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COMENTÁRIO: EM BUSCA DO TESOURO PERDIDO (...) 1 RESUMO. O presente escrito objetiva comentar o artigo Em busca do tesouro perdido (...

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1 Artigo desenvolvido com base no comentário sobre a monografia de Sarah Bressan em Agosto de 2013. 2 Psicóloga; Integrante do Corpo Docente do IPSI. Mestre em Psicologia Clínica em Psicoterapia Psicanalítica de Crianças e Adolescentes pela UNISINOS/RS.

Endereço para correspondência: raquel.schneider@terra.com.br

COMENTÁRIO: EM BUSCA DO TESOURO PERDIDO (...)1

Raquel Elisabete Finger Schneider 2

RESUMO

O presente escrito objetiva comentar o artigo “Em busca do tesouro perdido (...)” de autoria da psicóloga Sarah Bressan, derivado de sua monografia de conclusão do curso de especialização em psicoterapia analítica, no IPSI - Instituto de Psicologia de NH. Ao longo de sua monografia, Sara descreve a trajetória terapêutica de um pequeno paciente, cujo tratamento psicoterápico mostrou-se relevante, agregando qualidade de vida ao menino e sua família. Trabalho bem escrito, de leitura fluida, título sugestivo, provido de muita criatividade (atributo este, desejável a todo terapeuta winnicottiano), um convite a ingressarmos no universo infantil.

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58 O TESOURO DE RAFAEL

E tudo se principia numa terra muito distante com “Era uma vez...” um psicanalista inglês chamado Donald Wood Winnicott (1968/1975), que acreditava ser a psicanálise uma forma altamente especializada do brincar. As concepções deste autor tem se mostrado relevantes e significativas ao longo de décadas, instrumentalizando psicoterapeutas e analistas. As contribuições winnicottiannas e neo-winnicottianas são os balizadores teóricos deste escólio.

Ao imergirmos na história do pequeno paciente, relatada pela terapeuta, defrontamo-nos com a construção de um grande quebra-cabeças, fragmentado e de alta complexidade; São peças que compõem este jogo: o holding, a função materna, a estrutura familiar, o desenvolvimento emocional primitivo, a desintegração, a simbolização arcaica, a onipotência, o setting, o manejo, a intervenção psicoterapêutica adaptada, entre outros pontos de igual relevância.

Ao percorrermos a leitura do caso, deparamo-nos com a história de um menino “abandonado”, cujo pai mostrava-se ausente, talvez pai/irmão e uma mãe adoecida que reitera o abando e a agressão. Defrontamo-nos com um imenso desejo de tomar Rafael ao colo e acalantá-lo, como toda “mãe suficientemente boa” (Winnicott 1965/1997) o faria. Mas, por livre associação nos invade a memória a lembrança da “mãe atormentada” do próprio Winnicott (1965/1997), do Seio Mau de Melanie Klein (1930/1996) e de André Green (1998), que faz menção a um vazio de mãe na expressão “mãe morta”.

Ao refletirmos sobre a expressão função materna, percorremos designações como: ser provedora, exercer a função de paraexitação, possibilitar uma simbiose adequada, compreender e decodificar a arcaica linguagem do bebê, frustrar adequadamente,

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capacidade de holding e de empatia, sobreviver aos ataques, permitir o exercício de devaneio da criança, servir como identificação e ser espelho. Se por livre associação nos vêm à mente tais características, não se faz por acaso. Foram estas as designações que Rafael prontamente delegou a sua terapeuta. Esta por sua vez, sobreviveu bravamente aos ataques e retaliações sofridas; sobrevivência que se mostrou fundamental para uma boa evolução terapêutica do caso.

Ao longo da história de Rafael nos salta aos olhos seu enredo repleto de maus tratos e abandonos. Em seu precário processo de simbolização habitam prioritariamente dois personagens: Darth Vader personagem do mau/mas, que já fora do bem; uma criança talentosa, um rapaz poderoso, mas atormentado por seus medos e receios e que acaba por terminar em sua opção por seguir o chamado Lado Negro da Força. E Indiana Jones, arqueólogo, grande aventureiro, caçador de tesouros perdidos. Ambos os personagens apresentam em seu enredo uma disputa/rivalidade com a figura do pai e aparecem desprovidos da existência da figura materna.

