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DISCURSO E HISTÓRIA: ANÁLISE DAS DEFINIÇÕES DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

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Academic year: 2021

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DISCURSO E HISTÓRIA:

ANÁLISE DAS DEFINIÇÕES DE “EDUCAÇÃO A

DISTÂNCIA”

HELIO DE OLIVEIRA

Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas

Rua Sérgio Buarque de Holanda, n° 571 – 13083-859 - Campinas, SP – Brasil helio.sjbv@gmail.com

Resumo. Este trabalho analisa as definições de “educação a distância” nos principais dicionários brasileiros, investigando indícios do processo de institucionalização dessa modalidade de ensino no país. O embasamento teórico vem do campo História das Ideias Linguísticas em sua articulação com a Análise de Discurso franco-brasileira. Na perspectiva discursiva, a definição deixa de ser vista como mera frase e ganha o estatuto de “enunciado definidor”, ou seja, um segmento de discurso.

Palavras-Chave. Dicionários. Educação a distância. Enunciado definidor.

Abstract. This paper analyzes the definitions of "distance education" in the main Brazilian dictionaries, and investigates the institutionalization process of this kind of education in the country. The theoretical base comes from History of Linguistic Ideas in its articulation with the French-Brazilian Discourse Analysis . In a discursive perspective, the definition is no longer seen as a mere phrase but they get the status of "defining statement/enunciation", i.e., a segment of discourse.

Keywords. Dictionaries. Distance education. Defining statement.

1. Introdução

A pesquisa em dicionários se mostra de extrema relevância para os estudos da linguagem, não pelo fato dessas obras serem consideradas como fonte de saberes ou objeto de consulta à disposição dos leitores em momentos de dúvida, mas sim porque representam um lugar de “sedimentação dos discursos”. Segundo Nunes (2006, p.11), os dicionários são um material interessante para observar os modos de dizer de uma sociedade em sua conjuntura histórica, pois neles “as significações não são aquelas que se singularizam em um texto tomado isoladamente, mas sim as que se sedimentam e que apresentam traços significativos de uma época” (op.cit.). O estudo dos dicionários é posto em relevo por Auroux (1992) quando estes livros – em suas

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diversas “formas” e apresentações – recebem, junto com as gramáticas, o estatuto de instrumento linguístico, e ganham contornos de “tecnologia”1.

Em nosso trabalho, a contribuição da História das Ideias Linguísticas (HIL) possibilita ver os dicionários como instrumentos linguísticos, objetos históricos que constituem a relação do sujeito com os sentidos, além de possibilitar a compreensão de como o Estado, a sociedade e a ciência (na e pela materialidade da língua) “estabelecem entre si relações profundas e definidoras na constituição dos sujeitos e da forma da sociedade”, aí incluído o próprio conceito de “educar” (Guimarães & Orlandi, 1996, p. 13). A Análise de Discurso (AD), por sua vez, opera com as noções de não transparência dos sentidos (o sentido como um efeito) e condições de produção, esta última de especial interesse no trabalho.

2. “Educação a distância” nos verbetes de dicionário

É no bojo da articulação acima considerada que podemos entender o dicionário como uma alteridade para o sujeito e parte do processo de identificação dos sujeitos com o mundo, com a língua e com o próprio conhecimento. Todavia, esse processo nunca é óbvio, pois, segundo o cânone da AD, o sentido não deve ser tomado como evidente, único, mas sempre como “em relação a”. Na análise de um verbete, por exemplo, “questiona-se a transparência dos sentidos e procura-se compreender de que modo esse verbete tem a ver com a sociedade e com a história (...) na medida em que constrói uma imagem da sociedade” (Nunes, 2006, p.16). Ressalte-se que essa imagem é sempre “construída”, ou seja, é parcial, pois é indissociável do processo de identificação. É dessa forma que um verbete constrói uma imagem do que se entende por “educação” numa determinada época, ao mesmo tempo em que a definição apresentada pelo verbete é afetada pela história. É também essa dupla determinação que pode produzir silenciamentos e interditar certos sentidos. Dizemos isso porque nos chamou à atenção a quase inexistência do termo “educação a distância” nos dicionários

consultados, embora a ideia de educar a distância não seja necessariamente nova2.

