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O pensamento não é, ele nasce, escreve Lefebvre 1, ele surge da confrontação entre a enorme massa do positivo saber técnico, coisas e bens, capitais,

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Academic year: 2021

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INTRODUÇÃO

Ao longo de uma história que se iniciou em 1988 um grupo de pesquisa-dores da área de Geografia urbana vem debatendo, discutindo e apresentan-do suas pesquisas nos simpósios de geografia urbana - a cada simpósio, novos pesquisadores vieram se juntar ao grupo inicial. Os simpósios sempre apresentaram os resultados das pesquisas, nesse percurso, os impasses e as diferenças apareceram com força total.

Sem deixar de serem profícuos, ao longo do tempo, percebeu-se, que do ponto de vista do debate alguma coisa foi ficando, um resíduo, que este simpósio coloca no centro: é possível construir uma problemática urbana que evidencie, ao mesmo tempo que contemple, um pensamento sobre a cidade e o urbano hoje? Algumas questões surgem no horizonte envolvendo a capacidade e/ ou potencialidade dos estudos geográficos de revelarem o conteúdo e o sentido da cidade no mundo moderno.

O que é pensar a cidade e o urbano hoje? Há caminhos seguros e pertinen-tes para encaminhar este pensamento? Seria a geografia um campo de conhe-cimento ou uma ciência parcelar, capaz de apreender este fenômeno em sua totalidade? Como uma ciência parcelar, como a Geografia, supera a fragmen-tação imposta pela divisão da atividade de pesquisa? Quais os limites e as possibilidades de nossa reflexão sobre a cidade e o urbano?

Enfim como pensar as contradições do mundo moderno, o que aparece como novo e o que esta posto como permanência; como ambos se realizam? Como pensar o que é singular e específico no Brasil e o que se constitui como conseqüência dos processos mundiais? Como desvendar os conteú-dos do processo de urbanização, hoje? Qual é o alcance da teoria? O que é um projeto para a cidade? Qual é o seu conteúdo e o caminho para a sua construção? Aonde ele se gesta? Até que ponto o “ato de planejar a cidade” a partir do estado, de suas necessidades e urgências constrói ou dá conteúdo a um projeto para a cidade?

Trata-se de um conjunto de questões de fôlego que apontam para o fato de que a construção da problemática urbana se tem como ponto de partida a cidade, deve dar conta do fato de que a realidade urbana se generaliza no espaço. Por outro lado articula teoria e prática, e apesar de teórica, revela o plano do vivido que contemplaria o subjetivo que introduz as referencias, identidades e lutas revelando a produção social do espaço urbano.

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O pensamento não é, ele nasce, escreve Lefebvre1, ele surge da

confronta-ção entre a enorme massa do positivo – saber técnico, coisas e bens, capitais, atividades produtivas, etc – e o imenso trabalho do negativo – as crises as ameaças, o medo, o desabamento dos valores, as estratégias. O pensamento comporta confrontações, como escreve Hegel, o pensamento nasce dos con-flitos. Portanto, nosso trabalho envolve uma crítica a formulação do saber, ao, mesmo tempo uma crítica a redução do conhecimento a uma coleção da fatos. De tempos em tempos, o empirismo ronda a Geografia; de tempos em tempos vozes se levantam a favor de uma “geografia aplicada” ou da necessi-dade de, embalados pelo fato de que com as possibilinecessi-dades da técnica, ela se torna “mais científica” e com isso pode estar apta às necessidades do merca-do. Afinal o “espectro do mercado ronda a universidade” e parece pesar sobre todos. Nesta vertente da ação, reduz-se a problemática urbana a proble-mas administrativos, deste modo se inaugura a gestão do espaço liberando a cidade dos entraves ao processo de modernização e restituindo a coerência do processo de crescimento. Isto evidentemente envolto pelo discurso de manutenção do que se chama de “qualidade de vida” sempre atado a idéia de um vida organizada sob a égide de um modelo manipulado que cria a satisfação do indivíduo envolto no consumo - aqui o status de cidadão se reduz àquele de “usuário” de bens de consumo coletivo, aqui a habitação se restringe ao plano do privado. Aqui o uso se vê esvaziado.

