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Regulação da oxidação dos nutrientes e equilíbrio energético

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Academic year: 2021

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Regulação da oxidação dos nutrientes e equilíbrio energético

Índice

1 A despesa energética e a sua medição ... 1

2 As componentes da despesa energética ... 3

2.1 A despesa energética basal ou taxa de metabolismo basal ... 3

2.1.1 Metabolismo basal não diretamente relacionado com a síntese de ATP ... 3

2.1.2 Metabolismo basal diretamente relacionado com a síntese de ATP ... 5

2.1.3 Fatores que determinam a taxa de metabolismo basal normal ... 5

2.1.4 A taxa de metabolismo basal em situações patológicas ... 6

2.2 A despesa energética associada à atividade física voluntária... 7

2.3 Efeito termogénico dos nutrientes ... 8

2.4 Despesa energética associada ao frio ... 8

3 A energia metabolizável dos alimentos e o balanço energético ... 9

3.1 Balanço energético na ausência de ingestão de macronutrientes ... 9

3.2 A energia metabolizável dos alimentos... 10

3.3 O balanço energético ... 10

3.4 A obesidade ... 11

4 A seleção dos nutrientes que sofrem oxidação no organismo ... 12

5 Anexos ... 13

5.1 Anexo 1 – Nos seres vivos o trabalho é irrelevante ... 13

5.2 Anexo 2 - Calorimetria indireta... 14

5.3 Anexo 3 - A técnica da “água duplamente marcada” ... 15

5.4 Anexo 4 – Medida da composição corporal e sua relação com o Índice de Massa Corporal... 15

5.5 Anexo 5 – Medida da composição corporal e da despesa energética na avaliação do balanço energético numa situação experimental. ... 16

6 Bibliografia consultada ... 16

1

A despesa energética e a sua medição

Mesmo durante o sono os processos biológicos em que o ATP sofre hidrólise não param. Nestas condições, gasta-se ATP (ou outros nucleosídeos trifosfato que podem ser regenerados via ATP) na atividade das bombas de Na+-K+ e Ca2+ e outros processos de transporte ativo, na contração muscular do coração e músculos respiratórios e em processos anabólicos como a síntese de ácidos nucleicos, a síntese de proteínas, a gliconeogénese, a glicogénese, a síntese de lipídeos, etc. Se pensarmos numa criança em crescimento, os processos anabólicos predominam em relação aos catabólicos. Num indivíduo adulto que mantenha constante a sua massa e constituição corporal, pelo menos quando vistos num intervalo de tempo de um dia, por exemplo, os processos anabólicos e catabólicos equivalem-se mas, na componente anabólica destes processos cíclicos, gasta-se ATP.

A quantidade total de ATP do organismo (cerca de 120 mmol) é escassa e, mesmo em repouso, se a sua síntese for interrompida (com a ingestão de cianeto, por exemplo), a descida da sua concentração nas células leva à morte em alguns segundos. Estima-se que, em repouso, um indivíduo adulto hidrolisa cerca de 40 mmol/min, mas a concentração de ATP mantém-se estacionária porque cada molécula de ATP

hidrolisada é imediatamente reposta,

maioritariamente por ação da síntase de ATP mitocondrial. No entanto a síntese de ATP está dependente dos processos oxidativos da cadeia respiratória e, em última análise, do catabolismo dos glicídeos, dos lipídeos e das proteínas (habitualmente designados de macronutrientes). O catabolismo do glicogénio, por exemplo, inclui, num primeiro passo, a sua fosforólise, mas o processo relevante é a oxidação (pelo O2) dos

monómeros constituintes a CO2 e água. No caso

das gorduras os produtos do catabolismo também são CO2 e água enquanto no caso das proteínas há

que acrescentar a ureia e outros produtos azotados (fundamentalmente amónio e creatinina) que se perdem na urina.

Numa qualquer transformação química a energia libertada ou captada do meio corresponde à diferença entre a entalpia dos reagentes e dos produtos. Na transformação do ATP (+ H2O) em

ADP + Pi a reação é exotérmica libertando 5 kcal1

1 1 caloria (cal) corresponde à quantidade de calor necessária para aumentar de 1 ºC (mais rigorosamente entre 14,5-15,5ºC) 1 grama de água. A evolução da linguagem escrita e oral é inevitável e, frequentemente, essa evolução é inócua. Noutros casos essa evolução é infeliz porque confunde conceitos. A grandeza caloria é muito pequena quando falamos de alimentos e alguém um dia resolveu passar a escrever Caloria com maiúscula para exprimir a ideia de kcal. Essa mudança, apesar de infeliz, impôs-se na literatura médica e assim,

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por mole porque a entalpia dos reagentes é maior que a dos produtos e é este o valor da diferença de entalpias (∆H). Obviamente que a transformação simétrica em que se forma ATP (+H2O) a partir de

ADP + Pi é endotérmica e tem um valor simétrico. Dado que a concentração de ATP é estacionária significa que a energia (somatório dos ∆H) envolvida no processo cíclico que ocorre nas células é nula, mas a síntese de ATP depende da oxidação dos macronutrientes.

Apesar da complexidade dos processos biológicos, no caso de um adulto que mantenha constante a massa das proteínas, lipídeos e glicídeos constituintes, no balanço global, a única transformação líquida que tem lugar é a conversão dos macronutrientes ingeridos e do O2 tomado do

exterior em CO2, água e produtos azotados da

urina. Quando o indivíduo não se alimenta ocorre a oxidação dos mesmos compostos, neste caso os que estão presentes nas suas células, no plasma ou no líquido extracelular. Estes processos são exotérmicos porque a entalpia dos reagentes (nutrientes e O2) é maior que a dos produtos (CO2,

água e produtos azotados).

O somatório dos processos biológicos em que a glicose se oxida a CO2 + H2O é a Equação 1

e é igual à que corresponde à oxidação da glicose que ocorreria num calorímetro onde se queimasse glicose.

Equação 1

C6H12O6 + 6 O2→ 6 CO2 + 6 H2O + 669 kcal

Quando 1 mole de glicose se oxida, a diferença (∆H) entre a entalpia dos reagentes (glicose e 6 O2) e dos produtos (6 CO2 e 6 H2O) é

de 669 kcal quer num ser vivo quer num calorímetro. Sendo maior nos reagentes que nos produtos a reação diz-se exotérmica e a diferença é libertada durante o processo oxidativo na forma de calor2.

quando a propósito de nutrição se escreve Caloria (ou por gralha caloria), está-se de facto a falar de kcal, a quantidade de calor necessária para elevar de 1ºC (entre 14,5ºC e 15,5ºC) 1kg de água. Contudo, nos trabalhos de investigação e mesmo em alguns livros de texto mais recentes, já é muito frequente a substituição destas unidades de energia tradicionais por kJ e MJ (kilojoules e Megajoules; 1 kcal = 4,18 kJ = 0,00418 MJ). Ao longo do texto, em alguns casos, apresentar-se o valor da energia em kcal e em kJ ou MJ.

2 1 watt.hora (wh) é a quantidade energia libertada durante 1 hora quando a potência é 1 watt (1 J/s); donde se pode deduzir que 1 wh = 3600 J = 861 cal. Por exemplo, o calor libertado por uma lâmpada de 60 w é 60 J/s = 5,18 MJ /dia = 1240 kcal/dia = 60 wh/h = 1,44 kwh/dia. Quando uma reação é exotérmica, por

Uma equação semelhante (Equação 2) pode ser escrita no caso do palmitato (exemplo de um ácido gordo) e também aqui os produtos e os reagentes (e consequentemente, o valor de ∆H) são os mesmos nos seres vivos e num calorímetro. Equação 2

C16H32O2 + 23 O2→

16 CO2 + 16 H2O + 2413 kcal

No caso das proteínas, a situação só não é exatamente a mesma porque o único produto azotado que se obtém quando se queimam proteínas num calorímetro é azoto gasoso e não ureia. O ∆H correspondente ao processo oxidativo das proteínas (e aminoácidos) não é igual no ser vivo e num calorímetro porque os produtos da reação são diferentes nos dois casos. Por exemplo, no caso do aminoácido leucina a equação que descreve a oxidação desde aminoácido num calorímetro (Equação 3) corresponde à soma da que descreve a oxidação da leucina num ser vivo (Equação 4) e da oxidação da ureia (formada nesse processo) num calorímetro (Equação 5). De forma previsível o somatório das energias libertadas nas reações 4 e 5 é igual à que se liberta na reação 3. Equação 3 C6H15NO2 + 8 ¼ O2→ 6 CO2 + 6 ½ H2O + ½ N2 + 869 kcal Equação 4 C6H15NO2 + 7 ½ O2→ 5 ½ CO2 + 5 ½ H2O + ½ CON2H4 + 793 kcal Equação 5 ½ CON2H4 + ¾ O2 → ½ CO2 + H2O + ½ N2 + 76 kcal

A velocidade com que os macronutrientes (glicídeos, lipídeos e proteínas) se oxidam no organismo, entendido como um todo, designa-se por despesa energética e pode ser medida, medindo o calor libertado por um indivíduo.

