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Os periódicos polono-brasileiros: historiografia, fontes e temas de pesquisa

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Rhuan Targino Zaleski Trindade* rhuan.trindade@hotmail.com Resumo: A comunidade polonesa do Brasil tem suas raízes no último quartel do século XIX, inserida no bojo da imigração europeia massiva. Ao longo da sua instalação e desen-volvimento no país de acolhida criou espaços de sociabilidade e uma série de instituições focadas na vida cultural polonesa, dentre elas, os periódicos. Ainda que mais tardiamente em relação a outros grupos étnicos, desde finais do século XIX até o advento de políticas nacionalistas brasileiras na década de 1930, os poloneses produziram diversos periódicos focados nos mais diferentes temas que circularam pelo sudeste e sul do Brasil. Alguns fo-ram mais efêmeros e outros tivefo-ram uma perenidade que, entre intervalos, chegafo-ram aos nossos dias. Podemos identificar uma gama de um material muito rico, que permite uma série de digressões sobre a sociabilidade, economia, agricultura, religiosidade, disputas, entre outros assuntos relacionados à presença dos poloneses no Brasil. A importância nu-mérica polonesa, especialmente no sul do país, não está, até então, refletida nos estudos acadêmicos e os periódicos polono-brasileiros são possibilidades de enfrentar essa questão. Ao propor uma reflexão acerca desta fonte, investigamos os usos atinentes ao estudo dos periódicos, examinando as possibilidades de análises e o potencial deste material para a pesquisa histórica, embasado em trabalhos que usaram estas fontes e estudos sobre impren-sa e imigração.

Palavras-Chave: imigração polonesa, imprensa, fontes

Abstract: The Polish community in Brazil has its roots in the last quarter of the nine-teenth century, set in the midst of massive European immigration. Throughout its installa-tion and development in the host country, it created social spaces and a number of institu-tions focused on Polish cultural life, among them, the journals. Although later in relation to other ethnic groups, from the late nineteenth century until the advent of Brazilian na-tionalist policies in the 1930 decade, the Poles produced several journals focused on vari-ous themes and circling the southeast and south of Brazil. Some were more ephemeral and others with a continuity that between intervals, came to our days. We can identify a range of very rich material, which allows a number of digressions on sociability, economics, ag-riculture, religion, disputes and other matters related to the Polish presence in Brazil. The Polish numerical importance, especially in the country’s South, is not so far reflected in academic studies and the Polish-Brazilian journals are possibilities to address this issue. By proposing a reflection on this source, we investigate the uses relating to the study of periodicals, examining the possibilities for analysis and the potential of this material for historical research, based on works that used these sources and studies on press and immi-gration.

Keywords: Polish immigration, press, sources

The Polish-Brazilian journals: historiography, sources and research themes

Os periódicos polono-brasileiros: historiografia, fontes e

temas de pesquisa

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Introdução

A comunidade polonesa do Brasil tem suas raízes no último quartel do século XIX, no bojo da imi-gração massiva europeia para a América do Sul. Ao longo da sua instalação e desenvolvimento na socie-dade de acolhida os poloneses criaram espaços de so-ciabilidade e uma série de instituições focadas na vida cultural polonesa, dentre elas, os periódicos.

A importância numérica polonesa, especialmen-te no sul do país, não está, até então, refletida no âmbito da pesquisa acadêmica. Para exemplificar a necessidade de estudos, em um evento sobre imprensa e imigração em 20021, apesar dos múltiplos trabalhos apresentados,

não há registro de nenhum sobre os poloneses e, mesmo hoje, não existem trabalhos acadêmicos que tratem dos periódicos deste grupo étnico. A historiografia tem feito menção à relativamente pequena produção sobre imi-gração polonesa, sempre comparada à extensa abordagem sobre imigração italiana e alemã. Este en-foque comparativo foi questionado por Regina Weber e Thaís Wenczenovicz (2012) que apontaram uma série de argumentos sobre as dificuldades de se trabalhar com a temática da comunidade polonesa, bem como buscaram explicar o pequeno desenvolvimento desta no âmbito acadêmico.

Uma das maneiras de enfrentar essa questão é através da utilização dos periódicos polono-brasileiros que foram criados pela comunidade polonesa em diferentes locais de colonização, em especial na região sul do Brasil. Os periódicos como fonte para a escrita da História, notadamente desde a terceira geração dos

Annales, sofreram uma revalorização como documento

histórico, sua abordagem então permite diversas possi-bilidades de investigação.

Apesar de ter se desenvolvido tardiamente em relação a outros grupos étnicos, desde os anos finais do

século XIX até o advento de políticas nacionalistas bra-sileiras nos anos 1930, os poloneses produziram diver-sos impresdiver-sos com relativa periodicidade focados nos mais diferentes temas e circulando pelo sudeste e sul do Brasil. Tais impressos são ricos em informações sobre os poloneses, desde notícias e relatos cotidianos das colônias e dos habitantes das cidades, sobre o Brasil, a Polônia e os estados em que existem comunidades polonesas; até a publicação de artigos de intelectuais de destaque no mundo acadêmico, publicação de opiniões, propagandas, transcrições de cartas e outros textos.

Existiam também periódicos com características particulares, como jornais e folhetos partidários, literários, agrícolas, satíricos, humorísticos, educacion-ais, religiosos voltados à Igreja Católica, outros de in-stituições estatais polonesas, bem como de associações culturais étnicas. Este material, portanto, permite várias apreciações sobre a sociabilidade, economia, agricultu-ra, religiosidade, disputas, entre outros assuntos relacio-nados à presença dos poloneses no Brasil.

