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TRÁFICO INTERNO, ESCRAVIDÃO E RESISTÊNCIA NAS PÁGINAS DO JORNAL PEDRO II. CEARÁ

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Academic year: 2021

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TRÁFICO INTERNO, ESCRAVIDÃO E RESISTÊNCIA NAS PÁGINAS DO JORNAL PEDRO II. CEARÁ. 1850-1876

Syrlyane de Castro Queirós Pelúcio1, Edson Holanda Lima Barboza2.

Resumo:O trabalho apresenta um mapeamento do tráfico interprovincial de escravizados e diversas formas de resistências ao cativeiro na Província do Ceará. O comércio interno foi intensificado com proibição do tráfico transatlântico, após 1850, e durou até o início da década de 1880. Contudo, as abordagens da história local costumam analisar, principalmente, o período da grande seca de 1877-1880 seguido pelo surgimento dos movimentos abolicionistas, pouca atenção tem sido dedicada ao contexto anterior, desprezando o papel da escravidão localmente e os esforços de comerciantes e proprietários de manter a sociedade escravista. Problematizar o tema nas décadas de 1850 a 1870 permitirá compreender melhor as intenções e projetos das elites cearenses em um momento anterior ao fortalecimento das lutas abolicionistas. Por meio de investigações realizadas no jornal Pedro II e da abordagem proposta pela História Social da escravidão, procura observar a força da escravidão e da resistência contra o cativeiro, destacando práticas sociais de sujeitos envolvidos no processo. Anúncios, notas policiais e outras fontes indicam diversas formas de opressão impostas por comerciantes, autoridades e proprietários contra cativos, além de múltiplas formas de resistências cotidianas através das práticas de pequenos crimes, fugas e outras artimanhas produzidas por escravizados nas lutas em busca da conquista da liberdade.

Palavras-chave: tráfico interno, escravidão, resistência.

INTRODUÇÃO

O tráfico atlântico era a condução de negros africanos na condição de cativos para as colônias dos países europeus durante o período colonial. No Brasil a escravidão passou a ser utilizada para a produção de açúcar, na qual os portugueses transportavam os negros nativos da África para serem utilizados nessa mão-de-obra nos engenhos do Nordeste. Os africanos capturados pelos portugueses quando aqui chegavam eram vendidos por um algum valor, como se fossem uma mercadoria. Nas fazendas açucareiras os escravos trabalhavam de sol a sol e os castigos eram frequentes, sendo o chicote a punição mais utilizada no interior das fazendas, mas, apesar das proibições, os negros resistiam a certas imposições postas pelos seus senhores. Em 1850 a Lei Eusébio de Queiroz foi aprovada dando fim ao comércio negreiro, em 28 de setembro de 1871 foi consentida a Lei do Ventre Livre, concedendo liberdade aos filhos de escravos que nascessem a partir daquele instante e finalmente, em de 1885, foi proclamada a Lei dos Sexagenários, visando liberdade aos escravos com mais de 60 anos.

Neste contexto de declínio da escravidão, o Ceará foi uma das províncias fornecedoras do tráfico interprovincial de negros escravizados, negociados nos portos do Norte, em direção as áreas produtoras de café no Sul do Império do Brasil. Após o fim do

1 Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, Instituto de Humanidades e

Letras, syrlyanequeiros@hotmail.com

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Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, Instituto de Humanidades e Letras, edsonholanda@unilab.edu.br

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tráfico transatlântico, em 1850, intensificou-se ainda mais o comércio interno e a resistência escrava em todo Império. Por meio de investigações realizadas no jornal Pedro II e da abordagem proposta pela História Social, procura observar a força da escravidão e da resistência contra o cativeiro, destacando práticas sociais de sujeitos envolvidos no processo. Anúncios, notas policiais e outras notícias que indicam diversas formas de opressão impostas por comerciantes, autoridades e proprietários contra cativos, além de múltiplas formas de resistências cotidianas através das práticas de pequenos crimes, fugas e outras artimanhas produzidas por escravizados nas lutas em busca da conquista da liberdade. A realização do mapeamento das origens, destinos e aspectos da violência contra os escravizados inseridos no contexto do tráfico interno demonstra as diversas formas de resistência.

Em 1850 as vendas do tráfico interprovincial cresceram em virtude da publicação da Lei Euzébio de Queiroz que determinava o fim do tráfico atlântico e com a expansão do café no Sul, houve a necessidade de braços para essa cultura, fazendo os cafeicultores comprarem mais e mais cativos, em especial os do Ceará, aumentando, assim, o tráfico interno. Com a alta demanda de cativos para o sudeste, o preço do negro foi elevado de forma significativa tornando um negócio lucrativo, ainda mais em período de seca como a de 1877.

