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DESAFIOS E POSSIBILIDADES DA PERTENÇA RELIGIOSA NUMA ERA SECULAR

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Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. GT0304

DESAFIOS E POSSIBILIDADES DA PERTENÇA RELIGIOSA NUMA

ERA SECULAR

Carlos Alberto Pinheiro Vieira Mestre em Ciências da Religião (UNICAP) Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP carmarvieira@gmail.com

ST 03 – ESPIRITUALIDADES CONTEMPORÂNEAS, PLURALIDADE RELIGIOSA E DIÁLOGO

Resumo: O mundo vive um novo Tempo Axial, em que, os indivíduos fazem valer sua liberdade religiosa e as crenças que lhe convém. O significado atribuído a essas crenças e a essas práticas pelos interessados se afasta, geralmente, de sua definição doutrinal. Ao invés de converter o mundo e implantar a minha religião, tornou-se mais sensato ajudar na transmissão e reflexão das mensagens de todas as tradições espirituais, em busca de uma educação humana e humanizante, favorecendo assim, a compreensão e a paz entre os povos, através de uma proposta coexistente de diálogo inter-religioso. O presente trabalho buscou analisar os principais desafios e possibilidades da pertença religiosa numa Era Secular, em busca de uma espiritualidade pós-metafísica e transreligiosa.

Palavras-chave: Pertença Religiosa, Era Secular, Espiritualidade Transreligiosa. Anais do V Congresso da ANPTECRE

“Religião, Direitos Humanos e Laicidade”

ISSN:2175-9685 Licenciado sob uma Licença

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Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. GT0304

1. INTRODUÇÃO

Segundo o teólogo Hans Küng (2011), a Igreja cristã se encontra submersa em uma grave crise, “que é necessário descrever com objetividade e sem preconceitos antes de aplicar a terapia adequada. Crise que se plasma, entre outras coisas, em censura, absolutismo e estruturas autoritárias”. Seus sintomas se refletem no esvaziamento cada vez maior das paróquias, fruto de uma mensagem dogmática e excludente.

Hans Küng (2012) afirma que,

a Igreja está doente e em estado terminal, e que para sair do estado de quase morte e sobreviver, se faz necessário deixar algumas práticas retrógadas, como por exemplo, o seu posicionamento eurocêntrico e muito menos arrogando-se detentora de uma única verdade.

Esta pesquisa busca refletir, com base nos dados apresentados pelo ultimo censo do IBGE (2010), sobre os desafios e possibilidades da pertença religiosa na contemporaneidade. Um dos grandes desafios é tentar entender a crise que se instaurou no cristianismo contemporâneo, conduzindo os seus fieis a um processo de “esquizofrenia cristã”.

Utiliza-se nesta pesquisa o neologismo “esquizofrenia cristã” por entendermos que o cristianismo atualmente vivencia um processo de delírio, assim como, de alterações no contato com a realidade. Não existe mais uma relação entre espiritualidade e cultura no pensamento contemporâneo. O cristianismo contemporâneo não compreende o seu contexto histórico, a sua época, assim como a cultura em que está inserido. Atualmente existe uma crise de significados. O dualismo impregnado ainda na gênese do pensamento cristão proporcionou aos seus fiéis um medo apocalíptico. A religiosidade cristã, na contemporaneidade perdeu o foco e a centralidade no Cristo que fez de sua vida e missão uma práxis pela caridade. O cristianismo contemporâneo tornou-se um grande supermercado, em que os seus

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Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. GT0304 produtos são orações, novenas, bênçãos, curas, milagres, receitas de felicidade e até da garantia do céu.

Segundo o psicanalista Rollo May (2005, p. 160), “em qualquer discussão sobre a integração de religião e personalidade, o importante não é saber se a própria religião contribui para a saúde ou a neurose, e sim ‘que espécie’ de religião e como é usada”.

