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Processo

239/19.5T8ALM.L1-2

Data do documento

21 de maio de 2020

Relator

José Maria Sousa Pinto

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

Incompetência em razão da matéria > Processo de insolvência

SUMÁRIO

1. A competência do tribunal em razão da matéria afere-se de harmonia com a relação jurídica controvertida, tal como definida pelo autor no que se refere aos termos em que propõe a resolução do litígio, a natureza dos sujeitos processuais, a causa de pedir e o pedido.

2. Sendo o Banco entidade terceira no âmbito do processo de insolvência que correu termos contra “… – Construções S.A.”, apenas tendo adquirido o imóvel que é reivindicado nestes autos na sequência de “venda extrajudicial por meio de propostas reduzidas a escrito”, promovida pelo Administrador de Insolvência, os pedidos formulados nesta acção contra tal Banco, de declaração do direito de propriedade do A, com base em execução especifica e de indemnização devida com base no incumprimento do contrato promessa, não podem levar a que se deva considerar tratar-se de “incidente” ou “apensos” daquele processo.

3. Sem se entrar na apreciação e valia da argumentação avançada pelo A., no que concerne à causa de pedir e pedidos formulados, pois que tal sai fora do âmbito do conhecimento da competência em razão da matéria, sempre se dirá que o eventual pouco sentido do pedido formulado de execução específica dirigido a quem não foi parte no contrato promessa é algo que deve ser apreciado no seio da acção declarativa. 4. De igual forma, os demais pedidos que são dirigidos ao Banco, tendo ou não conteúdo formal ou substantivo na sua sustentação terão de ser apreciados no seio da acção declarativa contra o Banco, não se vendo que devam ou tenham de ser apreciados como apenso do processo de insolvência, na medida em que nada do que é pedido, nem a quem é pedido, interfere com o processo de insolvência.

5. A serem procedentes (algo que se terá sempre de admitir como possível) os pedidos formulados, não teriam reflexos no processo de insolvência, apenas se reflectiriam no seio da esfera jurídica do Banco, pelo que não poderá a acção ser enquadrável no âmbito da competência dos Juízos de Comércio, no âmbito da previsão do n.º 1, al. a) e n.º 3, do citado art.º 128.º da LOSJ.

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TEXTO INTEGRAL

Acordam os juízes desembargadores que integram o presente colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa,

I – RELATÓRIO[1]

NM… intentou a presente ação declarativa, sob forma de processo comum, contra o Novo Banco, S.A., formulando o seguinte pedido:

A) Ser declarado o direito de propriedade do A, com base em execução específica, do …º Andar Letra A, Fração Y, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, Freguesia de Corroios, sob o nº …/…, composto por uma habitação constituída por 3 divisões (T2) e arrecadação sob o nº … na cobertura;

B) Ser declarado que a quantia de € 134.036,02, correspondente às despesas efetuadas pelo A. e respetivos juros vencidos é largamente superior à quantia que seria devida com base no contrato promessa, que era de € 110.000,00, assim se dispensando o A. de efetuar qualquer pagamento ou depósito;

C) Supletivamente, ser declarado o direito de propriedade sobre a fração descrita em A), com base em usucapião;

D) Com base no peticionado em B), e na redução do valor da fracção para €56.000,00, ser ainda declarado que lhe assiste o direito ao reconhecimento do direito de propriedade pelo valor de €56.000,00; sendo que soçobrando a quantia de €77.000,00 como única forma de ser ressarcido dos danos causados, tem direito a que lhe seja ainda atribuído o direito de propriedade sobre o …º Andar A, correspondente à fracção AG, inscrita sob o nº …/…, da Conservatória do Registo Predial de Amora, constituído por uma habitação e arrecadação nº … na cobertura, com o valor de € 56.000,00; bem como à Loja … destinada a comércio ou serviços correspondente à fracção A, sita na cave e inscrita sob o nº …/…, da Conservatória do Registo Predial de Amora;

E) Supletivamente, por se verificarem os pressupostos do enriquecimento sem causa, tem o A. direito a exigir o pagamento da quantia de € 134.036,02, acrescida dos juros legais vincendos, a contar da citação, sobre a quantia de €71.570,00.

