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ENTRE A PALAVRA E O CHAO: MEMÓRIA TOPONÍMICA DA ESTRADA REAL, DESCRIÇÃO, HISTÓRIA E MUDANÇAS LINGUÍSTICAS

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Academic year: 2021

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ENTRE A PALAVRA E O CHAO: MEMÓRIA TOPONÍMICA DA ESTRADA REAL, DESCRIÇÃO, HISTÓRIA E MUDANÇAS LINGUÍSTICAS

Francisco de Assis CARVALHO1

Desde que o homem existe é que ele nomeia os lugares e os espaços. Sabemos que o processo de nomeação, muitas vezes é fruto da inspiração na paisagem e naquilo que o homem tem ao redor de si. Na paisagem, os elementos se unem como um todo, indo muito além do real e do que é oferecido pelos fatos da natureza. A paisagem é uma demonstração física que torna-se um depósito de memória que testemunha o passado no presente.

Diante da perspectiva de que o processo de nomeação torna perpetuado no tempo e no espaço a intenção do nomeador, a toponímia pode revelar a intenção primitiva do denominador. Nessa perspectiva, Dick (1990, p. 60) destaca que “nome e nomeador pertencem a um só conjunto e são elementos da mesma origem, unidos pelo ato de nomeação”. A autora salienta que o homem, no ato da nomeação de um lugar busca motivação em aspectos naturais (a aparência de um acidente geográfico) ou ainda sentimentos, ideologias de uma comunidade ou estados psicológicos de grupos que ocupam uma localidade.

Identificando lugares, os topônimos detêm a função conservadora das tradições e dos costumes de uma comunidade, na medida em que ela se utiliza da cultura linguística para nomear acidentes geográficos. Entende-se cultura como um conjunto de ideias, tradições, conhecimentos e práticas individuais e sociais, projetados na língua de um povo.

A proposta deste trabalho é descrever a formação toponímica dos municípios e logradouros que compõem o conjunto dos caminhos da Estrada Real, tendo como base o mapa apresentado pelo Instituto Estrada Real. O percurso da “Estrada Real” com seus 1.400km de extensão envolve mais de 200 municípios e logradouros que se localizam em três estados brasileiros: Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.

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USP, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas. Av. Prof. Luciano Gualberto, 403 – sala 04 – Cidade Universitária (Butantã) – CEP 05508-900, São Paulo, SP, Brasil. Bolsista Fapesp. francarvalho@usp.br.

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A Estrada Real evoca o tempo da exploração do ouro, da Inconfidência Mineira e do Império no Brasil. Por essa rota circulavam, há três séculos, carregamentos do minério cobiçado e de diamantes retirados de jazidas próximas de Mariana, Congonhas, Ouro Preto e Diamantina. Ela foi concluída em 1707 por iniciativa de Garcia Rodrigues Paes, filho do bandeirante Fernão Dias Paes.

Quando nos referimos à Estrada Real estamos falando de uma rota que, por mais de 150 anos, movimentou a economia do País, tornando a região das Minas Gerais uma das mais importantes da América. Os três caminhos que compõem a ER surgiram em tempos históricos diferenciados e sucessivos. A primeira via ligando a antiga Vila Rica, hoje Ouro Preto, ao porto de Paraty ficou conhecida como “Caminho Velho”. No século XVIII surgiu uma nova rota que viria ligar o Rio de Janeiro à antiga capital das “Minas Gerais”, o chamado “Caminho Novo”. Com a descoberta de diamantes na região do Serro Frio, em 1729, foi estabelecido o “Caminho dos Diamantes”, ligando Ouro Preto à atual Diamantina.

