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Lucas Amaral de Oliveira (Graduando UEL/Londrina-PR)

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Academic year: 2021

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II Colóquio da Pós-Graduação em Letras UNESP – Campus de Assis

ISSN: 2178-3683 www.assis.unesp.br/coloquioletras coloquiletras@yahoo.com.br 137 S SEEQQUUEESSTTOOÈÈUUNNUUOOMMOO:: P PRRIIMMOOLLEEVVIIEEOOSSPPAARRAADDOOXXOOSSDDAAMMOODDEERRNNIIDDAADDEE

Lucas Amaral de Oliveira (Graduando – UEL/Londrina-PR)

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REESSUUMMO:O: Acreditamos que quanto mais densamente adentramos os fatos sociais históricos,

particulares e reais, a fim de descobrir a estrutura do passado e suas implicações e contradições no presente, mais as respostas às nossas inquietações gerais tendem a emergir. Em vista disso, e partindo da obra do escritor italiano Primo Levi (1919-1987), judeu, químico e intelectual marcado pela lancinante experiência de Auschwitz, procuramos compreender, dialeticamente, a história da desumanização e degradação da vida que marcou o século XX, buscando investigar as semelhanças entre os espaços de exceção nazistas e os da atualidade, assim como a política que retira do imigrante ilegal, nos dias de hoje, sua condição de sujeito, transformando-o em non-persone.

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PAALLAAVVRRAASS--CCHHAAVVEE:: primo Levi; modernidade; holocausto.

De fato, o século XX foi tragicamente marcado pelo fenômeno da violência extrema. Em especial, a edificação de espaços de exceção e de desumanização sistemática do outro, foram paradigmáticos para a modernidade, pois instauraram uma nova política de exclusão e formas mais eficazes de controle social. Em meio a tais fenômenos, sobretudo às barbáries sobrevindas durante o Holocausto,1 ganharam bastante destaque, desde o fim da Segunda Guerra, alguns estudos voltados para a chamada “literatura de testemunho”, especialmente aqueles que adotaram como problema de investigação científica as experiências limítrofes de indivíduos que foram vítimas dos horrores dos campos de concentração, nazistas ou stalinistas, e que sofreram, por isso, as consequências do lado mais sombrio da modernidade. O escritor italiano Primo Levi (1919-1987), judeu, químico e intelectual marcado pela lancinante experiência de prisioneiro de Auschwitz-Monowitz,2 seguramente, foi um dos maiores expoentes deste estilo literário e, com efeito, também um dos autores

1 Embora o termo Holocausto não seja o favorito entre os teóricos contemporâneos, que preferem usar

Shoah (“desastre” ou “catástrofe”, em hebraico), optamos por usá-lo por ser, hoje, de uso mais corrente e já bastante consagrado.

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O sistema de campos de concentração de Auschwitz era formado por outros subcampos. Monowitz-Buna, ou Auschwitz III, era um dos três grandes campos deste grande complexo concentracionário e industrial de morte que fora Auschwitz; Auschwitz III foi o local onde Primo Levi ficou confinado por mais de um ano.

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mais referidos em tais estudos – tanto que o próprio Hobsbawm (1995), na Era dos Extremos, quando cita algumas personalidades e suas respectivas visões acerca do “breve século XX”, assinala as reflexões de Levi, que, para o historiador marxista, conseguiu pensar, com destreza, alguns elementos ímpares da violência ocorrida no desenrolar do século passado.

Em vista disso, pretendemos investigar, nesta pesquisa, a partir da obra de Primo Levi, os processos políticos surgidos na modernidade que tornaram possíveis os campos de extermínio nazistas, assim como sua permanência no decorrer do século XX e início do XXI. E já que as tensões de seu tempo não são indiferentes ao nosso, faremos uso da memória de Levi, ativada mediante uma narrativa ética, para melhor apreender o sentido da modernidade e de suas potencialidades ratificadamente destrutivas, que se materializaram no século passado – e que, infelizmente, continuam a se solidificar cada vez mais nitidamente neste – nas formas do totalitarismo e do racismo, das deportações e das humilhações, dos campos de extermínio em massa e dos genocídios étnicos, da xenofobia e da intolerância com o outro.