Ao falar em crise do cristianismo na contemporaneidade, fala-se de uma crise que originou-se no humanismo, mais especificamente no humanismo cristão. A Igreja vive uma grande crise ao deixar de exercer a sua práxis cristã, ou seja, a grande crise do cristianismo contemporâneo está em deixar de fazer a caridade, promovendo valores (Des) humanos. E a grande crise está localizada numa Igreja centralizadora de uma metafísica que se preocupa muito mais em promover a condenação eterna, do que em promover o amor e o respeito ao próximo.

O ultimo censo do IBGE (2010) demonstra um aumento considerável de pessoas que se declaram “agnósticas” e “ateias” (cerca de 740 mil). Esse número corresponde com cerca de 5% do total das pessoas que se declaram “sem religião”, mas ao mesmo tempo, “sem religião” não seria sinônimo de “sem crenças religiosas”.

Um grande exemplo disso está ocorrendo aqui no Brasil com relação a

mudança na religiosidade dos brasileiros. A revista ISTOÉ1 do mês de agosto de 2011,

identificou o surgimento de um grupo de evangélicos não praticantes. São fieis que creem, mas não pertence a nenhuma denominação. Essas questões nos conduzem a uma reflexão na busca por entender o efeito determinante de tudo isso. Diz um entrevistado pela mesma revista que o que lhe fez mudar de instituição foi a comercialização da figura de Cristo não se sentindo mais feliz com a sua fé. Outro entrevistado, o serralheiro paraibano Marcos Aurélio Barbosa, diz que buscou frequentar outra Igreja, porque o culto é ofertado a Deus e não aos fiéis, como acontecia numa denominação pentecostal frequentada por ele anteriormente. O mesmo afirma que, cumpria à risca os rígidos usos e costumes impostos pela denominação.

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Sobre este assunto, recomendamos a leitura da matéria “O novo retrato da fé no Brasil”, do jornalista Rodrigo Cardoso. (Cf. Revista ISTOÉ, ano 35, n. 2180, 24 ago. 2011).

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Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. GT0304 “Eu não vestia bermuda nem dormia sem camisa, não tinha tevê em casa, não bebia vinho, não ia ao cinema nem à praia porque era pecado” (CARDOSO, 2011).

Muitas pessoas estão buscando vivenciar, de maneira bem pessoal, uma espiritualidade, mas não querem um envolvimento maior com as instituições religiosas. Em meio ao hibridismo cultural e religioso, as pessoas se tornam mais conscientes de que novas possibilidades são acrescentadas em todo o tempo. As pessoas não aceitam que alguém diga o que elas devem pensar, fazer e até mesmo a religião que devem professar, mas estão buscando algum tipo de direção espiritual.

Atualmente os fieis assumem comportamentos religiosos semelhantes aos de consumidores. Habituam-se a escolher as expressões da fé como produtos que atendam a seus desejos e necessidades. Fundam a vida numa decisão livre e autônoma. Querem escolher uma religião que lhes pareça razoável, que corresponda às suas expectativas e seja compatível com suas experiências de vida. Eventualmente, selecionam partes de diferentes sistemas disponíveis que lhes ajudem a resolver seus problemas pessoais. (ROCHA, 2010, p. 142-143)

A gênese de todo pensamento Ocidental, na chamada contemporaneidade, se constituiu no momento em que as bases de sustentação da metafísica perdem legitimidade e começam a ruir ainda na modernidade. Constitui-se na religião cristã no momento em que a sua postura religiosa torna-se incompatível com uma sociedade global, porque cria inimizades, menosprezos ou condescendências baseadas na suposta altura da própria verdade com relação às verdades dos outros. A religião, assim entendida, é inimiga declarada ou encoberta de uma globalização pacífica. Numa sociedade global, as tradições religiosas não devem gerar confrontos, desencontros, menosprezos mútuos. Se as religiões, para dar uma contribuição às sociedades, têm de passar por isso, é melhor que deixem de existir. (CORBÍ, 2010, p. 189)

Entendemos que a educação desempenha um papel significativo na vida das pessoas e pode contribuir bastante para a erradicação de preconceitos, discriminação e intolerância, para a promoção da dignidade humana, da cultura de respeito aos direitos humanos e à diversidade e o estabelecimento da paz entre pessoas, grupos e nações, e cooperar para a construção de uma sociedade justa, livre e democrática.