Para medir este calor pode usar-se um calorímetro direto: uma câmara isolada e com instrumentos adequados à medição de todo o calor que é libertado por um indivíduo que é encerrado no seu interior. O calorímetro mede o somatório dos ∆H de todas as reações que ocorrem no seu interior mas, se pensarmos que nos processos cíclicos o ∆H soma é nulo, o calorímetro mede a

convenção, o ∆H é negativo; no presente texto vamos ignorar essa convenção e escrever, simplesmente, calor libertado e calor consumido consoante os casos.

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diferença entre a soma das entalpias dos nutrientes que, no balanço global, foram oxidados e do O2

consumido e a soma dos produtos desses processos oxidativos. (De facto, o ∆H pode libertar-se como calor ou trabalho mas, como explicado no Anexo 1, o trabalho realizado pelos seres vivos pode ser, na esmagadora maioria das situações, considerado nulo e o ∆H corresponder apenas a calor.)

Porque é muito caro e pouco cómodo o calorímetro direto é, mesmo na investigação, pouco utilizado. Um outro instrumento usado com o mesmo fim (medir a despesa energética do indivíduo) mede a quantidade de O2 consumida e

de CO2 libertada por um indivíduo e designa-se de

calorímetro indireto. Pode ser também uma

câmara mas, mais comummente, é uma

campânula (que se coloca na cabeça) ou uma máscara onde entra e sai ar e instrumentação adequada para medir o fluxo de O2 e CO2. Dado

que a quantidade de calor libertado por mole de O2 consumido varia muito pouco com o tipo de

macronutriente que está a ser oxidado (cerca de 104 kcal/mol no caso das proteínas, cerca de 105 kcal/mol no caso dos lipídeos e cerca de 111 kcal/mol no caso da glicose) uma estimativa do calor libertado poderia ser simplesmente obtida a partir do consumo de O2. Contudo, porque a razão

entre o CO2 libertado e o O2 consumido varia com

o tipo de nutriente que está a ser oxidado a medição dos dois valores pode ajudar à precisão da medida; além disso o conhecimento destes valores também pode ser usado para calcular as quantidades de glicídeos, de lipídeos e, eventualmente, de proteínas que está a ser oxidada. Uma explicação dos princípios que presidem ao cálculo destas quantidades e da

quantidade de energia libertada usando

calorimetria indireta é apresentada no Anexo 2. Uma terceira técnica usada na avaliação da despesa energética é o da “água duplamente marcada”. Embora o erro associado seja relativamente elevado, esta técnica tem a vantagem de permitir estimar essa despesa em indivíduos que mantêm a sua vida normal. A única limitação imposta ao indivíduo em estudo é a necessidade de colher urina ou outro líquido biológico (onde se doseia o 18O e o deutério) regularmente após a ingestão de uma determinada quantidade de água marcada com 18O e deutério. Esta técnica da água duplamente marcada é explicada de forma sumária no Anexo 3.

2

As componentes da despesa

energética

Classicamente considera-se que a despesa energética total tem 3 componentes: taxa de

metabolismo basal (Basal Metabolic Rate - BMR) ou despesa energética basal, a despesa associada à atividade física voluntária e o efeito termogénico dos nutrientes. Embora seja, no homem em condições normais, um fator com pouca relevância, também se pode considerar um quarto componente: a despesa energética associada à adaptação ao frio. Um quinto componente é, às vezes, referido separadamente da atividade física voluntária: uma parte da atividade dos músculos esqueléticos não poderá ser classificada como estritamente voluntária e corresponde ao que poderíamos designar como a “irrequietude” própria de cada indivíduo.

Num estilo de vida mais ou menos sedentário, como é o da maioria das pessoas que vivem na chamada “civilização ocidental”, a maior parte da despesa energética total (cerca de 60-70%) corresponde a despesa energética basal. A componente correspondente à atividade física voluntária é a mais variável podendo em trabalhadores braçais, por exemplo, corresponder a ¾ da despesa energética total.

2.1 A despesa energética basal ou taxa de metabolismo basal

A taxa metabólica basal (ou despesa energética basal) é, classicamente, medida num indivíduo deitado (muitas horas após qualquer atividade física violenta), em descanso físico e mental (relaxado mas acordado), 10 a 18 horas após a ingestão de alimentos, num ambiente confortável e temperatura agradável. Todo o calor produzido nestas condições (e o O2 e CO2

trocados com o ambiente) corresponde à oxidação do glicogénio e da gordura armazenados e, numa fração menor, das proteínas endógenas3.

2.1.1 Metabolismo basal não diretamente

relacionado com a síntese de ATP

É frequente pensar-se que os nutrientes são oxidados na exata medida em que se sintetiza (e hidrolisa) ATP; é inclusive comum fazerem-se cálculos da quantidade de ATP que se forma

3 Atualmente usa-se com frequência a expressão “despesa energética em repouso” com um significado muito semelhante ao de “taxa metabólica basal”. A única diferença é que as condições de medida não incluem obrigatoriamente um tempo de jejum tão prolongado. Os autores de trabalhos experimentais que usam a expressão “despesa energética em repouso” definem as condições de medida que podem incluir a ingestão de uma refeição leve 3-4 horas antes do estudo. Assim é de esperar que, neste caso, devido a existir um pequeno contributo do “efeito termogénico dos nutrientes”, o valor medido seja ligeiramente superior ao da taxa metabólica basal.

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quando um mole de glicose, de um determinado ácido gordo ou aminoácido se oxida no organismo. Embora se saiba que a síntase do ATP e o simporte fosfato/H+ não são os únicos “caminhos” no regresso dos protões à matriz da mitocôndria, esses cálculos pressupõem que todos os protões bombeados pela ação dos complexos I, III e IV da cadeia respiratória regressam à matriz da mitocôndria através da ação dessas proteínas. Esses cálculos também ignoram que, por exemplo, a glicose pode ser oxidada a CO2 pela ação das

enzimas da via das pentoses fosfato, que o NADPH formado no processo pode ser oxidado (pelo O2) em reações catalisadas por oxigénases

de função mista e oxídases distintas da oxídase do citocromo c, sendo que estes processos não contribuem para a síntese de ATP. Se pensarmos no organismo como um todo ou em células e mitocôndrias reais é imediato reconhecer que uma parte do metabolismo oxidativo não tem uma relação direta com a síntese/hidrólise de ATP.

Embora as estimativas variem, em condições de medida do metabolismo basal a fração do calor libertado (e do O2 consumido e dos nutrientes

oxidados) que não tem relação direta com a síntese de ATP poderá representar cerca de ¼ do total; admitindo, por exemplo, uma taxa de metabolismo basal de 1600 kcal/dia ou 6,7 MJ/dia (um valor plausível num adulto saudável com 70 kg de peso) seria cerca de 400 kcal/dia (correspondendo a cerca de 3,75 mol de O2 do

total de cerca de 15 mol de O2 consumidas por

dia). Aceitando esta estimativa o calor correspondente ao metabolismo basal seria equivalente ao libertado por uma lâmpada de 80 watts4 ou, prosseguindo com a comparação, à

soma de duas lâmpadas, uma lâmpada de 20 watts debitando calor “não diretamente relacionado com a síntese de ATP” e uma outra de 60 watts “relacionada com este processo de síntese”.

