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MUNDOS VIRTUAIS: OS JOGOS DE INTERPRETAÇÃO ON-LINE E AS ESPECIFICIDADES E CONTEXTOS DA COMUNICAÇÃO NELES

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NELES

08/2007

Nilson V. Soares

1

Universidade Federal de Pernambuco

nilsonsoares@gmail.com

GT4- Mídias e Design

Resumo

Este artigo visa traçar e entender as relações existentes entre os Massive Multiplayer Online Role-Playing Games (MMORPGs), suas comunidades e as formas de mídia que surgem através da multitude de externalidades que correm paralelas aos mesmos. Primeiro traçamos um panorama para melhor compreender os MMORPGs sobre quatro aspectos: 1) as características os tornam um gênero único entre os jogos de computador, gerando interação social e as mídias relacionadas que constituem suas externalidades midiáticas; 2) uma perspectiva histórica, acompanhando o nascimento dos MUDs e como se desenvolveram até dar origens a mundos virtuais gráficos; 3) as questões de pertencimento e identidade nos jogadores; 4) a situação do gênero na atualidade, mercado e visibilidade na mídia. Para encerrar, propomos que os MMORPGs são hoje inseparáveis de suas externalidades e indicamos perspectivas que nos levam a entender como tais mídias relacionadas aos jogos podem ajudar na construção de um senso de pertencimento maior nas comunidades de jogadores.

Palavras-chave: MMORPGs; jogos; comunidades virtuais; cibercultura; comunicação.

1 Jornalista. Mestrando em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da

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INTRODUÇÃO

Os estudos sobre a dinâmica da compressão tempo-espaço vêm nos acompanhando já há algumas décadas; nos últimos anos, no entanto, estamos presenciando uma mudança de paradigma na compressão tempo-espaço: antes preocupada apenas com a eliminação do significado do espaço físico – tornando, ao mesmo tempo, menor o nosso mundo e maior nosso alcance – ela passa também a criar espaço. Espaço não-físico, virtual. Completos mundos virtuais, na verdade: os MMORPGs.

Nascidos no final da década de 70, os MMORPGs2 oferecem aos seus jogadores a possibilidade de habitarem mundos virtuais construídos em paralelo ao nosso espaço físico. Esses mundos constituem-se de experiências compartilhadas, gerando uma rede de pessoas, comunidades, interessadas no conteúdo e informações de tal espaço virtual, abrindo margem para o surgimento de mídias fora do espaço do jogo, mas com conteúdo dedicado e/ou extraído do mesmo. Da dinâmica decorrente na relação entre os mundos virtuais, seus habitantes e tais mídias externas, emergem os problemas que perpassam minha pesquisa: quais as características que a comunicação assume dentro desses espaços virtuais e suas externalidades midiáticas e qual o impacto de tais características sobre os jogadores?

Derivados dos jogos eletrônicos tradicionais (sejam de videogames ou PC), os MMORPGs se diferenciam em vários aspectos, de início os mais importantes são:

a) Os mundos onde se passam os MMORPGs são persistentes, continuando a existir e mudar mesmo na ausência de jogadores.

b) O espaço do jogo é compartilhado com outras pessoas. Cada uma delas cria um ou mais personagens que passam a representá-la dentro do jogo, esses personagens tornam-se efetivamente habitantes do mundo virtual. Os personagens dos outros jogadores, seus vizinhos.

O resultado é um mundo orgânico habitado por pessoas reais, chegando, em alguns casos, a milhões de habitantes. Como no mundo físico, esses habitantes fazem 2 Jogos de interpretação on-line para quantidades massivas de jogadores.

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amizades, constroem cadeias de relacionamentos, aprendem e possuem o potencial de exercer mudança sobre a natureza e sociedade virtuais. Eles possuem a capacidade de criar informação, comunidade, mídia.