Estabelecemos um objetivo propositivo e não analisamos em profundidade um jornal específico, mas pretendemos traçar um panorama da imprensa polonesa no Brasil entre o final do XIX e o Estado Novo. Primeiramente refletindo sobre a inserção dos polo-neses na equação imprensa e imigração; depois pre-tendemos abordar alguns jornais poloneses divididos pelos estados em que foram criados, esses jornais têm características mais amplas, sendo voltados também para notícias e publicação de artigos; por fim, será feita uma análise mais focada em periódicos com temas es-pecíficos. Assim, através desta apreciação, analisamos o potencial dos jornais polono-brasileiros como fonte para a escrita da história da imigração polonesa no Bra-sil e suas relações com o desenvolvimento desse grupo étnico no sul do país.

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Os periódicos poloneses: alguns apontamentos

iniciais sobre imprensa e imigração

As instituições são importantes para os seres humanos, pois permitem a realização de atividades que não lhe são fornecidas pelo seu equipamento biológico (BERGER, LUCKMAN, 1973). Nesse sentido, deter-minado grupo social pode se organizar e fundar institui-ções para diferentes fins. Essas instituiinstitui-ções podem se tornar étnicas ao receberem significados simbólicos específicos ligados à etnicidade. Para tal empreendi-mento existe a necessidade de uma classe média, ou seja, um grupo com disponibilidade de tempo e recur-sos capazes de criar e manter ações de afirmação étnica:

el momento en que se percibe la presen-cia de una clase media es señal de una mayor adaptación del grupo a la socie-dad. La existencia de un relativo número de miembros de clase media es funda-mental para mantener determinados mo-dos de afirmación étnica, como por ejem-plo, publicaciones regulares o aso-ciaciones recreativas o educativas con sede propia, las que corporizan su ex-istencia y proveen de un lugar específico para variadas actividades. (WEBER, 2009, p. 29).

Segundo Barth, a definição de um grupo étnico se dá na interação social, geradora de processos de in-clusão e exin-clusão, tendo como resultado a delimitação de fronteiras. Para a constituição destas, são escolhidos ou modificados traços que servem como elementos de distinção e de diferenciação social (STREIFF; POUTIGNAT, 1998), características compartilhadas, estabelecidas como símbolos identitários, as quais in-stituem a crença em uma origem comum, podendo ser reforçadas e/ou modificadas. Esta origem é buscada no passado a fim de estabelecer uma identidade de grupo, no caso, com predicados étnicos.

Um exemplo possível de instituição com atribu-tos étnicos são os periódicos, isto é, jornais, alnaques, calendários, revistas, entre outros tipos de

ma-teriais que circulam através de e para um grupo étnico específico. No Brasil, a configuração de fronteiras étnicas, as quais podem ter periódicos como institui-ções, de uma maneira ou de outra, está marcada pela imigração, em especial, a europeia de meados do século XIX até início do XX.

Como coloca Klug (2004), a imprensa é um “símbolo da imigração”. Nelson Werneck Sodré (1983), em História da imprensa no Brasil, assinala o surgimento de periódicos de imigrantes já no final do século XIX. Alemães, italianos, portugueses e mesmo japoneses e imigrantes do Oriente Médio (OLIVEIRA, 2004) procuraram criar impressos com diferentes ob-jetivos:

à função de revivificador das raízes deixadas no além-mar deviam se agregar outras no periódico imigrantista, como as de órgão assistencialista, de defensor da respeitabilidade, de formação moral, de divulgador cultural, de fórum de de-bates e, o que parece não ter sido a tôni-ca da totalidade dos jornais e revistas imigrantistas que circularam no Brasil, de denúncia e repúdio às desigualdades sociais existentes na própria colônia (OLIVEIRA, 2004, p. 147).

Entre as características principais estão o uso da língua materna e de um caráter balizador étnico capaz de estimular a coesão social, através da utilização dos periódicos pelas lideranças étnicas de cada grupo. A imprensa imigrante era, portanto, aquela produzida por um grupo étnico específico (oriundo de um processo de imigração) e dirigida para o próprio grupo, em geral, na língua materna.

Os poloneses podem ser incluídos nesta equação dos periódicos e imigrantes. Ainda que considerada pe-quena (POTOPOWICZ, 1936) se comparada à produção de jornais, anuários e revistas da colonização alemã (DREHER, 2004; GERTZ, 2004) e italiana, a imprensa polonesa no Brasil foi ativa. O ex-cônsul da Polônia no Brasil, Kazimierz Gluchowski, que escreveu

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em 1927 (publicado em português em 2005), demon-strou a existência de vários periódicos, contudo, muitos sendo efêmeros e permeados por disputas políticas as quais levavam, de acordo com o autor, ao desinteresse do público leitor.

Uma das razões da menor produção literária polonesa em relação aos seus congêneres alemães e italianos é o fato de que a elite letrada da Polônia não emigrou para o Brasil, mas para outras nações (o que definiria o caráter predominantemente agrário da colo-nização polonesa no Brasil), conforme apontam Gardo-linski (1956) e Wachowicz (1974). Contudo, apesar de não constituir a maioria dos imigrantes, vários intelec-tuais poloneses imigraram temporariamente ou definiti-vamente ao longo dos séculos XIX e XX. Muitos dos quais se dedicaram à criação de periódicos. Destaque especial aos padres católicos emigrados, os quais eram responsáveis pela organização não apenas religiosa-espiritual da comunidade, mas social e cultural. Sendo aqueles que se preocupavam com a criação e ma-nutenção de jornais e outros materiais de divulgação religiosa (panfletos, folhetos, etc.).

Vários intelectuais laicos também foram en-carregados da produção e divulgação de periódicos, muitos dos quais entraram em atritos com o elemento clerical, em disputas que tiveram reminiscências im-portantes nas páginas dos jornais polono-brasileiros. Uma característica daqueles jornais é justamente o fato de que se tornavam espaços de debates acirrados e dis-putas. As disputas religiosas e entre clericais e laicos eram parte significativa da imprensa imigratória étnica polonesa, assim como na alemã (DREHER, 2004).