O O2 que é consumido no bombeamento de

protões que não vão entrar na matriz da mitocôndria através da síntase de ATP não pode ser considerado, pelo menos em sentido estrito, como contribuindo para a síntese de ATP. O “leak” de protões na membrana mitocondrial interna não contribui para a síntese de ATP, mas diminui o gradiente eletroquímico na membrana mitocondrial; este gradiente é reposto pelas bombas da cadeia respiratória e, em última análise, pela oxidação dos macronutrientes pelo O2 (que se reduz a água pela ação da oxídase do

citocromo c). O “leak” de protões não

4 Mais precisamente 77,4 watts: 1 600 000 cal/dia × 4,18 J/cal = 6 688 000 J/dia; o dia tem 86 400 s, donde 6 688 000 J / 86 400 s = 77,4 J/s.

corresponde a síntese de ATP, mas promove a combustão de macronutrientes, ou seja, leva à libertação de calor e ao consumo de O2.

A identidade das proteínas da membrana mitocondrial interna responsáveis pelo “leak” de protões em condições de medida do metabolismo basal não está ainda completamente clarificada, mas poderá incluir uma atividade (não relacionada com a atividade “principal”) do trocador ATP-ADP e a atividade “basal” das proteínas desacopladoras (UCPs). A UCP1 (também designada por termogenina) só existe no tecido adiposo castanho e é, via estimulação do sistema nervoso simpático, ativada pelo frio, mas poderá ter uma atividade basal mesmo quando o indivíduo não sente frio. Algo de semelhante se poderá dizer relativamente às outras UCPs. A UCP3 dos músculos esqueléticos, por exemplo, parece ter um papel no controlo (diminuição) da produção de superóxido na cadeia respiratória (e, consequentemente, do stress oxidativo), é ativada

por agonistas adrenérgicos (como as

catecolaminas libertadas no sistema nervoso simpático), mas terá também uma atividade basal nas condições em que se mede a taxa metabólica basal.

Para além de ser consumido aquando da atividade da oxídase do citocromo c, o O2 também

é, como já referido, substrato de outras oxídases e oxigénases que não participam, pelo menos de

forma direta, na criação do gradiente

eletroquímico da membrana mitocondrial interna. O consumo de O2 e o calor libertado nas

atividades destas enzimas pode também incluir-se na fração do metabolismo oxidativo não diretamente relacionado com a síntese de ATP. No metabolismo dos aminoácidos (hidroxílase da fenilalanina e oxídase do homogentisato, por exemplo), do etanol e de xenobióticos (diferentes citocromos P450, por exemplo), do heme, do colesterol, dos sais biliares e em processos relacionados com a atividade de defesa dos leucócitos (a oxídase do NADPH, por exemplo) existem múltiplos exemplos deste tipo de enzimas.

Na oxidação do etanol, por exemplo, a equação soma é sempre a Equação 6 e libertam-se sempre 7,1 kcal/mol de etanol oxidado mas, mesmo ignorando o “leak” de protões, a quantidade de ATP correspondente à oxidação de um mole de etanol varia com as enzimas envolvidas no seu catabolismo.

Equação 6

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Se no primeiro passo do processo (a conversão etanol → acetaldeído) estiver envolvida a desidrogénase do etanol forma-se NADH que é oxidado na cadeia respiratória levando, em última análise, à produção do ATP. Contudo, não acontece o mesmo quando o sistema enzimático envolvido inclui o citocromo P450, CYP2E1 (MEOS; microsomal ethanol oxidizing system); neste caso, no passo do processo oxidativo etanol

→ acetaldeído consome-se diretamente O2 e

NADPH, mas isto não dá origem a ATP. Quando o MEOS intervém na oxidação do etanol uma parte da oxidação do etanol deve ser incluída na fração do metabolismo oxidativo não diretamente relacionada com a síntese de ATP5.

2.1.2 Metabolismo basal diretamente

relacionado com a síntese de ATP

Se admitirmos que ¼ da despesa energética basal (“lâmpada de 20 watts”, ver acima) não está, pelo menos em sentido estrito, diretamente relacionada com a síntese/gasto de ATP será forçoso concluir que os outros ¾ “servem” para produzir o ATP hidrolisado nos processos já referidos no Capítulo 1 (“lâmpada de 60 watts”, ver acima). Poderá ser surpreendente que apenas uma fração menor (cerca de 5%) da despesa energética basal diretamente relacionada com a síntase do ATP esteja relacionada com a atividade que mais facilmente pode ser observada em condições de medida desta despesa: a atividade contráctil dos músculos respiratórios e do coração. Ou seja, para substituir as moléculas de ATP hidrolisadas na atividade da ATPase da miosina do miocárdio e músculos respiratórios gasta-se apenas 5% do O2 necessário para repor todo o

ATP hidrolisado no organismo como um todo. Nas condições de medida do metabolismo basal, os processos mais gastadores de ATP e, consequentemente, os que mais contribuem para a despesa energética basal relacionada com a síntese de ATP, são as atividades das bombas (ATPases) de Na+-K+ e do Ca2+ (cerca de 30%) e o processo de renovação de proteínas (turnover proteico; também cerca de 30%). O processo de renovação de proteínas é um processo contínuo estimando-se que um adulto sintetiza (e hidrolisa) cerca de 300 g/dia. O processo de renovação de proteínas pode ser visto como um ciclo de substrato; se, num ciclo de 24 horas, a quantidade de proteínas no organismo entendido como um todo não variar, o

5 De facto, podemos pensar de forma mais ampla e incluir a redução do NADP+. Assim, podemos pensar que, para oxidar etanol via MEOS, há que oxidar glicose na via das pentoses-fosfato. No entanto, isto não altera a conclusão pertinente porque este processo oxidativo da glicose não leva à formação de ATP.

balanço líquido corresponde apenas ao ATP que se hidrolisa aquando da síntese proteica. Um raciocínio semelhante pode ser feito no caso dos triacilgliceróis, do glicogénio, etc. Estamos a usar a expressão “ciclo do substrato” em sentido lato; num sentido estrito “ciclo de substrato” refere-se à ação simultânea de duas enzimas, uma cínase e uma fosfátase com papéis antagónicos num mesmo órgão (como a cínase da frutose-6-fosfato e a fosfátase da frutose-1,6-bisfosfato) cuja soma de atividades seria, supondo velocidades iguais, a hidrólise de ATP.

2.1.3 Fatores que determinam a taxa de

metabolismo basal normal

No seu conjunto, o cérebro, o fígado, os rins e o coração, representam apenas 5-6% da massa do organismo adulto, mas são responsáveis por mais de metade da taxa metabólica basal. Em contrate, o tecido adiposo, embora possa conter 25-40% da massa corporal, é responsável por menos de 10% da taxa metabólica basal. Também a fração da taxa de metabolismo basal atribuível ao tecido muscular (em repouso; cerca de 20%) é muito mais baixa que a que seria de prever tendo em conta o seu contributo para a massa total do organismo (30-40%). Isto deve-se ao facto de que, quando se expressa a despesa energética basal por unidade de massa (despesa energética específica), os valores correspondentes aos órgãos acima referidos (cérebro, fígado, rins e coração) serem dezenas de vezes mais elevados que os que correspondem ao tecido adiposo e ao músculo.

O valor absoluto da taxa metabólica basal de um dado indivíduo varia em função de múltiplos fatores. Porque a quantidade de reservas de gordura influencia de forma marcada o peso dos indivíduos, mas pouco a taxa de metabolismo basal, se se exprimir esta taxa por unidade de massa corporal (em kcal/kg de peso, por exemplo), os indivíduos com uma percentagem de gordura anormalmente baixa terão uma taxa por unidade de massa corporal muito alta.

