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Acta Otorrinolaringológica Gallega

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Academic year: 2021

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Resumen

Introdução: A patologia otológica constitui um problema comum ao nível dos cuidados de saúde primários e o seu tratamento representa um desafio para o Médico de Família. A terapêutica tópica apresenta inúmeras vantagens face à terapêutica sistémica, contudo nem sempre é a primeira escolha na prática clínica. Este trabalho pretende rever as patologias otológicas mais frequentes, assim como as atuais recomendações de terapêutica tópica caso a caso.

Materiais e Métodos: Foi realizada uma pesquisa de revisões sistemáticas, meta-análises e guidelines na Pubmed, e de guidelines na

National Guideline Clearinghouse em Setembro de 2014.

Resultados: A terapêutica tópica apresenta benefícios significativos no tratamento de patologia do ouvido externo (otite externa e otomicose) e do ouvido médio (otite média aguda com tubos de timpanostomia e otite média crónica supurada). Nenhum dos artigos revistos preconiza terapêutica tópica na otite média aguda. As fluoroquinolonas assumem-se como os agentes de primeira escolha, pelo potencial de ototoxicidade associado a outros fármacos. Os corticoesteróides demonstraram vantagem quando associados à antibioterapia tópica.

Discussão: Apesar das recomendações verifica-se que uma grande parte

Acta Otorrinolaringológica

Gallega

Artículo de Revisión

Patologia otológica: Terapêutica tópica caso a caso

Otologic Disorders: Topical Treatment case-by-case

Céline Raposo Gama1, Ana Sofia Pereira Rocha2, Sara Daniela dos Santos Ferreira3, Sofia Maria Rodrigues de Faria4

1 USF Oceanos, ULS Matosinhos. 2

USF Modivas - ACeS Póvoa de Varzim/Vila do Conde. 3 USF Infesta, ULS Matosinhos.

4

USF Lagoa, ULS Matosinhos.

Recibido: 26/2/2015 Aceptado: 15/5/2015

Correspondencia: Céline Raposo Gama USF Oceanos, ULS Matosinhos Email: celine.gama@gmail.com

ISSN: 2340-3438

Edita: Sociedad Gallega de

Otorrinolaringología.

Periocidad: continuada.

Web: www: sgorl.org/revista

Correo electrónico:

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dos doentes é ainda medicada com antibioterapia sistémica, contribuindo para um aumento das resistências bacterianas, maior número de efeitos adversos e maior duração do tratamento.

Conclusões: A terapêutica tópica está definida como tratamento de primeira linha em diversas patologias otológicas, devendo o Médico de Família estar familiarizado com esta via de administração.

Palabras clave: Patologia otológica, tratamento

farmacológico, administração tópica.

Abstract

Introduction: Otologic disorders are a common problem in primary care and its treatment is a General Practitioner's challenge. Topical therapy has many advantages over systemic therapy, how-ever it's not always the first choice in clinical practice. This paper aims to review the most com-mon ear diseases, as well as the current topical therapy recommendations in each case.

Materials and methods: A search of systematic reviews, meta-analyzes and guidelines at Pubmed, and guidelines at National Guideline Clearing-house was performed in September 2014.

Results: Topical therapy provides significant ben-efits in the treatment of outer ear pathology (external otitis and otomycosis) and middle ear (acute otitis media with tympanostomy tubes and chronic suppurative otitis media). None of the re-viewed papers recommends topical therapy for acute otitis media. Fluoroquinolones are assumed to be the agents of choice, considering the ototoxi-city potential associated with other drugs. Cortico-steroids demonstrated advantage when associated with topical antibiotics.

Discussion: Despite recommendations it appears that a large part of the patients are still treated with systemic antibiotics, contributing to bacterial resistance, increased number of adverse effects

and longer duration of treatment.

Conclusions: Topical therapy is defined as first-line treatment in many otologic conditions, and the Gen-eral Practitioner should be comfortable with this route of administration.

Keywords: Ear disease, Drug therapy, Topical

Ad-ministration.

Introducción

A patologia otológica constitui um problema comum ao nível dos cuidados de saúde primários e o seu tratamento representa um desafio para o Médico de Família.

A terapêutica tópica apresenta inúmeras vantagens, das quais se destacam o perfil de segurança1, altas concentrações do fármaco no local de administração1-6, menor duração do tratamento5, menor ocorrência de efeitos laterais1,3-4 e menor risco de resistência bacteriana1-5.

