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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP. Yusuf Elemen

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(1)

PUC-SP

Yusuf Elemen

A Cobertura da Mídia brasileira sobre o Golpe Militar

de 15 de julho de 2016 na Turquia

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS: POLÍTICA

SÃO PAULO

2017

(2)

PUC-SP

Yusuf Elemen

A Cobertura da Mídia brasileira sobre o Golpe Militar

de 15 de Julho de 2016 na Turquia

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS: POLÍTICA

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora

da

Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção

do título de MESTRE em Ciências

Sociais-Política, sob a orientação da

Professora

Doutora

Vera

Lúcia

Michalany Chaia.

São Paulo

2017

(3)

de 2016 na Turquia. 2017. 153 p. (Mestrado em Ciências Sociais: Política). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, São Paulo, 2017.

Banca Examinadora:

________________________________

________________________________

(4)

Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos a reprodução total ou parcial desta Dissertação de Mestrado por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos. Assinatura: _______________________________________________________ Data: 09/11/2017

E-mail: yusufelemen@gmail.com

E729

Elemen, Yusuf

A cobertura da Mídia brasileira sobre o Golpe Militar de 15 de julho de 2016 na Turquia / Yusuf Elemen. – São Paulo: s.n., 2017.

153 p. ; 30 cm.

Referências: 150-152

Orientadora: Profa. Dra. Vera Lúcia Michalany Chaia

Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais: Política), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, 2017.

1. Tentativa de Golpe Militar - Turquia. 2. Recep Tayyip Erdogan. 3. AKP. 4. Fethullah Gulen. 5. Movimento Hizmet.

(5)
(6)
(7)

A CAPES pela provisão da bolsa de mestrado que tornou possível a realização desse trabalho.

À minha orientadora, Vera Chaia, que me acolheu com muito carinho e atenção. À professora Lucia Bogus, que sempre me atendeu com paciência e carinho.

À minha família e minha esposa, Eloise Elemen.

Aos professores do programa de Ciências Sociais, Prof. Rafael Araújo, Carmen Junqueira, Rosemary Segurado, Maura Véras; e de outras universidades e departamentos, Fernando Altemeyer, Peter Demant, Guilherme Casarões, Claudio Couto, Monique Goldfeld, Heitor Loureiro, Valeriano Costa, Francisco Fonseca, Jorge

Lasmar, Paulo Hilu, Martin Grossmann, Aline Alencar, Ana Carla Fonseca, Ilana Goldstein, Liza Dumovic.

Aos amigos Baris Yuce e Bunyamin Inan pelo apoio técnico.

Aos amigos Ana Helena Curti, Aurea Viera, Andreia Nogueira, Adilson Garcia, Antônio Donato, Claudia Toni, Cris Oliviere, Cassio Menezes, Celise Niero, Heloisa

Pisani, Joel Batista, Jose Carlos Oliveira, Kamil Ergin, Lourival Sant’anna, Marcos Tyonsk, Mustafa Goktepe, Paula Signorelli, Renata Motta, Renato Baldacci, Ricardo Resende, Sergio Fausto, Sergio Napchan, Silvia Antibas e Silvia Eum, pelo apoio moral

durante esse período desafiador para mim. Muito obrigado!

(8)

(-): Valência Negativa (+): Valência Positiva (ø): Valência Neutra ac: Avaliação Crítica

ai: Agência de Notícias Internacional AKP: Partido da Justiça e do Desenvolvimento

BTK: Conselho de Monitoramento do Primeiro Ministro CEDH: Convenção Europeia dos Direitos Humanos CHP: Partido da República do Povo

CUP: Comitê da União e Progresso ed: Editorial

ep: Episódico

ESP: O Estado de S. Paulo EU: União Europeia

EUA: Estados Unidos da América FETO: Organização Terrorista Fethullah FJW: Fundação de Jornalistas e Escritores FP: Partido da Virtude

FSP: Folha de S. Paulo

GAN: Grande Assembleia Nacional HDP: Partido Democrático do Povo ii: Interpretativa Indireta

je: Jornalista Externa inf: Informativa JOG: Jornal O Globo

KCK: União das Comunidades do Curdistão

MASAK: Conselho de Investigação de Crimes Financeiros do Ministério das Finanças

MGK: Conselho Nacional de Segurança

MGSB: Documento de Política de Segurança Nacional MH: Movimento Hizmet

MHP: Partido Nacionalista Turco

MIT: Organização Nacional de Inteligência Turca MNP: Partido da Ordem Nacional

MSP: Partido da Salvação Nacional MVN: Movimento Visão Nacional

NSA: Agência Nacional de Segurança - EUA NYT: The New York Times

ojr: Outro Jornal ou Revista OM: Oriente Médio

ONU: Organização das Nações Unidas pa: Plural Aberta

pf: Plural Fechada

PKK: Partido dos Trabalhadores do Curdistão PYD: Estrutura Paralela do Estado

RP: Partido do Bem-Estar SP: Partido da Felicidade

(9)

T2: Tema 2, trajetória

T3: Tema 3, direitos e democracia T4: Tema 4, Assuntos Internacionais TWP: The Washington Post

(10)

Tabela 1: Quadro de partidos da visão nacional... 33

Tabela 2: Relação dos votos, percentagem, deputados do AKP... 37

Tabela 3: Relação problemática entre AKP e Movimento Hizmet... 49

Tabela 4: Relação dos recursos nos três jornais... 75

Tabela 5: Relação da origem dos recursos nos três jornais (nacional /internacional)... 77

Tabela 6: Relação dos enquadramentos nos três jornais... 79

Tabela 7: Relação dos temas sobre Erdogan nos três jornais... 81

Tabela 8: Relação dos temas sobre Gulen nos três jornais... 82

Tabela 9: Relação dos temas sobre Erdogan e Gulen nos três jornais.. 83

Tabela 10: Relação da valência do Erdogan nos três jornais... 84

Tabela 11: Relação da valência do Gulen nos três jornais... 85

Tabela 12: Relação da valência do Erdogan nos três jornais... 86

Tabela 13: Relação da valência do Gulen nos três jornais... 87

Tabela 14: Relação da cobertura do tema 1 Narrativas... 88

Tabela 15: Relação da cobertura do tema 2 Trajetória... 89

Tabela 16: Relação da cobertura do tema 3 Direito e Democracia... 91

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico A: Gráfico A: Relação dos recursos nos três jornais... 76

Gráfico B: Gráfico B: Relação dos enquadramentos nos três jornais... 80

Gráfico C1: Gráfico C1: Relação dos temas sobre Erdogan nos três jornais 83 Gráfico C2: Gráfico C2: Relação dos temas sobre Gulen nos três jornais.... 83

Gráfico D1: Relação da valência do Erdogan nos três jornais... 86

Gráfico D2: Relação da valência do Erdogan Total... 86

Gráfico E1: Relação da valência do Gulen nos três jornais... 87

Gráfico E2: Relação da valência do Gulen Total... 87

Gráfico F1: Relação do Tema 1, Narrativas nos três jornais... 88

Gráfico F2: Relação do Tema 2, Trajetória nos três jornais... 89

Gráfico F3: Relação do Tema 3, Direito e Democracia nos três jornais... 91

Gráfico F4: Relação do Tema 4, Assuntos Internacionais nos três jornais... 93

Gráfico 1.1: Recurso das Notícias - Folha de S. Paulo... 75

Gráfico 2.1: Recursos – O Estado de S. Paulo... 75

Gráfico 3.1: Recursos – O Globo... 75

Gráfico 1.7: Recurso Interno / Recurso Externo – Folha de S. Paulo... 78

Gráfico 2.7: Recurso Interno / Recurso Externo – O Estado de S. Paulo... 78

Gráfico 3.7: Recurso Interno / Recurso Externo – O Globo... 78

Gráfico 1.2: Enquadramento – Folha de S. Paulo... 79

Gráfico 2.2: Enquadramento – O Estado de S. Paulo... 79

Gráfico 3.2: Enquadramento – O Globo... 79

Gráfico 1.3: Temas Erdogan – Folha de S. Paulo... 81

Gráfico 2.3: Temas Erdogan – O Estado de S. Paulo... 81

Gráfico 3.3: Temas Erdogan – O Globo... 81

Gráfico 1.4: Temas Gulen – Folha de S. Paulo... 82

Gráfico 2.4: Temas Gulen – O Estado de S. Paulo... 82

Gráfico 3.4: Temas Gulen – O Globo... 82

Gráfico 1.6: Valência de Erdogan – Folha de S. Paulo... 84

Gráfico 2.6: Valência de Erdogan – O Estado de S. Paulo... 84

Gráfico 3.6: Valência de Erdogan – O Globo... 84

Gráfico 1.5: Valência de Gulen – Folha de S. Paulo... 85

Gráfico 2.5: Valência de Gulen – O Estado de S. Paulo... 85

(12)