Primo Levi fez de sua própria vida uma reflexão contínua sobre muitos dos eventos mais paradigmáticos do século passado, especialmente os campos de extermínio, espaços nos quais foi realizada a total desumanização do outro. Sua narrativa ampliou nossa visão acerca dos problemas políticos e históricos da modernidade, assim como revelou a plasticidade do comportamento humano mediante situações de extrema degradação, recusando, desta forma, qualquer visão maniqueísta do mundo e dos homens. Além do mais, muitas das representações adotadas na narrativa de Levi anunciam, com uma voz altíssona, estratégias que, por meio de um processo de rememoração e testemunho, conseguem cumprir uma dupla função na história do pensamento ocidental: garantir a manutenção de uma individualidade que se pode dizer genérica, a de judeu sobrevivente dos campos; e a sobrevivência da própria história enquanto lembrança, através de uma memória que se pode dizer coletiva.3

No entanto, Levi não se sentia um escritor de fato, “torna-se escritor unicamente para testemunhar” (AGAMBEN, 2008, p.26) a desumanização consumada no Lager.4 Para ele, tal desumanização, que fez com que a dignidade perdesse o

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No sentido originalmente usado Por Maurice Halbwachs, morto no campo de Buchenwald, em 1945. Sobre o conceito de “memória coletiva” e suas especificidades, ver: Halbwachs (2004) e Pollak (1989).

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Lager são os campos de concentração e extermínio em massa nazistas, dentre os quais Auschwitz é o modelo mais paradigmático. De acordo com a precisa definição de nosso escritor italiano, os Lager eram

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sentido, começou no início de 1944, quando deportado para Auschwitz, depois de passar pelo campo de concentração italiano de Carpi-Fòssoli. Sabia que encontraria no Lager um mundo terrível, mas esperava, ao menos, alguma “lógica” a ser respeitada por lá. Engano seu. Ele vai nos salientar acerca da inversão de alguns conceitos básicos da racionalidade moderna: questões relativas ao roubo, troca, punições, noções de bem e mal, certo e errado. Com isso, Levi (2005, p.354) nos convida para que julguemos o quanto de nosso mundo moral, comum e interiorizado, poderia subsistir aquém dos arames farpados, já que para sobreviver aos campos “era preciso arranjar comida ilegal, evitar o trabalho, buscar amigos influentes, esconder-se, esconder os próprios pensamentos, roubar, mentir, [...] os que não faziam assim morriam logo”. Desta forma, sua literatura incita um questionamento decisivo dos valores mais básicos inscritos no discurso moderno, assim como também assevera a necessidade de rememorarmos o passado, e as presumíveis “verdades” que ele suporta, para que façamos, então, uma autocrítica do presente. Para isso, Levi (2004, p.92) vai nos informar que o projeto do nacional-socialismo, funcionava com uma racionalidade moderna bem peculiar e uma lógica insolente: “o impulso para o Leste [...], o sufocamento do movimento operário, a hegemonia sobre a Europa continental, a aniquilação do bolchevismo e do judaísmo [...], a apoteose da raça germânica”.

Podemos presumir, então, que o Holocausto, afora pareça ser a revelação de um movimento “patológico” da modernidade, foi, antes de tudo, uma manifestação clara desta mesma modernidade; a razão instrumental foi condição necessária, indispensável para que viessem à tona todos os paradoxos, outrora obnubilados, do mundo moderno. Arendt (1989) foi quem primeiro sublinhou a singularidade do Holocausto, dizendo que a exterminação de pessoas em “usinas de morte” constituía uma violência tipicamente moderna. A modernidade, destarte, se não explica, por si só, o racismo, o anti-semitismo, o totalitarismo e os campos de extermínio, é a condição sine qua non desses eventos tão paradigmáticos para o século XX, dos quais Levi foi notável porta voz.