Em 2001, 20% dos jogadores de Everquest3 entrevistados em uma pesquisa

responderam que o mundo onde se passa o jogo (Norrath) é o lugar onde realmente moram, sendo que visitam o outro mundo (o espaço físico) regularmente (CASTRONOVA, 2005). Exatamente por proporcionarem tamanha imersão aos jogadores, e também por funcionarem como mundos virtuais autônomos, os MMORPGs começam a apresentar diversos graus de externalidades, formas de interação e mídia que usam o espaço fora do mundo de jogo mas dedicadas à experiência do mesmo. São fenômenos como:

a)Rádios on-line. Especializadas nos MMORPGs, não só fazem broadcast

de músicas voltadas ao público jogador, como incluem spots de assuntos relacionados aos games, notícias do que está acontecendo dentro dos mundos virtuais ou entrevistas com os desenvolvedores dos mesmo. Promovem eventos dentro dos jogos, verdadeiras raves virtuais. Deram origem a comunidades de gamers-DJs, que costumam incorporar essa natureza “DJ” nos seus personagens. Split Infinity Radio4 é um exemplo.

b)Diários virtuais. Indo além de interpretação dentro dos jogos, alguns

jogadores acabam criando blogs para seus personagens, solidificando ainda mais a existência dos mesmos. A identidade virtual sai do jogo com nome, idade, fotos, preferências, um diário – enfim, vida, como é o caso de Statesgirl5 e Kitty Comet6, duas heroínas habitantes de Paragon City

(do jogo City of Heroes).

c)Vídeo e TV. A CCP (empresa responsável pelo EVE Online) anunciou

em julho de 2006 a criação da EVE TV7, canal on-line com entrevistas

com os desenvolvedores do jogo, além de batalhas entre corporações8 ou

jogadores individuais. A NCsoft (responsável pelo City of Heroes) 3 O MMORPG líder de mercado, no ocidente, entre os anos de 1999 e 2003. Para mais informações, c.f.:

http://en.wikipedia.org/wiki/Everquest

4 http://www.siradio.fm

5 http://www.myspace.com/thestatesgirl 6 http://www.myspace.com/kittycomet 7 http://www.eve-online.com/evetv

8 Alianças de personagens, chamadas de “guildas” em outros jogos. As guildas reúnem personagens com

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promove anualmente o Paragon City Film Festival9, onde os jogadores

participam criando curtas-metragens com seus personagens.

d)Histórias em quadrinhos (HQs). City of Heroes possui uma revista de

HQs mensal10 retratando os acontecimentos do jogo. Em algumas edições

até mesmo personagens importantes de jogadores podem aparecer na história, geralmente um símbolo de prestígio e status conseguido dentro do mundo virtual. Além disso, vários webcomics tratam ou de jogos específicos (como o Ragnarok Wisdom11) ou de cultura nerd/geek em

geral, envolvendo jogos, RPGs e MMORPGs (e.g.: VG Cats12).

e)Fanfics13 (“Fan Fiction”). Contos ou poesias criados por jogadores, e

inspirados diretamente nos MMORPGs, estão vastamente disponíveis na internet. Sejam obras estáticas, como as encontradas no World of Warcraft Catacombs14, ou participativas, criadas com a interação de

vários jogadores (várias podem ser encontradas no fórum oficial do City of Heroes15).

DOS MUDS AOS MMORPGS

O precedente, que levou (18 anos mais tarde) ao nascimento dos MMORPGs, foi MUD (Multi-User Dungeon), ou “Masmorra Multi-Usuário”: referência ao cenário de fantasia medieval do jogo Dungeons & Dragons. Perpetuado através de vários outros jogos, seja em versões eletrônicas ou “de mesa”, esse tipo de cenário consiste, em resumo, na escolha de uma profissão e raça para um personagem, usado tipicamente para caçar tesouros protegidos por monstros em masmorras labirínticas. As profissões mencionadas são geralmente variações de quatro arquétipos básicos: o guerreiro (que luta), o mago (mestre de forças místicas), o clérigo (curandeiro) e o ladrão (furtivo). As raças são derivadas do mundo da Terra-Média, criado pelo escritor J.R.R. Tolkien para a sua saga O 9 http://www.cityofheroes.com/gallery/players_movies.html

10 http://www.cityofheroes.com/comic/description.html 11 http://www.adultimum.net/rw

12 http://www.vgcats.com/

13 “Ficção criada por fãs”, os fanfics são um fenômeno amplamente difundido na internet. Consistem de

trabalhos amadores onde fãs de determinado universo (seja ligado a filmes, séries de televisão, jogos, literatura, desenhos animados, etc.) produzem material que continua, reconta, ou corre em paralelo à história original. Os fanfics podem fazer uso de várias formas de narrativa, como curtas-metragens, poesias ou histórias em quadrinhos, sendo os contos os encontrados com mais freqüência.