Anexo I: Divisão de Temas e subtemas

Anexo II: Subtemas detalhados

Anexo III: Ficha de catalogação manual

Anexo IV: Primeira página dos jornais no dia 16 de julho de 2016

Anexo V: Primeira página dos jornais no dia 17 de julho de 2016

Anexo VI: Página internacional dos jornais no dia 17 de julho de 2016

Anexo VII: Primeiro edital de todos os jornais

Anexo VIII: Cobertura de decreto de Estado de Emergência na Turquia

Anexo IV: Cobertura de Suspenção de Convenção de Europeia de Direitos Humanos

Anexo X: Cobertura de Controle de Forças Armadas pelo Erdogan

Anexo XI: Cobertura de fechamentos de veículos de comunicação

Anexo XII: As fotos do Erdogan no Folha de S. Paulo

Anexo XIII: As fotos do Erdogan no Estado de S. Paulo

Anexo XIV: As fotos do Erdogan no Globo

Anexo XV: As fotos do Gulen no Folha de S. Paulo

Anexo XVI: As fotos do Gulen no Estado de S. Paulo

Anexo XVII: As fotos do Gulen no Globo

Anexo VIII: Fichas de catalogação digital Folha de S. Paulo

Anexo XIX: Fichas de catalogação digital Estado de S. Paulo

Anexo XX: Fichas de catalogação digital Jornal O Globo

Anexo XXI: Distribuição de Recursos e Autoria de Notícias da Folha de S. Paulo

Anexo XXII: Distribuição de Recursos e Autoria de Notícias Do Estado de S. Paulo

(13)

de 2016 na Turquia. 2017. 153 p. (Mestrado em Ciências Sociais). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, São Paulo, 2017.

RESUMO

No dia 15 de julho de 2016, houve uma tentativa de golpe militar na Turquia, por uma facção dentro das Forças Armadas turcas que se apresentaram como o “Conselho da Paz na Pátria”, contudo, desta vez – diferentemente do que ocorreu com os anteriores, como os golpes de 1960, 1971, 1980 e 1997 – este não foi bem-sucedido. A tentativa de golpe é considerada o mais importante acontecimento desde 1946 por seus resultados políticos e sociais. Nesse sentido, a imprensa brasileira publicou um grande volume de notícias sobre o assunto, devido ao impacto internacional gerado pelo golpe. O objetivo deste trabalho é analisar o enquadramento da cobertura dos jornais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo, no período de 16 de julho a 30 de agosto de 2016.

Palavras-chave: Tentativa de Golpe Militar na Turquia; Recep Tayyip Erdogan; AKP; Fethullah Gulen; Movimento Hizmet.

(14)

de 2016 na Turquia. 2017. 153 p. (Mestrado em Ciências Sociais). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, São Paulo, 2017.

ABSTRACT

On July 15, 2016, there was a military coup attempt in Turkey by a faction within the Turkish Armed Forces that presented themselves as the "Council of Peace at Home", but, this time - different from what happened with the previous ones, such as 1960, 1971, 1980 and 1997 coup d'état - was not successful. The attempted coup is considered the most important event since 1946 by its political and social results. In this sense, the Brazilian press published a great volume of news on the subject, due to the international impact generated by the coup. The aim of this work is to analyze the coverage of the newspaper Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo and O Globo, from July 16 to August 30, 2016.

Keywords: Coup Attempt in Turkey, Recep Tayyip Erdogan, AKP, Fethullah Gulen, Hizmet Movement.

(15)

INTRODUÇÃO ... 17

CAPÍTULO 1 - A TURQUIA MODERNA E AS TRÊS FIGURAS MARCANTES: MUSTAFA KEMAL ATATÜRK, RECEP TAYYIP ERDOGAN E FETHULLAH GULEN ... 26

1. Mustafa Kemal Ataturk ... 26

a) A Liderança ... 27

b) O Legado ... 27

2. Recep Tayyip Erdogan ... 32

a) O Movimento Islã Político ... 32

b) Surgimento do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) ... 36

c) A Liderança ... 40

3. Fethullah Gulen ... 42

a) Movimento Hizmet ... 42

b) Liderança ... 46

4. Aliança e Rompimento do AKP e MH ... 49

a) Do renascimento à rivalidade ... 49

b) Aliança Estratégica (2002-2010) ... 50

c) Confronto Oculto (2010-2013) ... 53

d) Confronto Aberto (2013-2016) ... 55

e) Guerra Total (2016 e depois) ... 58

CAPÍTULO 2 – COBERTURA INTERNACIONAL NOS JORNAIS E A TURQUIA ... 61

2.1 História dos Jornais ... 61

a) Folha de S. Paulo ... 61

b) O Estado de S. Paulo ... 63

c) Jornal O Globo ... 64

2.2 O Jornalismo a Distância ... 65

a) A Redação... 67

b) Correspondentes e Enviados Especiais ... 68

c) Agências de notícias ... 69

2.3 Editorial sobre a Turquia ... 71

CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DAS NOTÍCIAS ... 74

3.1. Análise das notícias veiculadas pelos jornais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo ... 74

a) Análise da cobertura conforme os recursos ... 74

b) Análise conforme origem do recurso, interno ou externo ... 77

c) Análise da cobertura conforme os enquadramentos ... 79

d) Análise da cobertura conforme os temas Erdogan e Gulen ... 80

e) Valência de Erdogan e Gulen ... 84

f) Cobertura do Tema 1 narrativas: ... 88

g) Cobertura do Tema 2 Trajetória: ... 89

h) Cobertura do Tema 3 Direitos e Democracia ... 90

i) Cobertura do Tema 4 Assuntos Internacionais ... 92

(16)

b) No dia 17 de julho de 2016 ... 99

c) No dia 18 de julho de 2016 ... 104

d) No dia 19 de julho de 2016 ... 105

e) No dia 20 de julho de 2016 ... 109

f) No dia 21 de julho de 2016 (Declaração de Estado de Emergência) ... 112

g) No dia 22 de julho de 2016 ( Convenção Europeia de Direitos Humanos)... 116

h) Nos dias 23-26 de julho de 2016 ... 117

i) No dia 27 de julho de 2016 ... 120 j) No dia 28 de julho de 2016 ... 122 k) No dia 29-30 de julho de 2016 ... 123 l) No dia 31 de julho de 2016 ... 126 m) No dia 01 a 07 de agosto de 2016 ... 127 n) No dia 08 a 14 de agosto de 2016 ... 131 o) No dia 15 a 21 de agosto de 2016 ... 136 p) No dia 21 a 31 de agosto de 2016 ... 139 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 141

a) A cobertura da Folha de S. Paulo... 146

b) A cobertura de O Estado de S. Paulo ... 147

c) A cobertura do Jornal O Globo... 148

(17)

INTRODUÇÃO

A Turquia, cujo nome oficial é República da Turquia (Türkiye Cumhuriyeti), é um país eurasiático constituído por uma parte europeia, a Trácia, e uma grande parte asiática, a Anatólia, banhado pelo mar Negro, Mediterrâneo e Egeu. Um museu aberto, berço das grandes civilizações com história milenar, a República da Turquia, um Estado democrático e secular, com a sua localização geoestratégica, ponte entre o oriente e o ocidente, com uma população de 80 milhões, predominantemente muçulmanos, membro da OTAN, candidato à União Europeia, desde 1987, um aliado dos Estados Unidos, nunca perdeu a sua importância na política internacional.

Na noite do dia 15 de julho de 2016 ocorreu uma tentativa de golpe na Turquia, nas cidades de Istambul e Ancara, por uma facção das Forças Armadas autointitulada Conselho de Paz na Pátria. O Conselho citou uma erosão do secularismo, a eliminação do domínio democrático, o desrespeito pelos direitos humanos e a perda de credibilidade da Turquia na arena internacional como razões para o golpe. Sendo assim: "as Forças Armadas da Turquia completaram a tomada da administração do país para reinstalar a ordem constitucional, direitos humanos e liberdade, o estado de direito e a segurança geral que foi afetada", todos os acordos internacionais ainda são válidos. Esperamos que toda nossa boa relação com todos os países continue”1.

