• Nenhum resultado encontrado

REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO E SEXUALIDADE ASSOCIADAS À DANÇA: A CULTURA ENSINANDO (E DELIMITANDO) QUEM PODE (E ONDE) DANÇAR RESUMO

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO E SEXUALIDADE ASSOCIADAS À DANÇA: A CULTURA ENSINANDO (E DELIMITANDO) QUEM PODE (E ONDE) DANÇAR RESUMO"

Copied!
8
0
0

Texto

(1)

REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO E SEXUALIDADE ASSOCIADAS À DANÇA: A CULTURA ENSINANDO (E DELIMITANDO) QUEM PODE (E ONDE) DANÇAR

Andréa Bittencourt de Souza PPGEdu – ULBRA/Canoas

RESUMO

O tema deste artigo relaciona-se diretamente com a dissertação que venho desenvolvendo no programa de pós-graduação em Educação da ULBRA sobre o masculino na Dança. Procuro problematizar aqui de que forma representações de gênero e sexualidade associadas à dança, que circulam na cultura, poderão produzir efeitos no currículo da Educação Física de diferentes instâncias educacionais e particularmente sobre o masculino. Certa representação de Dança como algo feminino, ou ainda, de homossexuais, parece circular em contextos distintos e podem ser percebidas nas análises que venho desenvolvendo em minha pesquisa, tanto a partir do filme Billy Elliot, como na fala de alguns bailarinos e/ou profissionais da dança entrevistados até então. A partir destas considerações iniciais passo a refletir/dissertar como tais representações, de certa forma, interferem no quê se pode ensinar e quem ensinar nas diferentes instâncias educacionais da Educação Física, não com a intenção achar quaisquer conclusões precipitadas e sim, de fomentar tais discussões curriculares onde o gênero e a sexualidade parecem atravessar. O viés que me permite olhar e refletir sobre esta temática é a dos Estudos Culturais articulado a uma perspectiva do Gênero e Sexualidade pós-estruturalista que serviram como lentes para focar e rever minha própria prática de professora de Educação Física no ensino fundamental e superior. Talvez as representações da dança como algo do universo feminino ou da homossexualidade masculina opere como um currículo paralelo, que ensina o que não se pode ensinar na Educação Física, reforçando também valores, crenças, modos de ser e agir dominantes em nossa sociedade.

Palavras chaves – Estudos Culturais, Educação Física, dança, masculino

REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO E SEXUALIDADE ASSOCIADAS À DANÇA: A CULTURA ENSINANDO (E DELIMITANDO) QUEM PODE (E ONDE) DANÇAR

Andréa Bittencourt de Souza PPGEdu – ULBRA/Canoas

(2)

O tema deste artigo relaciona-se diretamente com a dissertação que venho desenvolvendo no programa de pós-graduação em Educação da ULBRA sobre o masculino na Dança. Neste mesmo, procuro problematizar de que forma representações de gênero e sexualidade associadas à dança, que circulam na cultura, poderão produzir efeitos no currículo da Educação Física de diferentes instâncias educacionais e particularmente sobre o masculino.

O campo teórico que me permite vislumbrar tais questões é o dos Estudos Culturais articulados a uma perspectiva do Gênero e da Sexualidade pós-estruturalista. Para perceber as possibilidades e limitações de análise dos Estudos Culturais [que segundo Costa (2000) sequer pretende ser um campo] é necessário compreender a conceituação que se faz da própria “cultura” e a sua relação com a Educação (GIROUX, 1995; COSTA, SILVEIRA & SOMMER, 2003; NELSON, TREICHLER & GROSSBERG, 1995; HALL, 1997a).

Giroux (1995) comenta que os Estudos Culturais considera a pedagogia, uma prática cultural que só pode ser entendida a partir da e na relação entre cultura, conhecimento e poder. Além disso, amplia a compreensão do que é pedagógico e de seu papel fora da escola quando constata que a aprendizagem se dá em uma gama de lugares diversificados – “tais como a mídia, a cultura popular, o cinema, a publicidade, as comunicações de massa e as organizações religiosas, entre outras” (GIROUX, op.cit., p. 90).