A terapêutica sistémica associa-se ao aumento do risco de resistência bacteriana1,2, maior frequência de efeitos laterais1,2,6 e maiores custos1,2. Além disso, com a terapêutica oral, na maioria dos casos, a dose atingida localmente é muito inferior à dose necessária para o tratamento da infeção1 (tabela 1).

Apesar das recomendações, cerca de 20% a 40% dos doentes com Otite Externa Aguda (OEA) são tratados com antibióticos orais, com ou sem associação a antibióticos tópicos1.Este facto pode ser justificado pelo receio do uso de terapêutica tópica devido ao risco de ototoxicidade. Do mesmo modo, outras patologias otológicas podem beneficiar de terapêutica tópica. Um estudo recente do Reino Unido comprovou que 98% dos

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otorrinolaringologistas prescrevem gotas em presença de uma membrana timpânica perfurada, enquanto apenas 43% dos médicos de família o fazem6.

Este trabalho tem como objetivo rever as patologias otológicas mais frequentes nos cuidados de saúde primários, assim como as atuais recomendações de terapêutica tópica caso a caso.

Material y Métodos

Foi realizada uma pesquisa bibliográfica na base de dados da Pubmed, utilizando os termos MESH

Administration, Topical e Ear disease, de revisões

sistemáticas, guidelines e de meta-análises, publicadas entre 2004 e 2014, em inglês, português, francês e espanhol. Da pesquisa efetuada a 19.09.2014, resultou um total de 50 artigos, dos quais 13 foram selecionados, após a leitura do título e abstract. Foi ainda consultada a base de dados da National Guideline Clearinghouse, tendo-se obtido 8 guidelines, das quais foram selecionadas 4 por se enquadrarem nos objetivos do trabalho.

Resultados

Otite Externa

A otite externa define-se por uma inflamação difusa do canal auditivo externo (CAE),

do pavilhão auricular e da membrana timpânica (MT),1-4,7 podendo ser aguda, se duração inferior a seis semanas, ou crónica se superior ou igual a três meses2. Em mais de 95% dos casos, as otites externas têm uma apresentação aguda, com um pico de incidência nas crianças com idade entre os 7 e os 12 anos, sendo menos frequentes a partir dos 50 anos2,3.

O canal auditivo externo, em condições fisiológicas, apresenta um pH ligeiramente ácido, que limita a contaminação e a multiplicação bacteriana. Assim, os mecanismos que levam à alteração destas condições fisiológicas facilitam o desenvolvimento de infeções1,2.

A OEA ocorre mais frequentemente nos meses de verão, nos climas húmidos e quentes ou na exposição prolongada à água, como no caso dos nadadores. Outros fatores de risco incluem: a perda de proteção do CAE conferida pelo cerúmen (limpezas excessivas ou impactação de cerúmen), história de traumatismo, presença de corpo estranho no CAE, e casos de imunossupressão, incluindo os doentes com diabetes mellitus1-3,7.

Os agentes mais frequentes são bactérias, com predomínio das Pseudomonas aeruginosa (prevalência de 20-60%) e dos Staphylococcus

aureus (prevalência de 10-70%). Outros agentes

possíveis são bactérias gram-negativas e fungos.

T,-./01234. T5/34. T,-./01234. S3627834.

Bom perfil de segurança

Menor ocorrência de efeitos laterais Maior frequência de efeitos laterais Altas concentrações do fármaco no local

de administração

Dose atingida localmente inferior à dose necessária

Menor duração do tratamento Maiores custos

Menor risco de resistência bacteriana Aumento do risco de resistência bacteriana

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Na maioria dos casos, existe uma infeção polimicrobiana 1-5.

Clinicamente, a OEA caracteriza-se por otalgia de início súbito, prurido, sensação de plenitude e otorreia, com ou sem hipoacusia. A dor agrava com a manipulação do tragus, sendo este um aspeto importante no diagnóstico diferencial1,2,7. Ao exame objetivo, observa-se edema e rubor da parede do CAE, podendo a inflamação expandir-se até à MT, causando miringite. O doente também pode apresentar adenopatias regionais e celulite do pavilhão auricular. Na presença de sinais sistémicos, como febre ou mal estar geral, é necessário excluir outras patologias ou extensão para estruturas adjacentes1-4.