O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, estava de férias em um resort em Marmaris, contudo, conclamou a população para tomarem as ruas e se oporem ao golpe, em um discurso transmitido ao vivo na televisão a partir de um celular. Dezenas de milhares de pessoas atenderam ao pedido, indo às ruas para se manifestarem, enfrentaram os soldados quarteladas, subindo nos tanques implantados nas ruas. O presidente Erdogan retornou a Istambul na madrugada e foi recebido no aeroporto por uma grande multidão. Na coletiva de imprensa, ele disse que “esse golpe é uma dádiva de Deus para que façamos uma limpeza no Exército”, após voltar a Istambul. “Quem está mobilizado em tanques contra nós deve se render. Milhões de turcos estão nas ruas

1 Disponível em: <

(18)

em plena madrugada contra essa minoria do Exército”2. Durante a madrugada, os

soldados se renderam. Segundo informações oficiais, a tentativa de golpe deixou 312 mortos e 2 mil feridos.

Para a cobertura da mídia brasileira sobre o Golpe Militar de 2016 na Turquia, a unidade de análise de nossa pesquisa são os jornais: Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo. O período delimitado é o intervalo entre 15 de julho, realização do golpe, a 30 de agosto de 2016, Reunião Anual do Supremo Conselho Militar.

A argumentação desta dissertação desenvolve-se em introdução, três capítulos e conclusão, além dos anexos. A introdução inicia-se com uma breve exposição sobre a importância da Turquia, o objetivo da pesquisa e a metodologia utilizada. O capítulo 1 faz uma breve exposição do contexto político e dos partidos políticos na Turquia moderna e apresenta três figuras importantes nas discussões de hoje: Mustafa Kemal Atatürk, fundador da Republica Turquia, Recep Tayyip Erdogan, fundador do partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) e, por fim, Fethullah Gulen, inspirador do movimento Hizmet. O capítulo 2 traz uma abordagem literária sobre os três jornais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo e suas linhas editorias sobre a Turquia. O capítulo 3 analisa a cobertura dos jornais da unidade de pesquisa. Por fim, a conclusão analisa os dados da cobertura dos três jornais e os anexos ilustram com dados estatísticos nossa pesquisa.

Objetivo

A presente dissertação pretende analisar o enquadramento da cobertura jornalística do Golpe de 15 de julho de 2016 na Turquia. Apesar de a grande mídia brasileira não possuir nenhum correspondente na Turquia, o golpe militar turco foi acompanhado desde o início até o final com atenção especial. Além das notícias fornecidas pelas agências internacionais, colunistas, acadêmicos e comentaristas procuraram entender o que estava acontecendo neste país.

2 Disponível em: <

(19)

Problema e Hipótese

O interesse surgiu da leitura de um post na rede social facebook sugerindo que “seria uma pauta muito interessante fazer uma pesquisa sobre a cobertura da mídia brasileira”, referindo-se às notícias veiculadas sobre o golpe fracassado. Nos comentários, na sequência do post, houve perguntas sobre o motivo de tal sugestão e o autor do post respondeu o seguinte:

O meu ponto é que a cobertura internacional do Brasil, de uma maneira geral, é muito ruim. Normalmente se traduz informes de agências estrangeiras e não se produz análises próprias. Acho que isso é pior ainda quando diz respeito ao Oriente Médio e à Turquia em especial. Jornalistas que mal conhecem o país, [...] dominam a cobertura. [...]. Enfim, acho que precisamos de um debate sobre isso.

Partindo dessa colocação, podem-se elaborar algumas hipóteses, sobre a cobertura jornalística da imprensa brasileira. De forma mais precisa, foram elaboradas cinco perguntas para formar uma hipótese. Nos jornais de unidade de pesquisa: 1) se há uma política da linha editorial sobre a Turquia. 2. Quais são as principais fontes utilizadas sobre a Turquia? 3. Nessa linha editorial, qual é a importância da relação Turquia com ocidente, ou seja, com UE e OTAN? 4. Nessa linha editorial, qual é a importância da relação da Turquia moderna e laica, com o Islã? 5. Se há algum jornalista/correspondente encarregado ou especializado na cobertura da Turquia.

Sob a luz dessas perguntas, foi formulada a seguinte hipótese: a linha editorial jornalística brasileira apesar de aproveitar muitos informes de agências internacionais produz análises próprias sim.

Metodologia

O método utilizado será a teoria do enquadramento das notícias veiculadas. Para a análise da cobertura, foi feita uma adaptação das ferramentas da teoria do enquadramento desenvolvida pelo Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política (Neamp). Os quesitos analisados são: título, resumo, veículo, data; valência sobre personagens e visibilidade de cada um dos personagens; recursos e enquadramentos; temas de cobertura de cada personagem e subtemas. Os quatro primeiros quesitos, entre

(20)

título e data, servem apenas para a identificação das entradas. Erdogan e Gulen foram os principais personagens da pesquisa. Erdogan também será o personagem da matéria quando a notícia for sobre seu governo. Gulen será o personagem da matéria quando a notícia for sobre seu movimento.

Na análise do enquadramento da matéria também foi considerada sua construção, a partir dos seguintes critérios: (a) Informativa, quando apenas uma informação do fato/evento/ação ou tema é apresentado; (b) Interpretativa direta, na qual o apresentador interpreta um fato ou tema; (c) Interpretativa indireta, na qual o jornal relata a interpretação de outra pessoa sobre um fato ou tema. (d) Restrita, quando apenas uma interpretação do fato/evento/ação ou tema é apresentado; (e) Plural Fechada, quando mais de uma interpretação do fato/evento/ação ou tema é apresentada e organizada em uma hierarquia, de maneira que uma das interpretações é preferida sobre as demais e apresentada como superior ou mais correta; (f) Plural Aberta, quando mais de uma interpretação do fato/evento/ação ou tema é apresentada e tratada de forma mais indeterminada, de maneira que nenhuma interpretação é apresentada como superior ou mais correta; (h) Episódica, quando nenhuma interpretação é apresentada na notícia, que se limita a relatar algum fato/evento/ação ou tema; (i) Avaliativa Crítica, quando emite uma crítica juízo de valor (g) Avaliativa Moral, quando emite um juízo de valor moral3.

1. Teoria do enquadramento

A mídia é uma importante ferramenta de formação de opinião das massas. Porto (2004) afirma que, ao adotar enquadramentos positivos e negativos sobre temas, acontecimentos e atores, constrói atributos (positivos ou negativos) sobre esses objetos; há uma relação direta e causal entre as proeminências dos tópicos da mídia e a percepção pública acerca desses temas em um determinado período de tempo.

No campo dos estudos de comunicação, a primeira aplicação mais relevante do conceito de enquadramento foi feita pelo sociólogo Gaye Tuchman (1978). Ele

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argumenta que as notícias impõem um enquadramento que define e constrói a realidade e sugere que notícias são “um recurso social cuja construção limita um entendimento analítico da vida contemporânea”. Gitlin (1980) apresentou a primeira definição mais clara e sistemática do conceito de enquadramento.

Os enquadramentos da mídia […] organizam o mundo tanto para os jornalistas que escrevem relatos sobre ele, como também, em um grau importante, para nós que recorremos às suas notícias. Enquadramentos da mídia são padrões persistentes de cognição, interpretação e apresentação, de seleção, ênfase e exclusão, através dos quais os manipuladores de símbolos organizam o discurso, seja verbal ou visual, de forma rotineira (GITLIN, 1980, p. 7).

Na definição acima, enquadramentos são entendidos como recursos que organizam o discurso através de práticas especificas (seleção, ênfase, exclusão) e que acabam por construir uma determinada interpretação dos fatos. Entman (1994) apresenta uma definição do conceito que resume os principais aspectos de enquadramento. Segundo o autor:

O enquadramento envolve essencialmente seleção e saliência. Enquadrar significa selecionar alguns aspectos de uma realidade percebida e fazê-los mais salientes em um texto comunicativo, de forma a promover uma definição particular do problema, uma interpretação causal, uma avaliação moral e/ou uma recomendação de tratamento para o item descrito (ENTMAN, 1994, p. 294).