METODOLOGIA

O trabalho aqui apresentado compreende o período entre 1850 e 1876 justamente por estar após o fim do tráfico atlântico e antes da grande seca de 1877, considerando que muitos pesquisadores não enfatizam a importância desse momento. Na segunda metade do século XIX, além do tráfico interno, outros fatores contribuíram para a consolidação da Província do Ceará como lugar de fornecimento de escravizados, entre os quais destacamos o problema das secas. Contudo, durante os trabalhos de pesquisas feitos nos Relatórios de Presidente de província, fica identificado que diferente do que aponta a historiografia, antes da grande seca de 1877, a última seca não havia ocorrido somente em 1845. Na documentação pesquisada, há registros de que na década de 1850 a seca açoitava a Província do Ceará fazendo flagelados morrerem em consequência da mesma. Em geral, a marca para a discursão que se coloca para o tráfico interno é a suspensão do tráfico atlântico em 1850, considerado como uma característica específica para esse momento, além dela, temos a incidência de secas após a de 1845, fato esse que não é registrado na própria historiografia.

Ao analisar a presença africana e afro-brasileira no Ceará é necessário levar em consideração vários fatores que caracterizam a opressão da escravidão após o tráfico interprovincial em 1850. A partir do jornal Pedro II, Relatórios de Presidentes de Província e fontes coletadas no Arquivo Público do Estado do Ceará, pode-se perceber uma presença forte de negros sendo comercializados como mercadorias para fora da província como fonte de renda para senhores chefes de fazendas “não sendo este considerado criatura, mas coisa” (CAMPOS, 1984. p. 30), embora a “coisificação” de subjetividade seja questionada através das ações de resistência dos próprios escravizados. Dai, a quantidade enorme e acelerada de anúncios de compra e venda de cativos, fazendo comerciantes se dedicarem especialmente a essa prática.

Ainda por meio das pesquisas feitas no jornal Pedro II, podemos ver a quantidade de anúncios de compra, venda e aluguel de escravizados feitos por seus senhores a fim de obterem maior renda. Assim, quando algum procedimento era feito sem o consentimento ou conhecimento do escravizado, este optava pela fuga para se livrar de seus novos donos.

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Entre os comerciantes que alugavam, vendiam e compravam os cativos encontramos os que mais se destacavam como em suas atividades: Atº de Mello Falcão; Salgado e Souza; Fº Coelho da Fonseca; Manoel de Moura Rolim; Luiz R. Cunha & Sobrinho, João Correia Martins, entre outros que alugavam cativos para os mais variados serviços que iam de ama de leite, cozinheira, engomadeira, lavadeira, pedreiro, até picador de fumos e vendedor de velas. Em geral, o local para negociação de aluguel era a tipografia do jornal, onde os interessados encontravam nomes de negociantes. Havia ainda a casa de José Barateiro, João Antônio Capote, Manoel Antônio Rocha Junior, Salgado & Irmão, Jacob Cahn, entre outros que também se destacavam como negociantes de escravizados.

As características ou habilidades que mais interessavam aos negociantes para compra e venda eram os mais moços; sem maus costumes; de bonita figura; com documentação; que sabiam cozinhar, lavar, engomar, cozer; que fossem robustos; fieis e sem

víciose alguns próprios para o exército e armada para, possivelmente, serem enviados para a

Guerra do Paraguai.

Frente a uma considerável quantidade de abusos sofridos por cativos, muitos deles atentavam contra a própria vida por não suportar a dureza do trabalho ou a perda dos laços afetivos e culturais de sua terra natal ou com seu parentesco. Nesse mesmo tipo de ação de resistência, algumas escravas grávidas buscavam o preparo de chás a fim de abortarem seus filhos para que estes não sofressem no cativeiro. Além disso, podemos destacar que as emboscadas para assassinar seus senhores também integrava esse espaço de ações contra a escravidão, visto que vários senhores foram assassinados por mãos de seus escravizados.

Eurípedes Funes relata em sua obra que “os escravos, mesmo sujeitos a uma série de limitações impostas pelo sistema escravista, buscavam a construção de determinados espaços que lhes permitissem conquistar momentos de autonomia, direito e liberdade” (FUNES, 2000. p.117), ou seja, procuravam diversas formas de resistirem ao cativeiro ou mesmo a troca dele.

Em algumas situações, os cativos recorriam a métodos extremos como, por exemplo, o suicídio feito por uma escravizada e moradora no termo de Patos, que atentou contra a própria vida para não passar a herdeiros (Pedro II, Ed. 200, 02/09/1862). Em outro polo, havia a pressão para que homens livres não acolhessem cativos em fuga, para não correr o risco de pagar uma multa ao proprietário como forma de punição para tal procedimento.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nos anúncios de fuga ou desaparecimento de algum escravizado, percebe-se “que os escravizados não desejavam ser separados dos grupos constituídos na província do Ceará” (SOBRINHO, 2005.p 37). Os reclamantes apresentavam descrições dos cativos em fuga, tais como: cor, nome, idade, marcas de castigos, tipos de cabelos, com que roupa haviam fugido, a quem pertencia, além de se oferecer recompensa para quem o prendesse e devolvesse ao seu dono. Essas informações eram precisas por conter características únicas em cada escravizado foragido de seu senhor. Percebe-se também nessas fugas um caminho trilhado para onde os escravizados seguiam em procura de abrigo para que pudessem se sentir seguros. Alguns tinham o intuito de procurarem seus antigos donos, devido terem familiares próximos nos mais diversos lugares desta província. Observou-se ainda, uma diversidade de rotas para as fugas desses cativos, nas quais eram, em sua maioria, dentro da província e poucos relatos tanto para fora quanto adentrando o Ceará, como no caso do negro Joaquim de 27 anos que

