O Movimento Estudantil na
Universidade do Porto
(1967 - 1974)
Introdução
Este texto pretende realizar uma análise ao movimento estudantil (antirregime) na Universidade do Porto de 1967 a 1974. “As organi-zações estudantis foram, ou dissolvidas, ou estritamente vigiadas por decretos governamentais. Proibiram-se todos e quaisquer contactos diretos com organizações internacionais. Mas a política oficial de promover centros da Mocidade Portuguesa dentro das universidades falhou por completo, constituindo sempre os estudantes o foco mais vivo de rebelião contra o regime e mais difícil de domesticar, sobretu-do a partir de 1960.” 1
Diversos autores consideram que no Porto o movimento estudantil foi frágil por comparação com o que se verificou em Lisboa e Coimbra. Este período abarca a fase terminal do Estado Novo. Portugal ficou isolado no plano internacional levando à expressão de Salazar segundo a qual os portugueses estavam «orgulhosamente sós». O começo da guerra colonial, Angola (1961), Guiné (1963) e Moçambique (1964), levou a uma situação que originou comportamentos repressivos em 1965, ano “assinalado pelas prisões e violências exercidas contra os estudantes — a crise estudantil de 1965 foi uma viragem para a clara politização do movimento académico — pelo assalto e encerramento da Sociedade Portuguesa de Escritores e, sobretudo, pelo assassinato do general Humberto Delgado pela Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE), no mês de fevereiro.”2 Porém, já ocorrera em 1962 a
crise académica nas Universidades de Lisboa e Coimbra. Como refere
1 MARQUES, A. H. de Oliveira – Breve História de Portugal. 9ª ed. Lisboa: Presença, 2015, p. 672. 2 ROSAS, Fernando (coord.) – O Estado Novo in MATTOSO, José (Dir.) – História de Portugal. Lisboa: Editorial Estampa, 1998, vol. 7, p. 483.
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Fernando Rosas “centrados, inicialmente, na denúncia da PIDE e dos seus métodos ou das injustiças sociais, os católicos progressistas (…) viram-se para o protesto contra a guerra colonial, assente nas premis-sas pacifistas das encíclicas papais de João XXIII e Paulo VI. Nisso são secundados quer pela ação de organismos católicos, como a Juventude Universitária Católica ou a Juventude Operária Católica, (…) quer pela ação cultural de cooperativas como a Pragma, encerrada pela polícia política em 1967.”3 Note-se que a expressão “crise académica”, cunhada
pelo regime e adotada em geral, pode não ser muito correta. Tal “crise” só o era do ponto de vista do regime e não do ponto de vista da oposi-ção. Fernando Rosas considera que o Marcelismo (1968-1974) consti-tuiu a desagregação final do Estado Novo por ter tentado continuar a guerra colonial sem promover qualquer democratização. Os dois anos finais da década de 60 do século XX não foram propriamente pacíficos. De acordo com Maria Cândida Proença “o movimento das associações académicas renasceu em finais de 1968, dando origem a uma maior re-pressão policial sobre os estudantes. (…) A agitação estudantil era um sintoma de um mau estar social que se vivia no país. Marcelo Caetano não tinha conseguido dar resposta aos anseios de mudança”.4
O movimento estudantil na Universidade do Porto (UP) expres-sou-se sobretudo através das pró-Associações e algumas poucas As-sociações (Farmácia, Engenharia e Medicina durante um curto perío-do). “O movimento associativo estava espalhado pelas Faculdades de Ciências, de Economia e de Letras, no eixo Praça dos Leões-Hospital de Santo António, Faculdade de Engenharia e Instituto Industrial, no eixo dos Bragas-rua do Breiner, Faculdade de Medicina já no Hospital
3 IDEM, p. 484.
4 PROENÇA, Maria Cândida – Uma História Concisa de Portugal. Lisboa: Temas e Debates, 2015, p. 699.
de São João, Faculdade de Farmácia, frente à atual igreja de Cedofeita e Belas-Artes, junto ao jardim de São Lázaro (...)”5
A Bibliografia mais significativa do meu ponto de vista é repre-sentada por estudos acerca do movimento estudantil e por memórias escritas por protagonistas relevantes. Assim, consultei dois artigos publicados em revistas: A mobilização estudantil no processo de
ra-dicalização política durante o Marcelismo, de Guya Accornero e Me-mórias incómodas e rasura do tempo: Movimentos estudantis e praxe académica no declínio do Estado Novo de Miguel Cardina. Também
analisei o que o Professor Gaspar Martins Pereira considera Biblio-grafia/Fonte, dado tratar-se de obras de carácter biográfico escritas por quem viveu os acontecimentos referidos neste trabalho. Falo de
Da Foz Velha a’O Grito do Povo escrito por Pedro Baptista e de Me-mórias do Cidadão José Dias, escrito pelo próprio. Organizado como
memória dos meios de difusão do movimento estudantil, exibindo e descrevendo publicações clandestinas e do exílio, o livro As Armas de
Papel, de José Pacheco Pereira, permite igualmente uma análise mais
rigorosa a esse tipo de fontes.
Neste trabalho proponho-me clarificar o contexto em que surgiu e como se desenvolveu a oposição estudantil, no Porto, ao Estado Novo. Assim, a problemática da investigação parte das questões:
1. Que motivos levaram às movimentações estudantis no Porto entre 1967 e 1974?
2. Principais reivindicações do Movimento Estudantil na Univer-sidade do Porto
3. Em que ações se traduziu este Movimento? 4. Como se organizaram os intervenientes?
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Para lhes responder utilizei as fontes disponíveis no Arquivo Ephemera, nomeadamente a revista Bisturi da Associação Académi-ca da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (AEFMP), consultando os oito números publicados entre 1970 e 1974; também deste arquivo, analisei a Lista candidata à direção da Associação dos
Estudantes de Medicina do Porto em 1970-1971); em 1971-1972
fo-ram duas as listas a concorrer, a Lista Crítica – eleições para a direção
da AEFMP e a Lista B: Unidade – Por uma associação de todos os es-tudantes. Tive em conta ambas pela sua relevância para este estudo.
No Arquivo pessoal de Carlos Queirós acedi a documentação por ele recolhida, como foi o caso de Estudantes do Porto –
Comunica-do: À população, distribuído em 1973. Foi-me igualmente possível
consultar notícias saídas no jornal O Comércio do Porto a propósito dos cerca de cem estudantes levados a tribunal pela participação no boicote ao festival de coros. Os títulos dos artigos são Julgamento de
estudantes no Tribunal da Polícia e Prossegue o julgamento de estudan-tes, publicados a10 e 11de julho de 1973, nas páginas 8 e 9,
respeti-vamente. Pude aceder também a uma Notificação da PIDE dirigida à INTERPOL PORTO, em 4 de Maio de 1972. Aí se identificam estu-dantes, que pelo seu ativismo interessava controlar.
A metodologia utilizada foi a qualitativa. (…) as investigações
qua-litativas, por sua diversidade e flexibilidade, não admitem regras preci-sas, aplicáveis a uma ampla gama de casos. (…) as pesquisas
qualitati-vas diferem bastante quanto ao grau de estruturação prévia (…)6
As três fontes orais, obtidas através das entrevistas realizadas a José Dias, Carlos Queirós e José Luís Borges Coelho, foram particu-larmente relevantes para a realização deste estudo. “A entrevista pode
6 ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith e GEWANDSZNAJDER, Fernando- O Método nas Ciências Naturais e Sociais. São Paulo: Editora Pioneira, 1998, p.147