Essa definição resume os aspectos centrais do conceito, principalmente das suas aplicações na análise de conteúdo da mídia.

2. Análise dos enquadramentos

A análise dos enquadramentos será desenvolvida conforme a metodologia sugerida por Porto (2004). Ele sugere três passos para a aplicação do enquadramento. O primeiro passo é determinar o conceito a ser trabalhado e sistematizá-lo. A cobertura jornalística do golpe militar ocorrido na Turquia foi definida como o conceito a ser pesquisado e foi sistematizada com temas e subtemas (ver anexo 1 e 2). O segundo

3 Disponível em:

(22)

passo é identificar as principais controvérsias e os enquadramentos a elas relacionados. Ao identificar as principais controvérsias e enquadramentos, é importante ressaltar que atores sociais distintos possuem capacidades diferenciadas para influenciar os processos de enquadramento da mídia. As fontes oficiais do governo, em especial, tendem a predominar no processo de produção das notícias.

[...] o processo de enquadramento não é uma via de mão única através da qual as elites manipulam o público. Enquadramentos não se referem apenas a processos de manipulação, mas são parte de qualquer processo comunicativo, uma forma inevitável através da qual atores fazem sentido de suas experiências (PAN; KOSICKI, 2001, p.60).

Na ocasião do golpe militar fracassado, naturalmente houve atores distintos e narrativas diferentes, como os membros das Forças Armadas, que têm uma tradição do pensamento kemalista4, a do presidente turco Erdogan que é o fundador partido AKP, e a do acusado pelo Erdogan por ser mentor do golpe, o inspirador do Movimento Hizmet (MH)5, Fethullah Gulen. Cada um desses grupos opera em um nível mais específico e possui uma independência relativa em relação aos jornalistas e especialistas que os relatam.

Os enquadramentos interpretativos são padrões de interpretação que promovem uma avaliação particular de temas e/ou eventos políticos, incluindo definições de problemas, avaliações sobre causas e responsabilidades, recomendações de tratamento etc. Na ocasião do golpe militar, além dos jornalistas, especialistas e acadêmicos brasileiros, os representantes do governo turco e do MH fizeram parte dessas notícias. O editor do portal de notícias Voz da Turquia, Kamil Ergin, e o presidente do Centro Cultural Brasil Turquia (CCBT), Mustafa Goktepe fizerem enquadramentos interpretativos através do entendimento do MH, e o embaixador Huseyin Diriöz e o cônsul geral turco Özgün Arman reforçaram a narrativa oficial do governo turco e do presidente Erdogan. O terceiro passo é desenvolver uma análise sistemática de

tico_SAO_PAULO.pdf>. Acesso em: 17 out. 2017.

4 Kemalismo, também conhecido como ideologia kemalista, ou ainda "Seis Setas" ou "Seis Flechas" é o

princípio político e ideológico que define as características básicas da República da Turquia. Os princípios serão explicados no primeiro capítulo.

5 Hizmet: Movimento Gülen, também chamado de “Movimento Hizmet”, com atribuição ao sobrenome

de seu inspirador, Hizmet (“serviço” em na língua turca), é uma iniciativa civil mundial, enraizada na tradição espiritual e humanística do Islã e inspirado pelas ideias e ativismo de Fethullah Gülen.

(23)

conteúdo, com mais método e menos subjetivismo. Para isso, foram adaptadas a catalogação e os padrões desenvolvidos pelo Neamp. (Anexo III).

4. Preparação do Material

Inicialmente foi realizada uma pesquisa com os arquivos digitais dos jornais da unidade de análise com as palavras-chave. Depois, com o auxílio de um gráfico foram preparados dossiês de clipping das notícias veiculadas em cada jornal.

a) Preparação da planilha de catalogação

A primeira versão de catalogação era uma adaptação da planilha desenvolvida pelo Neamp, com o objetivo de analisar a cobertura da mídia nas campanhas eleitorais. Na ficha, foram colocados dados, recurso da notícia, parâmetros de enquadramento da matéria, temas de enquadramento sobre o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, e sobre o clérigo, inspirador do MH, Fethullah Gulen, e suas respectivas imagens.

b) Classificação dos recursos das notícias veiculadas

Por ser um país distante, com informações sobre ele pouco difundidas, os recursos foram bem detalhados e classificados em 15 itens, sendo: colunista, jornalista, jornalista externo, correspondente, especialista/acadêmico, entrevista, agências internacionais, notícias pegos por outro jornal/revista, blogueiro, editorial, primeira página, web, ilustração, gráficos e diagramas, fotografias.

c) Temas de enquadramento do Erdogan e Gulen

Inicialmente os temas do enquadramento foram: trajetória, propostas, apoios/alianças, declarações, acusações, esclarecimentos. Para tanto, houve uma adaptação dos parâmetros sugeridos pelo Neamp, devido à diferente natureza da pesquisa. Os parâmetros sugeridos pelo Neamp e Doxa eram mais voltados para a análise da cobertura das campanhas eleitorais e das imagens dos candidatos políticos. No entanto, nessa pesquisa, há narrativas de um acontecimento visto de dois ângulos:

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um lado é de Erdogan, presidente da Turquia e fundador do partido político AKP e, o outro é do Gulen, pregador emérito e o inspirador de MH. Foram definidos quatro temas principais, sendo eles: narrativas, trajetória, direito e democracia e assuntos internacionais. As notícias sobre declarações, acusações e esclarecimentos foram unificadas e nomeadas como narrativas. Trajetória, apoios, alianças e propostas foram unificadas e nomeadas como trajetória. Golpe fracassado e suas consequências, tais como: prisões, perseguições, expurgos, foram nomeados direito e democracia. Assuntos de interesse da política internacional foram nomeados como internacional. (Anexo I, II).

d) Subtemas de enquadramento de Erdogan e Gulen

Os subtemas do Tema 1 narrativas são: apoio ao governo democraticamente eleito (população e partidos da oposição), narrativa do(s) Erdogan(istas), acusações ao(s) Erdogan(istas), narrativa do(s) Gulen(istas), acusações ao(s) Gulen(istas) e militares.

Os subtemas do Tema 2 trajetória são: trajetória do Erdogan(ismo), establisment kemalista versus Erdogan e Gulen, modificação do regime de Estado, trajetória do Gulen(ismo), aliança e rompimento.

Os subtemas do Tema 3 direitos e democracia são: golpe, expurgo, Judiciário, mídia, prisões, perseguição, pena de morte, direitos humanos.

Os subtemas do Tema 4 assuntos internacionais são: relação da Turquia com a União Europeia e suas instituições, com os Estados Unidos, com o Oriente Médio, com a OTAN e UN, com a Rússia, com o Brasil e Venezuela e, por fim, com os curdos. (Anexo I, II)

e) Criação do JornalApp, catalogação digital

Com a sugestão de um engenheiro de software, foi criada uma aplicação digital, com o objetivo de diminuir os erros e facilitar a análise das notícias. Com essa ideia, foi desenvolvido o JornalApp, no qual, foram inseridas todas as informações sobre todas as notícias. A ficha de catalogação foi transformada em um formulário automático e foi adicionada uma parte para escrever o resumo das notícias e uma parte de avaliação de

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valência sobre Erdogan e Gulen. A catalogação online foi integrada com as páginas de análise de gráficos da cobertura, ou seja, qualquer alteração na ficha de catalogação reflete automaticamente nos gráficos. (Anexo XVIII, XIX, XX).

f) Avaliação de valência

Neste passo, foi utilizado o estudo de valência. Segundo Miguel (2015)6: “a valência se estabelece sempre em relação a um determinado agente (individual ou coletivo). Trata-se de saber se, em relação àquele agente, o viés do noticiário é mais elogioso ou mais crítico”. Num estudo sobre uma “competição de narrativas”, o estudo de valência ajudará a verificar se a informação ou opinião veiculada, em si, é positiva, negativa ou neutra sobre o sujeito, (no caso do presente estudo, Erdogan e Gulen).

A partir da definição operacional de valência dada por Aldé, Mendes e Figueiredo (2007)7 e adaptada no caso do presente trabalho, utilizar-se-ão as seguintes regras.

A valência é positiva (+) se o conteúdo analisado encerra uma avaliação ou menção de ordem pessoal, moral, política ou de desempenho nas funções público-privadas favoráveis ao Presidente Recep Tayyip Erdogan e Fethullah Gulen, ou avaliação e menção favorável de programas, projetos e ação do partido AKP e do MH.