O diagnóstico é clinico, baseado nos sinais e sintomas anteriormente referidos e no tempo de evolução. Na OEA simples é desnecessário a obtenção de culturas2-4.Estas apenas são úteis nos casos de infeções resistentes ou recorrentes2.

O tratamento inclui o controlo da dor, o tratamento da infeção e a prevenção através do controlo dos fatores de risco1-3. A terapêutica tópica na OEA simples em indivíduos sem fatores de riscos constitui a abordagem inicial recomendada. Assim, a terapêutica sistémica deve ficar reservada para casos de complicações, extensão da infeção para além do CAE, e consoante as comorbilidades do doente1-5, podendo ser usada em complemento da terapêutica tópica1,2.

Os antibióticos tópicos da classe dos aminoglicosídeos (neomicina ou gentamicina) ou das fluoroquinolonas (ciprofloxacina ou ofloxacina) estão recomendados no tratamento inicial das OEA simples1-4. Nenhum estudo demonstrou diferenças significativas entre as

várias soluções tópicas existentes, pelo que a escolha se baseia na experiência do médico, na facilidade de administração, custos, e potenciais efeitos adversos1. Apesar da baixa incidência, alguns estudos descreveram efeitos laterais associados à terapêutica tópica, tais como prurido, reação local ao fármaco e, muito raramente otalgia, vertigem e hipoacusia1.A neomicina apresenta um risco superior de hipersensibilidade (em 5 a 18% dos doentes3,7) e de dermatite de contacto1,3. Pelo potencial de ototoxicidade de alguns fármacos tópicos, apenas as fluoroquinolonas podem ser usadas sem risco nos doentes com MT perfurada1,3-6.

Os antibióticos podem ser associados aos corticoesteróides (hidrocortisona ou dexametasona). Vários estudos demonstram um benefício nestas associações, com a redução da duração dos sintomas em 0,8 dias3,4 e diminuição dos sinais inflamatórios5,7. Estes fármacos também são considerados seguros nos casos de perfuração da MT1,6.

A ofloxacina e a associação polimixina B/ neomicina/hidrocortisona estão recomendadas num esquema de duas a quatro administrações por dia1,4, sendo a duração média do tratamento de 5 a 10 dias 1 -4,7.

Na ausência de melhoria em 48 a 72 horas, uma reavaliação é necessária. Nestes casos, a má adesão ao tratamento, a obstrução do CAE ou um diagnóstico alternativo podem explicar a falha terapêutica2,3. A referenciação para a especialidade de Otorrinolaringologia (ORL) é essencial nas situações de complicações do quadro inicial, na impossibilidade de desobstruir o CAE ou na presença de corpo estranho2.

Na presença de infeção e durante o tratamento, o doente deverá evitar o contacto com a água no ouvido afetado. O mesmo se aplica aos doentes portadores de próteses auditivas, sendo

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necessário a evicção do seu uso durante os primeiros dias de tratamento1-3.

Na prevenção de futuras infeções, recomenda-se o uso de tampões auriculares e limitar a presença de humidade no CAE1-4,8. Deve-se reforçar a importância de evitar as limpezas excessivas, sobretudo o uso de cotonetes. Finalmente, pode aconselhar-se a administração profilática de soluções acidificantes após a exposição à água (soluções de ácido acético 2% ou de ácido bórico)1-4.

A Otite Externa Maligna ou Necrotizante é uma das complicações da OEA com mau prognóstico1,2. Ocorre principalmente em idosos e imunodeprimidos, tal como os doentes com diabetes mellitus mal controlada. Caracteriza-se inicialmente por uma OEA que, se não tratada adequadamente, pode evoluir para osteomielite dos ossos da base do crânio e do osso temporal, com invasão dos tecidos moles e estruturas adjacentes 1-2,8. A paralisia facial é um sinal precoce desta complicação. Observa-se frequentemente a presença de tecido de granulação no pavimento do CAE. Pode também evoluir para trombose séptica, abcessos cranianos e meningite2. O diagnóstico é clinico, podendo ser confirmado através de tomografia axial computorizada (TAC) ou ressonância magnética (RMN). O tratamento baseia

-se no desbridamento cirúrgico e antibioterapia

sistémica em altas doses com cobertura para

Pseudomonas e Staphylococcus1-2,8.