A correlação é muito mais perfeita quando se constroem gráficos em que no eixo horizontal se coloca a massa isenta de gordura e no vertical a taxa de metabolismo basal. Nos adultos, estes gráficos mostram que há uma relação linear entre a taxa de metabolismo basal e a massa isenta de gordura. Ou seja, um fator determinante na taxa de metabolismo basal é o valor da massa corporal total subtraído da massa de gordura do organismo. Ao contrário da massa isenta de gordura, as gotículas de triacilgliceróis contidas nos adipócitos não gastam ATP nem contêm UCPs nem oxídases ou oxigénases e não são, portanto, “tecido metabolicamente ativo”. No entanto a reta taxa de metabolismo basal versus massa isenta de

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gordura não passa pelo ponto 0,0; o valor da ordenada na origem é de cerca de 400 kcal/dia. Ou seja, quando se faz a extrapolação para massa isenta de gordura zero, o valor obtido para a despesa energética basal tem um valor positivo que é muito diferente de zero. Isto é facilmente explicado se pensarmos que a massa isenta de gordura de um indivíduo magro contém um maior contributo de órgãos com maior despesa energética específica. A massa do cérebro, do coração e dos rins não é diretamente proporcional à massa isenta de gordura. O caso do cérebro é onde este aspeto é mais evidente: a massa do cérebro nos seres humanos adultos é cerca de 1,5 kg e a correlação da sua massa com a massa isenta de gordura do organismo no seu todo é praticamente nula. De facto, a despesa energética do cérebro (cerca de 380 kcal/dia) é semelhante ao valor da ordenada na origem dos gráficos que relacionam a despesa energética basal e a massa isenta de gordura.

Quando um determinado indivíduo engorda aumenta a sua massa gorda, mas também aumenta a sua massa isenta de gordura. O tecido adiposo corresponde, na sua maior parte, à gordura acumulada nos adipócitos, mas também existe tecido metabolicamente ativo no citoplasma e organelos desses adipócitos, nos vasos sanguíneos que o irrigam e nos tecidos de sustentação. Quando um indivíduo engorda aumenta a massa de triacilgliceróis acumulados mas também aumenta a massa de tecido metabolicamente ativo do tecido adiposo e doutros componentes da massa isenta de gordura incluindo os músculos e os órgãos com despesa energética específica elevada com exceção do cérebro. Isto ajuda a explicar a razão por que é que os indivíduos obesos têm, em média e comparativamente com os não obesos, uma taxa de metabolismo basal aumentada.

Reciprocamente, quando um indivíduo emagrece perde massa gorda mas também perde massa isenta de gordura e, por isso, a sua despesa energética basal diminui. No entanto, esta diminuição da massa isenta de gordura não explica de forma cabal a grandeza da diminuição da despesa energética basal quando um indivíduo emagrece. Quando um indivíduo emagrece, a diminuição da despesa energética basal é sistematicamente mais marcada que a que seria de esperar tendo apenas em linha de conta a diminuição da massa isenta de gordura.

Um fator que poderia explicar esta diferença seria a diminuição da secreção de hormonas tiroideias que acompanha a perda de peso e que, como será explicado à frente (ver Capítulo 2.1.4), estimulam a despesa energética. Em termos

teleológicos a diminuição das hormonas tiroideias que se começa a verificar alguns dias após o início da descida do peso corporal pode ser entendido como um fator de proteção do organismo em situações de fome. Esta diminuição das hormonas tiroideias constitui um travão na degradação líquida das proteínas musculares e dos triacilgliceróis armazenados no tecido adiposo.

2.1.4 A taxa de metabolismo basal em situações

patológicas

Alguns fatores de natureza patológica afetam de forma marcada a taxa de metabolismo basal.

No hipertiroidismo (excesso de produção de hormonas tiroideias) a taxa de metabolismo basal pode estar 60-100% acima do esperado tendo em conta o valor da massa isenta de gordura. Crê-se que no aumento da despesa energética basal associada ao hipertiroidismo podem estar envolvidos diferentes mecanismos.

A estimulação simpática (adrenérgica) aumenta a atividades das UCPs (pelo menos da UCP1 e UCP3) e os efeitos das hormonas tiroideias na taxa metabólica basal são em grande parte mediados por aumento do tono simpático induzido pelas hormonas tiroideias nos seus recetores hipotalâmicos no sistema nervoso central. No caso do tecido adiposo castanho o efeito das hormonas tiroideas também tem uma componente periférica pois as hormonas tiroideias sensibizam os adipócitos deste tecido para o efeito estimulador da noradrenalina na UCP1. De facto, as hormonas tiroideias (embora os mecanismos sejam desconhecidos) aumentam do “leak” de protões nas mitocôndrias de multiplos tecidos, incluindo o fígado. Assim, uma parte do aumento da despesa energética basal no hipertiroidismo seria, em última análise, uma consequência do aumento da componente da despesa energética basal que não está diretamente relacionada com a síntese de ATP, concretamente, da diminuição da acoplagem entre oxidação de nutrientes e síntese de ATP.

No entanto, as hormonas tiroideias também têm outros efeitos que resultam num aumento da velocidade de hidrólise de ATP. No tecido muscular as hormonas tiroideias aumentam (via estimulação de canais iónicos) a entrada de iões Na+ para dentro das fibras musculares, a saída de iões K+ para o meio extracelular e a saída de Ca2+ do retículo sarcoplasmático para o citoplasma. Secundariamente estes processos ativam a ATPase de Na+/K+ da membrana sarcoplasmática e a ATPase do Ca2+ da membrana do retículo sarcoplasmático. Ou seja, a resultante dos efeitos estimuladores das hormonas tiroideias nos canais iónicos é a estimulação de uma “espécie de ciclo de substrato” que envolve a manutenção dos

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gradientes iónicos à custa dum aumento da velocidade da hidrólise/síntese de ATP. Outros efeitos das hormonas tiroideias também envolvem a ativação de ciclos de substrato nomeadamente a taxa de renovação proteica a nível muscular (mais a hidrólise mas também a síntese) e o turnover de triacilgliceróis (síntese e hidrólise). As componentes anabólicas destes processos cíclicos gastam ATP e o aumento da oxidação dos nutrientes que ocorre no hipertiroidismo pode, parcialmente, ser explicado com base neste gasto aumentado.

Em situações traumáticas com fraturas, após

cirurgias, nos queimados, nas doenças

inflamatórias e nas doenças febris também há aumento da despesa energética basal. O mesmo acontece em doenças crónicas que evoluem com caquexia como a SIDA, o cancro e muitas outras.

As causas destes aumentos estão mal estudadas, mas em todas estas patologias há aumento do tono simpático que pode induzir ativação das UCPs e consequentemente, aumentar a despesa energética não diretamente relacionada com a síntese de ATP.

Também há, na maioria destas situações patológicas, aumento da síntese de proteínas no fígado (síntese de proteínas de fase aguda) o que ajudaria a explicar o aumento do gasto de ATP neste órgão. Este gasto aumentado também pode ocorrer nos músculos cardíaco e respiratórios: no caso das doenças febris, por exemplo, os débitos cardíaco e respiratório aumentam. Como resultado do aumento da velocidade de hidrólise do ATP aumenta a velocidade de oxidação dos nutrientes, ou seja, aumenta o metabolismo basal.

2.2 A despesa energética associada à

atividade física voluntária

A despesa energética total é marcadamente influenciada pela atividade física, mas não pela atividade intelectual. Embora áreas específicas do cérebro aumentem o seu metabolismo aquando de determinadas atividades intelectuais ou sensitivas, quando entendido como um todo, a variação no consumo de nutrientes e de O2 no cérebro é

indetetável.

Quando o indivíduo se levanta da cama onde esteve a medir a taxa de metabolismo basal a sua despesa energética aumenta instantaneamente. Só a decisão de se levantar e contrair determinados músculos pode ser entendida como voluntária: os mecanismos que induzem o aumento do catabolismo dos nutrientes e o consumo de O2 são

completamente independentes da vontade do indivíduo.

Na posição de deitado em descanso absoluto a despesa energética de um adulto poderá ser da

ordem de 1,1 kcal/min (equivalente a 1600 kcal/dia ou 6,7 MJ/dia), mas pode aumentar mais de 40-50 vezes num atleta treinado que está a correr os 100 m (cerca de 36 km/h). Numa corrida lenta (7-8 km/h) o aumento poderá ser de cerca de 10 vezes6. Na posição de sentado a despesa será

de cerca de 30% superior à basal.