Outra importante compreensão para o desenvolvimento deste trabalho diz respeito à própria concepção “alargada” de cultura adotada pelos Estudos Culturais. Hall (1997) considera que a “cultura” assume uma posição de “centralidade”, pois a mesma é o cenário (a estrutura empírica real - atividades, instituições, e relações culturais na sociedade-, p.16) onde se dão as disputas de significação para transformar nossa compreensão, explicação e modelos teóricos do mundo. Ainda é importante ressaltar, como comenta Costa (2000), que o próprio surgimento dos Estudos Culturais “é o corolário de uma movimentação teórica e política que se articulou contra concepções elitistas de cultura” (p. 23), nas quais a cultura popular era considerada a outra face de uma “verdadeira cultura”.

Partindo então, destas considerações iniciais, passo a presumir (mesmo que provisoriamente) que representações dominantes de gênero e sexualidade associadas à dança passem a operar como “pedagogias culturais”, que ao serem produzidas nas/pelas práticas culturais e, ao serem postas em circulação, vão também produzindo e regulando os sujeitos, suas ações e necessidades e desta forma, o que se elenca ou não como saberes necessários para serem desenvolvidos nos currículos da Educação Física. O meu fazer cotidiano de professora tanto no ensino fundamental, com aulas de educação física, como no ensino superior, como supervisora da prática de ensino e na disciplina de Dança, alimentam também as reflexões sobre o tema proposto.

REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO E SEXUALIDADE ASSOCIADAS À DANÇA

Certa representação de Dança como algo feminino, ou ainda, de homossexuais, parece circular em contextos distintos e podem ser percebidas nas análises que venho desenvolvendo em minha pesquisa, tanto a partir do filme Billy Elliot (dirigido por Stefen Daldry, 2000), como na fala de alguns bailarinos e/ou profissionais da dança entrevistados até então.

Procuro aqui cruzar as informações advindas do filme Billy Elliot (compreendendo este filme como um texto) com a fala dos entrevistados, na tentativa de ilustrar a recorrência de tais representações, assim como

(3)

demonstrar a produtividade das mesmas na constituição do masculino. Num segundo momento valho-me da minha experiência profissional para refletir sobre possíveis implicações curriculares.

O filme Billy Elliot funcionou como um mote desencadeador das questões a serem pesquisadas, algo que se deu também articulado à perspectiva teórica do Genero e Sexualidade pós-estruturalista.

O gênero, nesta perspectiva, é considerado um constructo social e lingüístico, produto e efeito das relações de poder (MEYER, 2003; LOURO, 2001; 2004). Isso implica dizer que é no entrecruzamento de representações e pressupostos (de masculino e de feminino) de nossos mundos sociais, culturais e lingüísticos que os corpos e as subjetividades vão sendo produzidos, distinguidos, regulados, controlados e separados em sexo, gênero e sexualidade. Nessa direção, pode-se pensar, seguindo a argumentação de Louro (2001), que a inscrição do gênero masculino nos corpos é feita no contexto da cultura e com as marcas desta – assim, qualquer tentativa de distanciamento destas marcas culturais seria um sinal de anormalidade, algo não natural.

Na perspectiva de gênero aqui adotada, existe uma distinção, um “descolamento” das noções de sexo, gênero e sexualidade, pelo menos na direção de que uma não determina a outra. “Sexo”, como argumenta Weeks (2001), é “um termo descritivo para as diferenças anatômicas básicas, internas e externas ao corpo, que vemos como diferenciando homens e mulheres” (p. 43). Essas distinções são geralmente dadas no nascimento, mas os significados associados a elas são históricos e sociais. Para o autor (op.cit.), o termo “gênero” descreve esta diferenciação social entre os sexos. Já a noção de “sexualidade” se aproxima do que Foucault (2003) denominou “o corpo e seus prazeres”, sendo entendida como as inúmeras formas de expressão dos desejos e dos prazeres corporais.

O filme analisado apresenta Billy como o personagem central. Ele é um menino de onze anos que abandona as luvas de boxe (e tudo o que isso representava naquele contexto) para aprender sobre o mundo da Dança e do balé clássico. Enquanto se insere neste mundo, Billy aprende sobre as dores de se distanciar de uma representação de masculinidade dominante. Ele também aprende a vislumbrar um universo distante daquele dos mineradores de carvão (profissão de seu pai e de seu irmão, bem como da maioria dos homens daquela cidade) com a possibilidade de se tornar um bailarino e extrapolar os limites da cidade no qual vivia.