14 http://wow.catacombs.com/page.cfm?fanfiction 15 https://boards.cityofheroes.com/ubbthreads.php

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Senhor dos Anéis e outros de seus romances, tipicamente incluem humanos, elfos (graciosos), anões (rústicos), halflings (ou hobbits, pequenos humanóides) e orcs (agressivos).

MUD nasceu em 1978, na Universidade de Essex, Inglaterra, produto dos esforços de dois estudantes de ciências da computação: Roy Trubshaw e Richard Bartle. Era um jogo com interface composta puramente de texto e suporte até 36 jogadores simultâneos. Inspirado em adventures textuais (gênero de jogos eletrônicos que consiste de histórias interativas com interface puramente textual, onde o jogador é submetido a vários enigmas e inimigos, e a resolução da história depende de explorar o universo do jogo em busca de pistas e itens, usados para superar os obstáculos), como Zork16, em MUD os

jogadores interagem através de comandos escritos e caminham pelo mundo virtual procurando missões para cumprir e inimigos para vencer. A diferença entre MUD e os similares da época é a possibilidade de jogar on-line, acompanhado por um grupo formado de outros jogadores - ou encontrar esses outros jogadores espalhados pelo jogo. Na época, a Universidade de Essex servia como piloto para o projeto EPSS, que possibilitava comunicação com os computadores da ARPAnet. Universidades de fora da Inglaterra conseguiam, assim, um caminho aberto até o MUD.

Menos de um ano após a primeira versão de MUD, um similar, PIGG, foi desenvolvido por Stephen Murrell, outro estudante da Universidade de Essex. Poucos anos depois, uma multitude de mundos virtuais havia sido criada segundo a fórmula de MUD. É nesse ponto que o jogo original passa a ser chamado de “MUD1” e a sigla MUD (agora significando Multi-User Domain – “Domínio Multi-Usuário”, descartando a denominação de “masmorra”, não mais adequada, pois vários dos jogos surgidos no gênero já não usavam o cenário medieval fantástico como inspiração) torna-se a denominação de um novo gênero de jogo17, tão popular que “[...] um estudo do tráfego de dados do

backbone da NSFnet, em 1993, mostrou que mais de 10% dos bits pertenciam a MUDs; em outras palavras, antes do advento da World Wide Web (www) MUDs constituíam uns 10% da internet” (BARTLE, 2003).

Com origem em uma época onde as interfaces baseadas em texto ainda eram o padrão no mundo da informática, os MUDs seguiam uma estrutura similar a jogos populares da década de 80 (e final dos anos 70). Entretanto, novas tecnologias levaram 16 http://en.wikipedia.org/wiki/Zork

17 Os MUDs deram crias a subtipos que eram diferentes não apenas no universo de fantasia onde o jogo

acontecia, mas também na forma como lidavam com aspectos como a interface, sociabilidade, interação e jogabilidade; MOO (MUD Object Oriented), MUSH (Multi-User Shared Hallucination) e MUCK (Multi-User Chat Kingdom) são exemplos.

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a informática a mudar do padrão de interface textual para a gráfica; até mesmo os adventures textuais, que inspiraram o MUD1, ganham uma representação gráfica do mundo do jogo. A interface antiquada dos MUDs acaba tornando improvável o aparecimento de novos jogadores e difícil a manutenção de vários dos antigos, fazendo-se necessária uma forma de contornar o problema.

É possível que logo disponham [os MUDs] de paisagens em três dimensões e avatares gráficos com o diálogo escrito em forma de globos em cima de suas cabeças. Esses avanços podem facilitar a participação de uma audiência mais ampla na fantasia coletiva (MURRAY, 1997).