É assim que se pensa na transformação da cidade enquanto mudança do coeficiente de edificação, sob a escusa que é preciso diminuir os custos da urbanização - que tanto atrai o setor imobiliário que reproduz, constantemen-te, a cidade enquanto valor de troca: aqui é a cidade vista como relação custo/benefício, reduzida a condição da realização da reprodução econômi-ca da cidade. Assim a lógieconômi-ca do poder se instaura e o valor de troeconômi-ca se realiza em detrimento do uso.

Esse discurso técnico, que instrumentaliza o planejamento estratégico do estado, justifica sua estratégia política; nesta direção a construção de um saber justifica a ação política tornando-a necessária, criando o argumento de que um compromisso entre o poder público e a sociedade, visando a instauração plena da modernização na cidade. Até que ponto os projetos de revitalização não atendem a estes objetivos? Até que ponto os geógrafos estão envolvidos nesta prática com o novo mercado que se abre com a con-tratação pelas prefeituras dos relatórios de impacto ambiental?

Portanto não podemos simplificar o problema, há uma série de desafios a assumir na construção de um caminho possível para o desvendamento do fenômeno urbano hoje, que se coloca como prioritário, superando as fragmen-tações, o que evidentemente, não se realiza sem imensos riscos.

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A construção da problemática urbana nos obriga, inicialmente, considerar o fato de que ela não diz respeito somente a cidade, mas nos coloca diante do desafio de pensarmos o urbano, não só, enquanto realidade real e concreta mas, também enquanto virtualidade. A estratégia reúne teoria e prática. Esse encami-nhamento nos alerta para a atomização das pesquisas que pensam a cidade isoladamente, ora como quadro físico ora como ambiente urbano. Em muitos casos, a cidade aparece em si,como objeto independente, isolado, palco da ação humana vista enquanto caótica. Nesta direção um pensamento anti-cidade se eleva com força, ela representa nesta concepção simplista, a ideologia do esta-do, baseada no argumento de que só ele é capaz de por ordem ao caos e, neste discurso, o prefeito da cidade vem mudando de função; de administrador ele se transforma num empresário, assim a cidade precisa dar lucro e atrair investimen-tos. Sob essa nova direção a “função econômica da cidade” ganha força.

Um caminho possível pode se abrir, para a construção da problemática urbana, aquela que não seja reduzida a cidade, mas se refira à vida do ho-mem apoiada numa concepção de mundo, envolta num projeto que poderia romper com o racionalismo e articular o plano teórico com aquele da prática sócio-espacial, que poderia resgatar em sua amplitude a vida do homem. Nesta direção se pode questionar o papel do estado de seus interesses con-traditórios aos interesses dos grupos humanos. A construção de um projeto para a cidade não pode nascer das pranchetas, mas passa pela intervenção dos interessados e não pela simples consulta dos indicados.

A reprodução do espaço, hoje, repousa no fato que o modo de produção capitalista se expandiu, ao se realizar, tomou o mundo; – este é o conteúdo do processo de globalização – é o momento da redefinição da cidade, de sua explosão, da extensão das periferias, da construção de um novo espaço. Elementos pressentido por Garcia Lorca quando de sua viagem a Nova York e expresso como “arquitetura extra-humana e ritmo furioso. Geometria e angustia. En una primera ojada el ritmo puede parecer alegria, pero cuando se observa el mecanismo de la vida social y la esclavitud dolorosa de hombre y máquina juntos, se comprende aquella trágica angustia vacía que hace perdonable por evasión asta el crimen y el bandidaje.”2

Tal fato significa que a problemática urbana aparece, como mundial; a sociedade se define, virtualmente, enquanto planetária – essa extensão do urbano não se dá sem conflitos e dramas. A extensão do fenômeno urbano produz novas formas e funções e estruturas sem que as antigas tenham desa-parecido totalmente. A sociedade urbana se generaliza – a sociedade inteira torna-se urbana. O processo vai da cidade a uma escala mais ampla aquela da sociedade inteira. Um processo, todavia, que não se realiza sem profundos conflitos.