A valência é negativa (-) se o conteúdo analisado encerra uma avaliação ou menção de ordem pessoal, moral política ou de desempenho nas funções públicas, privadas negativa a Erdogan e Gulen, ou avaliação e menção desfavorável na avaliação de programas, projetos e ação do partido AKP e do MH.

A valência é neutra (ø) se o conteúdo analisado não apresenta nem elementos positivos nem negativos na avaliação ou menção de ordem pessoal, moral, política ou de desempenho nas funções público-privadas em relação a Erdogan e Gulen, ou avaliação e menção desfavorável na avaliação de programas, projetos e ação do AKP e do MH. Em caso de matérias ambivalentes, em que há equilíbrio entre elementos positivos e negativos, o conteúdo é considerado neutro.

6 Disponível em:< http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-33522015000300165>.

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CAPÍTULO 1 - A TURQUIA MODERNA E AS TRÊS FIGURAS

MARCANTES: MUSTAFA KEMAL ATATÜRK, RECEP TAYYIP

ERDOGAN E FETHULLAH GULEN

Neste capítulo, será abordada uma breve história dos três principais protagonistas que estão no centro das discussões da Turquia contemporânea. O primeiro protagonista é o militar e político Mustafa Kemal, fundador da República turca, nomeado pai dos turcos “Ataturk”. Liderou a guerra de independência turca e o estabelecimento de um Estado-nação, com diretrizes da cultura ocidental, sobre as ruinas do império otomano. O pensamento de Ataturk foi concretizado pelo Partido Republicano do Povo (CHP) com o kemalismo. O segundo protagonista é o político Recep Tayyip Erdogan, fundador do partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) que governa a Turquia desde 2002, e possui uma legenda do islã político8. O terceiro é o

clérigo Fethullah Gulen, inspirador do movimento Hizmet, que atua principalmente na área de educação, diálogo inter-religioso e cultural e segue o pensamento do sufismo9

contemporâneo.

1. Mustafa Kemal Ataturk

O Império Otomano foi um Estado turco que existiu entre 1299 e 1922, fundado por Ertugrul e seu filho Osman (Otman) I, do qual deriva o nome otomano. Na passagem do século XVI para o XVII, o império constava na lista das principais potências políticas da Europa, tanto que vários países europeus temiam os avanços otomanos nos Bálcãs. No auge do império, no século XVII, o território otomano compreendia uma área de 5 milhões de quilômetros quadrados e estendia-se desde perto do estreito de Gibraltar, a oeste, ao mar Cáspio e ao golfo Pérsico, a leste, e desde a fronteira com as atuais Áustria e Eslovênia, ao norte, aos atuais Sudão e Iêmen, ao sul. Sua capital era a cidade de Constantinopla, tomada do Império Bizantino, em 1453, e que passou a se chamar Istambul. O declínio iniciou-se marcadamente depois da Revolução Francesa, principalmente pelos movimentos nacionalistas, continuou ao longo do século XIX até sua derrota na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Ao final

7 Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0104-62762010000200005>. Acesso em: 20 out. 2017. 8 Islã político: esse formato de classificação foi concluído depois da leitura das notícias, para padronizar

metodologias utilizadas pelos referidos jornais.

9 O sufismo é uma vertente mística existente dentro do islamismo. Baseia-se na ideia de que o espírito

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do conflito, o governo otomano desmoronou e o seu território foi partilhado e invadido. O cerne político-geográfico do império transformou-se na República da Turquia, após a Guerra de Independência (1919-1922) liderada pelo soldado Otomano Mustafa Kemal Ataturk (MCMEEKIN, 2011; QUATAERT, 2008; ZÜRCHER, 2015).

a) A Liderança

No dia 18 de março de 1920, a capital do Império Otomano foi invadida pelos ingleses e dissolvida pela assembleia, fazendo com que deputados otomanos fossem presos. Atatürk convidou os deputados otomanos para a cidade Ankara (localizada no centro da Anatólia) e anunciou que no dia 23 de abril uma nova assembleia seria reunida em Ankara. Esse dia é considerado como a fundação da Grande Assembleia Nacional (GAN) da Turquia, em meio à Guerra de Independência Turca. Atatürk foi eleito o primeiro presidente por unanimidade (1920-1923). Como presidente da assembleia era também chefe do poder executivo e legislativo. Depois da guerra, foi firmado o tratado de paz de Lausanne (ou Lausana), no dia 24 de julho de 1923, na cidade suíça de Lausanne pelo Reino Unido, França, Itália, Japão, Grécia, Romênia, Reino dos Sérvios, Croatas, Eslovenos e Turquia. O acordo assinado pelo novo governo de Ankara levou ao reconhecimento internacional da República da Turquia, como sucessora do extinto Império Otomano, e anulou o tratado de Serves de 1920, que havia sido assinado pelo governo otomano de Istambul (ZÜRCHER, 2015).

b) O Legado

Atatürk fundou o partido da República do Povo (CHP), em 9 de agosto de 1923. A guerra havia acabado e era necessário definir um sistema político do Novo Estado. Com a proposta de Atatürk, pela segunda Legislatura da GAN da Turquia, no dia 29 de outubro de 1923, foi proclamada a República como o novo regime do Estado e Atatürk foi eleito como o primeiro presidente da República da Turquia, com o poder de atribuir o governo.

A GAN tinha o direito de escolher e controlar tanto o governo quanto o primeiro-ministro; agia como Poder Legislativo, controlava o Executivo e, se necessário, agia como órgão de fiscalização. A Constituição Turca de 1924 iniciou uma

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leve separação de poderes entre os órgãos legislativos e executivos do Estado, enquanto a separação destes dois com o Judiciário já era bem definida. O presidente, então Mustafa Kemal, ocupava uma posição poderosa neste sistema político. O único partido político da GAN era o "Partido do Povo", fundado por Mustafa Kemal nos primeiros anos da guerra de independência, e que foi chamado posteriormente de Partido Republicano do Povo (CHP), permanecendo no poder até 1950, sem interrupção.

A ocidentalização de alcançar o nível dos países civilizados foi o lema de Atatürk. Ele implementou amplas reformas políticas, econômicas e socioculturais, cujos resultados vieram a formar a espinha dorsal das estruturas legislativas, judiciárias e econômicas da nova república.

Em 1924, a abolição do califado foi uma dimensão importante no movimento de Mustafa Kemal para reformar o sistema político e promover a soberania nacional. O califado era o conceito político central do islamismo sunita, determinado pelo consenso da maioria dos muçulmanos nos primeiros séculos da religião. Conforme Atatürk, “A religião do islã será elevada se deixar de ser um instrumento político, como foi o caso no Império Otomano”. No mesmo dia da promulgação da abolição do califado, o último califa, Abdul Mecid, e a sua família foram deportados da Turquia.

Em 1925, Mustafa Kemal passou a encorajar os turcos a vestirem roupas europeias modernas, determinado a forçar o abandono das tradições de vestuário do Oriente Médio. A "Lei do Chapéu de 1925" introduziu o uso de chapéus no estilo ocidental, em vez do chapéu otomano. Mustafa Kemal, primeiramente, tornou o chapéu obrigatório para os funcionários públicos. O véu para as mulheres foi banido. Elas foram encorajadas a usar vestidos ocidentais e a participar do mercado de trabalho. A proibição da poligamia e a colocação das questões do divórcio sob a jurisdição dos tribunais constituiu apenas os primeiros passos importantes em matéria de direitos das mulheres. Às mulheres foram concedidos o direito de votar e de ser eleita nas eleições municipais em 1930.

Em 1926, o novo código penal, inspirado no código penal italiano e o novo código civil turco, modelado a partir do código civil suíço, foi aprovado. Em outubro do

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mesmo ano, as cortes islâmicas foram fechadas. O princípio da laicidade, no entanto, só foi implementado totalmente em 5 de fevereiro de 1937.

Em 1928, foi realizada a anulação da cláusula que estipula que: “a religião do Estado é o Islã” e, em 1937, inclui-se, na Constituição, a cláusula em que dizia que o Estado turco é laico. Também em 1928, houve a criação do alfabeto turco, substituindo o alfabeto árabe, a partir do alfabeto latino que foi realizada, sob a iniciativa de Atatürk.