Corso e Corso (2006) apontam que as crianças demonstram imenso fascínio em relação às figuras do “mau” contidas nas histórias infantis. Encontram nestes enredos uma forma muito tranquila de se defrontarem com seus anseios, temores e medos. Os mais populares de resumem a madrasta malvada de Branca de Neve, a bruxa comedora de crianças de João e Maria ou o tenebroso Darth Vader de Guerra nas Estrelas.

Mezan (1999) refere que o aspecto central de Guerra nas Estrelas se designa ao conflito entre o herói Luke Skywalker, representante da luta pela democracia, e os designos infanticidas de seu pai Darth Vader, representante de um império sanguinário, aliado ao

Lord das Trevas. Para vencer esta batalha e o próprio pai, Luke necessita de um “pai bom”

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“espada da luz”. Mezan vai além, estabelece uma analogia do apólogo à história de Édipo. Luke/Édipo, o filho que precisa superar o pai Darth Vader/Laio, e uma conquista simbólica da mãe, no filme, representada pela aquisição do “Conhecimento da Força”. Ao finalizar, o autor abaliza a popularidade de Guerra nas Estrelas ao fato de retratar conteúdos psíquicos universais/arcaicos num contexto futurista.

O “Império de Rafael” (sua psique) mostra-se agonizante, traumático e ambivalente. Superar a sombra imperativa e poderosa do pai sem reproduzi-lo. Darth Vader poderia simbolizar o pai tal como ele é para uma criança em sua idade, é visto como muito poderoso e teoricamente do mau, além de querer a galáxia/mãe (representada na avó ou mesmo na madrasta) somente para ele, algo de muito valor para as crianças. Mas, ao mesmo tempo, deseja ser tal como o pai, para usufruir do poder que acredita que o pai tem. Em seu mundo interno, assim como acontece com toda criança, sonha em desbravar e aventurar-se por terras ate então desconhecidas, encontrar tesouros perdidos. Encontra em

Indiana Jones o modelo ideal, o personagem arqueólogo, que desvenda mistérios. Rafael

juntamente com sua terapeuta foi escavando, descobrindo seus medos, ansiedades, dúvidas, desejos, conseguindo revelar pouco a pouco o que ficara escondido devido aos mecanismos de defesa e o tumultuado e desintegrador meio familiar no qual que vivia. Estabelecendo um paralelo com o filme “A Arca da Aliança” e o processo psicoterapêutico, podemos afirmar que assim como Indiana Jones, ao descobrir que a arca possuía poderes inimagináveis e que concede ao seu dono o conhecimento do bem e do mau, Rafael foi gradativamente entrando em contato com seu o inconsciente, o bem e o mau, e desvendando os seus próprios mistérios. Sabe-se que a partir desta grande aventura o pequeno paciente pode viver de forma mais saudável.

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Kehl (2006), ao escrever o prefácio de Fadas no Divã, assinala para o fato de as crianças ainda não terem concluído o processo de construção de suas “fronteiras entre o existente e o imaginoso (fronteiras estabelecidas pelo recalque das representações inconscientes). Todas as possibilidades de linguagem lhe interessam para compor o repertório imaginário de que ela necessita para abordar os enigmas do mundo e do desejo” (p.17).

Winnicott (1968/1975) afirma que as histórias, assim como o brincar, fornecem matéria prima para a fantasia infantil, pois transitam livremente pela cultura, e se compõe através dela. São constituídas no espaço transicional, espaço potencial ou mesmo espaço virtual, criado entre a mãe e seu bebê, que pode ser recriado na sessão analítica entre o paciente e o analista. Espaço que não se constitui no mundo interno, também não se constitui no mundo externo, nem tampouco fora nem tampouco dentro, é sim intermediário e constitutivo entre estes dois. É neste espaço potencial do brincar ou da construção da história que a criança encontra a possibilidade de destruir, ferir, restaurar, reparar, sujar, limpar, matar e trazer de volta a vida. Essas histórias, que se operacionalizam no espaço potencial, são preciosas justamente por oportunizarem à criança o acesso aos seus conflitos, respeitando seu processo maturacional, configurando-se assim, em um precioso canal de comunicação com o mundo psíquico. Além disso, utilizam a capacidade de fantasiar, própria da infância, oferecendo possibilidades de resolução a temas conflitivos para as crianças como amor, ódio, medo, ansiedade, abandono, sentimentos de inferioridade, rivalidade, morte, separação e demais emoções, contribuindo assim, de forma significativa para o desenvolvimento de sua saúde mental (Bettelheim, 1980; Gutfreind, 2003, 2004; Hisada, 1998; Radino, 2003; Safra, 2005; Souza, 2005).

