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AS IMPLICAÇÕES DA CRISE NA EDUCAÇÃO NO PENSAMENTO POLÍTICO DE ARENDT

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Academic year: 2021

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AS IMPLICAÇÕES DA CRISE NA EDUCAÇÃO NO PENSAMENTO POLÍTICO DE ARENDT

Nei Jairo Fonseca dos Santos Junior Doutorando/PPGE da UFPel (Linha: Filosofia e História da Educação)

Este texto sustenta a proposta de que a educação, em uma república, pode ser constituída por cidadãos ativos. Sustentar tal proposta exige o aprofundamento de dois problemas: o primeiro remete à definição de cidadão ativo; o segundo trata do papel do sistema escolar. Definir o cidadão como aquele que exerce, ou em potência, pode exercer uma função pública, não é suficiente para esclarecer o primeiro problema. Por isso, referenciado nos escritos de Arendt, o texto explora o tema da ação. Para compreender a especificidade da ação, em Arendt, convém distingui-la da fabricação. “Agir” é tomar uma iniciativa, é começar algo novo. Conceber a ação a partir do modelo da fabricação pode engendrar uma perspectiva totalitária. A experiência da ação humana, então, está vinculada com o tema da educação, em particular, com a instituição escolar.

A educação é uma atividade necessária à comunidade humana que se renova constantemente a partir do nascimento de novos seres humanos. Algumas condições da existência humana são: natalidade; mortalidade; pluralidade; mundanidade, as quais são insuficientes para responder o que é o ser humano pela simples razão delas não condicionarem os homens, isto é, não lhes negam a liberdade. Por tais condições, a educação não é algo dado, isto é, pronto e acabado, devendo ser continuamente repensada em função das transformações do mundo, pois se refere àqueles assuntos que estão entre os homens, isto é, que lhes interessam quando entram em relações políticas uns com os outros, e que está

continuamente sujeito à novidade e à instabilidade provocada pela ação dos recém-chegados.

O interesse de educadores, pesquisadores que interagem com o campo da educação, tem crescido em relação à obra de Hannah Arendt, embora este campo não seja a prioridade de suas reflexões. Nesse sentido, este texto visa compreender a riqueza das reflexões de Arendt sobre a educação, em articulação com a complexidade de seu pensamento filosófico e

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2 político, buscando o entendimento da experiência do presente a partir do confronto com o legado da tradição1.

Na Era Moderna, Arendt percebeu uma inversão na hierarquia da vita activa: a “obra” foi glorificada como a mais importante atividade humana, deslocando tanto a contemplação filosófica, como a ação política. Ainda na Era Moderna, surgiu o que Arendt denomina “esfera do social”, que é constituída na elevação dos negócios econômicos do lar doméstico (oikia) ao espaço da esfera pública. Dessa forma, as questões de subsistência ganharam importância pública, e a única preocupação comum das pessoas passou a ser a preservação de seus interesses privados, provocando uma indistinção entre a esfera pública e a esfera privada, e a submersão de ambas na “esfera do social”.

Deste modo, a crise na educação no mundo moderno, apontada por Arendt, está relacionada com a incapacidade da escola em desempenhar sua função mediadora entre os domínios do privado e do público, apresentando uma incapacidade do ser humano cuidar, conservar e transformar o mundo.

Ação e Fabricação

A ação – atividade que integra a expreção Vita Activa – não é identificada como uma atividade de produzir efeitos, mas é, um desvelar mundo. Nesse desvelar provocado pela própria condição de homens e mulheres diferentes viverem juntos em um mesmo mundo, Arendt descreve tal atividade da seguinte forma:

A ação, única atividade que se exerce diretamente entre os homens sem a mediação das coisas ou da matéria, corresponde à condição humana da pluralidade, ao fato de que homens, e não o Homem, vivem na Terra e habitam o mundo. Todos os aspectos da condição humana têm alguma relação com a política; mas esta pluralidade é especificamente 'a' condição [...] de toda a vida política (ARENDT, 1987, p.15).