As madraças foram fechadas. Seu novo sistema educacional "unificado" tencionava formar um cidadão responsável que fosse, ao mesmo tempo, um membro útil e apreciado da sociedade. A educação, na Turquia, tornou-se um sistema supervisionado pelo Estado, projetado para criar uma base de mão de obra capacitada destinada ao progresso socioeconômico do país, e serviu como uma força integradora, aliviando a pobreza e forçando a igualdade entre os sexos, através da educação feminina. Participou e incentivou a preparação do livro Conhecimento Cívico para os Cidadãos, que introduzia a ciência do governo comparativo, e explicava os meios de se administrar a confiança do público, especificando as regras do governo e a maneira que deveriam ser aplicadas às novas instituições estatais.

Em 1931, Atatürk determinou o estabelecimento da Associação da Língua Turca (Türk Dil Kurumu); e depois, seguiu-se o da história da Turquia e, no ano seguinte, foi fundada a Sociedade Histórica Turca, com o objetivo de pesquisar principalmente a história dos turcos antes do Islã.

Em 1931, a ideologia oficial do regime (os pensamentos de Ataturk, o Kemalismo) foi promulgada pelo Partido Republicano do Povo (no poder), fundado e controlado por Ataturk. Os seus seis princípios, conhecidos como as "seis setas do kemalismo"10 eram o republicanismo, o nacionalismo, o populismo, o estadismo, o secularismo e o revolucionismo. O republicanismo visava substituir a elitista ordem social otomana, que investiu o poder no sultão e sua comitiva imediata, com um sistema republicano. O nacionalismo sustentou uma identidade distintamente turca para

10 (Revista, Meu Atatürk, os princípios). Disponível em: <

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substituir o pan-islamismo do Império Otomano. O populismo11 de Atatürk prometeu

uma sociedade sem classes, mas ficou sem ideais verdadeiramente democráticos, pois Ataturk governou o Estado somente no sistema de partido único. O estatismo de Ataturk, como seus contemporâneos, o comunismo e o fascismo, favoreceu o desenvolvimento econômico liderado pelo Estado em oposição à iniciativa privada. O secularismo justificou uma revisão no poder da religião sobre Estado.

O secularismo12 não é irreligioso, mas proporciona a oportunidade de desenvolver a verdadeira religiosidade, pois abre a porta para lutar contra a falsa religiosidade e bruxaria [...]. A religião e a seita nunca podem ser usadas como um instrumento de política [...]. (ATATÜRK, 1930).

O revolucionismo era uma doutrina usada para justificar a mudança grossista, e não gradual, no sistema otomano. Conforme essa ideologia, a sociedade turca teria de se "ocidentalizar", tanto política quanto culturalmente, para se modernizar, era central a essas reformas. O kemalismo nunca foi aceito pelas grandes massas. A base de apoio do regime kemalista era composto pelos militares, burocracia, comerciantes urbanos e grandes fazendeiros (ZÜRCHER, 2015).

Em 1932, centenas de "Casas do Povo" (Halk Evi) e "Salas do Povo" (Halk Odası) foram abertas por todo o país, permitindo um maior acesso a uma ampla variedade de atividades artísticas e outros eventos culturais. As artes visuais e plásticas, cujos praticantes já haviam até mesmo sido presos pelas autoridades otomanas no passado, sob a alegação de que a forma humana era uma forma de idolatria, agora eram encorajadas e até mesmo financiadas por Atatürk; muitos museus foram abertos, a arquitetura passou a se inspirar em tendências ocidentais, e a música clássica ocidental, juntamente com a ópera e o balé, ganharam um maior público no país.

11 A definição do populismo do Atatürk é diferente do significado entendido no Brasil. No Brasil,

populismo é o conceito que caracteriza o modo como um governante governa, usando estratégias e recursos que têm como objetivo angariar o apoio e confiança popular, principalmente das classes mais desfavorecidas. A definição de Atatürk é que todo cidadão da Turquia é igual perante à lei e proporciona participação igual das pessoas à administração do estado e prevê que os políticos e administradores trabalhem para o povo. Ele rejeita a distinção de classe.

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Em 1932, a primeira tradução para o turco do Alcorão foi lida publicamente. Atatürk queria "ensinar religião em turco para o povo turco, que vinha praticando o islã sem o compreender por séculos a fio". O Alcorão em turco provocou uma oposição feroz de setores mais religiosos, bem como o resto do mundo islâmico, à época, era majoritariamente da opinião de que eles deveriam ser proferidos exclusivamente em árabe.

Em 1934, ele exigiu que todos os turcos adotassem o uso de sobrenomes, como é costumeiro no Ocidente, adotando ele próprio o nome de Atatürk, que significa "pai dos turcos".

Conforme estudos do autor deste trabalho, entre Ataturk e Getúlio, há semelhanças tais como, centralização de poder, formação de uma nova identidade nacional, uma nova história para nação, um reforço no processo de industrialização e modernização do país (ELEMEN, 2015).

As principais diferenças de Ataturk se deram porque que ele foi um soldado, participou da Primeira Guerra Mundial, testemunhando o colapso de um império de seis séculos. O processo de ocidentalização havia começado pelos sultões otomanos (TANZIMAT, 1739), mas nunca foi consolidado, e o Império, por sua natureza, era multiétnica e pluricultural. O lema de Ataturk foi a consolidação do processo de ocidentalização e a formação uma identidade nacional turca. Ataturk aplicou uma linha dura de processo de laicização do Estado enquanto Getúlio abraçava a religião nas políticas populistas.

De acordo com o cientista político sírio, especializado nas sociedades islâmicas, Bassam Tibi, a principal fonte de inspiração ideológica para Atatürk e, antes dele, para os Jovens Turcos, foi o sociólogo curdo turco Ziya M. Gökalp (1875-1924), que foi o principal responsável pela introdução, na Turquia, das ideias do positivismo francês tal como ele foi cunhado por Auguste Comte. Em seu livro de 1994, Aufbruch am Bosfurus (Partida no Bósforo), Tibi afirma que Atatürk pretendia não apenas separar a religião (o islamismo) da política, mas também retirar a base de poder ao islã e subordiná-lo ao

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Estado. De acordo com essa interpretação, Atatürk pretendia substituir a religião islâmica por uma "religião civil", que seria o kemalismo.

Mustafa Kemal foi um dos mais importantes governantes do século. Ele fundou e moldou a República da Turquia, hoje o Estado mais forte entre o Mar Adriático e a China, no extenso cinturão terrestre no sul da Rússia e norte do subcontinente indiano. Ele influenciou a história de seus países vizinhos [...]. Ataturk é comumente conhecido, atualmente, como um radical modernizador e “ocidentalizador” [...]. A revolução cultural por ele forjada foi genuína e ampla. O secularismo teve um papel central. É verdade que a secularização da classe dominante turca e do estado havia se iniciado no século dezenove. Foi forçada vigorosamente pelo CUP (Comitê da União e Progresso, o partido dos Jovens Turcos que lideraram o Império Otomano durante seus últimos anos), após 1908. Mas, foi Ataturk que decidiu que a religião não deveria ter voz no governo (MANGO, 1999).

O secularismo tem sido uma característica das reformas e do legado de Ataturk na Turquia. A resposta de Ataturk à perda da grandeza da Turquia foi torná-la completamente europeia à moda entre guerras. Por conseguinte, o fundador e primeiro presidente do país, que reinou por 15 anos, entre 1923-1938, usou todo o seu controle do estado para moldar a Turquia de cima para baixo e sua própria imagem secularista e europeia. Com certeza Atatürk não eliminou a religião. Melhor seria dizer que ele criou um sistema secularista que essencialmente controlava e até marginalizava cidadãos que se identificassem primeiramente por sua fé. Ataturk e seus seguidores, chamados de kemalistas por causa do segundo nome do líder turco, eram extremamente confiantes sobre o sistema que eles criaram (CAGAPTAY, 2016).

2. Recep Tayyip Erdogan

a) O Movimento Islã Político

Até o final dos anos 1960 não existia nenhum movimento de Islã político relevante na Turquia. Este emergiu pela primeira vez apenas nos anos 1970, conhecido como o Movimento Visão Nacional (MVN), fundado pelo Necmettin Erbakan e seus

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companheiros. Formalmente entraram na cena política com a formação do Partido da Ordem Nacional (Milli Nizam Partisi-MNP). Depois do golpe militar de 1971, o Tribunal Constitucional dissolveu o MNP sob a acusação de que o partido buscava “estabelecer um Estado teocrático” (YAVUZ, 2009, p. 49).