Em Curitiba, na visão do historiador vicentino2

Piton (1971, p. 82), o final da primeira década do

sécu-lo XX foi um período de “batalha pela hegemonia na colônia polonesa”, onde já existia uma atividade dos padres desde os primórdios da imigração, que são con-frontadas posteriormente pela vinda de funcionários do governo polonês e intelectuais laicos, que eram chama-dos “progressistas” e anticlericais. Segundo Piton (1971), tais debates levaram muitos escritores a melhorarem suas redações e tornarem-se literatos de destaque na comunidade.

A título de sistematização, consideramos neste trabalho a imprensa polono-brasileira como composta por periódicos escritos em polonês no Brasil desde os primeiros anos da colonização polonesa até o Estado Novo. Com as políticas nacionalistas estadonovistas, a imprensa polonesa acabou e somente ressurgiu após 1945 sobre outros vieses, os quais merecem um tra-balho separado. Não incluiremos no texto os alma-naques e anuários, que são fontes relevantes, mas que igualmente devem ser analisados de maneira inde-pendente numa oportunidade futura.

Entre o final do século XIX e o ano de 1938 foram criados mais de cem impressos periódicos em língua polonesa no Brasil, não sendo possível, nem desejoso, trazer a faina todos aqueles escritos, mas sim, alguns dos mais relevantes, seja pela duração, temática ou expressividade da tiragem. Todos esses elementos influem para refletir a dinamicidade e relativa im-portância da imprensa polono-brasileira.

Os periódicos poloneses no Brasil

Gluchowski (2005) Piton (1971) são as fontes mais importantes sobre os periódicos polono-brasileiros, apresentando várias informações e sistema-tizações. Gluchowski, primeiro cônsul da Polônia em

2 Congregação religiosa formada na França, mas que preocupou-se no atendimento espiritual e também secular dos imigrantes poloneses no sul do Bra-sil, especialmente com a instauração em 1903 da Vice-Província Vicentina em Curitiba, que respondia à Cracóvia. Muitos padres vicentinos eram polo-neses.

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Curitiba, escreveu em 1927 e seus dados são fontes pre-ciosas ao que ele afirma ser a “imprensa polonesa”. O padre vicentino Jan Piton, escreveu no momento da comemoração do centenário da imigração polonesa no Paraná (1971), listando vários periódicos seguido de uma breve descrição. A estes autores, somamos a análise de outros textos e de nossas próprias pesquisas com alguns dos periódicos sobre os quais discorremos neste artigo.

Primeiramente, entendemos os jornais como fonte documental capaz de enunciar discursos e ex-pressões, intervindo nos processos e acontecimentos históricos e sendo permeados pelas questões de seu tempo, na medida em que são produtos da sociedade em que estavam inseridos e que os produziu. Ademais, os periódicos são atravessados por escolhas do ponto de vista político, mas também econômico, visando, em geral, o lucro, para além de conseguir adeptos, moldar comportamentos ou despertar consciências (CAPELATO, 1988; DE LUCA, 2010).

As escolhas subjetivas são feitas por diferentes motivações de um determinado grupo, conformadas num contexto de produção específico, as quais levam a definição daquilo que deve ser divulgado no periódico e para quem estão voltadas as informações. Neste ínter-im, há jornais que, por exemplo, podem estar vincula-dos diretamente a partivincula-dos políticos ou à Igreja católica e dirigidos a um público específico mais restrito. Em contraposição, outros se colocam como empresas que produziriam uma divulgação “imparcial” (ainda que a seleção do que deve ser publicado não seja neutra) dos acontecimentos e são voltados a um público mais am-pliado.

A partir destes pressupostos, devemos ter em conta que do ponto de vista metodológico, como Elmir (2007, p. 14) nos elucida, existem duas maneiras de ler o jornal: uma “aparentemente mais simples, consiste em tomá-lo (1) como fonte de informação”. Outra, “aparentemente mais complexa, faz dele (2) objeto in-telectual da pesquisa”. Desta forma, se deve proceder com a crítica da fonte, examinando sua carga seletiva e subjetiva.

É significativo observar o que o jornal está ele-gendo como importante, quais as notícias destacadas e consequentemente, aquelas silenciadas. Verificar os editoriais é um bom método para identificarmos o posi-cionamento daqueles que escrevem o periódico e sua apreciação em relação a assuntos específicos.

Tendo estes aspectos metodológicos em vista, um dado que deve ser levado em consideração ao tratarmos dos jornais polono-brasileiros é o fato de que até 1918, enquanto a Polônia não existia como estado independente3, a “imprensa polonesa” local estava muito interessada nos assuntos poloneses, isto é, na re-cuperação da independência e na política europeia. Após 1918, voltou-se para os assuntos locais da colônia e a política brasileira (GLUCHOWSKI, 2005). Além disso, não podemos esquecer da importância das dispu-tas entre clericais x anticlericais que eram transposdispu-tas para as páginas dos periódicos, sendo assunto constante e inclusive uma referência para a criação de jornais oponentes.

Com base nestas observações, o estado brasilei-ro que recebeu a maior leva dos imigrantes poloneses foi o Paraná. Curitiba, sua capital, era circundada por uma grinalda de colônias daquele grupo imigratório, bem como recebia vários intelectuais da Polônia e abria

3 De 1795, após a tripartição até 1918 com a volta ao mapa europeu, a Polônia não existia enquanto estado independente. Seu território esteve dividido entre os Impérios Alemão, Áustro-Húngaro e Russo.

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espaço para surgimento de uma classe média e um seg-mento urbano de comerciantes, profissionais liberais, professores, políticos e industriais poloneses e de-scendentes. Não é, portanto, surpreendente, que seja Curitiba e o Paraná o principal centro de produção de jornais, calendários, revistas e outros periódicos da co-munidade polonesa.