A atividade muscular contráctil gasta ATP na atividade da ATPase da miosina e na atividade aumentada das bombas de Ca2+ e de Na+-K+. É imediato depreender que, sendo a concentração de ATP estacionária, a um aumento na velocidade de hidrólise de ATP vai corresponder um aumento idêntico na velocidade de síntese, mas os mecanismos que explicam este aumento assim como o aumento da oxidação dos nutrientes que lhe corresponde não são ainda completamente compreendidos.

A proposta mais antiga baseia-se na ação do ADP na respiração mitocondrial [Chance e Williams, 1955]. O aumento da hidrólise do ATP aumenta a concentração de ADP e Pi que entrariam para a mitocôndria estimulando a síntase do ATP. Esta estimulação implica aumento da entrada de protões para a matriz da mitocôndria com a consequente diminuição do

gradiente eletroquímico na membrana

mitocondrial interna o que, por sua vez, estimularia a atividade das bombas da cadeia respiratória (complexos I, III e IV) e a velocidade de oxidação do NADH e do FADH2. O aumento consequente da concentração do NAD+ e do FAD estimularia as desidrogénases do ciclo de Krebs e das vias oxidativas específicas da glicose, dos ácidos gordos e dos aminoácidos. O aumento da concentração de ADP levaria também, via ação da cínase do adenilato, ao aumento da concentração do AMP. Um ou outro destes nucleotídeos (ou ambos) é capaz de ativar enzimas (como a fosforílase do glicogénio, a cínase da frutose-6-fosfato, a síntase do citrato, a cínase de proteínas ativada pelo AMP, etc.) com papéis relevantes na regulação do catabolismo da glicose e dos ácidos gordos. A existência nas fibras musculares do ciclo de substrato frutose-6-fosfato/frutose-1,6-bisfosfato assim como o papel ativador do AMP na cínase da frutose-6-fosfato (e inibidor na fosfátase da frutose-1,6-bisfosfato) ajudaria a explicar que variações, mesmo que relativamente

6 É de notar que estes aumentos da despesa se referem ao organismo entendido como um todo; nas fibras musculares esqueléticas que estão a contrair-se o aumento de consumo de nutrientes e O2 assim como a

produção de calor que lhes corresponde, dependendo da intensidade do exercício, pode ser de muitas centenas de vezes.

(8)

discretas neste nucleotídeo, poderiam ter efeitos marcados na velocidade de fluxo na glicólise7.

No entanto, alguns dados parecem

contradizer ou, pelo menos, colocar reservas acerca da importância deste mecanismo. Pelo menos no caso do coração, embora o seu consumo de O2 possa, quando estimulado (pelo exercício

físico, por exemplo), aumentar 4 vezes, não há variação nas concentrações de NADH, de Pi, de ADP, de AMP (nem, obviamente, de ATP).

O Ca2+ entra para o citoplasma das fibras musculares quando estas são estimuladas; isto faz aumentar a sua concentração citoplasmática cerca de 100 vezes aumentando também na matriz mitocondrial. O Ca2+ estimula a atividade contráctil e a bomba de Ca2+ (processos que gastam ATP) mas, simultaneamente, também é um poderoso estimulador de enzimas envolvidas nos processos catabólicos oxidativos e na síntese de ATP. O Ca2+ estimula a cínase da fosforílase, as desidrogénases do glicerol-3-fosfato, do piruvato, do isocitrato, do α-cetoglutarato, os complexos I e IV e a própria síntase do ATP. No caso da desidrogénase do piruvato o efeito é indireto: o Ca2+ ativa a fosfátase da desidrogénase do piruvato que catalisa a desfosforilação e consequente ativação da desidrogénase do piruvato.

2.3 Efeito termogénico dos nutrientes

A taxa metabólica basal deve ser medida entre 10 e 18 horas depois da ingestão de alimentos porque a ingestão de alimentos provoca, por si só, aumento da despesa energética. Este efeito dos alimentos designa-se hoje “efeito termogénico dos nutrientes” e esta terminologia está a substituir uma outra que entrou em desuso: “ação dinâmica específica”. O efeito termogénico dos nutrientes é, pelo menos em parte, uma consequência do aumento da atividade metabólica

7 Admitindo que, por exemplo, a atividade da cínase da frutose-6-fosfato é de 10 µmols/min e a da hidrólase da frutose-6-fosfato de 9 µmols/min, a velocidade de fluxo na glicólise será de 1 µmol/min. Se a atividade da cínase, estimulada pelo AMP aumentar de 10

µmols/min para 90 µmoles/min o aumento na atividade da cínase será apenas de 9 vezes mas o aumento de fluxo na glicólise aumentou de 1 µmol/min para 81 (90-9) µmols/min: um aumento de 81 vezes na velocidade de fluxo foi conseguido com uma variação muito mais modesta (9 vezes) na atividade da enzima (a cínase da frutose-6-fosfato) que catalisa a conversão da frutose-6-fosfato em frutose-1,6-bisfosfato. De facto, a atividade da fosfátase da frutose-1,6-bisfosfato é também inibida pelo AMP, pelo que o efeito na velocidade de fluxo da glicólise pode ser ainda mais potenciado que o exemplo acima dá a entender.

associada à digestão, absorção, processamento e armazenamento dos nutrientes ingeridos; todos estes processos implicam gasto de ATP. É de notar que a síntese de glicogénio e de triacilgliceróis são processos anabólicos e o mesmo se pode dizer da síntese de proteínas que aumenta transitoriamente nos músculos assim como noutros tecidos e órgãos quando a concentração de aminoácidos aumenta no plasma a seguir à ingestão de proteínas. Assim, a entrada de nutrientes no organismo estimula os processos oxidativos diretamente relacionados com a reposição do ATP gasto nos processos anabólicos acima referidos.

Embora os outros possíveis fatores contribuintes para o efeito termogénico dos nutrientes não estejam ainda completamente clarificados é de referir que a entrada de nutrientes no organismo também provoca estimulação do sistema nervoso simpático que poderá estimular as UCPs e, consequentemente, o “leak” de protões na membrana mitocondrial interna.

O valor do efeito termogénico dos nutrientes varia com a sua natureza e corresponde a cerca de 3 % do valor calórico dos lipídeos da dieta, 5 % do dos glicídeos e 25 % do das proteínas. Nas dietas mistas é cerca de 10 % do valor calórico dos alimentos ingeridos.

O valor relativamente elevado da

termogénese associada à ingestão de proteínas poderá ser devido ao aumento da síntese proteica que ocorre quando a concentração de aminoácidos aumenta no meio interno a seguir a uma refeição que contém proteínas. A síntese proteica é um processo anabólico que gasta muito ATP (4 ligações ricas em energia por ligação peptídica) e a reposição deste ATP implica, obviamente, aumento da velocidade dos processos oxidativos.

Um outro fator poderá, eventualmente, estar relacionado com o facto de uma percentagem relativamente elevada dos aminoácidos absorvidos ser, logo a seguir às refeições, degradada nos próprios enterócitos do intestino, no fígado e noutros órgãos. O catabolismo dos aminoácidos aumenta quando a sua concentração aumenta e as vias catabólicas de muitos aminoácidos envolvem a ação de oxigénases e oxídases que não estão diretamente relacionadas com a síntese de ATP.

2.4 Despesa energética associada ao frio

É do conhecimento geral que uma reação ao frio intenso é o trémulo que provoca gasto de ATP e, consequentemente, estimulação dos processos oxidativos e da produção de calor mas, pelo menos nos países da “civilização ocidental”, isto teria no cômputo geral da despesa energética diária um valor muitíssimo reduzido.

(9)

Um outro aspeto da resposta ao frio envolve o desacoplamento na membrana mitocondrial interna. De acordo com o consenso dominante a resposta termogénica ao frio é mediada pela estimulação da UCP1 e esta proteína apenas está presente nas células do tecido adiposo castanho. Até há poucos anos acreditava-se que este tipo de tecido apenas existia nos bebés e, por isso, não teria qualquer relevância no homem adulto. No entanto, as descobertas mais recentes apontam noutro sentido: os adultos ou, pelo menos, uma grande percentagem dos adultos contêm “ilhas” de tecido adiposo castanho no pescoço, na região supraclavicular, no mediastino, junto da coluna vertebral e em torno das glândulas suprarrenais [Nedergaard et al., 2010]. Como já referido, a estimulação da UCP1 envolveria diretamente o sistema nervoso simpático e o aumento da secreção de hormonas tiroideias que estimulariam, via hipotálamo, o tono simpático neste tecido e a sua sensibilidade ao efeito da noradrenalina. Também há quem defenda que a resposta termogénica ao frio envolve o próprio tecido muscular esquelético mas, neste caso, a natureza das proteínas desacopladoras envolvidas (sabendo-se que não é nem a UCP3 nem a UCP2) permanece desconhecida [Wijers et al., 2009; Yoneshiro et al., 2011].