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Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. GT0304 O nosso trabalho visa apresentar uma experiência exitosa de diálogo inter-religioso numa escola pública da região metropolitana do grande Recife. A nossa proposta se baseia na teologia do pluralismo religioso, assim como, no aprofundamento do conceito de coexistência, proporcionando momentos de acolhimento, de partilha e de diálogo em torno dos grupos religiosos que por lá passam, tornando-se um ambiente de pertencimento e acolhimento, imbuído por atributos espirituais como generosidade, hospitalidade, compaixão, dedicação e partilha.

2. A PROPOSTA DO PARADIGMA DO PLURALISMO RELIGIOSO

“Não haverá paz no mundo sem paz entre as religiões. Sem paz entre as religiões não haverá diálogo entre as religiões” Hans Kung

De acordo com a hipótese pluralista de John Hick (2005), o cristianismo deixa de ser o único e exclusivo meio de salvação, e as outras tradições religiosas aparecem como instâncias legítimas e autônomas de salvação, como religiões verdadeiras e não como um cristianismo diminuído. Trata-se de uma posição mais sintonizada com a nova consciência global e desperta para o valor do pluralismo de princípio.

John Hick (2005), nos apresenta outras hipóteses antes de justificar a sua teologia do pluralismo de princípio ou teologia do pluralismo religioso. Vale a pena entendê-las:

A hipótese exclusivista está presente tanto em âmbito católico-romano como protestante. De acordo com esta visão, não pode haver salvação sem conhecimento explícito de Jesus Cristo e a pertença à Igreja.

A hipótese inclusivista se caracteriza por incluir crentes de outras tradições (não-cristãos) na esfera da salvação cristã. Há nesta posição um reconhecimento das religiões como caminhos de salvação, mas que, no entanto, implicam uma salvação crística. Para Hick (2005), o inclusivismo permanece ainda refém do antigo imperialismo teológico, restringindo a salvação ao âmbito cristão.

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Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. GT0304 Por fim a hipótese do Pluralismo de Princípio ou Pluralismo Religioso, que postula uma mudança de paradigma, para além do exclusivismo e do inclusivismo. O novo paradigma é reinventado por Hick como condição necessária, hoje, para responder ao novo campo de percepção das outras tradições religiosas.

3. MUITOS SÃO OS CAMINHOS QUE NOS CONDUZEM AO SAGRADO

Em 2007 o Professor de teologia e coordenador do Mestrado em Ciências da religião da Universidade Católica de Pernambuco, Dr. Gilbraz de Souza Aragão, criou o Fórum Inter-religioso da Unicap, organizado pelo Observatório Transdisciplinar das religiões, com o objetivo de articular uma série de encontros de animadores das tradições religiosas da região, para conhecimento mútuo e exercício de tolerância cultural, cultivando uma proposta pluralista pelo sagrado.

Animados pelo mesmo espírito, dois dos seus alunos de mestrado, hoje mestres em Ciências da Religião pela Unicap, Moisés Germano (coordenador) e Carlos Vieira (mediador), desenvolvem uma proposta semelhante numa escola de Jaboatão dos Guararapes, Região Metropolitana do Recife-PE. A Escola Senador Petrônio Portela, abre as suas portas há três anos para uma proposta diferenciada de ensino

religioso. O Fórum Inter-Religioso do Petrônio torna-se um espaço de “coexistência” e

de diálogo do fenômeno religioso, compreendendo o conjunto das diferentes manifestações do sagrado no âmbito individual e coletivo. Sua especificidade é a decodificação ou a análise das manifestações do sagrado, possibilitando ao estudante o conhecimento e a compreensão do fenômeno religioso como fato cultural e social, bem como uma visão global de mundo e de pessoa, promovendo, assim, o respeito às diferenças no convívio social. O fórum acontece a cada quinze dias, sempre aos sábados à tarde e conta com a participação de alunos, professores e moradores da comunidade em que a escola está inserida.