Posteriormente, Erbakan estabeleceu um novo partido, o Partido da Salvação Nacional (Milli Selamet Partisi-MSP), com a mesma liderança e ideologia política de seu antecessor. O golpe militar de 12 de setembro de 1980 baniu todos os partidos políticos e decretou a prisão de vários de seus líderes inclusive do partido MSP. Com a liberação de direitos de fundação de partidos, o MVN reemergiu na cena política com a fundação do Partido do Bem-Estar, em 1983. Após a anistia dada aos políticos banidos pelo golpe, Erbakan assumiu a liderança novamente.

Tabela 1: Quadro de partidos da visão nacional

Milli Görüş Hareketi Movimento Visão Nacional

LIDERANÇA PERÍODO RAZÃO DO

FECHAMENTO Milli Nizam Partisi (MNP)

Partido da Ordem Nacional

Necmettin Erbakan 1970-71 Determinação Judicial Milli Selamet Partisi (MSP)

Partido da Salvação Nacional

Necmettin Erbakan 1972-80 Determinação Judicial Refah Partisi (RP) Partido do Bem-Estar Ahmet Tekdal (1983-87) e Necmettin Erbakan (1987-97) 1983-1997 Determinação Judicial Fazilet Partisi (FP) Partido da Virtude

Recai Kutan 1997-2001 Determinação

Judicial Saadet Partisi (SP)

Partido da Felicidade

Recai Kutan 2001- Presente

Adalet ve Kalkinma Partisi (AKP)

Partido da Justiça e do Desenvolvimento

Recep T. Erdogan 2001- Presente

Fonte: Alencar, Aline de Oliveira. Islã Político e Mobilização social na República da Turquia: uma análise discursiva. Brasília, 2014

Nas eleições legislativas de 28 de junho de 1996, o Partido do Bem-Estar de Erbakan ganhou a maioria e formou um governo de coalizão. Pela primeira vez, desde a

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formação da Republica Turca, um líder, cuja filosofia política e identidade cultural declaradas baseava-se na religião islâmica, estava no poder.

Uma vez no poder, “o movimento islamista superestimou sua própria força e subestimou a disposição da oposição secularista a se opor ao movimento” (ELIGUR, 2010, p. 275). A atuação de Erbakan, em nível nacional, em vez de reduzir as tensões sociais, contribuiu para polarizar a sociedade em uma oposição islamistas versus secularistas. Na política interna, inflamou o establishment secular com várias iniciativas islamizantes, como o projeto de construir uma mesquita na Praça Taksim, famosa em termos de atividade artística e cultural e símbolo da ocidentalização. Na política externa, afastou-se da política pró-Ocidente que caracterizou todo o período republicano em direção a um maior engajamento com o mundo islâmico. Essas ações foram responsáveis pelo aumento da desconfiança e da oposição do segmento secular. Já em seu primeiro mês de governo, Erbakan tomou uma série de iniciativas, como a promoção de um grupo econômico islâmico (o D-8) e uma primeira visita como primeiro-ministro ao Irã, onde assinou um acordo de 23 bilhões de dólares em gás e petróleo (DAĞI, 2001, p. 22). Erbakan também recebeu representantes de grupos islamistas tradicionais da região, como o Hamas (da Palestina), a Irmandade Muçulmana (do Egito) e a Frente de Salvação Nacional (da Argélia). Erdoğan, então prefeito de Istambul, também teria feito afirmações polêmicas, tais como: “em nome de Deus, eu sou pela sharia”; “ninguém pode ser um secularista e um muçulmano ao mesmo tempo”; e “para nós, a democracia é um meio, não um fim” (YAVUZ, 2009, p. 3). Essas declarações também se revelaram incongruentes com a defesa da democracia propagada pelo partido durante o período eleitoral.

Entretanto, o período no poder teve curta duração. Em 28 de junho de 1997, Erbakan foi forçado a renunciar, no episódio que ficou conhecido na literatura como “soft coup” ou “post-modern coup” (ELIGUR, 2010, p. 220; YAVUZ, 2009, p. 64). O novo governo, liderado pelo partido de centro-direita e secularista Partido da Pátria (ANAP), mostrou rapidamente a determinação de implementar as recomendações do Conselho de Segurança.

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O RP foi dissolvido pelo Tribunal Constitucional sob a acusação de “atividades contra laicismo” e, em janeiro de 1998, Erbakan, líder do partido, foi banido da política por cinco anos. Logo em seguida, o então prefeito de Istambul, Erdogan, foi preso por recitar um poema que supostamente “incitava a divisão entre pessoas por diferenças religiosas”, perdendo seu mandato (YAVUZ, 2009, p. 67).

O poema que Erdogan recitou em 1997 e o levou a ficar preso por 10 meses, dizia:

As mesquitas são as nossas casernas/ As cúpulas os nossos elmos/ Os minaretes nossas baionetas/ E os fiéis os nossos soldados. Ziya Gokalp.

Todo o processo de “des-islamização” da sociedade, que incluiu a deposição de Erbakan, o banimento do partido e uma campanha total contra as forças sociais religiosas, ficou conhecido como “processo de 28 de fevereiro” (YAVUZ, 2009, p. 6567; YAVUZ, 2003, p. 251; DAĞI de 2001, p. 24). Este foi um importante ponto de inflexão na história da República turca, pois marcou o abandono da ideia de que a religião poderia ser usada para estabilizar a sociedade. A partir de então, os militares empreenderam uma forte campanha contra a ideologia islamista, que, juntamente com o separatismo curdo, foram retratados como as principais ameaças à segurança do país (YAVUZ, 2009, p. 65).

O Processo de 28 de fevereiro teve importante impacto na orientação do movimento islamista a partir de então. Com a perseguição sofrida, muitos islamistas concluíram que a única forma de garantir sua sobrevivência seria evitar a confrontação direta com os secularistas.

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b) Surgimento do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP)

O fechamento do quarto partido da Visão Nacional, desde 1970, levou ao interior do movimento, e à sua cisão, em 2001, dando origem a dois partidos políticos com ideologias diferentes. Os tradicionalistas estabeleceram o Partido da Felicidade (Saadet Partisi - SP), sob a liderança formal de Recai Kutan, mas com Erbakan exercendo a liderança real. A velha geração do movimento em torno de Erbakan continuou a defender as ideias históricas do MVN, como antiocidentalíssimo, oposição à entrada na União Europeia, defesa do reforço dos laços com os países islâmicos, relutância em fazer concessões ao establishment secular e o objetivo de fundar uma “nova civilização”, baseada em valores islâmicos tradicionais (ELIGUR, 2010, p. 244). A outra ala do partido, constituída pelo setor mais jovem e reformista do FP, formou, em agosto de 2001, o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (Adalet ve Kalkınma Partisi - AKP), liderado por Recep Tayyip Erdogan, Abdullah Gül, Bulent Arinç.

A liderança do AKP buscou uma plataforma híbrida, que conjugasse as aspirações do eleitorado islâmico e conservador e mitigasse a desconfiança do establishment kemalista. Nesse intuito, o partido passou a definir-se como um movimento “democrata-conservador” sem inclinação religiosa (DAĞI, 2002, p. 26). Sua performance eleitoral nas eleições de 3 de novembro 2002, apenas um ano da sua criação, confirmou o sucesso dessa estratégia, pois o partido dominou as eleições com 34,28% dos votos (formando sozinho o bloco majoritário, com 363 dos 550 assentos parlamentares), enquanto o Partido da Felicidade (SP), que assumiu a retórica tradicional da Visão Nacional, teve o desempenho marginal de 2,5% dos votos, sem ganhar nenhum assento na Assembleia Nacional (ALENCAR, 2015).

O Partido da Justiça e do Desenvolvimento foi o mais bem-sucedido dos partidos islamistas turcos, conseguindo uma votação sem precedentes na sua primeira eleição e mantendo-se no poder até os dias de hoje. Veja a tabela 2 sobre resultado das últimas cinco eleições do AKP.