Talvez Murray ainda não soubesse enquanto escrevia seu livro, mas era exatamente o que acontecia naquele momento. Migrando o conceito dos MUDs para uma interface gráfica, nascem os MMORPGs18. Em 1996 são lançados Meridian 5919,

nos EUA, e The Kingdom of the Winds20, na Coréia do Sul. Em 1997 aparece um dos

MMORPGs mais bem sucedidos que já existiram – e usado como referência no desenvolvimento dos novos jogos do gênero até hoje (BARTLE, 2003; CASTRONOVA, 2005) – Ultima Online21, atingindo a marca de 100 mil usuários em

apenas um ano. 1998 é o ano do lançamento de Lineage22, que possibilitou à sua

produtora, a coreana NCsoft23, alçar posição entre as maiores do mercado de jogos

on-line. O ano seguinte viu o lançamento de Everquest, da Sony Online, que dominou por cinco anos o mercado americano de MMORPGs.

JOGO DE IDENTIDADES

Embora tenham começado apenas com mundos baseados na fantasia medieval de J.R.R. Tolkien, os MUDs logo passaram a representar ambientes fantásticos dos mais diversos, mundos criados tomando como referência livros, filmes ou séries populares (como Jornada nas Estrelas, Duna e Alice no País das Maravilhas) ou quaisquer coisas que surgissem na imaginação dos seus jogadores e criadores. Eles 18 Embora o jogo da América Online, Neverwinter Nights, de 1991, detenha o título de primeiro mundo

fantástico virtual a usar gráficos, ele mantinha o mesmo padrão dos MUDs, e ainda cobrava U$6,00 por hora de jogo, quando a norma na época era de serem gratuitos os jogos on-line.

19 http://en.wikipedia.org/wiki/Meridian_59

20 http://en.wikipedia.org/wiki/The_Kingdom_of_the_Winds 21 http://en.wikipedia.org/wiki/Ultima_online

22 http://en.wikipedia.org/wiki/Lineage_(computer_game) 23 http://www.ncsoft.com/kor/index.asp

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consistem em mundos de fantasia criados para possibilitar a interação entre seus vários usuários em um ambiente diferente do mundo físico onde vivem. A idéia é que, em um MUD, alguém possa ser e se parecer com qualquer coisa que deseje, e como nos RPGs (Role-Playing Games24), um MUDer (jogador de MUD) poderá representar o papel

daquilo que escolher.

Acima de tudo, um MUD é sustentado pelos personagens que o povoam. [...] Mundos de fantasia (seja on ou off-line) são sempre tão bons quanto as imaginações que os compõem. [...] Como o Unicórnio disse a Alice do outro lado do espelho: “Se você acreditar em mim, vou acreditar em você.” Nos MUDs de sucesso, todos se empenham pela máxima convicção, em relação tanto ao próprio personagem quanto ao mundo como um todo (WERTHEIM, 2001).

Enquanto nos RPGs os jogadores se reúnem fisicamente para interpretar e contar estórias, nos MUDs não há necessidade do encontro físico, não é mais necessário “entrar e sair” dos personagens pois há uma “identidade paralela” (WERTHEIM, 2001) em funcionamento. Os jogadores ganham a vantagem de um anonimato relativo, uma pessoa em um MUD pode ser reconhecida pelo nome de sua personagem, mas somente será conhecida pelo seu nome real – e o que ele representa – se assim desejar.

Jogadores de MUD possuem o controle completo de como eles se parecem no mundo textual [...] eles literalmente definem a si mesmos. [...] Enquanto a maioria se limita às características físicas (de um alguém ficcional), há jogadores que usam as descrições para dizer, sobre o personagem, coisas às quais a aparência física iria falhar em descrever. Quando outros personagens os encontram [...] eles vêem a descrição que aquele jogador em questão escreveu sobre seu personagem. No mundo físico, há vários tipos de características físicas ou sociais indesejáveis que acompanham os encontros, e que poderiam ou não refletir precisamente o personagem. Preconceitos do mundo real podem impedir alguém de ser levado a sério [...] num MUD, porque o texto auto-escrito é a única informação que os representa (até mesmo o nome é escolhido pelos jogadores), os participantes têm pleno controle do “eu” que eles mostram ao mundo virtual (YOUNG, 1994).

Isso mostra que os MUDs, que podem parecer não passar de fantasias juvenis, têm o potencial de se revelarem “domínios surpreendentes de exploração psicossocial” (WERTHEIM, 2001). O foco na interação entre jogadores é tão grande 24 Jogos de Interpretação de Personagens. Nascidos na década de 70, são uma mistura do teatro de improviso e

jogos de estratégia com a tradição de contar histórias oralmente. Neles um jogador assume o papel de “mestre” (ou “narrador”, entre outros termos), contando uma história para os outros jogadores, que então encarnam os personagens principais dela, definindo os rumos que a mesma tomará. Para mais informações cf.