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Hannah Arendt nomeia de Tradição o período iniciado por Platão, na Alegoria da Caverna. O filósofo grego abandona a política concedendo um lugar inferior ao campo dos assuntos mundanos para contemplar a verdade que estaria no mundo das ideias ou mundo suprassensível. Platão interpreta a esfera dos assuntos humanos como ilusória, leviana, efêmera, valorizando as ideias eternas. O filósofo deveria então abandonar a mundaneidade e se concentrar na busca do fundamento metafísico. A partir dai, passando pela Idade Média e Moderna, todos os filósofos seguiram essa tradição. Para Arendt, o fim dessa Tradição veio quando Marx inverteu a hierarquia presente na reflexão platônica, alertando que o lugar da Filosofia e sua verdade estão no mundo comum e não fora dos assuntos dos homens e de seu convívio. De acordo com Marx, os filósofos já interpretaram bastante o mundo e é chegada a hora de transformá-lo. “O conceito de verdade elaborado por Platão está em proporção inversa à noção de doxa, tão importante na Grécia. A distância entre opinião e verdade tornou-se então o abismo que viria a separar os filósofos dos homens comuns” (XARÃO, 2000, p. 59-60).

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3 A autora prioriza em suas reflexões a capacidade humana de ação. A ação é a única que se exerce diretamente entre as pessoas, sem a mediação das coisas ou da matéria. É ela que cria a possibilidade para o exercício da liberdade e, consequentemente, para o aparecimento do novo. Para Arendt, é aqui que se encontra a possibilidade de liberdade, enquanto capacidade de reger o próprio destino, de começar algo novo.

A ação humana não esta submissa a objetivos determinados, sendo assim a finalidade da ação está na própria ação, visto que ela é um modo de existência tanto do individuo singular quanto da comunidade.

Uma perspetiva para compreender a especificidade da ação em Arendt é diferencia-la da fabricação. O sujeito que fabrica alguma coisa tem em mente um modelo, um projeto ou uma ideia, e nessa empreitada, a fabricação é o conjunto de operações que possibilitam chegar ao objeto acabado: uma mesa; um automóvel etc.

No ensaio A crise da cultura: Sua Importância Social e Política, Arendt caracteriza a fabricação da seguinte forma:

A fabricação, mas não a ação ou a fala, sempre implica meios e fins; de fato, a categoria de meios e fins obtém sua legitimidade da esfera do fazer e do fabricar, em que um fim claramente reconhecível, o produto final, determina e organiza tudo que desempenha um papel no processo – o material, as ferramentas, a própria atividade e mesmo as pessoas que dele participam; tudo se torna meros meios dirigidos para o fim e justificados com tais (ARENDT, 2001, p. 269).

Pensar em termos de fabricação significa pensar em termos de meios e fins, dessa forma, uma consequência em conceber a ação segundo o modelo da fabricação é reduzir esta capacidade a uma técnica; um conjunto de meios que permitem se chegar a um determiando resultado. Outra consequência presente no modelo de fabrição é a ação violenta, pois o fabricante de mesas ou camas deforma a madeira ou o ferro etc, para lhes impor a forma desejada, logo, para o fabricante tudo não passa de material.

Conforme Arendt, a concepção de ação quando pensada segundo o modelo de fabricação engendra uma deriva totalitária. Concebendo a comunidade humana como uma espécie de material que pode ser modelado em função do interesse privado de alguns poucos. Essa deriva reduz os cidadãos à situação de objetos passiveis de manipulação, ou à condição de animais que podem ser explorados ou domesticados,

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4 nesse caso, os regimes totalitários do século XX apresentaram consequências do emprego dessa lógica.

Os escritos de Arendt, entre outros apontamentos, podem ser caracterizado como tentativa de diferenciar cuidadosamente a ação política da fabricação. Visto que a ação política não é um conjunto de técnicas que permitem efetivar determinado projeto, mas é um modo de existência com finalidade em si mesmo.

[...] a ação tem a relação mais estreita com a condição humana da natalidade; o novo começo inerente ao nascimento pode fazer-se sentir no mundo somente por que recém-chegados possui a capacidade de iniciar algo novo, isto é, de agir. [...] Além disso, como a ação é a atividade política por excelência, a natalidade, e não a mortalidade, pode ser a categoria central do pensamento político, em contraposição ao pensamento metafísico (ARENDT, 2010, p. 10).

Arendt é, antes de tudo, uma pensadora dos reinícios, da capacidade humana de recomeçar, de se reinventar e sua originalidade esta em atribuir à natalidade um lugar tão decisivo quanto a mortalidade.