A Dança nas cenas do filme é apresentada como uma atividade feminina: a professora dá aulas de balé clássico a um grupo de meninas vestidas com malhas cor-de-rosa e sapatilhas. Elas se movimentam delicamente, de forma oposta aos rapazes, que lutam boxe. A representação da dança como algo feminino poderia então representar um obstáculo para Billy chegar a ser um bailarino.

Compreendo, aqui, a representação como um processo de significação que se faz socialmente através do(s) discurso (s) (SILVA, 2001). Cabe ainda ressaltar que a representação, nessa perspectiva, é compreendida como inscrição, marca, traço, significante, e não como processo mental (ela está fora, na cultura, mas me faz ser ou pensar ser). Além disso, a representação é relativa – isto é, ela aceita um grau de variação entre uma cultura e outra. E essas variações, no entanto, podem se dar até numa mesma localidade (HALL, 1997b).

A representação da Dança como uma atividade predominantemente feminina aparece também nas entrevistas realizadas. Utilizei nesta pesquisa nomes fictícios para preservar a identidade de meus entrevistados.

(4)

considerar a dança como uma profissão, como se o papel da mulher ainda estivesse conectado à atividades não remuneradas e domésticas. Alex, o primeiro bailarino a ser entrevistado, comenta que o principal problema em relação a ter escolhido a dança como profissão é justamente por esta estar associada ao feminino (e não ser considerada uma profissão), sofreu então, a rejeição de alguns familiares quando escolheu a mesma; Bruno parece também ter sentido tal rejeição quando insiste em dançar e não chegar a ser o que sua mãe sonhou para ele: o engenheiro. Na expectativa da mãe de Bruno pode-se perceber uma representação cultural acerca da profissão apropriada ao gênero masculino. Isto parece ter tensionado as decisões de Bruno, pois de um lado sentia-se na “obrigação” de chegar a ser o que dele era esperado, de outro queria ser bailarino.

Outra implicação para o homem que dança é estar sujeito, inclusive, a perder o próprio gênero, ou pelo menos, levantar suspeita sobre a sua masculinidade. Caio, em sua narrativa, parece demonstrar isto quando conta que dançar quando tinha 2, 3, 4 anos era considerado “bonitinho” pelos familiares. Mas, aos 7 anos, já era olhado como alguém que se distanciava da norma, visto com preocupação por seus familiares. Foi quando um tio (talvez numa tentativa de “recuperar” o menino) disse para o mesmo que se continuasse a dançar, viraria mulher. Nas suas próprias palavras podemos perceber algumas implicações desta fala:

E eu, com os meus sete anos de idade, sem ter muito conhecimento da fisiologia, do que acontece com o homem que dança muito, parei completamente de dançar. [...] com dezessete anos, eu queria procurar uma profissão, e eu fui tentar buscar uma profissão [...]que eu não precisasse me expressar muito. Por que nesses anos que eu não dancei, dos sete anos em diante, eu comecei a me tornar uma criança, um adolescente, um jovem, super tímido, cheio de medos, cheio de cacoetes, cheio de problemas assim de..., fobia social, dá pra se dizer. [...] eu busquei uma carreira que eu não precisasse entrar muito em contato com pessoas, então eu busquei a carreira de piloto de avião.

Caio, ao longo de sua vida, parece ter voltado a (ou se autorizado para) dançar, inclusive largando a sua profissão de aviador, após ter assistido a uma entrevista com Carlinhos de Jesus, famoso professor, coreógrafo e dançarino de salão, reconhecido em todo o Brasil. É como se outra representação acerca do masculino na dança o interpelasse agora, sem, no entanto, constituir uma ameaça à sua própria masculinidade. Ao se tornar professor e bailarino da dança de salão, constatou que os homens em geral são mais relutantes em fazer aulas, mesmo que, com esta forma de dança, exista maior possibilidade de aproximação com o gênero feminino. Caio menciona que normalmente os homens buscam a dança de salão para acompanhar suas esposas e namoradas e ainda, alguns deles, por insistência das mesmas.