Otomicose

O termo otomicose é usado para descrever infeções fúngicas do ouvido externo, incluindo pavilhão auricular, CAE, MT e ouvido médio8. A sua prevalência é de apenas 9% dos casos de otite externa, estando relacionada com a área geográfica, uma vez que é mais prevalente em climas tropicais e subtropicais húmidos9. Aspergillus e Candida spp

são as espécies mais frequentemente isoladas, e destes o A spergillus niger e Candida albicans predominam1,8,9. O diagnóstico é clínico, semelhante ao da OEA. Os sintomas incluem geralmente otalgia, prurido, otorreia persistente e hipoacusia8,9. Os sinais clínicos podem ser otorreia persistente esbranquiçada, perfuração timpânica, edema e eritema do CAE e MT, e presença de detritos celulares esbranquiçados ou acinzentados, de aspeto algodonoso ou gorduroso8.

Os fatores de risco para a sua ocorrência são idênticos aos da OEA, já que a maceração da pele e a destruição da barreira protetora constituída pelo cerúmen, bem como o seu excesso, criam condições favoráveis ao crescimento bacteriano e fúngico8. Além disso, a otomicose ocorre na presença de outros fatores predisponentes como a configuração do CAE, o uso prolongado ou repetido de antibióticos tópicos ou sistémicos, a gravidez, o uso sistémico de corticosteróides, a presença de cavidade mastóide aberta, uso de aparelhos auditivos com moldes oclusivos e infeção bacteriana9.

As infeções fúngicas superficiais e colonização crónica deverão ser tratadas através de limpeza e desbridamento, acompanhados de antifúngicos tópicos, sendo que a maioria dos doentes apresenta uma resposta favorável8. O clotrimazol, miconazol, bifonazol, econazol, fluconazol,tolnaftato, naftifina, ciclopiroxolamina e a nistatina são antifúngicos disponíveis e efetivos. Apesar de recomendados, a ototoxicidade destes fármacos não está completamente esclarecida. O clotrimazol, miconazol, bifonazol, ciclopiroxolamina e tolnaftato apresentam propriedades mais favoráveis, incluindo um largo espetro de ação, menor ototoxicidade e disponibilidade das

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soluções comerciais, sendo por isso opções mais seguras no caso de doentes com perfuração da MT8.

O clotrimazol é um dos agentes mais eficazes, com uma eficácia de 95-100% na maioria dos estudos. Adicionalmente, apresenta atividade antibacteriana, o que constitui uma vantagem no tratamento de infeções mistas. Não existem relatos de evidência clínica de ototoxicidade pelo seu uso9.

O violeta de genciana é ainda usado em alguns países, pelas suas propriedades antissépticas, anti-inflamatórias, antibacterianas e antifúngicas. Aprovado pela Food and Drugs

Association (FDA), estudos demonstram uma

eficácia até 80%8.

O prognóstico da otomicose é favorável em doentes imunocompetentes. O tratamento sistémico não deve ser utilizado, exceto em casos de otite externa maligna invasiva 8.

Otite Externa Crónica

Definida como otite externa com duração superior a três meses, representa menos de 5% das otites externas. Em contraste à OEA, a etiologia é maioritariamente alérgica ou autoimune, e não infeciosa. Cerca de metade dos doentes têm atingimento bilateral 2,3.

A sintomatologia assenta em prurido crónico, dor ou desconforto, otorreia e sensação de plenitude. Pode também ocorrer hipoacusia de transmissão, no caso de estenose do CAE, que surge devido à inflamação prolongada e consequente fibrose da porção medial do canal, havendo necessidade de referenciação hospitalar para eventual tratamento cirúrgico2,3.

Os achados ao exame físico variam consoante a etiologia. A dermatite de contacto alérgica constitui uma causa comum de otite externa crónica (OEC), geralmente por contacto

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com metal, por uso de brincos; químicos, cosméticos ou produtos de higiene; plásticos, em particular aparelhos auditivos ou aparelhos de proteção auricular; ou após a exposição a agentes tópicos utilizados no tratamento de OEA2,3.O prurido está geralmente presente, assim como eritema maculopapular no CAE e concha2.

A dermatite seborreica acompanha-se da típica seborreia da face e couro cabeludo. O CAE apresenta-se com pouco cerúmen, escamoso, seco e eritematoso 2,3.