O primeiro jornal escrito em polonês no Brasil é de 1892, o Gazeta Polska w Brazylii (Gazeta polonesa no Brasil), de Curitiba. Também foi o mais longevo, existindo sem interrupções até 1941. Chegou a ter tira-gem de 4000 exemplares e marcou as disputas pela colônia polonesa, trocando de donos várias vezes: desde intelectuais progressistas até padres, mas mante-ve ao longo do tempo uma proximidade com a Igreja Católica.

No final do século XIX, houve a criação de jor-nais em oposição ao Gazeta, como o Kurier Paranski (O mensageiro paranaense 1897-1898), que era editado em Curitiba e proveniente da cidade polonesa de Lwów com tiragem de 300 exemplares. Outros são o Prawda (A Verdade 1900-1901) e o semanário Polak w Brazylii (O polonês no Brasil 1905-1920), ambos de Curitiba. Este último era considerado “progressista e anticleri-cal”, chegando a 1500 exemplares de tiragem. O Polak

w Brazylii e o Gazeta Polska travaram uma disputa por

vários anos e em ambos os jornais aparecem críticas mútuas.

Em 1920, o Polak w Brazylii é assumido pelos missionários vicentinos e ressurge, naquele mesmo ano, com o nome Lud (O Povo), mudando radicalmente de orientação para uma posição clerical e conservadora. O

Lud era publicado quinzenalmente a partir de 1930,

ti-nha tiragem chegando a 4 mil exemplares e 25 mil

lei-tores4 nos estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Gran-de do Sul, São Paulo, Minas Gerais e também na Ar-gentina e no Uruguai (POTOPOWICZ, 1936, p. 209).

O jornal Lud, que continuou suas publicações até 19405, é sem dúvida uma das fontes valiosas para

estudar a comunidade polonesa, estando muito bem preservado no Acervo dos padres vicentinos em Curiti-ba e passa recentemente por um processo de digitaliza-ção através de um projeto da Universidade de Varsóvia.

Na capital paranaense outros periódicos podem ser destacados: Emigrant Polski w Paranie (O emigran-te polonês no Paraná 1909), que propagandeava a vinda e concentração dos imigrantes poloneses no Paraná; o mensário católico vicentino Przyjaciel Rodziny (O Amigo da Família, 1921-1935); o Nasze ¯ycie (Nossa Vida, 1922-1923), que tinha apoio do cônsul Glucho-wski e de Edmundo Saporski, considerado “pai da imi-gração polonesa”. Devido a colaboração destes dois intelectuais, o jornal foi considerado de caráter “progressista”, preocupado com a “vida social, científi-ca e artísticientífi-ca da comunidade polonesa” (PITON, 1971, p. 90); Polska Prawda w Brazylii (A verdade polonesa no Brasil 1929-1941), semanário que apesar de ser con-siderado “católico”, foi avaliado por Piton como “progressista com tendências radicais” (1971, p. 92);

Nasza Praca (Nosso Trabalho 1933-1935), outro

desta-cado jornal, com tiragem de cerca de 600 exemplares, era bimensal e depois mensal, sendo vinculado a dife-rentes associações e tendo vários suplementos que tra-tavam de educação, agricultura e esporte; Kultura (Cultura 1933-1938) vinculado à associação escolar Kultura, que abarcava as escolas “progressistas” e se interessava por problemas culturais, educacionais, econômicos, entre outros.; Biuletyn Informacyjno

Ins-4 Segundo texto do Jornal Gazeta do Povo de 11/01/2014, que contabiliza a leitura familiar e pública dos textos. 5 Reaparece e permanece bilíngue no intercurso 1947-1999

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trukcyjnny (Boletim Informativo e Instrutivo,

1937-1938), com tiragem de 1000 exemplares, era vinculado ao Centralny Związek Polaków w Brazylii (União Cen-tral dos Poloneses no Brasil), órgão que pretendia agre-gar todas as associações polonesas do Brasil, sendo cri-ado e patrocincri-ado pelo consulcri-ado polonês de Curitiba.

Poderíamos mencionar ainda o Nasza Skółka (Nossa Escolinha, 1924-1935); Robotnik Paranski (O Trabalhador Paranaense, 1902-1903); Ogniwo (O Elo, 1913-1914); Świat Paranski (O Mundo Parananese, 1923-1925); Głos Paranski (A voz do Paraná, 1933); e

Młody Paranczyk (O Jovem Paranaense, 1937-1938).

Todos estes tiveram uma trajetória mais curta.

O mencionado Ogniwo era inicialmente de Pon-ta Grossa, mas migrou para Curitiba e deu origem ao

Pobudka (O Estímulo, 1916-1918), considerado

“progressista-esquerdista” (PITON, 1971, p. 87). Am-bos, devido ao período de circulação, se dedicaram às notícias sobre a Primeira Guerra Mundial evidenciando os múltiplos lados pelos quais lutavam os poloneses, seja o Comitê de Paris de Paderewski, Haller e Dmows-ki, vinculado à Ententé ou então as Legiões de Pilsuds-ki6, que lutavam no lado Áustro-Húngaro. Finalmente,

o Pobudka foi substituído pelo Świt (a Aurora, 1918-1928), retornando a Curitiba em 1921 e vinculando-se à organização Kultura. Também foi editado em Ponta Grossa o mensário católico Siewca (O Semeador, 1933-1934). Ainda no Paraná, editado em Marechal Mallet, existiu de maneira efêmera o Człowiek Lesny (O Matei-ro, 1916).