Uma outra representação apresentada no filme é de uma suposta relação do homem que dança com a homossexualidade (já que a Dança é representada como feminina). Isto está posto em diferentes cenas, uma delas é na que transcrevo a seguir, num diálogo de Billy com seu pai quando o mesmo descobre que está fazendo aulas de balé às escondidas:

Pai - Balé?

Billy - Qual é o problema com balé? [...]

(5)

Avó - Eu costumava ir ao balé . Billy - Viu ?

Pai - Para a sua avó, para as meninas. - Não para os rapazes Billy.

- Rapazes jogam futebol, lutam boxe ou luta livre, não essa droga de balé! [...]

Billy - Não vejo o que isso tem de errado. - Balé não é coisa de “viado”.

O diálogo travado entre pai e filho apresenta, dentre outras coisas, a idéia do bailarino como homossexual, como também delimita as atividades consideradas “apropriadas” ao gênero masculino: futebol, boxe e luta livre . O balé clássico é apontado como uma prática de meninas, do gênero feminino. Um menino, ao realizar algo considerado feminino (o balé) perturba a aparente “ordem natural das coisas”, explícita no diálogo com o seu pai; além disso, Billy levanta também a possibilidade de ser homossexual.

Penso que, a partir da fala de Caio, pode-se perceber uma associação da Dança não somente à homossexualidade masculina, mas também, da Dança a uma sexualidade desviante:

Então, o homem não dança, o homem não chora, o homem não rebola, senão é gay. Nada contra os gays, só que, não quer dizer que se chorar vai ser gay, se vai dançar vai ser gay, se vai rebolar vai ser gay, não. [...] como eu não sou gay, não gosto que me chamem de gay. [...] quando eu comecei a dançar a minha mãe pensou que eu tinha virado gay [...] depois de certo tempo eu comecei a me relacionar com uma pessoa, diga-se namorada, depois não tive mais, tive outra e tal, daí começou a ter um outro preconceito, o cara que dança é meio tarado [...]. Daí depois de tarado tem uma terceira fase, já que tu se relacionaste com muitas, com muitas não, com algumas e depois não mantém o relacionamento contínuo, as pessoas vêem essas pessoas com outras pessoas, tu é corno. Então existem umas três fases: primeiro tu é gay, depois é tarado, depois tu é ou vira corno.

Os homens, ao se aproximarem da dança, parecem já estarem sob suspeita. Como se, ao tornarem-se bailarino, tivessem de tornar pública a sua opção sexual, ou ainda provar que são heterossexuais. O filme Billy Elliot marca constantemente a heterossexualidade do menino procurando desconstruir tal representação de bailarino homossexual. Ser um bailarino/dançarino gera certa ambiguidade, pois afinal, ele é ou não homossexual? Écomo se permanessesse na fronteira divisória do gênero e da sexualidade e como Louro (2004) comenta “um lugar incômodo demais para permanecer” (p. 19).

Bruno, ao tornar-se coreógrafo e bailarino e independente da sua orientação sexual, procura marcar atributos da masculinidade dominante, como a força e a virilidade no seu trabalho coreográfico. Desta forma, distancia-se dos rótulos do bailarino homossexual ou de uma dança efeminada. Diz ter sido melhor aceito socialmente por esta característica do seu trabalho.

O masculino parece ter que superar/transpor uma extensa (e poderosa) barreira de gênero e sexualidade para chegar a ser um bailarino/dançarino. Tanto Billy, como Alex, Bruno e Caio precisaram ultrapassar (ou ficar em

(6)

sua linha divisória) tais obstáculos das representações de gênero e sexualidade associadas à dança. Ao se posicionarem como bailarinos, assumem também os riscos e ambigüidades desta identidade. Outra recorrência encontrada é que todos os entrevistados ascendem rapidamente à condição de bailarinos. É como se, ao superarem os piores obstáculos, buscassem seus objetivos rapidamente e em pouco tempo, tornaram-se bailarinos, coreógrafos, professores e estudiosos da dança.

É fato que homens dançam os mais diferentes estilos nos diferentes contextos culturais, no entanto, considero que as representações da dança como uma prática feminina, bem como do bailarino como um sujeito homossexual, de certa forma, constituem/subjetivam o masculino, seja ele o bailarino ou aquele sujeito que sequer arrisca um passo de dança. Falo isto, partindo não somente das minhas análises preliminares na pesquisa, mas também pela dificuldade que muitas vezes encontro/encontrei em ministrar a dança na educação física. Acrescento ainda, a sempre relatividade e o caráter circunstancial das representações, isto quer dizer que estas “verdades” são provisórias e não podem ser extendidas a todo e qualquer contexto.