O eczema e psoríase ocorrem geralmente em doentes com o diagnóstico da doença ou com manifestações típicas noutros locais do corpo. Podem apresentar-se com prurido, hiperqueratose e liquenificação do epitélio do CAE 2,3.

A OEC pode ainda resultar de doença autoimune sistémica, como granulomatose de Wegener ou sarcoidose2.

A presença de otorreia purulenta ou micelas indicia infeção crónica de origem bacteriana ou fúngica. Se existir perfuração da MT a causa da irritação do canal poderá ser a drenagem purulenta de uma otite média crónica2.

A abordagem pressupõe a identificação e tratamento da causa subjacente. Tal como na OEA, devem ser explicadas medidas preventivas de evicção de água e uso profilático de agentes acidificantes, e evicção da manipulação do CAE. Além disso, pode ser necessária a realização de limpezas auriculares regulares, assim como o controlo do contacto com agentes alergénicos1-4,8.

Em doentes com patologias dermatológicas crónicas, os corticoesteróides tópicos de média ou alta potência, como dexametasona em creme, são eficazes, podendo haver necessidade de ciclos curtos de corticoides orais.

Na infeção bacteriana crónica o tratamento é semelhante ao da OEA, antibióticos tópicos

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isoladamente ou em associação a corticoesteróides3-5,7. O mesmo se aplica no caso de OEC de causa fúngica, cujo tratamento passa pelos antifúngicos tópicos2,9.

Em caso de insucesso terapêutico ou progressão da doença para manifestações extra-canal (celulite auricular, adenopatias, parotidite) é aconselhável a realização de exame cultural e antibioterapia oral, além de uma revisão do diagnóstico inicial. Os antibióticos orais devem

ser considerados em doentes

imunocomprometidos, idosos, diabéticos ou com otite externa maligna3.

Os doentes com OEC têm maior predisposição a OEA devido ao dano do epitélio resultante de excesso de humidade, trauma, coceira e acumulação de detritos, logo a adoção de medidas preventivas é fundamental2.

Diagnóstico diferencial de otite externa

Quando o tratamento da otite externa não é bem-sucedido, causas alternativas de otalgia e otorreia deverão ser consideradas (tabela 2). Sintomas persistentes podem dever-se a patologias dermatológicas, incluindo a dermatite (atópica, seborreica ou de contacto), psoríase ou acne envolvendo o CAE1. O exame objetivo deverá ser repetido, com o intuito de se excluir a presença de um corpo estranho, perfuração da MT e infeção do ouvido médio1. Menos de 5% dos casos de otite externa ocorrem por um furúnculo, herpes zóster auricular ou outras condições não específicas3.

Otite Média Aguda

A Otite Média Aguda (OMA) é uma condição médica comum em idade pediátrica10, sendo uma causa importante de morbilidade nesta

população11. Caracteriza-se por uma inflamação do ouvido médio causada por agentes patogénicos habitualmente presentes nas vias respiratórias superiores e que alcançam o ouvido médio através da trompa de Eustáquio5,11.Alguns vírus, como o vírus sincicial respiratório, adenovírus e o metapneumovírus humano estão a associados a altas taxas de OMA. Em 50-90% dos casos existe uma cultura bacteriana positiva, sendo o Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis os agentes

mais frequentemente encontrados11.O diagnóstico deve ser feito com base em 3 componentes: (a) sinais de efusão no ouvido médio; (b) evidência de inflamação aguda, através da presença de alterações da MT ou efusão purulenta; (c) otalgia ou outros sintomas não específicos como irritabilidade ou febre 11,12.

A maioria dos casos de OMA cursa com resolução do quadro infecioso sem necessidade de tratamento antibiótico, por drenagem espontânea

O232, E<2,-=.

Patologias dermatológicas

Dermatite atópica, seborreica ou de contacto Psoríase

Acne Furúnculo

Herpes zoster auricular

Patologia neoplásica

Carcinoma do canal auditivo

Doença autoimune sistémica

Granulomatose de Wegener Sarcoidose

Outras causas

Corpo estranho

Perfuração da Membrana Timpânica Infeção do Ouvido Médio

Tabela 2 – Diagnósticos diferenciais de Otite

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das secreções através da trompa de Eustáquio. O recurso a antibioterapia deve ficar reservado para situações específicas ou se não houver melhoria após 48-72horas de observação; nestes casos a amoxicilina por via oral constitui a terapêutica de 1ª linha. Nenhum dos artigos revistos preconiza a utilização de terapêutica tópica no tratamento da OMA10-13.