A Toponímia da ER é um memorial vivo de todos os fatos e acontecimentos que se desenvolveram em torno desta rota e de seus caminhos. Ela assinala as marcas deixadas pelas populações que lá viveram no entrelaçamento cultural das raças indígena, negra e branca. Ela testemunha a força e a coragem dos bandeirantes que abriram estes caminhos em busca do ouro e das pedras preciosas. Retrata o apogeu e a crise econômica da mineração com todas as implicações que estão impressas na toponímia do entorno da ER. Esta toponímia traz em si as marcas de uma história inigualável e singular, imorredoura por fazer reminiscência de fatos e importantíssimos para a História do Brasil.

Nos séculos XVIII e XIX, era grande o interesse dos pesquisadores europeus que viajavam pelos países ainda desconhecidos e inexplorados para conhecer e estudar a natureza. Esses viajantes, conhecidos como naturalistas, tinham um olhar atento e curioso, e também sólidos conhecimentos acadêmicos. O objetivo desses viajantes era estudar, sistematizar e coletar pela primeira vez espécies da fauna e da flora brasileiras. Graças a trabalhos desenvolvidos nas áreas de arqueologia, botânica, zoologia, etnografia e mineralogia, entre outros, eles inscreveram seus nomes na história das Ciências Naturais.

O olhar e o discurso desses viajantes naturalistas foram alguns dos elementos fundamentais na construção da identidade nacional e na constituição das representações que alicerçaram a visão que hoje temos do caráter sociocultural e geográfico brasileiro. Muitos passaram pelos caminhos da ER, deixando em seus registros

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as impressões e memórias toponímicas dos itinerários percorridos. Essas fontes documentais revelam muitas características do percurso da Estrada Real, já que esses viajantes passaram por esses caminhos. Ainda que suas impressões estejam moldadas por uma cultura europeia, essas fontes documentais permitem estabelecer um paralelo histórico entre o hoje e o ontem na tentativa de descrever historicamente como ela se formou e as modificações que sofreu ao longo do tempo.

Desta maneira, seus relatos sobre a cultura regional, as crônicas sobre a geografia, a botânica, a fauna, a hidrografia e os aspectos antropoculturais das regiões do percurso da Estrada Real possibilitam identificar e descrever a toponímia que foi registrada por eles e compará-la com a de hoje.

Tendo como pressuposto que o signo toponímico pode ser motivado pelas características presentes na geografia, e também pode ser fruto das impressões e sentimentos do nomeador, é que estamos desenvolvendo o projeto de pesquisa intitulado Memória Toponímica da Estrada Real: Descrição, História e Mudanças Linguísticas.

Três razões nortearam a escolha deste tema e o justificam:

1. O percurso da Estrada Real tem atualmente despertado grande interesse para os estudiosos das ciências humanas em interface com o turismo. Vale lembrar que Estrada Real é o nome dado aos caminhos utilizados entre as regiões mineradoras de Minas Gerais e a Corte no Rio de Janeiro, na época do Brasil colonial. No dizer de Pereira e Maia (2010, p. 7): “A Estrada Real que, no passado, constituiu uma rede

de caminhos para o acesso às minas e escoamento do ouro e do diamante, hoje representa o maior projeto turístico brasileiro, que integra o Sudeste do país aos destinos e rotas culturais internacionais”.

2. Os trabalhos de pesquisa sobre as regiões que compõem a Estrada

Real, no que tange ao estudo toponímico são raros. Assim, a opção por este estudo

ocorreu-nos pela diversidade contextual que apresenta, onde encontramos especificidades intimamente ligadas ao regionalismo linguístico e uma grande diversidade de dados históricos e culturais. Procedemos, com este intento, o levantamento dos topônimos para tornar possível um conhecimento correto das denominações que os lugares apresentam, uma vez que as palavras, através da sua origem, encerram um conjunto de informações que nos podem conduzir a uma longa caminhada quer no tempo, quer no espaço, dando a conhecer o tipo de povoamento e culturas, a vegetação, a abundância ou carência de água, as formas de relevo, as atividades econômicas existentes em diferentes momentos. Através

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das palavras faz-se um apelo ao que foi “vivido” que, apesar de constituir uma abertura para problemas significativos, põe a questão da identidade ou da procura da identidade.