Os bebés humanos não tremem, mas o frio pode fazer aumentar a sua despesa energética para o dobro da basal. Em indivíduos adultos onde se demonstrou de forma inequívoca a presença de tecido adiposo castanho esse aumento pode ser, na ausência de trémulo, de cerca de 30% [Yoneshiro et al., 2011]. Isto é equivalente à diferença entre estar sentado ou deitado, mas o interesse recente neste tipo de estudos radica no conhecimento que pode ser adquirido e que poderá vir a revelar-se útil no combate à epidemia de obesidade no mundo contemporâneo.

3

A energia metabolizável dos alimentos

e o balanço energético

3.1 Balanço energético na ausência de

ingestão de macronutrientes

Se um indivíduo, por um qualquer motivo, deixar de se alimentar acaba por morrer. Sem água, a morte sobrevém rapidamente, mas a ingestão de macronutrientes não tem um caráter tão urgente; dependendo da massa das reservas energéticas armazenadas no tecido adiposo, pode-se sobreviver durante mepode-ses. O episódio que precipita a morte é habitualmente uma infeção respiratória: o sistema de defesa contra organismos patogénicos, que inclui a capacidade

de tossir usando a musculatura respiratória, definha e precipita o desenlace. As reservas de glicogénio esgotam-se nos primeiros dias e no momento da morte também já se esgotaram as reservas de triacilgliceróis e cerca de metade das

proteínas endógenas. Os aminoácidos

constituintes dessas proteínas e o glicerol dos triacilgliceróis foram sendo convertidos em glicose (gliconeogénese) assegurando glicose para o metabolismo dos eritrócitos, do cérebro e da medula renal. O resto do organismo oxidou diretamente ácidos gordos derivados da lipólise no tecido adiposo e os corpos cetónicos que se formaram no fígado a partir dos ácidos gordos. Entre cerca de metade e 2/3 da despesa energética cerebral também foi sustentada pela oxidação dos corpos cetónicos.

Independentemente do tipo de nutrientes que vão sendo utilizados, a energia correspondente à sua conversão em CO2 (e em compostos azotados

da urina) é igual à despesa energética. O calor associado à oxidação de 1 grama de glicogénio é de 4,1 kcal. Dada a relativa heterogeneidade dos ácidos gordos constituintes dos triacilgliceróis das reservas endógenas o valor pode variar, mas um valor frequentemente usado é o de 9,5 kcal/g de triacilgliceróis oxidados. No caso das proteínas endógenas a variabilidade é ainda maior e o valor de 4,3 kcal/g é um valor possível. Este valor parte do pressuposto que o azoto constituinte das proteínas foi maioritariamente convertido em ureia. Se soubermos qual a despesa energética diária assim como o contributo de cada um dos macronutrientes para esta despesa e o balanço hídrico (a diferença entre a água perdida e a que ingere) de um indivíduo saudável que, por exemplo, está em greve da fome, podemos, com os dados apresentados, calcular a perda de peso que vai ocorrendo ao longo do tempo.

Para explicar melhor como é que, numa situação de jejum total (só ingere água, sais minerais e vitaminas), a despesa energética se relaciona com a perda de peso apresentaremos a seguir um exemplo hipotético. Admitamos um adulto saudável, em greve da fome, que já perdeu todo o glicogénio8 e que a sua despesa energética

8 As reservas de glicogénio são relativamente escassas. Admitindo 400 g armazenados no conjunto músculos e no fígado de um adulto, o seu valor energético seria de 1640 kcal (400 g × 4,1 kcal/g; 400 g × 17,1 kJ/g = 6,9 MJ) que equivale à despesa energética basal num dia. Pelo contrário o valor energético dos triacilgliceróis é incomparavelmente maior. Se admitirmos 20 kg de gordura e usarmos o valor de 9,5 kcal/g obtemos 190 000 kcal (ou 794 MJ = 20 000 g × 39,7 kJ/g) um valor mais de 100 vezes superior. Se admitirmos 12 kg de proteínas e pensarmos que podemos (antes de

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total é de 1200 kcal/dia ou 5 MJ/dia. Poderá parecer estranho que o valor escolhido seja inferior ao que escolhemos como exemplo no Capítulo 2.1.1 para a despesa energética basal mas, como referido no Capítulo 2.1.3, o emagrecimento provoca diminuição nesta despesa e não é previsível que, na situação analisada, as outras componentes da despesa energética tenham um valor muito diferente de zero. Admitamos também que, no cômputo geral da oxidação dos lipídeos endógenos e das proteínas endógenas, a perda de 1 g da mistura corresponde a 7,77 kcal ou 32,5 kJ (correspondendo a uma mistura em que 2/3 da massa oxidada são triacilgliceróis e 1/3 são proteínas) e que o balanço hídrico é negativo e de 150 g/dia (a perda de proteínas leva à perda da água que lhe está associada). Com estes dados será imediato determinar que o indivíduo perderia 154 g/dia da mistura de lipídeos e proteínas (1200 kcal/dia / 7,77 kcal/g = 154 g/dia) e 150 g/dia de água num total de 304 g de peso corporal por dia.

A situação exposta no parágrafo anterior é um exemplo extremo de balanço energético negativo. Há balanço energético negativo quando a despesa energética é maior que a energia metabolizável dos nutrientes. O balanço energético é positivo no caso inverso e nulo quando são iguais.

3.2 A energia metabolizável dos alimentos

O conceito de energia metabolizável dos nutrientes precisa de ser clarificado porque não corresponde exatamente à energia de oxidação dos alimentos que são introduzidos na boca aquando das refeições. No caso das proteínas, dado que no metabolismo se produz ureia e outros produtos azotados (e não azoto gasoso) a diferença é flagrante (ver Capítulo 1) mas, mesmo entrando em linha de conta com isto, a diferença contínua a existir. Dependendo da forma como os alimentos foram cozinhados e também da sua natureza, uma parte maior ou menor da energia química associada à sua oxidação não é energia metabolizável porque uma parte desses alimentos nem sequer é absorvida. As fibras podem ser parcialmente digeridas pelas bactérias do intestino grosso e os produtos desses processos podem ser metabolizados nos colonócitos (ou mesmo noutros órgãos), mas a maior parte perde-se nas fezes. Uma parte dos lipídeos e das proteínas também se perde nas fezes. Estima-se que, em média, a parte

morrer) usar metade deste valor como combustível o valor energético disponível seriam 25 800 kcal (6 000 g

× 4,3 kcal; 6 000 g × 18 kJ/g = 108 MJ); cerca de 1/7 do valor disponível em 20 kg de gordura, mas quase 16 vezes o que equivale a 400 g de glicogénio.

que se perde nas fezes poderá ser da ordem de 1% no caso dos glicídeos (ignorando as fibras), de 5% no caso dos lipídeos e de 7% no caso das proteínas. Arredondando números isto leva a estimar o valor calórico dos glicídeos

(maioritariamente amido), dos lipídeos

(maioritariamente gordura) e das proteínas que são ingeridas em cerca de 4, 9 e 4 kcal/g, respetivamente. Uma parte do valor energético dos alimentos que também não é energia metabolizável (mas que normalmente é mínima) corresponde aos nutrientes que se perdem diretamente na urina ou na respiração: é o caso do etanol (respiração e urina), dos corpos cetónicos (urina) ou, no caso dos diabéticos, a glicose que se perde na urina.

3.3 O balanço energético

O funcionamento dos organismos vivos não está em contradição com a 1ª lei da termodinâmica (a energia não se perde nem se cria, apenas se pode transformar noutras formas de energia) e, consequentemente, quando a energia metabolizável dos nutrientes tomados do exterior (o aporte energético) é superior à que se liberta (a despesa energética) há acumulação de compostos orgânicos no organismo e o balanço energético diz-se positivo. Como já referido no Capítulo 3.1, no caso contrário, há diminuição e o balanço energético é negativo.

