944.

48 PLATEN-HALLERMUND, Alice, op. cit. 49 TREGENZA, Michel, op. cit.

50 POHL, Dieter. Verfolgung und Massenmord in der NS-Zeit 1933-1945. Darmstadt: Wissenschaftliche

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Depois de ter assassinado mais de 70 mil pacientes (70 223), Hitler parou o Programa T4 em agosto de 1941, provavelmente em decorrência dos protestos populares e em detrimento da “Solução Final da Questão Judaica”, ou seja, do extermínio dos judeus.

Início da “Solução Final da Questão Judaica”

Com a invasão da União Soviética pela Alemanha nazista em 22 de junho de 1941, o destino da comunidade judaica tornou-se sombrio: iniciou a realização da “Solução da Final da Questão Judaica” na Europa ocupada pelos nazistas. O início do extermínio em massa dos judeus foi realizado pelas Einsatzgruppen, forças tarefa especiais da Polícia de Segurança nazistas51, a saber, um esquadrão de morte nazista que atuava junto com o Exército Alemão nos territórios invadidos. O objetivo desses esquadrões de morte era assassinar os judeus - e também ciganos - nas cidades progressivamente invadidas. Havia quatro frentes da Einsatzgruppen, A, B, C e D. Cada qual deveria assassinar os judeus dos territórios em sua própria região, denominadas de Sonderkommandos (Comandos Especiais). Até a primavera de 1943, haviam assassinado 1.250.000 judeus, milhares de ciganos e eslavos, sobretudo soviéticos, incluindo prisioneiros de guerra. O assassinato de eslavos fazia parte dos objetivos de assassinar os comunistas.

Parte fundamental da implementação da “Solução Final” foi a construção dos campos de extermínio52 a partir do final de 1941 no território da Polônia ocupada: Sobibor, Treblinka e Chelmno, que eram exclusivamente campos de extermínio, além de Auschwitz e Majdanek, que eram campos simultaneamente de concentração, trabalho forçado e extermínio. Nos campos de extermínio, o método utilizado para assassinar era o gaseamento: por monóxido de carbono (em Chelmno) ou pelo gás Zyklon B.

Nos campos de extermínio, a maioria das vítimas ia direto para as câmaras de gás, as consideradas mais aptas ao trabalho ficavam encarregadas de atividades de subsistência do campo de extermínio, até serem assassinadas na câmaras de gás e substituídas por outros obrigados a trabalhar. Nos campos de Auschwitz e Majdanek, os prisioneiros, assim que chegavam, eram selecionados por médicos nazistas: os considerados “aptos ao trabalho” eram levados para trabalho forçado (“extermínio pelo trabalho”), os demais, para a morte nas câmaras de gás. A sobrevida média dos prisioneiros-trabalhadores era de 2 semanas.

O gaseamento por monóxido de carbono (CO2) ocorria em lugares isolados, dentro de

ônibus que eram completamente fechados e em decorrência da construção de um tubo especial que se acoplava do escapamento ao interior dos veículos. Os prisioneiros eram levados aos ônibus, cerrados e estes eram colocados em funcionamento. A primeira Trata-se de um método de assassinato considerado como demorado, por isso, mediante aprimoramento técnico, passou-se a optar pelo uso do gás Zyklon B, que era originalmente utilizado como

51 As Einsatzgruppen eram grupos de operações do Serviço de Segurança (SD) e da Polícia de Segurança

(SIPO). Inicialmente agiam junto com o Exército alemão no território anexado da Áustria e nos territórios invadidos da Tchecoslováquia e Polônia. Com a invasão da URSS, as Einsatzgruppen tornaram-se unidades móveis de assassinato das SS (Schutzstaffel, Esquadrão de Proteção) juntamente com o Exército Alemão que agiam na invasão da URSS e tinham como objetivo central assassinar todos os judeus das regiões por onde passassem.

52 Dois campos de extermínio, Auschwitz-Birkenau e Lublin-Majdanek, funcionavam sob a autoridade do

Departamento Central de Economia e Administração das SS. Os quatro demais, Belzec, Sobibor, Treblinka e Chelmno, eram comandados pelas SS regionais e por chefes de policia.

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pesticida, mas que em minutos gerava a morte de seres humanos nas câmaras de gás, projetas para o assassinato em escala industrial.