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A cidade tem um papel nas transformações do processo de produção; nos quadros da reprodução social a cidade se revela revelando o quadro da ge-neralização da troca, da constituição do mundo da mercadoria, da instauração do cotidiano, da concretização, na ordem local, da ordem distante, apontando no lugar, a realização da sociedade enquanto sociedade urbana. Neste sentido a sociedade atual contemporânea aparece como sociedade urbana em consti-tuição o que significa que ao mesmo tempo em que caracteriza uma realidade concreta, também sinaliza uma tendência, a possibilidade de sua realização. Nessa perspectiva o urbano aparece como realidade mundial, ultrapassando conceitos parciais e impõe um método que pensa a prática urbana em sua totalidade, no plano mais amplo, aquele da reprodução das relações sociais.

Que possibilidades um debate aprofundado poderia abrir para nossas pesquisas futuras? Se a prática sócio-espacial é real e concreta, a problemáti-ca urbana se abre para um debate teórico. Sem esquecer, no entanto que a sociedade constrói um mundo objetivo. Na prática sócio-espacial, esse mundo se revela em suas contradições, num movimento que aponta um processo em curso, que tem sua base no processo de reprodução das relações sociais (que se realiza enquanto relação espaço-temporal). É por isso que podemos afir-mar que no espaço se pode ler as possibilidades concretas de realização da sociedade. A análise geográfica do mundo é aquela que caminha no desven-damento dos processos constitutivos do espaço social. Portanto, não há teoria deslocada da realidade.

Enfim uma advertência: É possível separar a produção social da cidade da produção de um pensamento sobre a cidade? “A teorização não suprime a problemática do mundo moderno – ela contribui para colocar as questões com mais força”3

A cidade, por outro lado, aparece como o “lugar do possível“ e a crise (inerente a sua produção) pode ser um elemento analisador importante. Tal-vez o caminho para se pensar a cidade seja a consideração, pela geografia, da unidade e complexidade da vida social. A “totalidade reencontrada ou recriada a saber, a unidade entre pensamento e ser, do discurso e do ato, da natureza e da reflexão, do mundo (ou do cosmos) e a realidade humana.”4

Assim, o sentido e a finalidade da cidade enquanto construção histórica é o homem que vem sendo reduzido a sua condição de usuário da cidade, fre-qüentemente relegado à condição de coadjuvante.

À Geografia está posto o desafio de pensar a cidade em sua perspectiva espacial; isto é, a necessidade da produção de um conhecimento que dê conta da construção de uma teoria da prática sócio-espacial urbana enquanto desa-fio para desvendar a realidade urbana em sua totalidade, e das possibilidades que se desenham no horizonte para a vida cotidiana na cidade numa

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pers-pectiva capaz de iluminar a armadilha da redução do sentido da cidade àquela de condição da reprodução do capital, ou da dominação do estado, esvaziada de seu sentido humano. É assim, que a problemática urbana se refere ao homem, a sociedade; colocando a apropriação do espaço, em pri-meiro plano.

Ana Fani Alessandri Carlos

NOTAS

1 Lefebvre, Henri in Qu’est-ce que penser, Paris, Éditions Publisud, 1985 p.123 2 F. Garcia Lorca, Un poeta en Nueva York, Barcelona, Editorial Lume s/d.p. 9 3 Lefebvre, Henri in Qu´est-ce que penser, Paris, Éditions Publisud, 1985 p.129 4 Lefebvre, Henri. Le droit a la ville. Paris, Éditions Anthropos, 1972, p.38.

Referências

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