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Cf. LE BRETON, David. A sociologia do corpo. Petrópolis: Ed. Vozes, 2007, p.7. 2

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Introdução

Viver é estabelecer relações, relações no corpo. Isto porque o ser humano não tem corpo, é corpo, e é através dele que vivencia todas as relações no mundo. Todas as ações que tecem a trama da vida cotidiana, das mais simples e particulares, às mais complexas e públicas envolvem a mediação do corpo. Ver, sentir, experimentar, saborear, o contato com o mundo que nos cerca se dá no e através do corpo.1

Esta primeira questão já mostra a importância e o interesse que se tem sobre a dimensão da corporeidade humana. Se por um lado, assistimos na sociedade em geral uma superexposição do corpo, sua exploração mercadológica, sua banalização estética e ética, por outro, vemos uma Igreja ainda tímida em assumir a corporeidade humana como dimensão a ser valorizada, no percurso para a devida valorização do ser humano e sua atuação na sociedade.

Mas o ser humano não é somente corpo. O homem é capaz de pensar a imensidão, isso supõe um esforço de transcendência com relação aos limites que o restringem, uma superação da matéria e dos seus condicionamentos. O corpo, não obstante o seu intrínseco recolhimento, não impede o homem de possuir uma abertura radical, um abertura que não olha somente à frente, mas também para o alto. O homem é um ser excêntrico.2

Contudo, o corpo também experimenta a decadência, a deterioração de si, a morte. Esta é uma importante questão para corporeidade, o estado de finitude, contingência e indigência para o qual tende todo ser humano, não só pela necessidade de ser nutrido, protegido e defendido, mas também pela sua própria estrutura.3 Questão que será crucial aos dilemas humanos do momento atual. A luta contra o envelhecimento e a morte é uma das tônicas das angústias contemporâneas.

É pela corporeidade que o homem faz do mundo extensão de sua experiência, transformando-o, apreendendo-o, estabelecendo relações e sentidos.

1 Cf. LE BRETON, David. A sociologia do corpo. Petrópolis: Ed. Vozes, 2007, p.7.

2BATISTA MONDIN. O homem, quem é ele? Elementos de antropologia filosófica. São Paulo:

Edições Paulinas, 1980, p. 39.

3 Cf. LE BRETON, A sociologia do corpo, p.7.

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E por ser agente no mundo, o ser humano pelo corpo é ser histórico, que vive a dinâmica das nuances de suas transformações e implicações sociais e culturais. 4 Por isto também, o corpo não é um dado fixo, imóvel no tempo. A significação do corpo é moldada pelo fato social e cultural onde este se encontra. A existência é corporal.5

Pode-se muito bem dizer que o cristianismo é uma religião do corpo. A revelação bíblico-cristã nos apresenta o ser humano criado pelo Deus criador e salvador. Deus quando quis ficar “definitivamente” perto de nós, se fez carne. Assumiu para si o corpo. Mas não outro corpo, assumiu o corpo humano. Contudo, esta visão positiva e honrada do corpo, contrasta com uma dificuldade de lidar com esta dimensão constitutiva do ser humano que existiu ao longo do percurso da igreja cristã. Dificuldade que se fez presente na vivência da sexualidade, do feminino (quase sempre relacionado à questão da sensualidade e do corpo), na vivência da espiritualidade, quase sempre desencarnada, e até nas perspectivas escatológicas. Por certo, toda ambivalência que recai sobre o corpo, sua afirmação ou sua negação refletirá compreensões diferentes do ser humano e os caminhos para sua realização humana. 6

A pesquisa visa discutir o tema da corporeidade na obra do Padre e Teólogo Espanhol radicado no Brasil, Alfonso Garcia Rubio e do Padre e Teólogo Belga, Adolphe Gesché, autores de primeira grandeza que aliam a riqueza teológica, ao vasto conhecimento em outros campos do saber humano. A principal preocupação dos autores diz respeito à autocompreensão que o ser humano contemporâneo tem de si. As graves violências contra o humano, o jogo de poder entre homens e mulheres, o corpo humano sendo usado como objeto, como mercadoria em uma perversa sociedade de consumo, fornecem possíveis pistas de que a autoimagem do homem contemporâneo não lhe tem ajudado no caminho de um processo de real humanização. Muito do descaminho antropológico contemporâneo é resultado de um processo histórico que penetrou na reflexão e vida cristã, e também se fez presente na sociedade em geral. A visão dualista antropológica platônica, neoplatônica e posteriormente cartesiana é uma das grandes dificuldades ainda presentes no todo da vida contemporânea.

4 Cf. LE BRETON, A sociologia do corpo, p. 8. 5 Cf. Ibid.

6 Cf. MOSER, Antonio. Corpo e sexualidade: do biológico ao virtual. In: SOTER (Org.).

Corporeidade e teologia. São Paulo: Soter-Paulinas, 2005. p.144.

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Nossa pesquisa é bibliográfica, realizada a partir das obras dos autores mencionados. O primeiro capítulo se propõe a investigar o sentido da corporeidade tanto na sociedade em geral quanto no ambiente eclesial cristão. A organização didática porá em lugares distintos a reflexão sobre a sociedade e a reflexão sobre a igreja, compreendendo que tal separação somente pode ser possível nestes fins. Pretende-se a análise das significativas mudanças da sociedade ao longo de toda modernidade e pós-modernidade, efeitos sobre o humano e sua relação com a corporeidade. Também fará um percurso histórico sobre o pensamento antropológico cristão, na patrística, e na teologia reformada, buscando compreender o lugar do corpo para igreja cristã nestes períodos, chamando atenção para a questão da corporeidade no protestantismo brasileiro, ambiente de particular interesse.