Nos quatro anos de experiência, os alunos compreenderam que é possível uma convivência pacífica, respeitando as singularidades e diferenças de cada um. O Fórum Inter-Religioso do Petrônio busca estabelecer uma relação de "coexistência", promovendo o entendimento entre religiosos e não religiosos (ateus e agnósticos)

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Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. GT0304 através do diálogo, educação e respeito. Almeja despertar nos seus alunos a necessidade de uma visão mais ampla, na defesa dos direitos humanos, promovendo a construção de uma sociedade mais fraterna, que perceba as diferenças sem preconceitos ou hierarquização, que respeite através da alteridade, o valor que o outro possui, assim como, o que se pode aprender através das diferenças. A nossa proposta de acolhimento (coexistência) nos permite conhecer melhor o outro, a sua crença, a sua cultura e a sua forma de pensar.

Segundo o professor Claudio Ribeiro (2014, p. 10), “a presença do “outro”, portanto, é a dimensão interpeladora da prática ecumênica. É este “outro” – em seu corpo, sua fala e sua fé – que estimula a vida e a produção teológica de quem com “ela/ele” se relaciona”.

4. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

O fundamentalismo religioso se faz presente em nosso meio, de maneira constante, promovendo uma violência desenfreada em nome de um “pensamento forte”, assim como, de uma “razão absoluta”, que se alastra como um câncer, destruindo a sociedade, paulatinamente.

A religião teve e tem uma grande importância na história da humanidade, interferindo nos valores, comportamentos, sentimentos, e inclusive nas normas que advêm do pensamento e das regras religiosas.

Em nossa proposta de coexistência, na Escola Senador Petrônio Portela, buscamos repensar continuamente nossas imagens de Deus e, em caráter de urgência, pensá-lo também através de mediações dialógicas, diante da tensão entre cristianismo e contemporaneidade. Assim como, de refletir filosoficamente de que não existe mais uma verdade que determine em que ou não se deve crer. Portanto, como pensar numa espiritualidade envolvida com a sua cultura, com seus mitos e seus ritos, e ao mesmo tempo está além dessas concepções, abrindo-se para múltiplas possibilidades diante do mistério insondável chamado Deus?

Apresentamos em nosso trabalho a proposta do pluralismo religioso de princípio, como uma possibilidade de estreitamento entre o cristianismo e as diversas formas de espiritualidades, sejam religiosas, a-religiosas ou pós-religiosas. Durante os

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Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. GT0304 quatro últimos anos do Fórum do Petrônio, refletimos sobre toda e qualquer forma de intolerância, debatemos sobre os conceitos de tolerância e coexistência.

Referencial

CARDOSO, Rodrigo. O novo retrato da fé no Brasil. ISTOÉ. São Paulo, ano 35, n. 2180, 24 ago. 2011.

CORBÌ, Marià. Para uma espiritualidade leiga: sem crenças, sem religiões, sem deuses. Trad. Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Paulus, 2010.

HICK, John. Teologia cristã e pluralismo religioso. São Paulo: Attar Editorial, 2005.

KÜNG, Hans. A igreja tem salvação? São Paulo: Paulus, 2012.

______. “Há um cisma na Igreja entre a cúpula hierárquica e as bases”. Disponível

em:

<http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_Canal=38&cod_noticia=1 8815>. Acesso em: 04 ago. 2011.

MAY, Rollo. O homem a procura de si mesmo. 31. ed. Petrópolis: Vozes, 2005.

RIBEIRO, Claudio de Oliveira. Pluralismo e libertação. São Paulo: Paulinas, 2014.

ROCHA, Alessandro. Uma introdução à filosofia da religião: um olhar da fé cristã sobre a relação entre a filosofia e a religião na história do pensamento ocidental. São Paulo: Editora Vida, 2010.

VIGIL, José Maria. Teologia do pluralismo religioso: para uma releitura pluralista do cristianismo. São Paulo: Paulus, 2006.

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