• Nenhum resultado encontrado

Sobre moda, roupas e auto destruição

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Sobre moda, roupas e auto destruição"

Copied!
5
0
0

Texto

(1)

O último 24 de abril fez necessário um breve pré‐texto. Apesar de ter sido uma das  maiores catástrofes fabris na história, o desabamento da fábrica Rana Plaza em  Bangladesh, que matou cerca de 1100 pessoas e feriu perto de outros dois  milhares, parece que pouco mudou na indústria da moda. Ela produzia peças para  gigantes como Primark, WallMart, GAP, H&M e outras (tão difícil hoje o armário do  consumidor de moda não ter uma peça sequer de alguma delas). Dos pedidos de  assinatura de uma tratado que melhorasse a qualidade de vida dos trabalhadores  naquele pais, muitas grandes marcas ficaram de fora.    

Sobre moda, roupas e auto­destruição 

“A cada semana uma nova coleção” Chilli Beans       Verão 2013/2014  12 casacos   22 blusas malha   25 blusas tecido plano,   14 camisas, 7 delas; brancas  17 calças tecido  2 calças malha  14 saias/shorts/bermudas  16 vestidos malha  25 vestidos tecido  15 vestidos festa    Para 162 modelos, produzidos em tiragens com variação entre 35 e 140 unidades,  2 estilistas, 15 costureiras, 5 modelistas, 1 mês de pesquisa (por materiais, formas,  acabamentos, volumes, cores e aviamentos), 3 meses na produção de um  mostruário de peças pilotos, 15 minutos de desfile, 5 meses de venda, seguidos por  2 meses de liquidação, a fim de reduzir ao máximo os estoques da estação, 

(2)

correspondendo a quase 50% de toda a produção1.  Com períodos de sobreposições  de etapas, o ciclo se repete ininterruptamente.   A moda é rápida, para o semioticista francês Roland Barthes ao reconhecer a  criação do design de obsolescência em seu “O Sistema da Moda” (ainda que não  nestes termos) via instituição de durações específicas para estações, tendências e  coleções e diferenciação clara entre moda (tendência) e Moda (estilo); para  estilistas que, a fim de alcançar metas de vendas estabelecidas pelas empresas, são  obrigados a criar coleções de primavera, verão, resort, alto verão, outono, inverno,  e ainda compartimentam cada estação em 3 ou 4 meses; para o consumidor, que  encontra a impossibilidade de acompanhar e adquirir peças a cada novo  lançamento, de ampliar seus armários a cada seis, quatro, três meses; e para as  fábricas de tecido, continuamente pressionadas por novidades que devem ser  apresentadas com mais de 1 ano de antecedência dos lançamentos nas lojas. A  moda é rápida, rápida o suficiente para não conseguir processar um termo em  língua estrangeira e  traduzi‐lo para a língua local e, na urgência da incorporação,  transforma, por exemplo, peep­toes2 em peep­tools. Pensar o termo coleção neste  cenário parece absurdo, com um número infindável de objetos entrando em  cadeias de produção e inseridos em lojas a cada 3 meses, 1 mês, ou ate mesmo 1  semana (como sugerido na campanha da marca de óculos Chilli Beans).  Acompanhar a última tendência adquirindo um par de óculos com armações em  cores neon, porque eles caíram perfeitamente naquela it­girl3, não é um  investimento, por mais que vendedores tentem nos convencer disso.   Não é pretendido aqui construir um guia de melhor custo­benefício para compras  em moda, mas sim propor uma forma de análise qualitativa que beneficie o  desenvolvimento de um mercado de consumo mais sustentável e uma reflexão  sobre os caminhos que este campo do conhecimento e do comércio tem traçado.   Desde suas origens, nas maisons dos primeiros criadores na França, a moda  depende de uma sazonalidade com extensão não muito prolongada de validade de  tempo para sobreviver como indústria e estabelecimento comercial. No século XVI  esta duração chegava a alcançar décadas. Com o aumento da disponibilidade de  materiais pós industrialização, o crescimento da mão‐de‐obra qualificada  disponível, e mais tarde,  a diminuição da quantidade de tecido utilizada na  confecção de uma peça (mudança natural decorrente das guerras), esta vida útil vai  sofrendo diminuições. No momento em que nos encontrarmos hoje, uma  ‘tendência’ pode durar menos que uma estação.          1 Uma coleção é considerada um sucesso por análises de marketing e vendas quando as vendas a  preço cheio ultrapassam 60% do total da produção.   2 Sapato ou sandália com pequena abertura na frente, que deixa visível (‘peep’ do inglês, pode ser  traduzido como ‘vista parcial’) apenas parte dos dedos do pé.   3 termo utilizado para descrever mulheres jovens e atraentes, normalmente ícones populares. Não  estranhamente, o termo remete de alguma forma também, em uma dura tradução, à idéia de garota‐ objeto.  