Não há menção ao termo nos tradicionais Aulete (1974), Ferreira (1986) e Borba (2002 e 2004). Aparece pela primeira vez em Houaiss (2001, 2009), ainda assim, não como entrada, mas, depois de sete acepções no verbete “educação”, apenas como um exemplo: “♦ e. a distância PED teleducação” (p. 722). Recorrendo ao verbete indicado ao final da definição encontramos:

teleducação sf. (sXX) PED processo de ensino por meio de correspondência postal,

rádio, televisão, internet etc., que se caracteriza pela não contiguidade do professor; educação a distância, ensino a distância. etim. tele+educação (Houaiss, 2009, p. 1823).

1

Cf. Auroux (1992, p.69). 2

Lobo Neto (1995) considera como “primeiro marco” dessa modalidade de ensino o anúncio publicado na Gazeta de Boston, EUA, no dia 20 de março de 1728, pelo professor de taquigrafia Cauleb Phillips: "Toda pessoa da região, desejosa de aprender esta arte, pode receber em sua casa várias lições semanalmente e ser perfeitamente instruída, como as pessoas que vivem em Boston”.

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Além da ausência de “educação a distância” como entrada nos principais dicionários, merece destaque o fato de que, quando enfim é mencionado, ele aparece como “teleducação”, fortemente marcado pelas práticas das últimas décadas do século XX, onde eram muito populares os cursos por correspondência e pela televisão. A própria internet ainda era incipiente e, embora esteja presente na descrição, ocupa o último lugar na enumeração. Se recorrermos à entrada “telecurso”, notaremos que até mesmo a menção à internet desaparece na indeterminação do pronome “outros” enquanto a televisão e os cursos por correspondência continuam em evidência.

telecurso sm. (sXX) conjunto de matérias ensinadas por meio de televisão educativa,

cursos por correspondência e outros (p. 1823).

Retornando aos outros dicionários, encontramos “teleducação” também nas duas versões de Borba (Dicionário de usos do Português do Brasil, 2002 e Dicionário Unesp do Português Contemporâneo, 2004), entretanto, não é feita qualquer menção ao termo “educação a distância” nem mesmo como acepção ou como exemplo no verbete “educação”, como observado no Houaiss. Também notamos que “teleducação” não é sequer associada à internet ou às tecnologias digitais já em uso. Quando aparecem os exemplos, a televisão é predominantemente citada.

teleducação Nf [abstrato de ação] atividade educativa feita a distância, pela televisão,

por rádio ou correspondência. “Educadores com experiência em teleducação são unânimes em afirmar que a TV é, sim, um espaço educacional (FSP)” (Borba, 2002, p. 1525).

teleducação sf. atividade educativa feita a distância pela televisão, rádio ou

correspondência. (Borba, 2004, p. 1343).

telecurso sm. curso projetado para ser transmitido pela televisão. “A TV Cultura

transmite telecursos” (idem).

A ausência da formulação “educação a distância” como verbete nos principais dicionários brasileiros nas últimas décadas não quer dizer que ela não existia ou não era praticada (aliás, isso já sinaliza que seu processo de institucionalização não se dá numa relação de causa-consequência). A própria ABED – Associação Brasileira de Educação a Distância foi criada em 1995 e se autodeclarava a missão de “contribuir para o desenvolvimento do conceito, métodos e técnicas que promovam a educação a

distância, visando o acesso de todos os brasileiros a educação” 3.

Um efeito de sentido possível para esse silêncio é que “educação a distância” e “teleducação” não funcionem como sinônimos: a primeira delas talvez não fosse, à época, considerada como forma efetiva de educação. Explicamos essa interpretação citando Orlandi (1992, p. 17), para quem o próprio silêncio significa, e seu funcionamento “atesta o movimento do discurso que se faz na contradição entre o ‘um’ e o ‘múltiplo’, o mesmo e o diferente”. Por sua vez, esse movimento ilustra o “movimento contraditório, tanto do sujeito quanto do sentido, produzindo assim a ilusão de um sentido só (efeito da relação com o interdiscurso)”. Se há um silenciamento, há um efeito de evidência que aparece na forma ilusória de “um sentido único” possível, sustentado pelo interdiscurso – este último, entendido como a memória discursiva, o