Balanço energético positivo é a condição fisiológica normal nas crianças, nos adolescentes, nos fetos (ou na unidade feto-grávida) e nas

situações de recuperação após balanços

energéticos negativos como aqueles que se seguem a uma doença febril ou traumática. Os obesos que mantêm um peso estável têm, no momento da observação, balanço energético nulo mas, se forem ao médico, este terá de dizer-lhes que a sua saúde física (e eventualmente mental) pode melhorar se encetarem um programa (dieta e exercício físico) que leve a um balanço energético negativo.

O conceito de balanço energético só faz sentido se se considerarem períodos de tempo alargados (uma semana, no mínimo). Na meia hora em que decorre uma refeição a energia metabolizável dos nutrientes ingeridos é sempre maior que a despesa energética e no intervalo entre refeições (aporte zero) é sempre menor, mas não faz sentido dizer que, nesses intervalos de tempo, há balanços energéticos positivo e negativo. Um indivíduo que mantém o seu peso estável durante um ano está em balanço energético nulo, mas terá havido dias em que as refeições lhe agradaram mais e comeu mais e dias em que fez mais exercício físico que noutros.

(11)

Um indivíduo que, no momento presente, tem excesso de peso ou é claramente obeso passou, seguramente, algum período de tempo no seu passado em balanço energético positivo. (Se é uma criança obesa passou, seguramente, algum período de tempo em que o valor deste balanço foi superior ao que seria de esperar tendo em conta o aumento da sua altura.) No entanto, um cálculo simples permite-nos compreender que, na esmagadora maioria das situações, a diferença percentual entre o aporte energético e a despesa energética é tão pequena que se torna impossível de avaliar por outros meios que não seja a avaliação das suas consequências na massa corporal e, eventualmente, na percentagem dos componentes dessa massa corporal. Noções básicas sobre avaliação da composição corporal são apresentadas no Anexo 4 e, no Anexo 5, apresenta-se uma situação experimental de balanço energético negativo.

Os mecanismos homeostáticos

(nomeadamente os mecanismos de regulação do apetite) tendem a manter o consumo de energia equivalente à despesa, mas os hábitos dietéticos e a baixa atividade física na civilização ocidental moderna levam a que haja um aumento de peso médio da população de cerca de 10 kg entre os 25 e os 40 anos de idade. Este dado é, independente de outros estudos, um indicador seguro de que, em média, existe, nesta faixa populacional, um balanço energético positivo. O seu valor pode ser estimado admitindo determinados pressupostos razoáveis. É razoável admitir que cerca de 80 % do aumento da massa corporal corresponde a deposição de reservas de triacilgliceróis (8000g × 9,5 kcal/g = 76000 kcal) e que os restantes 20% são constituídos maioritariamente por água (16% do total) e proteínas (400g × 4,3 kcal/g =1720 kcal). De acordo com estes pressupostos este aumento de massa corresponde a um balanço energético positivo de 77 720 kcal (76000 + 1720) ao longo de 15 anos; isto corresponde a um balanço diário de +14,2 kcal ou +59,4 kJ [= 77 720 kcal / (365 dias/ano × 15 anos)], ou seja, o equivalente a 1,5 g de azeite ou menos de 4 g de sacarose. Considerando uma despesa média de 2400 kcal/dia ou 10 MJ, para engordar 10 kg em 15 anos basta ter um balanço energético positivo de 0,59 % (14,2 kcal/ 2400 kcal = 0,0059). Reforçando a ideia de que o único método de avaliação do balanço energético é a medida da massa corporal (eventualmente complementada com a avaliação da sua composição) refira-se que este excesso está muito abaixo de qualquer erro experimental quando se usam métodos de avaliação da despesa energética e do valor

energético da dieta para avaliar o balanço energético.

3.4 A obesidade

A compreensão dos mecanismos biológicos que levam os seres humanos a interromper uma refeição ou, mais importante ainda, a adequar, num prazo de tempo largo, o aporte energético à despesa energética são, sobretudo nos últimos anos, objeto de uma investigação intensa. Embora esteja fora do âmbito deste texto far-se-ão a seguir

algumas considerações sobre este tema

interessante e complexo.

Sabe-se, por exemplo, que a colecistocinina, uma hormona libertada por células endócrinas situadas no intestino sob estímulo das gorduras da dieta, atua em terminais vagais que levam a uma sensação de saciação induzindo o indivíduo a terminar a refeição. Sabe-se também que a leptina, uma hormona segregada pelos adipócitos, atua no hipotálamo e inibe o apetite. De facto, as crianças que nascem com mutações no gene que codifica a leptina (casos raríssimos) têm um apetite exagerado, ficam extremamente obesas e a terapêutica com leptina recombinante é eficaz. Contudo, apesar de os indivíduos obesos, em consonância com o excesso de tecido adiposo produzirem mais leptina que os indivíduos magros, têm uma enorme dificuldade em emagrecer. A dificuldade sentida pelos obesos em emagrecer e a ausência de efeito da terapêutica (experimental) com leptina no tratamento da obesidade que não é provocada por défice de leptina atestam que a leptina, podendo, eventualmente, impedir que os obesos continuem continuamente a engordar, não é capaz de fazer diminuir o apetite a ponto de entrarem em balanço energético negativo e baixarem de peso.

O aumento da incidência de obesidade na civilização ocidental moderna parece ser uma consequência de os sistemas de regulação do apetite dos seres humanos terem evoluído num quadro ambiental muito distinto daquele que existe nesta civilização. Ingerir os alimentos que estão disponíveis é um fator de sobrevivência num ambiente em que a incerteza do amanhã aconselha a armazená-los no sítio mais seguro: as próprias reservas de gordura no tecido adiposo. Quando, por decisão voluntária, um obeso decide tomar medidas de forma a obter balanço energético negativo, a diminuição das reservas faz disparar mecanismos que estão adaptados para a sobrevivência em situações de fome: diminuição da despesa energética (ver Capítulo 2.1.3) e aumento do apetite. A acrescentar a este quadro não poderá ser ignorado que a indústria e o comércio alimentar não para de oferecer alimentos

(12)

cuja apresentação, paladar e facilidade de preparação e ingestão acentuam o prazer inerente ao ato de comer. Para o mesmo fim contribuem também as máquinas que se vão inventando e que diminuiem o esforço físico exigido num grande número de atividades (deslocar-se, lavar a roupa, etc.). Neste contexto, não deixa de ser irónico que o acesso a alguns ginásios se faça através de escadas rolantes.

4

A seleção dos nutrientes que sofrem

oxidação no organismo

A composição da mistura de macronutrientes que está, num dado momento, a ser oxidado pelo organismo depende de vários fatores de entre os quais se destaca se o indivíduo acabou de ingerir uma refeição ou está em jejum, o tipo de alimentos que ingeriu, o tempo de jejum e os níveis das reservas de glicogénio e a massa de triacilgliceróis das reservas, se o indivíduo está a descansar ou a fazer exercício físico e a intensidade desse exercício.

Diferentes órgãos usam de forma

preferencial diferentes nutrientes mas, nalguns casos, essas preferências têm pouca relevância quando se considera o organismo como um todo. O consumo de glicose pelos eritrócitos, por exemplo, não representa oxidação líquida de glicose. Uma parte da glicose que está a ser

consumida nos eritrócitos provém da

gliconeogénese que se sintetiza a partir de lactato produzido nos mesmos eritrócitos e isto, do ponto de vista de quem observa o metabolismo no organismo inteiro, é um ciclo de substrato sustentado, em última análise, pelos processos oxidativos que estão a decorrer no fígado. No fígado, a glicose é, relativamente aos outros nutrientes (lipídeos e aminoácidos), um combustível pouco importante e, na maior parte das situações, a energia correspondente à gliconeogénese provém maioritariamente da oxidação dos ácidos gordos.