A presença de efusão sem sintomas de OMA sugere o diagnóstico de otite média com efusão (OME), que pode estar associada a perda auditiva transitória. A resolução espontânea da efusão ocorre em 80 a 90% dos casos, pelo que não está recomendado tratamento com antibióticos, corticoesteróides, anti-histamínicos ou descongestionantes nasais. Deverá ser feita reavaliação regular a cada 3 meses e, se necessário, reencaminhar para ORL11,12.

OMA em doentes com tubos de timpanostomia

A miringotomia com inserção de tubos de timpanostomia é um procedimento comummente realizado nos casos de otite média recorrente com necessidade de antibioterapia oral, e tem como objetivo melhorar a ventilação do ouvido médio5. O aparecimento de otorreia é a complicação mais frequentemente encontrada após este procedimento5, 14,15, com uma taxa de incidência média de 26%15. A principal causa de otorreia nestes casos é a denominada OMA com Tubos de Timpanostomia (OMATT)14,16, que ocorre frequentemente após uma infeção das vias respiratórias superiores16. Dada a elevada prevalência de OMATT, o Médico de Família tem um papel importante na abordagem e tratamento destes doentes14.

A OMATT difere clínica e microbiologicamente da OMA com MT preservada, apresentando um início mais insidioso,

com desenvolvimento de otorreia purulenta como quadro dominante, em vez do quadro de otalgia e febre que caracterizam a OMA com membrana íntegra14,16. Na OMATT, além dos agentes frequentemente encontrados na OMA (Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis), estão presentes outras bactérias tipicamente encontradas na Otite Externa (Pseudomonas aeruginosa e

Staphylococcus aureus), que alcançam o ouvido

médio através dos tubos de ventilação14-16. A co-infeção vírica também é frequente15.

Relativamente ao tratamento, as opções terapêuticas incluem regimes de antibioterapia tópica ou sistémica14. A antibioterapia tópica isolada constitui a primeira linha de tratamento nos casos não complicados,1,5,10,15,16 permitindo atingir concentrações antibióticas no ouvido médio 1000 vezes superiores às alcançadas com antibióticos sistémicos e com menos efeitos adversos10,14,16. Estes últimos devem ser considerados como uma terapêutica adjuvante quando há falência terapêutica, no caso de doença sistémica ou perante um quadro clínico mais grave5,10, 15, 16.

As fluoroquinolonas tópicas, com ou sem corticosteróides, são os agentes de escolha, resultando numa maior taxa de erradicação microbiológica, menor resistência antibiótica e menos efeitos adversos que a terapêutica sistémica14.Os aminoglicosídeos tópicos devem ser evitados, pelo seu potencial, embora raro, de ototoxicidade. Pelo contrário, as fluoroquinolonas são isentas de ototoxicidade10,14-16.A associação de corticoesteróides tópicos reduz a duração média de otorreia de 6 para 4 dias, reduzindo igualmente, pelo seu efeito antiinflamatório, o tecido de granulação que por fibrose pode comprometer a função do ouvido médio5,10. Um aspeto a ter em

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atenção é a distribuição adequada da terapêutica tópica ao ouvido médio. Assim, recomenda-se a limpeza do canal quando existem exsudados ou cristais a obstruir o CAE. Posteriormente, e após aplicar o antibiótico tópico, puxar e largar o trago ritmicamente pode facilitar a sua distribuição ao ouvido médio14-16.

À luz da evidência atual, e ao contrário da prática corrente, não devem ser recomendadas por rotina medidas para a evicção da entrada de água no CAE. Contudo, estas medidas podem ser prudentes em situações pontuais, nomeadamente otorreia persistente ou recorrente 15.

Otite Média Crónica Supurada

A Otite Média Crónica Supurada (OMCS) é uma infeção do ouvido médio com drenagem purulenta associada no contexto de uma otite média crónica por persistência de membrana não íntegra2,17.