No Rio Grande do Sul, segunda maior colônia polonesa no Brasil, também existiram publicações de periódicos poloneses. O mais importante foi o

Odrodze-nie (O Renascimento, 1930-1934) impresso pela

Tipo-grafia Polonesa em Porto Alegre com 1000 exemplares de tiragem. Segundo um dos colaboradores da época: “no mais longínquo recanto, na mais pobre casinha, tal escrito [Odrodzenie] chega (ciśnie) lá”, sendo recebido em diferentes colônias polonesas no Rio Grande do Sul. Tinha vários suplementos: sobre educação, agricultura, notícias das colônias etc.

Destacamos ainda no Rio Grande do Sul o

Ko-lonista (O colono, 1909-1910) e o KoKo-lonista Polski (O

colono polonês), ambos de Ijuí. Em Guarani das Mis-sões, maior colônia polonesa do estado, existia o

Tygo-dnik Związkowy (Semanário das Associações,

1916-1917), que acabou, segundo Piton (1971), censurado por questões políticas. Em Rio Grande saiu um número chamado Naprzód (Avante, 1905) da Sociedade Águia Branca. Existiram também o Echo Polskie (Eco Polo-nês, 1927-1929) e o Biuletyn Informacyjny (Boletim Informativo, 1938) ambos editados em Porto Alegre pela Federação das Sociedades Polonesas do Rio Gran-de do Sul.

Premente é destacar que os jornais de Curitiba circulavam pelas colônias polonesas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, bem como eram lidos em alguns outros estados (ou países), onde existia presença de po-loneses, caso exemplificado pelo Lud, que encontramos em arquivos privados de Porto Alegre e Guarani das Missões.

Paradoxalmente, em São Paulo, especialmente na capital, que não era uma das grandes colônias polo-nesas em termos populacionais, há um grande número de periódicos ainda que, na sua maioria, de curta circu-lação. O mais antigo foi o Dzwoń Polski (O Sino

polo-6 Durante a Primeira Guerra Mundial a Polônia, então ocupada, envolveu-se dos dois lados do conflito. De um lado tropas lutavam pela Alemanha, do outro pelos russos e ainda existiam tropas polonesas lutando com os franceses, chamado de Exército Azul. Confrontando poloneses contra poloneses. No entanto, a que mais se destacou foram as Legiões Polonesas comandadas por Pilsudski, que lutaram de forma mais ou menos independente do lado Áustro-Húngaro contra a ocupação da porção russa, que detinha a maior parte do que fora o estado polonês.

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nês 1907-1908), criado pelos cafeicultores paulistas propagandeando a migração de poloneses para os cafe-zais de São Paulo, uma vez que a maioria da população imigrante polonesa preferiu adquirir terras nos estados sulinos ao invés de servir de mão de obra para a produ-ção cafeeira paulista.

Entre 1929-1930 circulou o Kurier Polski (O Correio Polonês), que tinha como secretário José Issa-kowicz, importante redator do Odrodzenie e de outros periódicos no período. Podemos citar ainda o

Ilus-trowany Informator Polski w Brazylii (Informativo

Ilustrado Polonês no Brasil 1931) e seu substituto, o

Nowiny Ilustrowane (Notícias Ilustradas 1932), ambos

com poucos números e editados na cidade de São Pau-lo. No âmbito religioso, em 1935, circulou o Związek

Polsko Katolicki (União Polono-Católica), que trazia

notícias da Igreja.

Em geral, nesta primeira parte foram menciona-dos periódicos ligamenciona-dos à Igreja Católica ou rivais dela, os quais privilegiavam notícias cotidianas da comunida-de polonesa, além comunida-de comunida-destaques para os seus estados específicos, o Brasil, a Polônia e o Mundo. Eram de caráter propagandístico e informativo, voltados especi-ficamente para um grupo étnico em particular, tinham, em geral, posicionamentos que claramente não se pre-tendiam neutros ou imparciais, mas que marcavam pon-tos de vista alicerçados nas opiniões dos órgãos que os financiavam, dos seus donos e redatores.

Piton, na condição de padre, ao referir-se aos jornais, muitas vezes caracteriza os periódicos como “progressistas”, “esquerdistas”, “radicais”, mas não faz o mesmo com aqueles vinculados à Igreja, ao contrário

de Gluchowski, quem denominava, eventualmente, de-terminados jornais como “clericais”.

O Lud de Curitiba e o Odrodzenie de Porto Ale-gre, que analisamos mais detidamente, em especial para os anos 1930, são exemplos que trazem à tona esta dis-puta. O primeiro, vinculado à Igreja, traz notícias diver-sas, porém, é possível observar o quanto criticam as contendas com os anticlericais, estes sendo considera-dos responsáveis pela “desorganização” da comunida-de, criando, segundo alguns padres, uma desconfiança com os “instrutores, professores, vindos da Polônia, e com verdadeira tristeza deve-se dizer também com rela-ção a Polônia. A confusão, que foi introduzida aqui na vida social polonesa, é difícil eliminar e desenraizar o mal”.7

Já o segundo, apesar de se apregoar como “apartidário”, publica um enfoque muito semelhante, tendo artigos escritos por padres e seus “aliados” lei-gos. Muitos textos criticam os funcionários enviados da Polônia, que procurariam transformar as instituições locais em sociedades laicas e sob a tutela do estado po-lonês. Como assevera um articulista, a “Colônia [polonesa] possui pessoas mais educadas, mais patrio-tas do que eles os senhores instrutores”.8

A própria existência de periódicos rivais, como apontamos acima, denota as diferenças “ideológicas” dentro da colônia polonesa que, como qualquer grupo (étnico), apesar da noção e intenção de coesão, tem di-visões e disputas em torno de lideranças específicas (neste caso, do clero ou laicas). Importante destacar que estes jornais permitem uma análise das comunidades polonesas, sua intervenção na sociedade englobante e o

7 Tradução: Lud, 11 de abril de 1934. Cartas para a argentina: Pe. Jan Wislinski Listy z Argentyny. „instruktorów oświatowych, nauczycieli przybyłych z Polski, a z prawdziwym smutkiem powiedzieć trzeba, także i do Polski. Zamętu, który tutaj wprowadzano w życie społeczne polskie, dotąd usunąć nie podobna a zła wykorzenić”.