Há que se distinguir câmaras de gás e crematórios, ambos resultado da união entre os objetivos nazistas e a colaboração de técnicos e cientistas para viabilizar os métodos de assassinato em escala industrial. Os crematórios eram fornos que cremavam as vítimas do nazismo depois de mortas. As câmaras de gás as sufocavam e geravam sua morte rápida e dolorosa. Em todos os campos de extermínio havia crematórios e câmaras de gás, mas as câmaras de gás existiram predominantemente nos campos de extermínio. Os crematórios, por sua vez, foram construídos também em vários outros campos de concentração da Alemanha nazista e Europa ocupada, devido a imensa mortalidade de vários destes. Caso contrário, a Europa teria se tornado em um extenso e interminável cemitério de valas a céu aberto.

Campos de extermínio e estimativas de mortes

Nome Local funcionamento Início de Fim do funcionamento ou libertação prisioneiros mortos Estimativa de Auschwitz I e Auschwitz-Monowitz Auschwitz-Birkenau Generalgovernement (Polônia) 20. maio 1940 setembro 1941 (gaseamentos) 27.janeiro 1945 1.100.000 Belzec Generalgovernement

(Polônia) 17. março de 1942 novembro 1941 (início do gasemento) julho de 1942 600.000 Chelmno (Kulmhof) Generalgovernement (Polônia) 7.dezembro1941 janeiro 1945 310.000 Majdanek Generalgovernement

(Polônia) setembro 1941 julho 1944 360.000

Sobibor Generalgovernement

(Polônia) março 1942 final de 1943 250.000

Treblinka Generalgovernement

(Polônia) 23. julho 1942 Outubro 1943 870.000

Fontes: Karin Orth. Das System der nationalsozialistischen Konzentrationalsger, Hamburg, Hamburger Ed., 1999; Archivo do Yad Vashem de Jerusalem, Israel; HALEVY, Yechiam. Histórical Atlas of the Holocaust. Nova Iorque, United States Holocaust Memorial Museum, 1996; Gerhard Finn. Buchenwald 1936-1950. Geschichte eines Lagers. Bad Münstereifel, Westkreuz, 1991 [1988]; Gerhard Finn, Sachsenhausen 1936-1950. Geschichte eines Lagers. Bad Münstereifel, Westkreuz, 1988.

O universo concentracionário, o trabalho forçado e o extermínio

“O ar é a última esmola (…) E se alguém morrer de fome, terá pelo menos, o que é por certo pouco, respirado até o fim.” Elias Canetti

A central da administração das atividades econômicas da SS, a Oficina Central Econômico-Administrativa da SS (WVHA), foi criada em 1. de fevereiro de 1942, com sede em Berlin. Oswald Pohl, além de Ministro do Interior, se tornou diretor dessa Oficina, responsável pelas inspeções dos campos de concentração e das atividades de 500 mil prisioneiros dos campos, muitos dos quais obrigados a trabalhos forçados em empresas alemães. Foi de Oswald Pohl a idéia de enviar para a Alemanha todos os pertences dos judeus gaseados nos campos de extermínio, incluindo além de roupas jóias, dentes de ouro e também cabelos, o que ia de encontro com a política da SS de “eficiência” e de “independência econômica” em relação a outros países.

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Nesse contexto, nos campos de concentração, além de parte de suas vítimas (judeos, roma e sinti e eslavos) terem sido utilizados em trabalho forçado, seus pertences restantes eram expropriados, como dinheiro, roupas, jóias e outros objetos de valor, que ficavam com a SS (Schutzstaffel, Esquadrão de Proteção)53, enquanto as roupas eram enviadas a Alemanha, para serem reutilizadas. Além disso, os corpos das vítimas tiveram uma utilização econômica54: os cabelos cortados das vítimas eram enviados para a Alemanha para servirem de matéria-prima para a indústria de estofados e chinelos, as cinzas dos corpos cremados e os ossos moídos dos mortos enviados para a Alemanha e utilizados como fertilizantes os dentes de ouro arrancados eram fundidos, transformados em barras de ouro e depositados em bancos55.

No início de 1942, o Departamento Central de Economia e Administração da SS (WVHA), assumindo o controle operacional dos campos de concentração, criou vários campos de concentração secundários – os Auβenlager – e departamentos locais nos territórios ocupados. Os prisioneiros dos campos nos territórios ocupados - sobretudo judeus, ciganos e prisioneiros de guerra – eram explorados como trabalhadores forçados na produção industrial bélica, e os judeos, roma e sinti foram usados para experiências pseudo-científicas como cobaias humanas.