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que, por vezes, acabam perdendo as características de jogo, transformando-se em espaços de interações sociais onde o jogador pode escolher quem é. Esses espaços possibilitam uma maneira de explorar aspectos do “eu” que não são possíveis no dia-a-dia, e essa possibilidade de variação do “eu” serve como válvula de escape. Segundo Hall (1999), o indivíduo pós-moderno possui uma identidade fragmentada. Nesse sentido, inferiu-se que se tal indivíduo não consegue plenamente explorar seus fragmentos de identidade no mundo físico, o ciberespaço – para ser mais específico, o espaço não-físico dos mundos virtuais – é o local ideal:

Os MUDers estão usando a mídia do ciberespaço para criar novas comunidades, para suplementar a experiência de vida real deles. Alguns relacionamentos on-line se desenvolvem em encontros na vida real, e idéias são trocadas e desenvolvidas no irrestrito ambiente imaginativo. [...] Eles criam essas comunidades on-line e elas se tornam parte da identidade real deles, enriquecendo suas vidas, ajudando a se conhecerem melhor e redesenhando suas noções de “eu” e de comunidade (YOUNG, 1994).

Embora compartilhem de diversas características, existem alguns aspectos que fizeram, a partir de 1996, a cisão do gênero, fazendo nascer, dos MUDs, os MMORPGs:

a) A maior parte dos MUDs era gratuita, aqueles que não eram cobravam por hora e podiam ser acessados apenas pelos assinantes dos provedores nos quais os jogos estavam hospedados. Os MMORPGs costumam cobrar taxas fixas mensais e podem ser assinados por qualquer pessoa com acesso à internet.

b) Enquanto os MUDs precisam de comandos digitados no teclado (como: “vá para o norte” ou “pegar caneta”), seus sucessores incorporam uma interface gráfica que faz uso da combinação mouse-teclado. Isso torna os MMORPGs mais intuitivos, pois não exigem que seus jogadores aprendam com antecedência uma longa lista de comandos, basta um clique de mouse ou pressionar de tecla para mover o personagem, exatamente como nos demais jogos off-line contemporâneos.

c) Aspecto massivo e global. Os MMORPGs nasceram no início da popularização da internet, o que possibilitou um alcance global. Enquanto os MUDs ficavam na escala de dezenas de jogadores, seus

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sucessores chegam a milhões de jogadores – Lineage, no seu ápice, teve um total de 4 milhões de assinantes (CASTRONOVA, 2005). World of Warcraft, o maior do gênero atualmente, possui mais de 8,5 milhões25.

d) Grau de participação dos usuários. Os jogadores de MUDs ajudavam a criar o mundo virtual de seus personagens. Dependendo do MUD, os participantes recebiam um maior ou menor grau de liberdade de criação, permitindo-os adicionar novas áreas ao jogo, ou novos comandos, objetos, etc. Eles eram co-construtores, além de jogadores. Considerando o tamanho e complexidade adquiridos pelos MMORPGs, em comparação aos MUDs, não é de surpreender que essa liberdade criativa tenha sido, em grande parte, tomada. Alguns títulos ainda oferecem espaços que podem ser personalizados pelos jogadores (Second Life26 permite a

compra de terra, ilhas ou casas, onde o jogador pode construir e mudar a aparência do que quiser; City of Heroes permite a criação de bases secretas por grupos de heróis; EVE Online coloca toda a economia de uma galáxia nas mãos dos jogadores, onde as ações deles podem ter impactos comerciais profundos). As alterações feitas pelos jogadores acabam sendo mais limitadas, mas chegam a atingir um grau de complexidade impossível de se alcançar em um MUD, devido à grandiosidade dos mundos virtuais mais recentes.

SITUAÇÃO ATUAL

Em outubro de 2006 a agência de notícias Reuters anunciou a abertura de uma sucursal27 dentro do jogo Second Life, na intenção de levar aos habitantes do

mundo on-line tanto notícias do mundo virtual como do “mundo externo” – taxas de conversão entre a moeda virtual do Second Life (linden) e o dólar americano inclusas. Em junho deste ano O Estado de São Paulo anunciou na Internet que estava procurando um repórter para fazer especificamente a cobertura do mesmo jogo28.