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horizonte do dizível que torna possível todo dizer e retorna sob a forma do

pré-construído4. Em “teleducação”, já-ditos sobre as práticas não presenciais de ensino

retornam nesse dizer marcado principalmente pelos cursos supletivos na TV. Os exemplos citados nos verbetes podem ser vistos como espaços onde esses já-ditos se materializam: para a evidência de “teleducação”, as demais formas de ensino e aprendizagem, representadas por “educação a distância”, são silenciadas. Uma grande diferença entre os dois termos reside na passividade que marca um curso pela televisão versus a grande interatividade possível nas mídias digitais, inclusive as formas de interação em tempo real, todas elas constantemente evocadas nas definições mais recentes de “educação a distância”.

A memória do dizer – cujo acesso nunca é estável nem homogêneo ou muito menos consciente – continua afetando os discursos atuais num aparente movimento de “telecurso” (em desuso nos últimos anos) para “educação a distância” (irrompendo do silêncio para a evidência, nos últimos anos). À guisa de exemplo, trazemos dois excertos onde os “antigos” telecursos aparecem hoje como uma forma de ensino sem qualidade (marcado pela passividade dos cursos por correspondência e pela TV), traço constantemente evocado pelos detratores da educação a distância como se fosse um sentido único, óbvio (negritos nossos):

Os cursos de educação a distância, aqueles que o aluno faz sem praticamente ir à escola, estão no centro de uma polêmica. Enquanto proliferam no Brasil, eles suscitam críticas variadas. Na última paralisação da USP, em junho, essa modalidade de ensino, que já se decidiu implantar ali, foi demonizada pelos grevistas. Eles diziam se tratar de uma graduação de “segunda categoria” que acabaria por manchar a reputação da universidade. (...) Na década de 80, ela chegou a ser referida em rodas de PhDs pelo pejorativo apelido de “supletivo de smoking”5.

O que mais me incomoda e me deixa frustrado chama-se EAD, o tão famigerado

“ensino à distância”. (...) O EAD nada mais é que uma forma repugnante e barata

de diminuir os custos de um aluno no dia a dia de uma universidade em prol da

“comodidade de se aprender em casa”6 .

Nos excertos citados, em vez de “telecurso” lemos “curso de educação a distância” e as retomadas desse sintagma aparecem na forma de reformulações parafrásticas como: “modalidade de ensino demonizada pelos grevistas”, “graduação de segunda categoria”, “supletivo de smoking”, “famigerado ensino a distância” e “forma repugnante e barata”. É importante notarmos a forma como a memória discursiva funciona nas qualificações de “educação a distância”. Segundo Pêcheux (1999, P.56), o universo do dizível é considerado um “espaço móvel de divisões, de disjunções, de deslocamentos e de retomadas (...) um espaço de polêmicas e contra-discursos”. Um exemplo de retomada e deslocamento é a expressão “supletivo de smoking”, que evoca os antigos cursos supletivos (que visavam tão somente a escolarização mínima da população iletrada) para caracterizar o ensino não-presencial realizado em nível de graduação. Dessa forma, segundo os excertos, a educação a distância atual não seria mais do que as velhas formas baratas de educação, que estariam “ressurgindo” com uma

4

Cf. Orlandi (1999, p.31). 5

WEINBERG, M. e BORGES, M. Diploma sem sair de casa. Revista Veja, edição 2127, 26 de agosto de 2009. 6

NASCIMENTO, Douglas. EAD: Falência moral do ensino? Disponível em www.douglasnascimento.com . Acesso em 15/06/2012.

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nova roupagem (um smoking), que lhe conferiria mais valor do que ela de fato teria. Acrescente-se, ainda, que a “comodidade de se aprender em casa” era um slogan recorrente do “telecurso” na televisão. Com efeito, a relação entre o sujeito e o “real” exterior não é direta, mas mediada por representações imaginárias. Isso nos leva à própria definição de condições de produção conforme postulada por Pêcheux (1969) e Pêcheux & Fuchs (1975), que passaremos agora a considerar de forma mais detalhada e que nos foi muito útil para compreender os movimentos de sentido em torno do conceito de educar a distância nas últimas décadas – movimentos constitutivos do processo de institucionalização da EaD.