Alegou, para tanto, que celebrou contrato promessa de compra e venda da fracção aludida em A) com a sociedade ORS – Construções, S.A., tendo pago sinal e reforço, para além de que lhe foram entregues as chaves do ar condicionado, da porta de segurança, da porta da arrecadação, da porta de entrada do edifício e da caixa do correio.

Nesta sequência o A. passou a habitar a fração e a suportar todos os encargos, assim como fez obras na fracção necessárias para aquele efeito.

O A. pediu empréstimo bancário para pagar o remanescente do preço e fez os registos provisórios.

O legal representante da sociedade ORS desapareceu e deixou de diligenciar pela legalização do prédio e conclusão das obras.

Consta que terá corrido processo de insolvência da sociedade ORS, mas o A. nunca foi contactada pelo Administrador da Insolvência, nem o prédio ou a fração foram apreendidos.

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22.02.2005 e que o R. Novo Banco adquiriu a fração por compra.

O R. Novo Banco contestou por exceção, invocando a incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria, e a caducidade; contestou por impugnação; e deduziu reconvenção, pedindo o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a fração e a restituição da mesma pelo A., bem como a condenação deste no pagamento de indemnização pela respetiva ocupação ilegítima, acrescida de juros de mora.

O A. replicou, pugnando pela improcedência das exceções e da reconvenção. Nesta sequência foi proferido o seguinte despacho:

“Afigura-se que os autos reúnem os elementos necessários para a prolação de decisão sobre a exceção dilatória da incompetência material do tribunal, em razão da matéria, no sentido de se considerar que os pedidos aqui formulados respeitam o bem incluído na massa insolvente, pelo que devem ser apreciados no âmbito do processo de insolvência.

Assim, entende o Tribunal que estão verificados os pressupostos que permitem a prolação de despacho saneador com dispensa de audiência prévia, nos termos do art.º 592º, nº 1, al. b) do CPC, pelo que ao abrigo do disposto no art.º 3º, n.º 3 do CPC se concede às partes o prazo de 10 dias para se pronunciarem a propósito, querendo.”

Só o R. se pronunciou, requerendo a remessa dos autos ao Tribunal de Comércio.

Foi proferida despacho saneador em que se decidiu absolver o R. da instância, com fundamento em incompetência material do Tribunal.

Mais, determinou-se a notificação do Réu para se pronunciar nos termos e para os efeitos do art.º 99.º, n.º 2 do CPC.

Inconformado com tal decisão veio o A. recorrer da mesma, tendo apresentado as suas alegações, nas quais verteu as seguintes conclusões:

«1ª - Consta na cláusula 7ª do contrato promessa accionado que «para resolução de quaisquer questões emergentes do presente contrato, as partes acordam que será exclusivamente competente o foro da localização do imóvel objecto da promessa de transmissão».

2ª - Na presente acção, o A. pretende se decrete a execução especifica do contrato promessa; trata-se de perspectivar a transmissão de um direito real, sendo competente o Tribunal de Comarca.

3ª - A competência material afere-se em face da natureza da relação jurídica material em litigio, tal como a apresenta o autor na demanda; sendo ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do autor.

4ª - Efectivamente, compete às secções de comércio preparar e julgar os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização. Todavia, tal como o autor apresenta a demanda o presente não é um processo de insolvência nem um processo de revitalização.

5ª - Apesar de um imóvel ter integrado o património de uma entidade já declarada ou não insolvente não obsta a que os tribunais de comarca conheçam das questões atinentes ao mesmo quer quanto a direito reais quer quanto a responsabilidade extra-contractual como é o caso quanto às 2 vertentes.

6ª - O A. alega que celebrou, em 25 de Maio de 2006, um contrato promessa com a ORS relativo ao …º andar Letra D, Fracção T; tendo ainda alegado qual o valor do contrato prometido, o sinal pago, o prazo para a celebração da escritura e que teve lugar desde logo a tradição, ou seja, a A. de imediato recebeu as

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chaves e passou a fazer do andar a sua habitação exclusiva, nunca mais tendo deixado de aí residir e esclarecendo que efectuou avultadas despesas pelas razões que alega e demonstra; explicitando que o Sr. Administrador de Insolvência nunca se lhe dirigiu, nunca apreendeu o andar, sendo certo que o contrato promessa encontrava-se registado na Conservatória do Registo Predial.