8 Tradução: Odrodzenie de 9 de julho de 1933, Franciszek Karnikowski: Kolonja posiada ludzi wyżej wykształconych, większych patrjotów niż sami pp. Instruktorzy

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processo de colonização. Ademais, os periódicos tra-zem muitos dados sobre as colônias, no âmbito rural e urbano, apontando números de imigrantes e descenden-tes, as condições de assentamento e a adaptação dos poloneses ao espaço receptor.

Os artigos de intelectuais que eram publicados nos periódicos permitem analisar também diversos as-pectos como a educação, ciência, religião, entre outros assuntos que eram recorrentes nos espaços de sociabili-dade poloneses constituídos ao longo da sua presença no Brasil.

Os periódicos e as suas temáticas:

trabalhadores, esporte, educação, agricultura,

humor e religião

A colonização polonesa proporcionou a criação de diferentes instituições étnicas, as quais colocaram em movimento a comunidade e permitiram, como con-sequência, a busca de uma coesão social e a criação e conformação de uma identidade étnica polonesa na ter-ra de adoção, a fim de constituir um grupo étnico mais ou menos organizado. Além disso, são exemplos da adaptação e modificação da sociedade receptora pelos imigrantes, conformando sociabilidades étnicas particu-lares.

Sociedades culturais, esportivas, escolares, cur-sos de professores, associações agrícolas, cooperativas, associações de trabalhadores urbanos, ideias para cria-ção de um banco polonês, até a possibilidade de con-quista territorial para a Polônia, são exemplos de ativi-dades conformadas pelos poloneses entre o final do sé-culo XIX e as primeiras décadas do sésé-culo XX. Os pe-riódicos se desenvolveram pari passu a estes movimen-tos e/ou vinculados a eles. Assim, nesta seção desenvol-vemos a análise de alguns jornais particularmente

ati-nentes às atividades específicas da comunidade polone-sa, diferentemente dos periódicos de caráter mais geral descritos acima.

Um assunto recorrente diz respeito ao âmbito dos trabalhadores urbanos poloneses, neste caso, Curiti-ba, no Paraná, novamente tem proeminência. Além do citado Robotnik Parański (O trabalhador paranaense), que como o nome remete, estava voltado ao trabalho polonês naquele estado, entre 1902-1903, desenvolve-se também o Naród (A Nação 1908-1909) que, além de criticar todos os outros periódicos curitibanos polone-ses, tinha, de acordo com Piton9, viés “esquerdista”.

Outro interessante jornal foi o Proletariat Polski w

Ameryce Południowej (O proletariado polonês na

Amé-rica do Sul 1921) da Associação Central dos Poloneses trabalhadores de fábricas de São Paulo. De acordo com Piton, este jornal fez parte de uma “experiência comu-nista” (PITON, 1971) que ficou marcada pelo polonês mal escrito e pela efemeridade (GLUCHOWSKI, 2005), tendo sido editado somente um número.

As associações esportivas também marcaram presença nos periódicos escritos em polonês. Em 1922, em Curitiba, circulou alguns números com 500 exem-plares de tiragem do Sportowiec Polski (O Desportista polonês), vinculado às sociedades esportivas Harcerz (O Batedor) e Junak, em geral, tendo o apoio de indiví-duos enviados da Polônia. Em 1931, O Junak (nome dado ao Towarzystwo Wychowania Fizycznego Junak ou em português: Sociedade de Educação Física Junak) lança um jornal de mesmo nome editado também em português. Por último, em Porto Alegre, a Sociedade

Sokól (Falcão) entre 1929-1930 teve como órgão o

pe-riódico Sportowiec (O Desportista).

9 Para o padre escrevendo nos anos 1970 e ponderando a expressão, podia significar desde um ponto de vista menos conservador e clerical, até um posi-cionamento vinculado politicamente à esquerda.

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É interessante notar, conforme Oliveira, que a luta pela independência da Polônia e os vínculos com o nacionalismo são importantes, inicialmente, para a con-figuração das sociedades esportivas:

Percebe-se assim a estreita relação entre ginástica (ou esporte) e o processo de independência vivido em território polo-nês. As associações e sociedades criadas em Curitiba cumpriam assim um objetivo vindo de longe, vindo de fora. Ao contrá-rio da representação nacional, que trata-va os imigrantes como apenas estrangei-ros em lento processo de assimilação, para estes, o Brasil, em especial, o Para-ná, era de certa forma um trampolim (no sentido figurado e não esportivo do ter-mo) para uma ação política no sentido estrito do termo. O esporte, assim, não se desvinculava da política, nem as tradi-ções culturais da nação. A moderna idéia de atleta, por exemplo, por certo não existia. Antes disso, o esporte parecia ser uma forma de educação, e nisso, se com-binava ao espírito da época que via nesta última uma forma de “civismo nacional” e de construção do Estado, e não de transmissão de conhecimentos. (2008, p. 5).

Aos poucos, as atividades esportivas perdem seu caráter bélico para se limitarem à capacidade de inte-gração das comunidades de imigrantes. As associações esportivas tem um papel na divulgação da atividade esportiva, na inclusão das crianças e mulheres neste espaço e na popularização do esporte (OLIVEIRA, 2008). Junto às escolas polonesas, estas sociedades são importantes na conformação do grupo étnico.