Na seção seguinte passo a refletir/dissertar como tais representações, de certa forma, interferem no quê se pode ensinar e quem ensinar nas diferentes instâncias educacionais da Educação Física, não com a intenção achar quaisquer conclusões precipitadas e sim, de fomentar tais discussões curriculares onde o gênero e a sexualidade parecem atravessar.

ALGUMAS IMPLICAÇÕES CURRICULARES PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA

Desde o lançamento dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1996) muitos debates a respeito do que se ensinar na Educação Física foram desencadeados. A questão da dança é uma delas pois, muitas vezes, tal prática não é vista como uma componente curricular da educação física. Afirmo estas questões em decorrência da minha experiência particular como professora de educação física no ensino fundamental, há mais de dez anos e, mais recentemente, como professora universitária na disciplina de Dança e na supervisão de estágios.

Neste meu cotidiano de educadora e agora instrumentalizada pelo referencial teórico adotado percebo certa dificuldade de desenvolver as práticas de dança no currículo escolar. Considero que as representações de gênero e sexualidade associadas à dança (e em conjunto com diversos outras fatores) possam produzir efeitos tanto na seleção de conteúdos/saberes a serem desenvolvidos na Educação Física, como também na adesão ou não dos alunos (meninos) a tal prática.

Posso presumir que dançar para (alguns) meninos seria como um sinal de anormalidade, um distanciamento das práticas ditas masculinas como o futebol, lutas, entre outras, ou ainda, assumir a possibilidade de uma sexualidade desviante (o da homossexualidade, por exemplo). Nesta direção posso vislumbrar que o que circula no mundo social como a “verdadeira” masculinidade entrecruzada à representação de que a dança é uma atividade feminina, promovam no mínimo, certo constrangimento ao menino/homem que dança. Talvez isto venha ao encontro do que foi dito nas entrevistas realizadas, apesar dos entrevistados terem demonstrado gostar de dançar desde crianças, é somente no final da adolescência que efetivam suas escolhas pela dança, ou ainda, se autorizaram a dançar. Mesmo no caso de Alex: criado no mundo da dança e pela mãe bailarina.

(7)

Quero ressaltar aqui a sempre relatividade das representações, pois nos próprios contextos escolares, percebo que algumas formas de dança são convecionadas como masculinas e desta forma, não carregam o rótulo da homossexualidade, como o rap, o funk e a própria dança tradicionalista gaúcha. Uma cena que ilustra isto se passou na escola em que trabalho na periferia de Porto Alegre, onde um grupo de seis ou sete meninos, com idades entre 8-9 anos, subiu num tablado montado no pátio da escola na hora do recreio. Eles subiram para dançar o que parecia ser um “funk”. Cantavam a letra da música e dançavam com um rebolado que pareciam imitar um ato sexual e, com uma naturalidade surpreendente, faziam caras engraçadas e gestos obscenos. Neste caso, a dança não estaria confrontando a norma de ser masculino naquele contexto, ao contrário, estava reforçando-a numa espécie de exaltação.

Essa distinção entre as danças populares e eruditas parece ser importante, aqui, pois a representação do bailarino como homossexual não é atribuída a todas as formas de Dança (apesar de alguns sujeitos parecerem também sentir os efeitos desta representação, ao exercerem uma determinada dança profissionalmente). No entanto, especialmente no balé clássico, o homem que dança é geralmente marcado como “gay”. O balé clássico, que apresenta uma movimentação extremamente técnica, “lapidada” e “refinada” (mesmo quando vigorosa), acaba por perturbar, pois essa polidez e delicadeza (resquícios de um processo civilizatório francês) são geralmente associadas ao sexo feminino e opõe-se totalmente às representações dominantes de masculinidade.