Ação e educação

O ser humano ao nascer, introduz a novidade e a iniciativa no mundo, por ser inédito, singular e imprevisível. Sendo assim, o destino da criança e sua capacidade de inovação não podem ser controlados pelos adultos, embora possam ser destruídos por uma educação mal pensada. Então, o significado da educação está vinculado às condições de instituição, intersubjetividade, compartilhamento e conservação do mundo comum.

Nessa perspectiva, conforme Patrice Canivez:

[...] um mundo que pensa tudo em termos de fabricação, em que tudo o que acontece pode ser deduzido de um projeto, em que todas as concequências estão idealmente sob controle, é um mundo que, de certa forma, vive esquecido da natalidade. Mundo para o qual o fato do nascimento é completamente incompreensivel, porque o nascimento é um começo absoluto, cujas consequências (a vida e o futuro da criança) escapam ao controle dos pais (CANIVEZ, 1991, p. 138).

A ação política para Arendt assume a condição da natalidade, e esta ligada à condição humana da pluralidade, entendendo que a vida humana é essencialmente vida em comum, pois a capacidade humana de agir é agir com e sobre os outros individuos

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5 livres e iguais. Agir é tomar uma iniciativa, começar algo novo, falar, solicitar o assentimento e o acordo do outro, por isso agir passa essencialmente pela palavra, não sendo possível agir sem dirigir-se aos outros, provocando uma série de reações indefinidamente multiplicadas, que escapam totalmente a pertença de quem desencadeou a ação, no entanto, a responsabilidade cabe a todos. Nesse sentido, a responsabilidade com o mundo comum ou esfera pública não pode ser construída apenas para uma geração e planejada somente para os que estão vivos: ela deve transcender a duração da vida de homens mortais.

No artigo A crise na educação, publicado na obra Entre o Passado e o Futuro (ARENDT: 2001), a autora (ARENDT, 2001, p. 221) desenvolve uma reflexão, a partir da crise da educação nos Estados Unidos da América, no final da década de 1950, evidenciando “um problema político de primeira grandeza”. A natalidade é, como ja mencionado, a categoria central do pensamento político, que se estende para o campo da educação, porque educação e ação estão ligadas pelo mesmo fato central, que é a natalidade, porquanto a essência da educação é a natalidade, fato de seres humanos nascerem do mundo e para o mundo.

Entendendo o mundo como um espaço comum, onde homens e mulheres livres podem agir, a tarefa da educação é empreender a adequada inclusão dos recém-chegados num mundo que lhes antecede, que lhes é estranho e que, ademais, deve perdurar após a morte deles. Aquilo que aparece no mundo comum passa a existir para uma pluralidade de pessoas, embora cada pessoa possa perceber o que se manifesta segundo uma perspectiva particular, é possível falar de uma mesma coisa.

O mundo comum, como já testemunhou Arendt, com a novidade totalitária, está sujeito à novidade e à instabilidade, também provocada pela ação dos recém-chegados, portanto, assumir responsabilidade pelo mundo, o que a autora denominava de amor mundi, significa contribuir para que o conjunto de instituições políticas e leis que foram legadas aos seres humanos não sejam continuamente transformadas ou destruídas segundo interesses privados. Quem educa não restringe sua responsabilidade apenas pelo “desenvolvimento da criança”, mas também pela própria “continuidade do mundo” (ARENDT, 2001, p. 235). Responsabilizar-se pelo mundo é comprometer-se com sua continuação e conservação.

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6 De acordo com a autora, a educação é determinante no sentido da conservação do mundo comum. A função do educador tem por atribuição apresentar às crianças e aos jovens o conjunto de estruturas racionais, científicas, políticas, históricas, linguísticas, sociais e econômicas que constituem o mundo comum que eles compartilham. Futuramente, quando as crianças e jovens forem adultos, assumirão a responsabilidade por este mundo por meio da ação política, tal movimento pressuporá terem aprendido a conhecer a complexidade do mundo em que vivem. Nessa direção, Arendt deixa subentendido que a educação possui um papel político fundamental, com relação ao futuro, quando os educandos tiverem de assumir sua função cidadã, e a razão disso está no cuidado com mundo comum, que para poder ser transformado, deve estar sujeito à conservação:

[...] parece-me que o conservadorismo, no sentido de conservação, faz parte da essência da atividade educacional, cuja tarefa é sempre abrigar e proteger alguma coisa – a criança contra o mundo, o mundo contra a criança, o novo contra o velho, o velho contra o novo. (ARENDT, 2001, p. 242).