3. As condições de produção

As primeiras experiências relevantes com o ensino não-presencial no Brasil são os cursos por correspondência e os cursos supletivos pela TV (Campos, 2007). Como exemplos, merecem destaque as atividades do IUB (Instituto Universal Brasileiro) nos anos 70 e 80, com populares cursos apostilados e da Fundação Roberto Marinho (em parceria com a FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) que lançou o programa Telecurso 1º e 2º grau exibido pela TV Cultura e pela rede Globo de televisão a partir de 1981, tendo uma versão atualizada em 1995, chamada Telecurso 2000.

De modo geral, esses cursos foram marcados pela maneira superficial com que os temas eram abordados e, principalmente, por métodos de avaliação deficitários (e até mesmo ausentes). O discurso dominante era (?) “educar para o trabalho” e não é irrelevante que o financiamento vinha de grandes corporações industriais. Segundo Pêcheux (1969: 73), para compreender um processo discursivo é preciso considerar o estudo da ligação entre as “circunstâncias” de um discurso – que ele propôs chamar condições de produção – e seu processo de produção. Isso significa retirar o funcionamento do discurso da cena pragmática (que se pauta por conceitos mais imediatos como “contexto” e “situação”) e inseri-lo nas instâncias enunciativas institucionais, marcadas por características amplamente históricas.

Assim, podemos identificar como condição de produção dominante, nas décadas de 80/90, a grande demanda por profissionais com um nível mínimo de escolaridade (que pouco era exigido até então) devido à ascensão das indústrias no Brasil, especialmente com a instalação de grandes empresas multinacionais. Fazia-se necessária uma formação de nível básico e técnico, de maneira rápida, sem preocupação com o nível superior e, dessa forma, muitos trabalhadores conseguiram tirar seu “diploma” por correspondência. Uma vez que se primava por praticidade e não necessariamente qualidade, esta última característica parece ter sido deixada de lado nos projetos educacionais não-presenciais vigentes, o que, por sua vez, pode ter condicionado certos discursos que conotam negativamente as formas de ensino não tradicionais, como nos

excertos citados anteriormente e tantos outros textos em circulação 7.

7

Citamos um exemplo: “Júlio Cunha, da Datasul, lembra que na história educacional do país, por vários motivos, criou-se uma imagem pejorativa para os cursos a distância. Quando um profissional é considerado incompetente, costuma-se dizer que ele 'tirou diploma por correspondência”. SANTOS e LAGO. A hora e a vez da educação a

distância. Revista Melhor Gestão de Pessoas, 2011.

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Considerando, a partir de agora, a primeira década do século XXI, destacamos que o desenvolvimento científico e tecnológico alcançado pelo país nessa época, simultâneo ao fortalecimento da economia, parece ser decisivo para o “surgimento” de uma “nova” forma de educar. Com efeito, o processo de ensino-aprendizagem sem a presença física de um professor passa a ser “redefinido” por “educação a distância”, sendo inclusive mais comum a abreviação “EaD”, tanto em textos técnicos quanto na mídia em geral.

Segundo Campos (2007:52), é na década mencionada (a primeira do século XXI) que parece haver as condições necessárias para que

a informática e as tecnologias a ela associadas alterem o processo educacional, dado à difusão das redes de comunicação, aos avanços na tecnologia de hipertexto e à urgência econômica e social pela ampliação das oportunidades educacionais. Um dos cenários educacionais em fase de consolidação combina o uso das redes de computadores com novas formas de organizar, apresentar e recuperar informações, além da chamada “aprendizagem cooperativa”. A Educação a Distância vem consolidando esse modelo, se apresentando como um processo educacional em que a maior parte da comunicação é mediada através de recursos tecnológicos que possibilitam superar a distância física. Como os modelos evoluíram ao longo do tempo, até mesmo a produção de materiais didáticos passaram a adotar cada vez mais os recursos das tecnologias de informática e comunicação.