A apresentação comum da OMCS é a perda auditiva e drenagem purulenta através do ouvido afetado, situação que pode ser incapacitante. De facto, se não tratada, pode levar a hipoacusia de condução permanente, por lesão da cadeia ossicular. Esta situação é particularmente preocupante nas crianças, já que a perda auditiva pode causar limitações importantes na aprendizagem, bem como alterações do comportamento. Outras complicações, por extensão intracraniana da infeção, incluem meningite, abcessos cerebrais, hidrocéfalo e trombose do seio venoso lateral. Paralelamente podem surgir complicações extracranianas, tais como abcessos subperiosteais, paralisia facial, colesteatoma, labirintite ou mastoidite aguda17.

No que respeita ao tratamento, as fluoroquinolonas aplicadas topicamente mostraram ser superiores à terapêutica antibiótica oral na resolução da otorreia da OMCS não complicada. Embora com evidência limitada, não existe benefício na adição de tratamento sistémico à terapêutica tópica. O efeito dos antibióticos não-quinolonas ou dos anti-sépticos tópicos é menos claro. Um acompanhamento adequado, com vigilância clínica efetiva, deve ser oferecido aos doentes com OMCS em tratamento tópico, garantindo a sua correta utilização, bem como, se necessário, a limpeza do CAE para melhor penetração do fármaco17.

Discussão

A terapêutica tópica apresenta múltiplas vantagens e está definida como tratamento de primeira linha em diversas patologias otológicas, nomeadamente na OEA, OEC, otomicose, OMATT não-complicada e OMCS (tabela 3). Apenas no tratamento da OMA nenhum dos artigos revistos preconiza a utilização de terapêutica tópica.

No entanto, por desconhecimento ou receio de ototoxicidade verifica-se que uma grande parte dos doentes ainda é medicada com antibioterapia sistémica numa abordagem inicial, o que contribui para um aumento das resistências bacterianas, maior número de efeitos adversos e maior duração do tratamento.

No que respeita à aplicação dos ototópicos, é importante que o médico de família esteja familiarizado com alguns detalhes que poderão otimizar a terapêutica. Perante a necessidade de distribuir um fármaco ao ouvido médio, pode ser necessária a limpeza prévia do canal,

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complementada pela manobra de puxar e largar o trago ritmicamente após a aplicação.

Estudos recentes demonstraram benefício na associação de antibiótico com corticosteroides tópicos, tanto na redução da duração dos sintomas, como na diminuição dos sinais inflamatórios. Verificou-se ainda, que não existem diferenças significativas entre as várias soluções tópicas existentes, pelo que a escolha recai na experiência do médico, na facilidade de administração, custos, e potenciais efeitos adversos. No que se refere às patologias do ouvido médio alvo de revisão (OMTT e OMCS), as fluoroquinolonas assumem-se como os agentes de primeira escolha, pelo potencial de ototoxicidade associado a outras terapêuticas existentes.

Como limitação às conclusões do estudo, salienta-se que a posologia e duração do tratamento com ototópicos não estão estudadas sistematicamente, pelo que existem diferenças nos artigos revistos. Ainda, de notar que algumas das formulações descritas (por exemplo a ciprofloxacina 0,3% + dexametasona 0,1%) não estão disponíveis em Portugal.

P.2ABAC3. T,-./01234. 25/34.

Otite Externa Aguda Aminoglicosídeos: neomicina ou gentamicina

ou

Fluoroquinolonas: cipr ofloxacina ou ofloxacina

+/-Corticoesteróides (hidr ocor tisona ou

dexametasona)

Otomicose Clotrimazol, miconazol, bifonazol, econazol,

fluconazol, tolnaftato, naftifina, ciclopiroxolamina, nistatina

Otite Externa Crónica Tratamento da causa subjacente

Otite Média Aguda com Tubos de Timpanostomia

Fluoroquinolonas: cipr ofloxacina ou ofloxacina

+/-Corticoesteróides (hidr ocor tisona ou

dexametasona)

Otite Média Crónica

Supurada Fluoroquinolonas: cipr ofloxacina ou ofloxacina

Tabela 3 – Indicações de terapêutica tópica

Conclusões

A terapêutica tópica está definida como tratamento de primeira linha em diversas patologias otológicas (OEA, OEC, otomicose, OMATT não-complicada e OMCS), devendo o Médico de Família estar familiarizado com esta via de administração.

Agradecimentos

As autoras gostariam de deixar o seu agradecimento a todo o Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Pedro Hispano, e em particular ao Dr. Gustavo Lopes, pela orientação e apoio na realização deste trabalho.

Declaração de conflito de interesses

Nada a declarar.

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Referências

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