No diagnóstico de Arendt, homens e mulheres vivem num mundo em que as qualidades de distinção e excelência cederam lugar à homogeneização e à recusa de qualquer hierarquia. A autora aponta para o fato de que as fronteiras entre o mundo adulto e infantil vêm se tornando cada vez mais delicadas, indicando a falta de responsabilidade e o despreparo dos adultos para introduzir os recém-chegados no mundo.

Arendt assume a postura política do cuidado para com o mundo, diferente da atitude predominante na modernidade, qual seja, a “alienação do homem” em relação ao mundo comum, origem do moderno subjetivismo filosófico e literário e das tendências psicologistas do pensamento social e educacional contemporâneo. Neste contexto, o ser humano passa a se compreender e a se comportar quase exclusivamente como um animal laborans, um ser condicionado ao ciclo ininterrupto do trabalho e do consumo, limitando seu interesse à sobrevivência e felicidade imediata.

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7 A crise na educação é um indício de uma crise de estabilidade das instituições políticas e sociais. A escola é, para Arendt, a “instituição que interpomos entre o domínio privado do lar e o mundo com o fito de fazer com que seja possível a transição, de alguma forma, da família para o mundo” (2001, p. 238).

Assim, a crise na educação vincula-se à incapacidade da escola e do educador em desempenhar sua função de mediador entre o mundo e as crianças. Nesse percurso, a educação deve ser responsável pela capacidade humana de ação e transformação, se necessário, protegendo o desenvolvimento da criança contra as pressões do mundo, ao mesmo tempo em que deve preparar a criança para conservar o próprio mundo futuramente.

Essas duas responsabilidades de modo algum coincidem; com efeito, pode entrar em mútuo conflito. A responsabilidade pelo desenvolvimento da criança volta-se em certo sentido contra o mundo: a criança requer cuidado e proteção especiais para que nada de destrutivo lhe aconteça de parte do mundo. Porém também o mundo necessita de proteção, para que não seja derrubado e destruído pelo assédio do novo que irrompe sobre ele a cada nova geração. (ARENDT, 2001, p. 235)

A complexidade em compreender a tarefa da educação evidencia o problema da crise na educação, que não deve expor totalmente as crianças e jovens à luz e às pressões da esfera pública, resguardando um espaço de independência e autonomia para estes, em relação ao mundo tal como ele existe. Contudo, é necessário que os responsáveis pela educação não se sintam isentos de assumir a responsabilidade pelo mundo. Esta decorre do fato deles mostrarem aos novos o lugar no qual eles, adultos, pertencem e agem.

Conforme Sônia Schio (2013, p. 210)

Nesse viés, pode-se afirmar que à escola, em sentido amplo, cabe oportunizar aos “novos seres” por nascimento passarem a compor o “mundo humano”, preservando, assim, sua capacidade de inovação. Mas isso precisa estar claro quando são planejadas as diretrizes que orientarão a busca do aperfeiçoamento das capacidades e das habilidades em vista de um ser humano culto, consciente, crítico, mesmo que ele opte por tornar-se o contrário de tudo isso, mais tarde. Em outros termos, à instituição educacional, desde o ensino dos anos iniciais (ou mesmo antes, na educação infantil) até os cursos profissionalizantes ou de graduação e pós-graduação, precisam oportunizar, e não obrigar, treinar ou impor, um modo de pensar e de viver.

Para Arendt, diante da defesa da possibilidade de que os homens adultos possam trazer a novidade ao mundo, não cabe à educação esta função, pois ela deve voltar-se

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8 para o conhecimento, saberes, valores e princípios da instituição escolar e do mundo comum do presente e do passado.

A educação não pode desempenhar papel nenhum na política, pois na política lidamos com aqueles que já estão educados. [...] Mas mesmo às crianças que se quer educar para que sejam cidadãos de um amanhã utópico é negado, de fato, seu próprio papel futuro no organismo político, pois, do ponto de vista dos mais novos, o que quer que o mundo adulto possa propor de novo é necessariamente mais velho do que eles mesmos. Pertence à própria natureza da condição humana o fato de que cada geração se transforma em um mundo antigo, de tal modo que preparar uma nova geração para um mundo novo só pode significar o desejo de arrancar das mãos dos recém-chegados sua própria oportunidade face ao novo. (ARENDT, 2001, p. 225-226)

No exercício de estabelecer os diferentes lugares da educação e da atividade política corre-se o risco de infantilizar a educação e a própria política. É a partir desta distinção que Arendt critica projetos educacionais progressistas, considerando-os autoritários e contraditórios, já que toda tentativa de “produzir o novo como um fait accompli, isto é, como se o novo já existisse” (ARENDT, 2001, p. 225), impede sua efetiva aparição.