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saiu de Pernambuco com destino a Cascavel-CE e do negro Antero de 28 anos que saiu da Capital/Fortaleza para Paraíba, entre tantos outros que fizeram rotas entre Ipu e a capital; Quixeramobim a Baturité; Messejana a Inhamuns; Uruburetama a Fortaleza e da própria capital para Baturité a procura de familiares que residiam naqueles lugares.

Figura 1 - Anúncio de fuga

Imagem do jornal Pedro II de 18/06/1874, Ed. 50.

Em relação aos casos em que escravizados realizavam ações diretas ou violentas, destacamos alguns casos como o do assassinato do genro e do Sr. Lannes por escravizados com golpes de foices e enxadas (PEDRO II. Ed. 1215. 05/03/1853); o assassinato do sacristão da pequena igreja que fora morto com 5 facadas por um cabra escravizado e que fazia pouco dias que tinha saído da casa de detenção (PEDRO II. Ed. 91. 25/04/1862); o de um “preto” que foi preso por suposto assassinato da consorte do Sr. João Pereira Macile, ao que parece que a viúva foi mandante do crime, pois uma criada dessa mulher, a parda Firmina declarou que alguma vez ouvira a ama ressentir-se do casamento e que o negro Venâncio, o preso, ia ultimamente com frequência conferenciar com aquela (PEDRO II. Ed 91. 25/04/1865) e o “assassinato do subdelegado de São Mateus por dois escravizados os quais com sua Sra., igualmente suspeita de haver tomado parte nesse atentado, acham-se presos e processados” (PRESIDENTE DE PROVÍNCIA. 1859). Estes são alguns dos casos que representam ato de resistências contra seus senhores. Vê-se também que a escravidão, é muitas vezes incentivo para o crime, pois “o escravizado naturalmente indolente inimigo do trabalho vê na pena de galês uma carta de liberdade e procura alcança-lo” (PEDRO II. Ed. 84. 13/04/1861), indicando que em alguns casos a prisão poderia ser uma opção para fuga do cativeiro.

CONCLUSÕES

Na época em estudo, o Ceará, era considerado atrasado na sua agricultura em relação as grandes províncias do Império, a baixa demanda da lavoura local justificava o

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envio de cativos ao mercado do Rio de Janeiro e outras regiões onde carecia de mão-de-obra. A mão de obra escravizada foi cedida também para trabalhar na agricultura (algodão) Maranhão. O tráfico acabou gerando discurso sobre a “falta de braços” no Ceará e como alternativa, o periódico conservador recomendava a “possibilidade de substituir na lavoura braços escravizados por livres, desvanecendo muito a lavoura pela extinção do tráfico” (PEDRO II. Ed. 1131. 12/06/1852).

Ao analisar as fontes, fica percebido uma grande quantidade de anúncios a respeito de assassinatos praticados por escravizados, seja a mando de seus senhores seja pela resistência contra os maus tratos que eram-lhes acometidos. Desconhece-se o motivo de vários crimes feitos por cativos, pois os anúncios não trazem, em sua grande maioria, detalhes de cada um citado, mas que a partir de algumas características pode se ter uma ideia de como ocorreu alguns desses embates entre cativos, proprietários e autoridades.

AGRADECIMENTOS

À Universidade por ter apoiado de forma significativa a pesquisa, desde o seu deferimento até o custo financeiro ao longo deste período e ao orientador que doou o máximo de si para que esta saísse dentro dos resultados desejados, além do incentivo que recebi o qual me proporcionou, de modo satisfatório, um crescimento acadêmico voltado para a prática de pesquisa.

REFERÊNCIAS

CAMPOS, Eduardo. Revelações da condição de vida dos cativos do Ceará. Fortaleza: SECULT, 1984.

FUNES, Eurípedes. Negros no Ceará. In: SOUZA, Simone (Org.) Uma nova história do

Ceará. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2000. pp. 103-132.

GRAHAM, Richard. Nos tumbeiros outra vez? O comércio interprovincial de escravos no Brasil. In: Afro-Ásia, Salvador, n. 27, pp.121-160, 2002.

SOBRINHO FERREIRA, José Hilário. “Catirina minha nega, teu sinhô ta te querendo

vende, Pero Rio de Janeiro, Pero, nunca mais ti vê, Amaru Marimbá”: O Ceará no tráfico

interprovincial. 1850-1881. Dissertação de Mestrado em História Social – PPGH, UFC. Fortaleza, 2005. 172f.

FONTES

Jornal Pedro II acessado de setembro de 2015 a agosto de 2016 em: http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx

Relatórios de Presidentes de Província acessado de setembro de 2015 a agosto de 2016 em:

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