Nos anos de 1942 e 1944, multiplicaram-se em centenas os subcampos construídos perto de fábricas e administrados pelos campos centrais. Esses subcampos tinham como objetivo o fornecimento de mão-de-obra às fábricas. Os campos que se tornaram os maiores administradores da rede de fornecimento de trabalhadores forçados foram Auschwitz (Polônia), Buchenwald, Ravensbrück, Gross-Rosen e Stutthof (Alemanha) e Natzweiler-Struthof (França). O tratamento cruel dispensado aos trabalhadores forçados, as más condições de trabalho e de vida e as evidências de uma iminente derrota alemã levaram a um aumento da resistência organizada contra os nazistas. Ironicamente, durante o último ano de guerra, apesar da destruição de muitas fábricas e da diminuição do território alemão, continuaram a ser abertos novos campos de trabalho forçado.

Durante a implementação da “Solução Final”, a economia de guerra estava em pleno vapor e exterminar a força de trabalho parecia irracional. Em outubro de 1942, Himmler ordenou que todos os campos de concentração na Alemanha fossem tornados “livres de judeus”, mas ao mesmo tempo a Alemanha nazista sofria severa escassez de mão-de-obra para a economia de guerra alemã de guerra, o que levou as suas autoridades a um manter e até aumentar o uso de prisioneiros dos campos de concentração para o trabalho forçado.

Importante ressaltar que o Holocausto não foi um processo linear e não havia consenso na cúpula nazista em relação à política de extermínio (de deviam priorizá-la ou ao trabalho forçado), justamente porque ela se chocava com a necessidade de mão-de-obra explorada e escrava do sistema nazista. Aqui a contradição intrínseca à política do extermínio pelo

53 SS á a abreviação de Schutzstaffel, Esquadrão de Proteção. Eram as tropas de choque da polícia política do III

Reich, responsáveis pela guarda dos campos de concentração e extermínio. Reinhard Tristan Heydrich era o chefe da SS e dirigia o Reichssicherheitshauptamt (RSHA), ao qual estavam vinculados a Polícia Secreta (Geheime Staatspolizei, Gestapo) e a Polícia Criminal (Kriminalpolizei, Kripo).

54 Sobre a expropriação dos pertences das vítimas e a utilização dos corpos destas, cf. as obras:

STAUDTE-LAUBER, Anellena. Holocaust. München, Wilhelm Heyne, 1997; LOHOFF, Frank-Helmut. … und das Grauen bleibt: 28 KZ-Gedenkstätten in Europa, slp, SELOH, 1998; ABRAHAM, Ben. Holocausto São Paulo, WG Comunicações e Produções, 1976; UNITED STATES HOLOCAUST MEMORIAL MUSEUM. Historical Atlas of the Holocaust. New York, Macmillian, 1996.

55 É correto também que no campo de concentração de Buchenwald, o maior da Alemanha nazista –e somente

nesse campo - a pele humana tatuada também foi utilizada na fabricação de abajours, como podemos constatar a partir de documentos e fotos existentes no referido campo. Jorge Semprún, em seu romance Um Belo Domingo (Rio de Janeiro, Vozes, 1982 [1980], fala da utilização de pele humana para a fabricação de artigos domésticos, como abjours. No entanto, é incorreta a afirmação de que a gordura humana das vítimas dos campos tenha sido matéria-prima para a fabricação de sabão.

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trabalho é latente: a mão-de-obra, isto é, o trabalho, é uma necessidade para a produção e reprodução do capital; ao se exterminar a mão-de-obra indefinidamente, a produção inevitavelmente irá parar. Algumas fontes apontam que, em 1944, quando o Reich alemão já estava em fase ascendente na guerra, houve uma diminuição do extermínio massivo, por necessidade do esforço militar da guerra.

Segundo estimativas, em setembro de 1944 trabalhavam na Alemanha 5.500.000 estrangeiros e 2.000.000 prisioneiros de guerra, dos quais 38% eram soviéticos e 20%, polacos. No final de 1944, mais 1.500.000 uniu-se a esse contingente de trabalhadores forçados.56 Em 1944/45 havia aproximadamente 1000 campos anexos e cerca de 400 – 500 mil prisioneiros que exerciam trabalho forçado em diferentes setores econômicos. Eles preparavam matéria-prima e produtos bélicos (armas, munições, bombas, peças de tanques), trabalhavam na reorganização e reconstrução de cidades e estradas destruídas por bombardeios dos Aliados, construíam instalações fabris subterrâneas, construíam residências militares.

Durante todo o período do Holocausto, o trabalho forçado - inserido na política do “extermínio pelo trabalho” - foi uma das principais causas de morte nos campos e guetos. Nenhuma consideração era dada à vida desses trabalhadores forçados, deliberadamente obrigados a trabalhar até morrer. Somente em poucas ocasiões, sobretudo no final da guerra, o tratamento dispensado a alguns foi um pouco melhor.