Podemos identificar como condição de produção de um discurso “a favor da” (ou próprio da) “educação a distância” o uso massivo de novas tecnologias de comunicação como email, chats, msn, videoconferências em tempo real, além de instrumentos pedagógicos como os ambientes virtuais de aprendizagens (AVAs) e suas diversas ferramentas educacionais. Um bom exemplo é o fato citado na revista Nova Escola de junho/2007:

O último dia 21 de setembro foi especial para Jaqueline Ferraz de Andrade, 42 anos, da cidade de Teixeira de Freitas, a 900 km de Salvador. Nessa data, depois de um ano e meio de estudo, ela apresentou sua dissertação de mestrado para uma banca composta de professores de São Paulo, Londrina – no interior do Paraná, e Fortaleza, além do orientador, que é de Brasília. Só que cada um deles estava confortavelmente instalado em sua cidade. Em pouco mais de três horas, a aluna da primeira turma de mestrado profissional a distância reconhecido no Brasil recebeu sua aprovação.8 Se existe um novo cenário sócio-histórico, não podemos simplesmente considerar (numa já rejeitada relação de causa-consequência) que este cenário “produziu” um novo discurso, junto com uma nova concepção de educação a distância. Ao contrário, a contribuição da HIL nos leva a entender os processos de significação entre a História, a Ciência, o Estado e a própria língua numa relação de interdependência onde a constituição de um não pode prescindir da constituição do outro. É dessa forma que a língua (por exemplo, na forma das definições/enunciados definidores – materialização linguística do discurso) é “um excelente observatório da constituição dos sujeitos, da sociedade e da história” e os dicionários, glossários e documentos oficiais podem ser vistos como “objetos históricos que constituem a relação

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do sujeito com os sentidos, relação que faz história e configura as formas da sociedade” (Orlandi, 2001, p. 9).

4. Considerações finais

Com este trabalho, tivemos a oportunidade de realizar uma análise onde é possível perceber a articulação da língua com a história, além de perceber os dicionários não como “objetos fossilizados”, “fontes de saber”, mas sim como um lugar onde os sentidos estão em movimento e que apresentam traços significativos de uma época – uma rede de significações que consiste no encontro de uma memória com um espaço de atualidade.

A princípio, refizemos o percurso tradicional de consulta aos principais dicionários em busca de um sentido supostamente único, transparente, para então explicitarmos as insuficiências dessa prática cotidiana (e, acima de tudo, escolar) uma vez que o sentido é constituído também pelo que silencia. Nosso objetivo foi expor o processo discursivo que sustenta as definições. Observamos um provável movimento de sentido passando da “antiga” teleducação para a “nova” educação a distância. Em

teleducação, ganharia destaque o prefixo “tele” significando a distância

física/geográfica (à semelhança de outros termos como telefonia, telegrafia, caracterizados pela distância em que a relação se estabelece) o que deixaria em segundo lugar a “educação” e sua prática pedagógica. Em educação a distância o ato de educar (ainda que exposto a controvérsias) toma o primeiro lugar no sintagma e a distância é posta em segundo plano, algumas vezes até ausente, como em “educação online”, “educação colaborativa”, “educação virtual interativa” etc.

Nesse movimento, também foi possível observar indícios do processo de institucionalização da EaD, ainda em curso com a presença cada vez mais forte do

Estado9 na regulamentação da área (o que deixa campo aberto para desenvolvimento da

análise aqui iniciada). Aventamos a hipótese de que está em curso uma mudança no processo de aceitabilidade social dessa modalidade de ensino, passando da “rejeição” social dos “cursos por correspondência” em voga nas décadas de 80 e 90, à aparente conotação positiva que cerca as ocorrências do termo “educação a distância” hoje em dia. Se de fato houve tal mudança, ela foi condicionada (e marcada) por condições sócio-histórico-ideológicas de produção, parte integrante de seu processo de institucionalização.

Em suma, a realização do trabalho na articulação da HIL com a AD nos permitiu ver a materialidade discursiva presente nos dicionários como parte do processo de constituição dos sujeitos e dos sentidos, assim como ver o próprio conceito de educação – numa concepção antiga ou moderna, próxima ou distante – como construção histórica.

Referências

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Recentemente, (abril/2012) foi inaugurada a UNIVESP – Universidade Virtual do Estado de São Paulo, que já existia como programa, mas agora ganha o status de fundação e nasce como a quarta maior universidade do estado, ao lado da UNICAMP, USP e UNESP, mas unicamente voltada aos cursos na modalidade não-presencial.

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