O segundo capítulo apresentará nosso primeiro autor estudado, Adolphé Gesché. Investigará o caminho de extrema relevância, apontado pelo autor, para falar ao homem contemporâneo. O corpo humano como lugar teológico e antropológico. Porque o corpo é o revelador de Deus, ao mesmo tempo em que é o revelador do ser humano. Para o autor, o cristianismo pode sim, no diálogo com a sociedade contemporânea, falar do corpo. E ao falar do corpo humano, novos sentidos são abertos para falar de Deus, e vice-versa. A isto chamou de “invenção cristã do corpo”.

No terceiro capítulo apresentaremos o pensamento do autor Alfonso Garcia Rubio e a sua antropologia cristológica de integração. A questão da corporeidade é tema transversal em sua obra. Sua compreensão será sempre fundamentada no valor e dignidade do corpo humano, nunca considerado isoladamente, em si mesmo, mas corpo integrado ao todo de dimensões e aspectos que constituem a pessoa humana. Compreensão fundamentada na revelação bíblico-cristã, a partir da autorrevelação do Deus criador e salvador que cria o ser humano à sua imagem e semelhança. Imagem plena que será vista na pessoa de Jesus Cristo. E é a partir da visão integrada das dimensões humanas - corpo-alma – que se constitui lugar fundamental para pensar o ser humano. Porque as consequências de uma compreensão que privilegia uma das dimensões em detrimento da outra configuraram na história empobrecimentos e uma determinada violência contra o humano, afetiva, existencial, social, física e espiritualmente.

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No capítulo conclusivo, pretende-se, a partir das contribuições dos autores estudados, afirmar positivamente o corpo como lugar para pensar o cristianismo e a dinâmica da vida cristã, e lugar para pensar a sociedade, contribuindo para uma ética que promova a devida superação dos dualismos e reducionismos e a devida humanização do homem.

Podemos dizer que a motivação para lidar com a temática nasceu desde minha adolescência, quando pela conversão, me tornei membro de uma Igreja Batista na baixada fluminense do Estado do Rio de Janeiro, no final da década de 80. A partir desta iniciação tivemos contato com o ambiente e a cosmovisão evangélica. Uma tônica bastante interessante apresentada que fazia parte daquela cosmovisão era o desafio de “estar no mundo, sem ser do mundo”. Compromisso baseado no entendimento sobre as palavras de Jesus em sua oração no capítulo 17 do Evangelho de João: “Dei-lhes a tua palavra, mas o mundo os odeia, porque eles não são do mundo, como também eu não sou do mundo. Não peço que os tires do mundo, mas sim que os preserves do mal. Eles não são do mundo, como também eu não sou do mundo.” (Jo 17, 14-16) Era forte a impressão de que a grande ação redentiva de Deus consistia em libertar seus filhos do mundo, com seus encantos ilusórios e sua ruína. E a principal ação do Espírito Santo era a de assegurar que enquanto aqui permanecessem, vivessem tal separação e rejeição do mundo, no aguardo da definitiva libertação. Esta visão trazia em seu substrato uma rejeição moderada a tudo que era material, corporal, oriundo da cultura. Isto justificava a grande dificuldade com as questões da corporeidade, vista como inimiga da alma. O sexo e a sexualidade, profundamente mal compreendidos, eram dimensão que precisava ser devidamente dominada; a cultura vista com extrema cautela; a espiritualidade sempre vivida de tal maneira que o corpo fosse cada vez mais mortificado para que o espírito fosse alimentado. Havia também uma relação de desvalorização do mundo criado, um desejo de abandono e descaso, já que este seria destruído e jaz no pecado, tudo que importa é o Céu. Evidente, no meio da juventude, tais compreensões sempre sofriam sérios questionamentos e a aceitação não era simples.

Foi a partir de um novo olhar sobre a pessoa humana de Jesus, como apresentada nos textos bíblicos, e a partir da reflexão teológica de autores que já haviam realizado tal percurso, que pude descobrir a absoluta valorização do ser humano, criado por Deus, corpo-alma, em todas as suas dimensões. A maneira

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como Jesus integrava a realidade e lidava em si com os dilemas do corpo, sem negá-lo, era profundamente encantadora. Compreensão que aos poucos foi abarcando as demais dimensões ou aspectos da vida humana e se transformando também em compromisso público, social, ético, em um modo ser no mundo, discernindo-lhe das dificuldades e dores, sem descuidar da devida valorização do ser humano.

Foi neste percurso que em 2007, em um curso para catequistas católicos, na cidade de Nitéroi-RJ, pude conhecer o Padre Alfonso Garcia Rubio, que nos apresentava uma cristologia viva e integradora, a partir do seu livro “O encontro com Jesus Cristo vivo.” Suas afirmações confirmavam as dificuldades em lidar com tais tensões que vi ao longo do percurso da fé. Em 2014 tive contato com o livro, fruto dos Colóquios Gesché, “Corpo, caminho para Deus”. Estava aí desenhado o percurso no qual deveria percorrer, na direção de uma ação pastoral cada vez mais bíblica e cristã.

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