Consideramos o processo de guetoização como parte da “Solução Final da Questão Judaica”, porque um método de extermínio de milhares de vidas por fome, doenças e exaustão pelo trabalho. A partir de 1940 (e até 1944), os judeos (e também alguns ciganos) foram concentrados em guetos da Europa ocupada. Alguns guetos também serviram para explorar os judeus economicamente. Habitantes dos grandes guetos trabalhavam em oficinas e fábricas que produziam material bélico e militar ou na construção de estradas. Dos guetos, os judeos que sobreviviam eram levados para os campos de extermínio.

O campo de concentração, trabalho forçado e extermínio de Auschwitz É bastante documentado de que houve estreita cooperação entre a indústria alemã e os campos de concentração da Alemanha e da Europa ocupada. As empresas da SS, como a German Armaments Works, e empresas alemãs como a Siemens, IG Farben, Messerschmidt, Junkers e Krupp conseguiram aumentar progressivamente a produção armamentista com a exploração do trabalho forçado dos prisioneiros dos campos de concentração. Muitas fábricas da SS e de firmas alemães tornaram-se subcampos, como o mais conhecido caso de Auschwitz-Monowitz, que fornecia mão-de-obra para uma fábrica de borracha sintética filiada à maior empresa química da Europa, a IG Farben.

O campo de concentração de Auschwitz ou Auschwitz I começou a funcionar a 20 de maio de 1940. O local era uma antiga caserna do Exército austro-húngaro e os primeiros prisioneiros eram integrantes da resistência anti-nazista polonesa. A historiografia diverge quanto ao início da utilização de trabalho forçado: alguns afirmam que os prisioneiros foram submetidos a trabalho forçado na primeira fase do campo, outros, somente em 1941, a partir de uma ordem de Himmler de outubro de 1941 para a criação de um outro campo a três quilômetros do campo central e abrangia 40km2. Este novo campo ficava localizado em um povoado chamado de Brzezinka (Birkenau) e foi denominado de Auschwitz-Birkenau ou “Auschwitz II”. Os prisioneiros deste novo campo eram, além de poloneses, também

56 ROZETT, Robert / SPECTOR, Schmuel (reds.). Enciclopedia del Holocausto. Jerusalém, E.D.Z. Nativ

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prisioneiros de guerra soviéticos, ficavam alojados em barracas anteriormente utilizadas como estábulos de cavalos pelo Exército.

O gaseamento em massa com gás Zyklon B de prisioneiros começou foi primeiramente testado em 3 de setembro de 1941 no porão do Bloco 11 do campo central Auschwitz I, e desde março de 1942 em Auschwitz II. As primeiras vítimas foram 900 prisioneiros soviéticos, depois foram gaseados milhares de judeus da Europa ocupada, e seus crematórios, repletos de assassinados, chegarem ao auge de cremar 9.000 corpos por dia. A maioria das pessoas que chegava a Auschwitz, especialmente crianças, mulheres e idosos era “selecionados” de imediato para a morte. Aqueles considerados aptos para o trabalho exerciam trabalho forçado em Auschwitz III ou Auschwitz-Monowitz, onde ficavam os prisioneiros que trabalhavam para a indústria alemã. Tratou-se de um complexo de extermínio e exploração em massa, símbolo da barbárie nazista.

As estimativas das vítimas do nazismo: • 6 milhões de judeos;

• 20 milhões de russos (centenas desses incluídos na categoria de inimigos políticos e prisioneiros de guerra);

• 1,5 milhão de opositores políticos (sobretudo comunistas e social-democratas); • 3 milhões de prisioneiros de guerra;

• 500 mil sinti e roma (“gitanos”); • 70 mil deficientes físicos e mentais; • 15 mil homossexuais;

• 5 mil testemunhas de Jeová;

Considerações finais

Desde o final da guerra entidades judaicas e, a partir da década de 80, também o Conselho Central de Roma e Sinti alemães, lutam para terem o reconhecimento de vítimas do Holocausto e processam firmas e bancos envolvidos no extermínio, expropriação e trabalho forçado. Grandes empresas alemãs como IG Farben, Krupp, AEG, Telefunken, Siemens e Rheinmetall pagaram indenização nos anos 50 e 60 (500 milhões de dólares no total) para antigos trabalhadores forçados judeus ainda sobreviventes, a partir do processo instaurado em 1951 pela Conference Jewish Material Claims against Germany (Jewish Claims

Conference)57, na qual 23 organizações judaicas se reuniram como representantes de antigos trabalhadores forçados e sobreviventes de campos de concentração. O governo da antiga

Bundesrepublik (Alemanha Ocidental) reconheceu a exigência e pagou 715 milhões de

dólares ao longo de três anos. No final de 1965 e início de 1986, a Deutsche Bank também pagou indenização ao Jewish Claims Conference. Ao todo, houve de 11 a 12 milhões de