A tarefa da educação é, portanto, difícil e crítica, porque a reflexão de Arendt sobre este tema aponta para a autoridade, sem a qual o ensino é impossível e não se trata de demonstração de força. A autoridade assenta-se tanto sobre o saber do professor quanto sobre o fato dele encarnar, ao ponto de vista das crianças e jovens, o saber de uma civilização. Em suma, Arendt pensa que a educação está continuamente sujeita à crise e à exigência de se repensar, sendo um campo em permanente tensão, porque é difícil obter essa autoridade, ou restabelecê-la, numa sociedade que cultiva a obsessão pela novidade e despreza o passado.

Entende-se que a reflexão de Arendt sobre a crise da educação aponta uma perspectiva para pensar as relações entre pais e filhos e entre professores e alunos. Em ambos os casos, o que se observa é a perda de responsabilidade pelo mundo, tanto no sentido da perda das garantias de sua conservação, quanto no sentido da perda das condições para a sua efetiva transformação política. Portanto, o problema educacional é um problema político de primeira grandeza e não se resume a ser uma questão pedagógica. Ele se refere ao problema da perda do espaço público, o qual traz consigo uma perda de responsabilidade para com o mundo e, assim, também uma crise generalizada da educação.

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9 Arendt (2001, p. 128) indica que o sintoma mais significativo da crise da autoridade no mundo moderno é o fato dessa crise ter...

[...] se espalhado em áreas pré-políticas tais como a criação dos filhos e a educação, onde a autoridade no sentido mais lato sempre fora aceita como uma necessidade natural, requerida obviamente tanto por necessidades naturais, o desamparo da criança, como por necessidade política, a continuidade de uma civilização estabelecida que somente pode ser garantida se os que são recém-chegados por nascimento forem guiados através de um mundo preestabelecido no qual nasceram como estrangeiros.

Os escritos de Arendt possibilitam pensar que a crise na educação é também uma crise da autoridade legítima, isto é, uma crise da perda de estabilidade, tanto do conhecimento quanto do próprio sentido de responsabilidade dos professores e dos adultos pelo mundo em que vivem. “A autoridade foi rejeitada pelos adultos, e isso somente pode significar uma coisa: que os adultos se recusam a assumir a responsabilidade pelo mundo ao qual trouxeram as crianças” (ARENDT, 2001, p. 240).

Dessa forma, a crise na educação constitui o problema político da modernidade entendido como uma crise do mundo público, da autoridade e da tradição em meio à “sociedade de massas” e suas demandas ininterruptas. Pensar sobre a educação, então, também implica em pensar sobre a categoria da ação política em Arendt. Tal categoria está relacionada à imprevisibilidade, ás infinitas possibilidades abertas a partir de cada iniciativa humana, que não se limitam às expectativas de realização pessoal, mas portam o intuito de dar continuidade a um mundo de construções e artificialismo propriamente humanos. Nesse caso, não se trata de recuperar o conservadorismo, pois não pode ser considerada conservadora uma reflexão que se dispõe, a partir de uma esperança direcionada capacidade para agir, que a natalidade enseja, a permanente e igualitária capacidade para começar algo novo. Para que a possibilidade de renovação se efetive, um conjunto de prévios elementos devem assegurar as mediações e interferências para as novas gerações, nesta perspectiva, a educação é algo a se herdar e se a se renovar.

Bibliografia

ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987.

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10 ______. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2001.

______. A Crise da Educação. In: Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2001, p. 221-247.

_______. A Crise da Cultura: Sua Importância Social e Política. In: Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2001, p. 248-281.

______. A Condição Humana. Tradução: Roberto Raposo. Revisão técnica: Adriano Correia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.

CANIVEZ, Patrice. Educar o cidadão. Campinas, SP: Papirus, 1991.

SCHIO, Sônia Maria. Hannah Arendt: educação grega ou romana?. Argumentos, Fortaleza, ano 5, n. 9, p. 205-215, jan./jun. 2013.

Referências

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