Tais acontecimentos ajudam a demonstrar a importância que a vida on-line nos MMORPGs alcança. Segundo o economista Castronova (2005), os MMORPGs 25 Cf: http://www.blizzard.com/press/070307.shtml

26 http://secondlife.com/ 27 http://secondlife.reuters.com/

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representam a área que mais cresce dentro do mercado mundial de jogos para computadores, pesquisá-los se mostra importante não apenas pela posição que eles se encontram na indústria dos games, como também pela dimensão de tal indústria, que nos Estados Unidos, em 2003, obteve um faturamento maior que o proporcionado pela venda de ingressos para o cinema (ABRAGAMES, 2004). A penetração dos jogos no dia-a-dia já superou a expectativa de que eles são apenas entretenimento para crianças e adolescentes do sexo masculino: nos EUA, 50% das pessoas acima de 6 anos jogam videogames ou jogos de computador, a idade média do jogador é 29 anos e as mulheres compõem 43% desse público (CASTRONOVA, 2005).

Esse impacto pode ser sentido no Brasil: o crescimento da indústria brasileira de games de 2003 para 2004 foi de 37% e Pernambuco é o quarto estado do país no número de empresas desenvolvedoras de jogos e o terceiro (empatado com o Paraná) no faturamento (ABRAGAMES, 2005). A LevelUp Games29 já chegou a lançar,

comercialmente, sete MMORPGs no Brasil (City of Heroes, Ragnarok Online30, City of

Villains31, Lineage II32, RF Online33, Silkroad34 e Guild Wars35) enquanto a Kaizen

Games é responsável pelo lançamento do Second Life e Priston Tale36 no país e a

Hoplon37 tenta lançar o primeiro grande MMORPG nacional, Taikodom38, em 2007.

OS JOGADORES E AS EXTERNALIDADES MIDIÁTICAS

Os mundos fantásticos virtuais não são apenas diversão, milhões de pessoas vivem e interagem nesses mundos criados em rede. Os jogadores acabam se agrupando por afinidades, devido à diversidade de interesses, e desses agrupamentos surgem relações de confiança, parceria e amizade, que podem transcender o mundo virtual e serem parte da vida dos usuários em todos os aspectos.

Os jogadores de MMORPG passam, em média, 21 horas por semana jogando [...] e cerca de 7,7 horas por semana assistindo TV. [...] A 29 http://www.levelupgames.com.br

30 http://en.wikipedia.org/wiki/Ragnarok_online

31 Jogo irmão do City of Heroes. Cada um deles compartilha um pedaço do próprio mundo virtual com o outro,

mantendo outra a parte reservada. C.f.:http://www.cov.com

32 http://en.wikipedia.org/wiki/Lineage_II 33 http://en.wikipedia.org/wiki/RF_Online 34 http://en.wikipedia.org/wiki/Silkroad_Online 35 http://en.wikipedia.org/wiki/Guild_wars 36 http://en.wikipedia.org/wiki/Priston_Tale 37 http://www.hoplon.com.br/ 38 http://www.taikodom.com.br/

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média nacional de tempo gasto assistindo TV é 28 horas, o que é o mesmo resultado da soma das médias acima. Em outras palavras, isso dá suporte ao argumento de que o tempo gasto assistindo TV está sendo substituído por [tempo] jogando MMORPG (YEE, 2005). Defendemos como hipótese que, durante esse tempo, os jogadores criam uma rede de relações sociais e desenvolvem aspectos de sua identidade que não ousam exibir no mundo físico, colocando muito de seus esforços pessoais no processo. Os personagens, logo, deixariam de ser somente parte de um jogo e se tornariam parte dos jogadores.

Muitos insistem em que suas vidas contêm uma dimensão que não é redutível fisicamente. Encarnados ou não, os “cibereus” são reais, o espaço de sua ação, embora imaterial, sendo uma parte genuína da realidade (WERTHEIM, 2001).