57 Conference on Jewish Material Claims Against Germany. Annual Report. New York, 1967, pp. 24-26. O

presidente da Conferência era Nahum Goldmann e ela contava com 23 organizações judaicas pelo mundo: Agudath Israel World Organization, Alliance Israelite Universelle, American Jewish Committee, American Jewish Congress, American Jewish Joint Distribution Committee, American Zionist Council, Anglo-Jewish Association, B’nai B’rith, Board of Debuties of British Jews, British Section of World Jewish Congress, Central British Fund for Jewish Relief and Rehabilitation, Conseil Representatif des Juifs de France, Concil of Jews from Germany, Delegación de Asociaciones Israelitas Argentinas (D.A.I.A.), Executive Council of Australian Jewry, Jewish Agency for Israel, Jewish Labour Committee, South African Jewish Board of Debuties, Synagoge Council of America, World Jewish Congress, World Union for Progressive Judaism, Zentralrat der Juden in Deutschland.

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pessoas obrigadas a exercer trabalho forçado na Alemanha, das quais sobreviveram 1,5 milhão.

Um dos maiores arquivos do mundo sobre o período nazista, os arquivos de Bad Arolsen, na Alemanha, somente foram abertos para a consulta de pesquisadores no ano passado. Trata-se de 50 milhões de atas que passaram a ser compiladas pela Cruz Vermelha britânica a partir de 1943. Grande parte são documentos das autoridades nazistas sobre cerca de 17,5 milhões de vítimas do nazismo, tanto pessoas confinadas em campos de concentração ou de extermínio como submetidas a trabalhos forçados. Além disso, a criação, em 1999, de um fundo de indenização58 de trabalhadores forçados do período nazista por iniciativa do governo alemão e com a participação de empresas e bancos alemães recolocaram, às portas do século XXI, a questão dos campos de concentração, do trabalho forçado e do extermínio durante o nazismo como um tema ainda a ser compreendido e que merece mais atenção e estudos históricos.

O Holocausto faz refletir sobre a exploração humana, a xenofobia, o racismo, o militarismo, o papel da ciência moderna e da tecnologia para a realização e maior eficiência do assassinato em massa e do sofrimento perpetrados pelo regime nazista e seus colaboradores não-alemães. À luz de renovadas reflexões e de recentes documentos sobre os campos de concentração, podemos buscar compreender melhor como se processou a deliberada aniquilação e tentativa de reificação humana dos judeus e também das outras vítimas do nazismo, como compreender as fábricas de morte como Auschwitz, onde 1,1 de seres humanos pereceram (dos quais 960 mil judeos) e 9.000 almas chegaram a ser diariamente cremadas. Uma tentativa de buscar compreender “aquilo que aconteceu”59, que pode ser difícil de denominar, mas possível de buscar compreender. como definiu o Holocausto o poeta Paul Celan, cuja vida, obra e período histórico vivido foram.

58 O fundo foi instaurado em 1999 para indenizar as 1.500 - 2 milhões de vítimas de trabalho forçado do regime

nazista ainda vivas. O então chanceler alemão Gerhard Schroeder participou das negociações, assim como representantes de Israel, da Rússia, de quatro países do Leste europeu, o Jewish Claims Conference e advogados das vítimas. Inicialmente formaram esse fundo a Deutsche Bank e grandes empresas alemãs, dentre as quais Allianz, BASF, Bayer, BMW, Daimler Christler, Degussa-Huels, Dresdner Bank, Alfried Krupp, Hoesch Krupp, Hoechst, Siemens e Volkswagen. A Igreja Católica na Alemanha recusou-se a entrar neste fundo, alegando não haver evidências de uso de trabalho forçado, ao passo que a Igreja Evangélica da Alemanha (EKD) e a principal organização de serviço social protestante, o Serviço Diaconal (Dikonisches Werk, DW), assumiram ter explorado trabalho forçado em paróquias e instituições da Igreja e irão colaborar com o fundo de compensação.

59 Paul Celan, citado no início dessa aula, sempre denominou o Holocausto de “was geschah”, “aquilo que

aconteceu”, nunca tendo usado as palavras Shoah ou Holocausto em sua obra. Diante da dificuldade de nomear, denominar “aquilo que aconteceu”, a obra celaniana foi uma reiterada tentativa de expressar o que é difícil de definir em palavras, de ampliar a linguagem, uma tentativa de superação da perda e da morte, da exploração, uma tentativa de diálogo e comunicação como forma de superação da barbárie, da barbárie nazista.

Referências

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