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Tabela 2: Relação dos votos, percentagem, deputados do AKP13

Data Votos % Deputados Partido Status

2002 10 808 229 34,30% 363 / 550 AKP Governo 2007 16 327 291 46,60% 341 / 550 AKP Governo 2011 21 399 082 49,80% 327 / 550 AKP Governo Jun./15 18 867 411 40,90% 258 / 550 AKP Governo Nov./15 22 947 478 49,50% 317 / 550 AKP Governo

Fonte: Wikipedia.14

No período de 2002 a 2011, a agenda do Partido da Justiça e do Desenvolvimento representou a continuidade e o aprofundamento da tendência do FP de abandonar uma retórica islâmica radical e adotar um discurso político liberal, com ênfase nos valores ocidentais de democracia, direitos humanos e livre-mercado. Seus membros têm persistentemente rejeitado o rótulo de “islamistas”, autoproclamando-se um equivalente islâmico aos partidos cristão-democráticos da Europa Ocidental (YILMAZ, 2011, p. 268; RABASA; LARRABEE, 2008, p. 46; YAVUZ, 2009, p. 89).

A adoção de uma linguagem política liberal, com ênfase na democratização, na liberdade religiosa e de pensamento e no direito de ser tratado igual perante o Estado, também foi uma das razões para os eleitores votarem no AKP (ELIGUR, 2010, p. 248; DAĞI, 2006, p. 9; YAVUZ, 2009, p. 4). Entre os que votaram por essa razão, destaca-se o eleitorado religioso desejoso de maior liberdade de expressão e o eleitorado curdo.

O eleitorado religioso esperava que o partido resolvesse questões controversas simbólicas, como a proibição de usar o véu em instituições públicas e a questão das escolas imam-hatip (religiosas) (RABASA; LARRABEE, 2008, p. 61). Conforme Rabasa e Larrabee (2008, p. 61), para o eleitor do AKP usar o véu é uma questão de escolha pessoal, e restrições ao seu uso são consideradas violações de direitos humanos. Uma vez que a democracia liberal é mais receptiva à liberdade religiosa do que o secularismo kemalista, esses eleitores votaram no AKP pela expectativa de uma maior democratização da sociedade. Existia, ademais, a expectativa de que a entrada na União

13 Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Partido_da_justiça_e_Desenvolvimento_(Turquia)>.

Acesso em: 15 set. 2017.

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Europeia, defendida pelo partido, iria fortalecer a democracia liberal e a observância dos direitos humanos no país.

A opinião pública turca tem sido fortemente a favor da adesão à União Europeia, por causa dos benefícios materiais esperados e da perspectiva de maior democratização interna (YAVUZ, 2003, p. 255; DAĞI, 2006, p. 5). Relatórios da União críticos à política interna turca informavam a população da existência de um “governo dual” que bloqueava o caminho do país a uma democracia de fato. O apoio popular esmagador à adesão ao bloco europeu ao longo dos anos 1990, mesmo entre grupos islâmicos radicais, vinha da percepção de que este proveria um mecanismo eficiente de pressão na direção de reformas (YAVUZ, 2003, p. 255-256).

A orientação do movimento islamista em direção à Europa contribuiu para a reconfiguração da política turca. Uma vez que o Ocidente se tornou um aliado tácito do AKP, antigos partidos secularistas pró-Ocidente passaram a assumir uma postura de oposição. O CHP, por exemplo, moveu-se progressivamente para uma posição nacionalista e adotou uma postura de ambiguidade com relação ao Ocidente, vendo alguns aspectos de sua influência como uma ameaça ao Estado turco e ao kemalismo. Nesse cenário, a bandeira da adesão ao bloco europeu ficou largamente associada ao AKP (RABASA; LARRABEE, 2008, p. 49-52). De acordo com pesquisas de opinião conduzidas em julho de 2004, 79% dos eleitores do partido eram a favor da adesão à União Europeia, acima da média nacional de 73% (DAĞI, 2006, p. 5).

Veio a Primavera Árabe, em 2011, e Erdogan rompeu com os ditadores e passou a se promover como o campeão da liberdade no mundo muçulmano, apoiando grupos extremistas na Síria. Passou a construir suntuosos palácios e mesquitas, ao estilo otomano, e a dirigir-se, em seus pronunciamentos à nação, não mais ao povo turco, mas à Umma, a comunidade muçulmana mundial. Confiante, Erdogan começou a mudar as leis, restringindo o consumo de bebidas alcoólicas e permitindo o uso do véu em repartições públicas. Foi aí que ele começou a enfrentar resistências mais visíveis (SANT’ANNA, 2016)15.

15 Disponível em: <http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,silenciando-criticas,10000065991>.

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Durante a Primavera árabe, que precedeu a revolta de Gezi, as contradições internas do AKP ainda não haviam surgido, e pareceu a muitos comentaristas e tomadores de decisão, que o "modelo turco" do AKP poderia ser exportado para países como Tunísia, Egito, ou o Irã (TUGRUL, 2016).

Qualquer que tenha sido a reputação do modelo turco, em 2013, foi por água abaixo em meados do verão do mesmo ano. Os protestos do Parque Gezi, em maio, os quais iniciaram-se como uma reação ambientalista contra as crescentes construções destrutivas do AKP, tornaram-se a revolta de Gezi ao final de agosto de 2013. Os protestos logo atraíram grandes segmentos de pessoas que estavam descontentes com diversos aspectos do governo AKP desde 2002 (TUGRUL, 2016).

Em dezembro de 2014, eclodiu um escândalo de corrupção, no qual Erdogan foi acusado de desviar bilhões de dólares em um esquema de triangulação da venda do petróleo iraniano, que estava sob embargo americano e europeu.

Erdogan mudou a lei, para submeter a nomeação de juízes e promotores ao Ministério da Justiça, e obteve a prisão dos magistrados que o investigavam. Grampos telefônicos publicados no Twitter, em fevereiro, comprometiam o primeiro-ministro e seu círculo. Em um deles, Erdogan instruía seu filho a esconder o dinheiro guardado em casa, ao saber de um mandado de busca e apreensão, em dezembro. O primeiro-ministro, então, baniu o Twitter na Turquia e passou a acusar de conspiração o movimento Hizmet (SANT’ANNA, 2016).

Erdogan e seu movimento evocam tanto o fascínio quanto o medo. Concentrou o poder sem precedentes, o estado de direito erodido, envolvido em crises internacionais, promoveu um crescimento insustentável e destrutivo do meio ambiente, impulsionado pela construção, espaço público islamizado e prejudicou um secularismo já problemático na Turquia (TUGAL, 2016).

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c) A Liderança

Conforme a biografia de Erdogan, sua carreira política começa em 1976, como líder dos jovens do partido MSP. Após o fechamento de todos partidos, ele volta à política, em 1983, no partido da mesma legenda RP. Candidata-se como deputado em 1986 e, em 1991, como prefeito do distrito de Beyoglu de Istambul, mas não conseguiu se eleger em nenhuma das eleições. Em 1994, ele é eleito como prefeito de Istambul.

Seguindo as lições de processo de 28 de fevereiro, Erdogan voltou à política, tentado se afastar da imagem de islamista linha-dura do passado e queria posar como um conservador pró-Ocidente.

Como o fundador do partido AKP, em 2001, nas eleições de 2002, 2007, 2011 ele foi presidente do partido e primeiro ministro do governo AKP. Em 2014, ele foi eleito como presidente. Conforme a antiga Constituição do Estado turco, o presidente deve ser neutro e não pode se afiliar em nenhum partido. Mas ele negou isso publicamente, participou nos comícios do AKP, pediu voto para alterar o sistema parlamentar turco para o sistema presidencial. Esse período foi chamado de Putinização da Turquia na imprensa16. Esse período também foi encarado no referendo ocorrido em abril de 2017, alterando o sistema político turco, de parlamentarismo para presidencialismo. No dia 02 de maio de 2017 ele voltou a ser membro e presidente do partido AKP novamente.

Erdogan, o fundador do AKP, em várias ocasiões, afirmou que este era um partido de centro-direita, alegadamente herdeiro do legado de Menderes e Özal (YILDIZ, 2008, p. 42; YAVUZ, 2009, p. 90). O político descrevia-se como um homem “do caminho do meio” e afirmava que o AKP trabalharia como uma ponte entre uma Turquia tradicional e moderna (MECHAM, 2004, p. 351).

A crise econômica e a insatisfação generalizada com os partidos no poder encorajaram muito eleitores a votar no AKP (RABASA; LARRABEE, 2008, p. 48; YAVUZ, 2009, p. 79; YAVUZ, 2003, p. 259; ELIGUR, 2010, p. 245). Muitos o viam

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