Assim sendo, podemos dizer que o que nos motivou a erigir a “literatura de testemunho” de Primo Levi como fonte delatora dos horrores do século XX, materializados, sobretudo, nos Lager, coincide com as justificativas deste projeto, que se resumem em quatro pontos estruturantes: 1) a necessidade de se estudar a obra de Levi para se pensar os Lager não como subprodutos de um desenvolvimento grandes “centros de terror político”, que funcionavam como infalíveis “fábricas da morte” e, ainda, como um “ilimitado reservatório de mão-de-obra escrava sempre renovada” (LEVI, 2004b, p.11).

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antitético da modernidade, nem tampouco como provas de que o projeto político do Ocidente continua ainda inacabado – como acreditam Balibar (2004) e Habermas (1990), respectivamente –, mas como paradigmas biopolíticos da modernidade – ou como nómos do mundo moderno, segundo a equação de Agamben (2002) –, que só se tornaram possíveis mediante o uso descomedido de saberes nascidos com o advento da era moderna; 2) o fato de que sua narrativa ética5 procura compreender os fenômenos modernos, sobretudo as experiências do Lager, o que a torna uma espécie de memória coletiva – um particular com peso de universal – e um dispositivo mediador elementar na reconstrução identitária da categoria do sobrevivente, utilizando, como base histórica, um evento-limite vivido por muitos que não conseguiram sobreviver aos campos e se afogaram, isto é, não tiveram voz, nem memória, nem passado; 3) uma vez que a égide do esquecimento, a destruição do passado e “dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à experiência das gerações passadas” (HOBSBAWM, 1995, p.12-13) são fenômenos que caracterizam o final do século XX, faz-se urgente o imperativo de se afirmar a memória dos sobreviventes dos campos, da violência e dos massacres, das desumanidades e da destruição do homem, ainda mais quando se tem em vista as correntes contemporâneas de revisionismo, que minimizam tais experiências-limites; 4) enfim, a atualidade da questão problematizada por Levi: que os campos, como formas de supressão da humanidade do outro, de transformação metódica do homem no não-homem, mais do que um risco da nossa condição moderna, são realidades ainda bastante atuais, haja vista os espaços de exceções de hoje, os “campos de permanência temporária” e os “centros de identificação e expulsão”, em países da “Fortaleza Europa”, América do Norte e Oriente Médio.

Evidentemente, a despeito dos avanços na implementação dos direitos humanos depois da Segunda Guerra, a dignidade humana de alguns estigmatizados – as novas figuras de homo sacer – continua sendo constantemente violada, o que nos leva a crer que a democracia liberal não está totalmente imunizada contra os males que acossaram o século passado. Com efeito, mediante o atual cenário político, junto às políticas que recriam os campos de concentração, a atualidade das questões assinaladas por Levi adquire um caráter de urgência, pois impõe a necessidade de uma efetiva reelaboração do passado unida a uma autocrítica do presente. Logo, seu

5 Narrativa histórica e ética porque Primo Levi sentia que o ato de escrever era um dever para com a

história, um imperativo moral, e porque sua “literatura de testemunho” representa, ainda hoje, um ponto de vista crítico-analítico sobre o fenômeno nazista. Isso nos faz lembrar a lição de Bataille (1989, p.9), que dizia que a literatura impõe uma lealdade e uma moral rigorosa, pois não é inocente: “a literatura é o essencial ou não é nada”.

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testemunho reverbera ainda mais seu valor para os dias atuais, visto que sua narrativa se constrói como uma memória coletiva bastante viva de Auschwitz. Primo Levi se ergue à frente de qualquer cortejo de esquecimento, e seu ato de lembrar é, como sugere Adorno (2009, p.302), um imperativo categórico criado atrozmente nos horrores do Holocausto, e tragicamente inverso daquele proposto por Kant. Não obstante, como advertiu o próprio Adorno (1995), no texto Educação após Auschwitz, esse imperativo direciona o pensamento para que não nos esqueçamos de Auschwitz; e o “não esquecer”, neste caso, não está relacionado somente à rememoração do sofrimento vivido no campo, mas ao não esquecer o “problema Auschwitz” e as condições que o tornaram possível.

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Reeffeerrêênncciiaassbbiibblliiooggrrááffiiccaass

ADORNO, T. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.

______. “Educação após Auschwitz”. In: Palavras e Sinais. Petrópolis: Vozes, 1995. AGAMBEN, G. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.

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