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Encontrou-se o grande tesouro, a relação terapêutica se estabeleceu. Parafraseamos Winnicott (1968/1975) ao referir sobre o fascínio do bebê/criança ao ver seu EU/SELF no rosto da mãe (neste caso em especial o rosto da terapeuta) e, posteriormente, num espelho. Influenciando um modo singular de olhar a análise e a tarefa psicoterapêutica. Winnicott (1968/1975) define psicoterapia da seguinte forma:

Psicoterapia não é fazer interpretações argutas; em geral trata-se de devolver ao paciente, a longo prazo, aquilo que o paciente traz. É um derivado complexo do rosto que reflete o que há para ser visto. Essa é a forma pela qual me apraz pensar em meu trabalho, tenho em mente que, se o fizer suficientemente bem, o paciente descobrirá seu próprio (self) e será capaz de existir e sentir-se real. Sentir-se real é mais do que existir, é descobrir um modo de existir como si mesmo, relacionar-se aos objetos como si mesmo e ter um self para o qual retirar-se, para relaxamento (p. 161)

Ao finalizar este registro, retratando a história de Rafael, que ora se (in)escreve na psicanálise infantil, constatamos que a experiência terapêutica vivida pelo menino e sua terapeuta propiciou (re)vivências de desenvolvimento emocional primitivo. O setting mostrou-se uma função primordial, no sentido de ser depositário das necessidades dessa criança de ser olhada e contida em suas ansiedades, principalmente as vinculadas a prejuízos acarretados pela falta de sua mãe e as inconstância de seu meio familiar. O ambiente receptivo, constante e sistemático da terapia desenvolveu junto à criança o sentimento de pertencimento. Para Rafael foi possível ser-existir através de um processo de integração. A possibilidade de imaginar e fantasiar por meio dos personagens colocou-o diante de questões reais e imagináveis, sendo que a sua realidade pode ser representada ou projetada nos personagens e situações por eles vivenciadas, possibilitando elaborações.

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Sabemos ao certo que nos é necessário sermos olhados e vistos para que possamos nos sentir reais. Rafael nos ensinou que não devemos abandonar este desejo de ser um arqueólogo aventureiro, desbravando nossa própria Arca da Aliança. Ao final de tudo, as folhas em branco levadas por Rafael, objeto transicional, uma possibilidade de seguir desenhando seus mapas aventureiros em busca do lugar que ocupa em sua família e no mundo.

REFERÊNCIAS

Bettelheim, B. (1980). A psicanálise dos contos de fadas (19a ed.). Rio de Janeiro: Paz e Terra.

Corso, D. L., & Corso, M. (2006). Fadas no divã: Psicanálise nas histórias infantis. Porto Alegre: Artmed.

Green, A. (1998). A mãe morta. In: A. Green, Narcisismo de vida narcisismo de morte (pp. 247-282). São Paulo: Editora Escuta Ltda.

Gutfreind, C. (2003). O Terapeuta e o Lobo: A utilização do conto na psicoterapia da criança. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Gutfreind, C. (2004). Contos e desenvolvimento psíquico. Viver Mente & Cérebro, 142(1), 24-29.

Hisada, S. (1998). A Utilização de histórias no processo psicoterápico: Uma visão winnicottiana. Rio de Janeiro: Revinter.

Kehl, M. R. (2006). Prefácio: A criança e seus narradores. In: D. L. Corso, D. L., & M. Corso, Fadas no divã: Psicanálise nas histórias infantis (pp. 14-19). Porto Alegre: Artmed.

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Klein, M. (1996). Obras completas. Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1930) Mezan, R. (1999). Freud explica Darth Vader. Revista Veja, 32(25), junho, 1999, p. 91. Radino, G. (2003). Contos de fadas e a realidade psíquica: A importância da fantasia no

desenvolvimento. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Safra, G. (2005). Curando com histórias. São Paulo: Edições Sobornost.

Souza, M. T. C. C. (2005). Valorizações afetivas nas representações de contos de fadas: Um olhar piagetiano. Boletim de Psicologia, 55(123), 1-22.

Winnicott, D. W. (1975). O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1968)

Winnicott, D. W. (1997). A família e o desenvolvimento individual. São Paulo: Martins Fontes. (Original publicado em 1965)

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