(3)

Mas se a moda participa de um conjunto de expressões criativas , a partir do  momento em que os criadores passam a assinar suas peças inserindo etiquetas,  tendo sido elas contemporâneas ou não, aplicar a proposta de colecionismo do  curador norte‐americano Bruce Altschuler em “Collecting the New” (2005) parece  muito sensata. Para ele, compor uma coleção compreende tanto momentos de  aquisição e análise quanto momentos de troca, cessão e destruição. Sua proposta  é direcionada ao desenvolvimento constante (inevitável quando se trata da  produção que acontece no momento evolutivo do presente) de coleções em arte  contemporânea, e levanta diversas questões como qual a duração válida para o  contemporâneo. Pensar essa idéia para a aquisição de peças em moda nos leva ao  reconhecimento e esclarecimentos de movimentos que vem sendo iniciados desde  o surgimento do pret‐a‐porter e que, nos dias de hoje, parecem fazer cada vez mais  sentido.    //Troca e Cessão  Por sorte, preocupação ambiental, falta de espaço ou por simples ausência de  fundos disponíveis, muitas iniciativas interessantes concorrem com o comércio  tradicional de peças de roupa. Olhares variados sobre a moda e a roupa encontram  nestas formas de transferência possibilidades de dialogo. Para muitos o uso da  roupa ainda estabelece uma relação de mera necessidade básica com o usuário.  Para outros, se expande para espaços de expressão cultural, afirmação social,  tratamento estético. O surgimento de brechós, lojas de segunda‐mão, aluguel de  roupas, e encontros promovidos entre conhecidos para trocas de peças tem  movimentado de forma saudável, sustentável e acessível o mercado de moda.     //Destruição (ou Auto­Destruição)  Short Promocional . Preço final venda: R$128  Limite Custos:   total por unidade (produção mínima 300 peças): R$32   ‐ tecido: R$10   ‐ mão­de­obra (separação, corte, costura): R$8  ‐ beneficiamentos: R$4  ‐ aviamentos: R$3  ‐ transporte+outros+lucro facção: R$7    O exemplo acima apresenta uma sugestão real em planejamento de vendas de uma  marca ‘rápida’ brasileira. O algodão utilizado aqui talvez tenha uma trama pouco  fechada e deforme irregularmente ao lavar, a costureira talvez seja proveniente de  outro país latino‐americano e, para pagar suas dívidas com a imigração ilegal  

(4)