Gardolinski (1974) e Wachowicz (2002 [1970]) são dois dos autores que sobressaem a presença de es-colas polonesas nos estados do Sul, notadamente no Paraná e Rio Grande do Sul. Em ambos se desenvol-veu, poderíamos dizer, uma rede de “ensino polonês”, desde pequenas escolas nas linhas e picadas das colô-nias, até centros de formação médio e técnico, bem

co-mo de professores em Marechal Mallet – PR e Guarani das Missões – RS. Existe, inclusive, uma literatura re-cente que trata do assunto: Renk (2009) no Paraná e Malikoski (2014) e Trindade (2015) para o Rio Grande do Sul.

É graças a existência do ensino em polonês ou também bilíngue que podemos imaginar o quanto os periódicos dispunham de um público leitor razoável. Primeiro, até 1938, as escolas polonesas - as quais ensi-navam na língua materna ou com ensino bilíngue - no Rio Grande do Sul, funcionaram praticamente sem res-trições e até com incentivos dos poderes públicos espe-cialmente no âmbito rural. No Paraná, a exigência do ensino do português é anterior, mas isto não excluiu o aprendizado do polonês. Ademais, neste estado se con-centrava a maior quantidade de letrados e intelectuais poloneses do Brasil, possíveis consumidores e redatores de jornais.

As escolas também explicitaram as disputas pe-la colônia polonesa. Em 1920 e 1921 surgem duas enti-dades rivais: a Kultura (Cultura) e Oświata (Educação), a primeira uma associação de escolas laicas e a segun-da, de escolas católicas. Muitas destas associações de ensino criaram periódicos, caso do jornal Kultura já supramencionado.

Outros periódicos educacionais eram o

Tygo-dnik Polski (Semanário Polonês) de 1911; o Nasza Szkoła (Nossa Escola) pertencente a Associação dos

Professores das Escolas Polonesas do Brasil entre 1924 -1935; editado pelo Centralny Związek Polaków w

Brazylii (União Central dos Poloneses no Brasil)10 o

Gazeta Szkolna w Brazylii (Gazeta Escolar no Brasil

1935), todos estes periódicos concentrados em Curitiba. Além disso, havia suplementos para professores e

estu-10 Em 1930, foi criada a União Central dos Poloneses, que se mantinha em contato com a União Mundial dos Poloneses no Estrangeiro, criada em Varsóvia. A CZP abrangia uma serei de instituições do âmbito educacional, esportivo e agrícola poloneses.

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dantes nos maiores jornais em circulação (Lud, Nasza

Praca, Gazeta Polska, etc). Estes periódicos podem ser

importantes para pensar a educação dos imigrantes e descendentes poloneses e, através deles, a conformação simbólica identitária grupal polonesa no Brasil.

Outro ponto importante que os periódicos tra-zem à tona é a agricultura. Klug (2004, p. 25), tratando da imprensa alemã, corrobora a importância dos jornais para a população rural dado que: “quase todos manti-nham um suplemento literário e/ou com informações sobre agricultura”. É justamente a população rural, que não era bilíngue, aquela que vai sofrer mais com as res-trições à imprensa estrangeira durante o Estado Novo.

Não podemos esquecer que a maior parte da po-pulação polono-brasileira era de colonos. Os escritos dos jornais, em parte, voltaram-se para essa parcela da população. Muitos autores eram ativos na procura de melhorias das condições materiais e de vida dos colo-nos poloneses. Professores, padres, além de outros inte-lectuais incluindo membros representativos do Estado polonês, os “instrutores”, foram indivíduos responsá-veis por escrever artigos e criar periódicos, a fim de distribuir entre os camponeses letrados ou para serem lidos em público, com intuito de permitir a melhoria das técnicas, cultivos, métodos e resultados da produ-ção agrícola.

Os jornais polônicos são muito interessantes para entender o desenvolvimento agrícola levado a ca-bo no período entre os colonos poloneses e merecem destaque neste trabalho. Estes jornais contavam com artigos de estudiosos, em geral, mas não somente, dile-tantes sobre a agricultura. Os textos eram voltados nor-malmente para os colonos, ou então, para as pessoas responsáveis por tentativas de inovação e desenvolvi-mento rural no seio da comunidade, papel que era exer-cido por diferentes sujeitos, podendo muitas vezes os professores da região ocuparem tais cargos. A

lingua-gem dos textos não era exatamente acessível para a maioria da população, o que nos leva a pensar que ha-via um filtro feito através da leitura pública ou do re-passe das informações por meio de intermediários.

Eram escritos artigos sobre novos produtos, so-bre pecuária, métodos de cultivos de plantas já conheci-das pelos colonos, excertos sobre combate às pragas como as lagartas e os gafanhotos, sobre o calendário agrícola, solos, as escolas/círculos agrícolas, pastagens, entre muitos outros assuntos que faziam parte do uni-verso mental e de trabalho do “camponês polonês”.

Lud, Nasza Praca, Prawda Polska w Brazylii, entre

ou-tros, tinham suplementos e espaços destinados ao tópi-co agricultura tópi-com títulos tópi-como Rolnik (O Agricultor), comum em vários cadernos das publicações. Além dis-so, intelectuais e cientistas renomados como Ceslau Biezanko (reconhecido entomólogo e agrônomo polo-nês), publicavam artigos sobre agricultura e combate às pragas nos jornais. Tal cientista, enquanto esteve em Guarani das Missões, fez uso do periódico Odrodzenie e Lud para difundir o cultivo da soja entre os colonos poloneses na década de 1930 (TRINDADE, 2015).

Outro tipo de periódico que destacamos são os humorísticos e satíricos. Desde o final do século XIX foram publicados este tipo de impressos. O Djablik

Pa-ranski (O diabinho paranaense) já em 1898 saía com

300 exemplares em Curitiba. Depois em 1902, na mes-ma cidade, são criados o Djablik (O Diabinho) e o

Scierka (O Esfregão), ambos satirizando um ao outro.

O primeiro foi concebido para fazer humor do Robotnik

Parański, que então criou o segundo como forma de

contrabalançar os ataques.