3. A relevância deste projeto de pesquisa está na intenção de estudar e perceber nos relatos dos viajantes naturalistas dos séculos XVIII a XIX que passaram por estes caminhos, as marcas toponímicas por eles deixadas, sobretudo no que se refere às cidades e logradouros.

Como pesquisadores da Linguística, interessa-nos investigar a toponímia desta região, tendo em vista que a linguagem se constitui como um fenômeno de muitas faces e desdobramentos que possibilitará, certamente, um melhor entendimento histórico e cultural destes caminhos atravessados por povos de diferentes etnias e culturas que deixaram as suas marcas estampadas na variedade do signo toponímico. Bem sabemos, que todo trabalho toponímico constitui um caminho possível para o conhecimento do modus

vivendi e da cosmovisão das comunidades linguísticas que ocupam um determinado

espaço.

Como principal objetivo, nossa pesquisa visa, primordialmente, investigar a motivação toponímica que influenciou a denominação dos lugares, considerando-se os aspectos linguísticos e culturais preservados pela toponímia das regiões da Estrada Real. Como objetivos específicos, estabelecemos:

Fazer o levantamento designativo dos topônimos dos municípios, distritos e logradouros;

Observar como ocorreu a formação toponímica, descrevendo a etimologia desses topônimos, observando o processo de formação e a estrutura morfossintático e semântico-lexical;

Coletar dados históricos e socioculturais que fundamentem a origem e a motivação dos nomes designativos dos lugares;

Fazer a classificação dos topônimos segundo as taxionomias propostas pela metodologia de Dick (1990);

Pesquisar as referências toponímicas na literatura produzida pelos Viajantes

Estrangeiros dos séculos XVIII e XIX, analisando os registros cartográficos do ponto

de vista histórico-linguístico e geográfico com base na linha da ATB, proposta por Dick;

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Apresentar um estudo das motivações toponímicas e identificar as mudanças ocorridas na toponímia, do seu surgimento aos dias de hoje.

A análise toponímica está sendo realizada conforme uma abordagem que contempla duas perspectivas: um enfoque propriamente linguístico e sincrônico (análise da toponímia da ER com a finalidade de estudar os processos de constituição mórfica e apontar as diferentes procedências – portuguesa, indígena, africana ou outra); um enfoque histórico e linguístico-histórico (estudo da sucessão dos nomes atribuidos a cada município e logradouro desde o seu surgimento até hoje, detectando os principais tipos de mudança e suas causas).

Em nossa pesquisa estamos utilizando um método que combina a leitura documental e histórica, fundamentada nos Relatos dos VJN e dos autores que fazem a historiografia da ER. Servimo-nos da carta geográfica, o Mapa da ER, elaborado pelo

Instituto Estrada Real, como base para o levantamento dos toponímos da área pesquisada.

Partimos da análise quantitativa, procedendo o levantamento dos designativos de lugar e, posteriormente, partindo para uma análise qualitativa visando perceber a motivação toponímica dos denominadores. Em nosso trabalho inicial, descobrimos outros topônimos que consideramos representativos e importantes para ampliar nossa pesquisa. Assim dos 204 topônimos figurados no mapa da ER, incluimos também os topônimos designativos dos rios e serras(hidrográficos e geomorfotoponimos).

Para o resgate da memória toponímica da ER preocupamo-nos em fazer uma investigação científica para relacionar históricamente a origem de cada topônimo e as infuências sofridas ao longo do tempo com relação a sua configuração atual. Para uma melhor contextualização histórica foi fundamental a leitura da história de cada município e logradouro, bem como a visitação de autores que escreveram obras de estudos sobre a região. Após o procedimento destas leituras em que buscamos detetar e caraterizar a escrita dos topônimos, fizemos o histórico do topônimico conforme a sua origem e as modificações sofridas. No momento estamos elaborando as fichas lexicográficas dos topônimos segundo a metodologia de Dick (1990).

Referências

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