mantenha seu custo de mão‐de‐obra abaixo de R$4/hora para o empregador e  sendo cobrada uma velocidade bem acima do comum (fazendo as contas, jamais  alcançaria um salário mínimo trabalhando as normais 45h/semana), dentre outras  possíveis irregularidades na produção. A qualidade, portanto, garante que ainda  que o design do objeto ultrapasse um semestre, sua integridade física certamente  não conseguirá.   O fast‐fashion (e ainda tantos outros caminhos na moda, visando lucro máximo  acima de qualquer outro valor) elimina parte do trabalho na construção e/ou  seleção de uma coleção pelo consumidor. Estabelecendo limites de custo para  tecidos, aviamentos e mao de obra a serem utilizados em uma peca, com estratos  bem definidos dentro de cada linha, a moda que mais cresce no mundo no  momento poupa seus consumidores da seleção para destruição.  Com valores  definidos inquestionavelmente baixos,  H&M, Zara, Forever21, C&A, Primark, e  tantas outras, garantem que a durabilidade de seus produtos  não ultrapassará  muito mais que os 6 meses de uma estação, se auto destruindo, em aspectos visuais  e funcionais.   A constante luta pelo menor custo e maior lucro já tão estabelecida no universo  produtivo da moda faz com que clientes deixem de questionar a razão de um short  ‘rápido’ custar R$128 e considerem ‘roubo’ uma outra cadeia de produção, que  prioriza sustentabilidade dos processos, durabilidade do produto e qualidade de  vida dos profissionais envolvidos, a qual não encontra formas de tornar sua ‘marca  menor’ competitiva em relação às grandes marcas.   Além da planejada obsolescência nas funções (como alterações de tamanho graves  após a primeira lavagem, bolsos com costuras abertas nos primeiros usos, perda de  botões, dentre outros), a obsolescência de estilo é peça central no desenvolvimento  de um produto de moda.     //Auto­Regulação  Terrível constatação, essa precariedade em qualidade combinada com a expertise  em design de obsolescência acaba fazendo com que a moda em seu sistema se auto‐ regule até certo ponto. Se mantivéssemos o volume produzido atualmente em  unidades, substituindo a matéria prima por tecidos de qualidade e utilizando mão  de obra que leva o tempo necessário para executar bem todas as etapas do  fechamento de uma peça, poderíamos gerar um grande problema. Tramas mais  bem construídas podem levar mais tempo para degenerar, todos os armários se  tornariam pequenos para comportar toda a coleção que, ainda que utilizada por  anos, perduraria. Cenário ridiculamente absurdo, claro. Porém, um controle  rigoroso nas produções resultariam em peças caras, duráveis, menos prováveis a  variações de tendências, redução no consumo, armários mais compactos, e um  horizonte muito mais valioso em produções estilísticas e interessante, tanto para a  cadeia produtora quando para a cadeia de consumo.  

(5)

O que a moda parece nos entregar hoje é uma coleta de objetos que participam de  um movimento de tendências de uma estação. Os critérios seletivos e os métodos  utilizados para precificação priorizam quantidade sobre qualidade, maior lucro,  menor durabilidade. 

Referências

Documentos relacionados

No Bloco 5 perguntamos sobre profissionais do local da prática (receber atenção do professor, receber incentivos do professor e receber atenção dos funcionários),

A placa EXPRECIUM-II possui duas entradas de linhas telefônicas, uma entrada para uma bateria externa de 12 Volt DC e uma saída paralela para uma impressora escrava da placa, para

• Saber aplicar os seus conhecimentos e a sua capacidade de compreensão e de resolução de problemas em situa em situa ç ç ões novas e não familiares ões novas e não familiares

A tem á tica dos jornais mudou com o progresso social e é cada vez maior a variação de assuntos con- sumidos pelo homem, o que conduz também à especialização dos jor- nais,

Tendo em vista analisar o desenvolvimento dos trabalhos em Educação Ambiental realizados pelos docentes durante a fase de preparação para a Conferência Escolar de Meio Ambiente,

Após a colheita, normalmente é necessário aguar- dar alguns dias, cerca de 10 a 15 dias dependendo da cultivar e das condições meteorológicas, para que a pele dos tubérculos continue

Para preparar a pimenta branca, as espigas são colhidas quando os frutos apresentam a coloração amarelada ou vermelha. As espigas são colocadas em sacos de plástico trançado sem

Obs: se o candidato não estiver logado no portal, será apresentado em vez do botão “QUERO ME CANDIDATAR” o botão “REALIZAR LOGIN”, clicando sobre o botão será direcionado