Em 1919, em Ponta Grossa, aparece o

Sowirzdr-zal w Paranie (O traquinas no Paraná), considerado

“progressista” por Gluchowski (2005), sendo defensor das políticas de Pilsudski na Polônia. Em 1921 o Osa (A vespa) circula por algum tempo. Em 1929, em

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Curi-tiba, é editado outro Djablik Paranski, tendo como re-datores os pseudônimos X. Niekliei e Y. Nienozyce (Não cole e não recorte). O último periódico deste tipo foi o

Djablik Brazylijski (O diabinho brasileiro) de 1932,

também em Curitiba.

Por último, não podemos deixar de destacar a presença de “jornais religiosos”, isto é, pertencentes ou vinculados à Igreja Católica através das congregações e seus padres. A religiosidade polonesa católica é funda-mental para entender a vinculação étnica, ou melhor, a identidade étnica construída pelos poloneses no Brasil (GARDOLINSKI, 1958; STAWINSKI, 1975, WA-CHOWICZ, 1974). O fato é que, a presença da religião católica estaria incorporada à polonidade, tanto o senti-mento nacional (TRINDADE, 2013) como o de perten-ça étnica, ou seja, à etnicidade polonesa. Na primeira parte do texto, citamos alguns dos jornais que tinham preponderância do elemento religioso, seja jornais pro-priamente das igrejas que publicavam notícias específi-cas das congregações ou paróquias, sejam os jornais mais amplos como o Lud ou o Odrodzenie, que tinham outros vieses, mas contavam com padres entre os reda-tores e articulistas. As instituições religiosas eram capa-zes de financiar os jornais e permitiam a publicação de diferentes notícias e artigos por seus colaboradores lai-cos, permitindo a circulação de informações dentro da comunidade polonesa.

Para finalizar, não pretendemos fazer uma exa-ustiva análise dos periódicos poloneses na periodização proposta, mas traçar um panorama do que podemos chamar de “imprensa polonesa” no Brasil dentro do contexto da imprensa imigrante e étnica. É importante notar que alguns destes jornais, boletins informativos, panfletos e pasquins mencionados não foram “periódicos” no sentido estrito da palavra, sendo às ve-zes lançado apenas um número ou existindo com uma regularidade bastante limitada. As disputas religiosas e

as rivalidades entre os jornais são dados importantes também, que perfazem a tônica da imprensa imigratória étnica polonesa. A despeito destes pressupostos, ao pre-servar a língua polonesa para leitores especificamente deste grupo étnico, esta imprensa era fruto dos interes-ses poloneinteres-ses e um instrumento de reificação e afirma-ção da sua identidade grupal étnica.

Considerações finais

A despeito de a maioria dos periódicos citados não ter passado de alguns poucos números ao longo de alguns meses, outros foram mais longevos e atravessa-ram décadas. Em 1938, em consequência do decreto de nacionalização, praticamente todas as publicações edi-tadas no Brasil em línguas estrangeiras foram fechadas, algumas poucas permaneceram até 1941. Com a eclo-são da Segunda Guerra Mundial o decreto de nacionali-zação foi suavizado. O governo permitia a publicação de boletins em polonês que dessem informações sobre a guerra ou que promovessem a ajuda organizada à Polô-nia e seus habitantes. Além disso, no pós-1945 alguns jornais ressurgem e outros novos são criados.

Através dos periódicos, diversos assuntos como esporte, cultura, humor, política, imigração, educação polonesa, associações, relações dos poloneses com a sociedade receptora, agricultura, meio ambiente, econo-mia entre outros temas são possíveis de estudo. Seja utilizando-os como fontes de informação para os mais diferentes objetos que abordam ou silenciam, seja atra-vés de uma análise mais detida do posicionamento do periódico, estas são fontes primordiais para o estudo da imigração e colonização polonesa no Brasil.

O idioma tem sido a grande barreira a ser en-frentada. Há poucos historiadores e, quiçá, até mesmo leitores capacitados em polonês no Brasil atualmente. Algumas alternativas podem ser a utilização das

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publi-cações bilíngues, ainda que sejam relativamente pou-cas. Existe a possibilidade de convênios com universi-dades polonesas, onde cursos de ensino do português tem efetuado traduções. Por último, uma alternativa possível é o exemplo do estudo sobre o “Gazeta Polska w Brazylii”, no qual a abordagem central é sobre as imagens fornecidas pelo periódico buscando compreen-der como “o grupo polonês através das páginas da Ga-zeta Polaca expressou imagens identitárias particulari-zadas sobre seus hábitos e tradições sócio-culturais” de forma que “as imagens lidas enquanto indícios interpre-tativos do real, isto é, são reflexos da forma com que o grupo deseja se mostrar à sociedade e ao contexto em que estavam inseridos” (MOLAR; LAMB, 2011:2), portanto, outro meio possível de estudar estes periódi-cos.

A existência de uma educação polonesa que tra-zia o letramento para os agricultores e a leitura pública dos jornais, são fatores que demonstravam a existência de um público leitor importante. A circulação dos pe-riódicos pelos três estados do sul do Brasil mais São Paulo, o grande número e variedade de jornais funda-dos e distribuífunda-dos, as tiragens significativas, são exem-plos da dinamicidade e presença destas instituições no seio da sociedade polono-brasileira, o que torna o estu-do destes estu-documentos premente.

Em suma, os jornais são fontes através das quais se extrai o panorama de uma comunidade, apesar de seu fundo ideológico, permite captar o universo da socieda-de em que está inserido (SANTOS, 2004). Assim, a imprensa polonesa no Brasil admite o estudo dos múlti-plos aspectos do estabelecimento dos poloneses no Brasil e apropriar-se dos discursos identitários étnicos em diferentes âmbitos da sociedade.

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Submissão: 22/05/2016 Aceite: 25/10/2016

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