No contexto universitário que trabalho, a Dança, até pouco tempo atrás, era uma disciplina obrigatória. Ao longo de nove semestres ministrando a mesma, pude observar uma forte resistência por parte dos rapazes (ao contrário do que acontece com as moças). Resistência esta, que se manifesta de diversas maneiras: revolta, medo do desconhecido e até deboche. Muitas vezes os alunos do sexo masculino demonstram, com gestos e palavras, o que pensam sobre o uso de “sapatilhas” e “malhas cor-de-rosa” – alguns fazem “caras e bocas”, simulando uma posição típica do balé clássico, entre outras coisas. Talvez uma implicação destas próprias representações seja o fato da disciplina de Dança ter perdido a sua obrigatoriedade, depois de seqüentes semestres com pouca procura.

Penso que não podemos ignorar que representações de gênero e sexualidade atravessem os currículos das diferentes áreas de conhecimento. Quem sabe, aliar-me (mesmo que de forma parcial e provisória) a uma pedagogia queer (LOURO, 2004) é procurar desconstruir, duvidar de tais representações e mostrar o caráter inventado das mesmas. É, talvez, não aceitar a cômoda situação de que isto é de meninos ou meninas nas aulas de educação física, é optar pela fronteira (por mais difícil que seja este caminho pareça ser).

(8)

BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FÍSICA. parâmetros Curriculares Nacionais. Educação física. MEC, 1998.

COSTA, Marisa Vorraber. Estudos Culturais – para além das fronteiras disciplinares. In: ______.(org.). Estudos Culturais em Educação: mídia, arquitetura, brinquedo, biologia, literatura, cinema... Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2000.

COSTA, Marisa Vorraber; SILVEIRA, Rosa Maria Hessel & SOMMER, Luis Henrique. Estudos culturais, educação e pedagogia. Revista Brasileira de Educação nº.23,maio/jun/jul/ago 2003. p.36-61.

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Trad. Maria Thereza da Costa Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 2003.

GIROUX, Henry A. Praticando Estudos Culturais nas Faculdades de Educação. In: SILVA, T.T. da. Alienígenas em sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis: Vozes, 1995.

HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Educação & Realidade, vol. 22 (2), jul./dez. 1997a. p. 15-46.

______. Social representation. In: HALL, Stuart.(Org.) Representation. Cultural Representations and Signifying Practices. Sage/Open University: london/Thousand Oaks/New Delhi, 1997.

LOURO, Guacira Lopes. Pedagogias da sexualidade. In:______. (org.).O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

______.Uma política pós- identidária para a educação. In: LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho – ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

MEYER, Dagmar E. , Gênero e educação: teoria e política. In: LOURO, Guacira Lopes; NECKEL, Jane Felipe e GOELLNER, Silvana (orgs.).Corpo, gênero e sexualidade- um debate contemporâneo na educação. Petrópolis: Vozes, 2003.

NELSON, C., TREICHLER, P. A. & GROSSBERG, L. Estudos Culturais: uma introdução. In: SILVA, T.T. da. Alienígenas em sala de aula: uma introdução aos estudos culturais no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1995.

WEEKS, Jeffrey. O corpo e a sexualidade. In: LOURO, Guacira Lopes (org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

Referências

Documentos relacionados

Como instância pedagógico-cultural os ateliêstransmitem significados ou conhecimentos culturais que mesmo não sendo parte do conteúdo escolar, ou do

Quando pensamos o imaginário coletivo como manifestações simbólicas de subjetividades grupais que conformam ambientes humanos, configurando.. 52 verdadeiros mundos em

Na contramão desses avanços, é notório o crescimento da atuação de parlamentares comprometidas/os com uma pauta de negação da cidadania e mesmo da humanidade

Na primeira, apresentamos o Programa Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE) e o Programa Saúde na Escola (PSE); na segunda, situamos o que consideramos como ameaças à perspectiva

No primeiro semestre de 2010, continuando as oficinas teatrais baseadas no método de Augusto Boal e as discussões sobre história e memória, os estagiários, em conjunto com os

Assim, com uma música expressiva e uma batida forte (tambores e guitarras), eles chamaram a atenção de empresários de festivais, sendo convidados para tocar na

1) O atendimento de nossos clientes é realizado por empregados da XP Investimentos CCTVM S/A (“XP Investimentos ou XP”) ou por agentes autônomos de investimento que

Um programa de ampliação da cobertura de abastecimento de água e outros serviços de saneamento básico, como o Programa Água para Todos na Bahia, pode ter efeitos significativos