Se existe margem para o desenvolvimento de relações sociais dentro desse “círculo mágico” (SALEN e ZIMMERMAN, 2004) e, indo um pouco mais adiante, se existe vida (mesmo que virtual) dentro desses ambientes de espaço não-físico; a comunicação se destaca como fator de relevância. De fato, acreditamos que os MMORPGs são, hoje, indissociáveis das várias mídias que surgem ao redor – suas externalidades midiáticas; os criadores do EVE Online parecem reconhecer tal associação ao incluir um mini-browser dentro da própria interface do jogo, facilitando o acesso dos jogadores aos vários sites que são criados pela comunidade, como sites das corporações de jogadores ou com notícias do jogo.

Quando não encontram uma interface que possibilite a criação e uso de mídias internas ao próprio jogo, os jogadores desenvolvem formatos como o do “The City Scoop39”. Inspirado nas páginas dos jornais diários do mundo físico, The City

Scoop é um periódico on-line, desenvolvido pelos jogadores do City of Heroes, incluindo análise de novas áreas sob a perspectiva dos personagens, moda de uniformes para super-heróis, entrevistas com os desenvolvedores e personalidades do jogo e até mesmo palavras-cruzadas e um horóscopo adaptado às “classes” de personagem do jogo.

Wolton (2003, 2004) acredita que a televisão funciona como laço social, criando um senso de pertencimento, importante na medida em que os laços primários (relativos, entre outros, à família, religião e vizinhos) vêm enfraquecendo. A televisão 39 http://boards.cityofheroes.com/showflat.php?Cat=0&Number=8443473&an=0&page=0#Post8443473

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alcançaria tal façanha ao ser um veículo massivo (no sentido de chegar à maior parte da população), ao criar um “lugar de referência” (VIZEU e CORREIA, 2002) para nosso mundo e sociedade.

Ao partirmos para a perspectiva de outros mundos, de mundos não-físicos esse lugar de referência é deslocado – a televisão não contempla os mundos virtuais, seu caráter massivo pouco significa em Norrath, Azeroth ou Paragon City (mundos, respectivamente, dos jogos: Everquest, World of Warcraft e City of Heroes). Iniciativas como The City Scoop, EVE TV e os fóruns oficiais dos jogos são, talvez, os espaços que poderiam se pretender a assumir tal papel.

Não pretendemos com isso encerrar o assunto da relação entre os MMORPGs e suas externalidades midiáticas, muito pelo contrário. Tais observações são frutos de uma pesquisa ainda em seu estado inicial, precisamos ainda de novos estudos que compreendam o mecanismo de ação de tais mídias, bem como o alcance que possuem.

Referências

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_____. A Indústria de Desenvolvimento de Jogos Eletrônicos no Brasil.

<http://www.abragames.com.br/docs/PesquisaAbragames.pdf> 2005. Acesso em: 01 jun. 2007. BARTLE, Richard.

D esigning virtual worlds. Londres: New Riders Publishing, 2003. CASTRONOVA, Edward. Synthetic worlds: the business and culture of online games. Chicago: University of Chicago Press, 2005.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 1999.

MURRAY, Janet H. Hamlet on the holodeck. Nova York: The Free Press, 1997. SALEN, Katie; ZIMMERMAN, Eric. Rules of Play: Game Design Fundamentals. Massachusetts: The MIT Press, 2004

VIZEU, Alfredo; CORREIA, João Carlos. A Construção do real no telejornalismo: do lugar de segurança ao lugar de referência. [no prelo].

WERTHEIM, Margaret. Uma história do espaço: de Dante à internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.

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WOLTON, Dominique. Internet, e depois? Uma teoria crítica das novas mídias. Porto Alegre: Sulina, 2003.

_____. Pensar a comunicação. Brasília: Universidade de Brasília, 2004.

YEE, Nick. MMORPG hours vs. TV hours. <http://www.nickyee.com/daedalus/ archives/000891.php> 2005. Acesso em: 29 jul. 2006.

YEE, Nick. The Demographics, Motivations and Derived Experiences of Users of

Massively-Multiuser Online Graphical Environments. <http://www.nickyee.com/pubs/Yee - MMORPG Demographics 2006.pdf> 2006. Acesso em: 28 set. 2006.

YOUNG, Jeffrey R. Textuality in cyberspace: MUDs and written experience. <http://eserver.org/cyber/young2.txt> 1994. Acesso em: 11 jun. 2007.

Referências

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