A relação entre a excreção de CO2 e o

consumo de O2 no organismo como um todo é

medida por calorimetria indireta (ver Anexo 2) e o valor dessa razão permite estimar se, num dado

momento, um indivíduo está a oxidar

predominantemente glicídeos ou lipídeos. A Equação 1 e a Equação 2 permitem deduzir que, se um indivíduo estivesse a oxidar exclusivamente glicose a razão molar entre o CO2 produzido e o

O2 consumido seria 1 e que, se estivesse a oxidar

exclusivamente palmitato esta razão seria 0,696. A esta razão dá-se o nome de Quociente Respiratório (QR); em inglês a expressão mais usada é Respiratory Exchange Ratio que poderíamos traduzir por Razão Respiratória de

Trocas. No caso do glicogénio o QR também é, obviamente, 1. Os triacilgliceróis são misturas mais heterogéneas e a sua composição em ácidos gordos pode fazer variar um pouco o valor do QR que lhe corresponde, mas é sempre muito próximo de 0,7. Nas proteínas a heterogeneidade é ainda maior e um valor possível para o QR é um valor próximo de 0,83.

Assim se, num dado momento se estiverem a oxidar quase exclusivamente glicídeos, como acontece após uma refeição rica nestes constituintes, o valor do QR aproxima-se de 1. À medida que o tempo de jejum vai aumentando, o contributo dos ácidos gordos para a despesa energética vai aumentando e o valor aproxima-se de 0,7. Num jejum de cerca de 10-14 horas será cerca de 0,85 mas, se este for muito prolongado (vários dias ou semanas), poderá ser de cerca de 0,73. Este é o valor de QR que corresponde à situação hipotética analisada no Capítulo 3.1 em que o indivíduo em jejum prolongado oxidava uma mistura em que 2/3 da massa oxidada eram triacilgliceróis e 1/3 proteínas. Mecanismos homeostáticos mal compreendidos regulam a razão entre a massa de triacilgliceróis e a massa de proteínas oxidadas nestas condições: essa razão é tanto maior (e, consequentemente, menor o QR) quanto maior for a percentagem de massa gorda do indivíduo que está a jejuar.

O que se escreveu acima pode fazer pensar que o Quociente Respiratório não pode ser superior a 1 mas, embora o fenómeno seja de difícil observação experimental, tal é possível no estado pós-prandial de uma refeição rica em glicídeos quando previamente e durante vários dias a dieta também foi rica em glicídeos. Nestas condições tudo o que se oxida são glicídeos e uma parte dos glicídeos ingeridos está a ser convertida em lipídeos, ou seja, a lipogénese de novo está estimulada ao máximo. Nestas circunstâncias, a produção do NADPH (que é oxidado por ação da síntase do palmitato) provém maioritariamente da via das pentoses-fosfato e, nesta via metabólica, produz-se CO2, mas não se consome O2.

Uma situação inversa acontece quando se ingere etanol. Na oxidação do etanol a razão CO2/O2 é ainda mais baixa que a dos lipídeos

(0,66; ver Equação 6) e, além disso, o etanol ingerido é rapidamente oxidado substituindo os outros nutrientes. Assim, independentemente do QR de partida, a ingestão de etanol provoca descida do valor do QR.

Se, como é mais comum, a composição corporal e o peso de um dado indivíduo adulto não se modificarem num intervalo de tempo

(13)

adequado (um mês, por exemplo)9 isso significará

que todos e cada um dos macronutrientes que ele ingeriu nesse intervalo foram oxidados. Se designarmos por Quociente Respiratório da Dieta (FRQ, do inglês Food Respiratory Quotient) a razão CO2/O2 que é previsível obter da oxidação

dos alimentos ingeridos nesse intervalo de tempo, o valor do FRQ coincidirá com o do Quociente Respiratório médio no mesmo intervalo. Ou seja, se o balanço energético for nulo, QR = FRQ. Quando o balanço energético é negativo parte da energia utilizada pelo indivíduo provém das suas reservas de triacilgliceróis e, por isso, o QR será menor que o FRQ. Em situações de balanço energético positivo parte da gordura ingerida não é oxidada, sendo armazenada no tecido adiposo; ou seja, nesta condição o indivíduo oxida todos os glicídeos (e proteínas) que ingere, mas não toda a gordura ingerida e o QR será maior que o FRQ.

Já foi referido que o exercício físico aumenta a despesa energética, mas a mistura de macronutrientes que é oxidada varia com a intensidade do exercício. Em exercícios de intensidade baixa ou moderada (abaixo de 55% da velocidade máxima de consumo de O2) o QR é

determinado pelos outros fatores já referidos. No entanto, para exercícios de muito alta intensidade, as fibras musculares em contração passam a oxidar predominantemente o glicogénio nelas armazenado e a glicose do sangue (proveniente, em última análise, do fígado que aumenta a sua taxa de produção). Isto faz com que o QR medido por calorimetria indireta (e que representa o cômputo geral da oxidação dos glicídeos, lipídeos e proteínas no organismo como um todo) aumente.

5

Anexos

5.1 Anexo 1 – Nos seres vivos o trabalho é irrelevante

De acordo com a 1ª lei da termodinâmica, a energia correspondente ao ∆H das reações pode repartir-se por calor e trabalho. Assim, poderíamos interrogar-nos se um calorímetro, sendo apenas capaz de medir calor, seria um bom instrumento para medir o somatório dos ∆H dos processos reativos nos animais. Tal só é admissível se o trabalho dos animais for nulo. Ao contrário do que se passa com uma lareira que só produz calor, aparentemente o trabalho dos animais e, em particular, o trabalho do homem,

9 Se a atividade física e o tempo após a uma refeição forem semelhantes (sempre antes do pequeno almoço, por exemplo) nos dois momentos da medida, também a massa de glicogénio do organismo será semelhante.

não é nulo. Poderíamos também pensar que o homem se poderia comparar a uma empilhadora que transforma a energia correspondente à oxidação do seu combustível na energia potencial gravítica dos objetos que vai colocando em estantes, mas não é este o caso: um calorímetro é capaz de, na esmagadora maioria das situações, medir rigorosamente o somatório dos ∆H dos processos reativos que ocorrem no homem. Admitamos, por exemplo, que um indivíduo encerrado no calorímetro eleva a energia potencial gravítica de um peso de 40 kg colocando-o numa estante a 2 m do solo. O trabalho correspondente a esse aumento da energia potencial gravítica do peso pode ser calculado como sendo igual a 0,19 kcal10 e, neste caso, o calor libertado e que poderá

ser medido no calorímetro será 0,19 kcal mais baixo que o ∆H correspondente aos processos reativos. De facto, dado que o ∆H correspondente aos processos reativos num homem adulto pode ser da ordem de -1 a -10 kcal/min (o sinal do ∆H é, por convenção, negativo quando a energia se liberta), o valor de 0,19 kcal não será, normalmente, um grande fator de erro mas, admitindo outros valores de trabalho, poderia, pelo menos teoricamente, haver um erro apreciável na medição por calorimetria direta do

∆H dos processos reativos no animal. Contudo, se o objeto cair da estante, a energia potencial gravítica transforma-se em energia cinética de igual valor e, ao chocar com o solo, em calor: se durante o tempo em que se mede o calor o objeto voltar à sua posição inicial não existirá qualquer erro se considerarmos o trabalho nulo. A esmagadora maioria da energia correspondente aos processos reativos dos trabalhadores que fizeram as pirâmides do Egito transformou-se em calor durante a construção e só uma parte ínfima (a que corresponde à energia potencial gravítica das pedras empilhadas) aguarda ainda o momento do seu derrube até ao nível do solo para também se poder contabilizar como calor. Também quando o indivíduo empurra uma caixa ao nível do solo o seu trabalho é nulo porque toda a energia cinética correspondente ao movimento da caixa se acaba por transformar em calor através do atrito. Na ausência de atrito a caixa que está a ser empurrada teria um movimento acelerado, mas não é isso que se observa normalmente. Para além do caso da elevação da energia potencial gravítica dos objetos existem outras situações em que o ∆H dos processos reativos não coincide de modo perfeito com o calor libertado. Um exemplo é

10 Trabalho (Joules) = massa (kg) × aceleração (ms-2) ×

altura (m); 40 kg × 9,8 ms-2× 2 m = 784 J; 784 J / 4,18 cal/J = 188 cal ≈ 0,19 kcal

Referências

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