7ª - Mais, a presente acção é denominada de Acção de Processo Comum e do petitório não resulta apenas a formulação do pedido de execução especifica como ainda um pedido de indemnização a titulo de responsabilidade extracontratual que eventualmente nunca teria acontecido se o Sr. Administrador de Insolvência tivesse procedido à apreensão imediata logo em 2006, mas naturalmente não o fez, e bem, pois que nessa altura como actualmente o legislador continua a proteger a posse (direito de retenção) quando como é o caso se trate de uma habitação própria em que tenha ocorrido a entrega das chaves. 8ª - A questão que se coloca é a de saber se tais questões podem ser ignoradas? Se existe alguma razão para defraudar as expectativas criadas ao longo de 12 anos? Aliás, na sequência do recebimento da petição inicial, tratando-se eventualmente de matérias do conhecimento oficioso, o Tribunal podia e devia ter enviado cópia da mesma ao Sr. Administrador de Insolvência para se pronunciar e designadamente: 9ª - Para justificar o que na realidade sucedeu, ou seja, o que o levou a nunca contactar o A e nunca apreender o andar e até a esclarecer se previamente a celebrar uma escritura com o BES ou Novo Banco concedeu ou não o direito de preferência ao A, ou melhor, por que vendeu a um o que estava prometido vender a outro?

10ª - Recorde-se que no invocado acórdão nº 7927/14 consta de forma expressa que em tal processo a remessa dos autos foi determinada a requerimento do administrador de insolvência o que manifestamente não teve lugar no presente processo.

11ª - Aliás, o Novo Banco ao invocar a incompetência, estando ciente da realidade descrita na p.i. mais não faz do que exercer um direito de forma abusiva; quando é ainda mais grave pelo facto de ser conhecido o recebimento de avultadas verbas dos contribuintes para suprir situações como a descrita! Trata-se de uma situação grave.

12ª - Mais, o R não se pode substituir ao administrador de insolvência e nem o Tribunal o pode fazer visto que todos os dias circulam bem imóveis no mercado que em determinado momento deixaram de integrar o património de um insolvente, como é o caso.

13ª - Mais, no que tem a ver com o direito de retenção da outra fracção autónoma e baseado na figura jurídica da compensação é notório que pelo menos desde a data em que o BES passou a ter a respectiva posse (fictícia à certa) que a questão nada tem a ver nem sequer de forma indirecta com a secção de comércio. Trata-se de uma relação pura entre a A. e o Novo Banco!

14ª - Em suma, para além de não constar da sentença recorrida que o Sr. Administrador de Insolvência tenha requerido a remessa dos autos para a secção de comércio, o que era requisito “sine qua non” da eventual declaração de incompetência;

15ª - E, consubstanciando a alegação da incompetência material um manifesto abuso de direito por parte do Novo Banco que pretende sair beneficiado como infractor;

16ª - E, não tendo existido antes da sua prolação um qualquer convite de aperfeiçoamento designadamente quanto a nova questão suscitada do cancelamento do registo e da necessidade de a

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usucapião dever ser colocada noutra acção autónoma da de processo comum entende-se que a douta sentença não conheceu e deveria ter conhecido das demais questões suscitadas visto que só a final ficaria demonstrado se o administrador de insolvência acatou ou não com as suas obrigações, sendo aliás relevante o facto de a douta sentença nunca se referir a tal actuação apesar do acórdão invocado.

17ª - As decisões judiciais sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição. A primeira questão respeita à extensão do dever de fundamentação: o critério para a determinar não pode ser diferente e mais restrito do que o adoptado pela Constituição. Portanto, só o despacho de mero expediente não carece de ser fundamentado. Por outro lado, a fundamentação consiste na indicação das razões de facto e de direito que conduzem o julgador, num raciocínio lógico, a decidir em determinado sentido. Mas essa indicação não pode ser feita por simples adesão para os fundamentos indicados pelas partes. A douta sentença recorrida não se encontra fundamentada, sendo nula, atento o alegado de 1ª a 15ª.

18ª - A fundamentação de facto não se limita, porém, a estes factos anteriormente seleccionados; devem ser utilizados todos os factos que foram adquiridos durante a tramitação da causa. O juiz deve, por isso, proceder a uma análise atenta de todo o processo, com especial incidência sobre os articulados, documentos juntos com eles ou posteriormente e outras peças processuais em que as partes tenham eventualmente assumido determinada posição. A douta sentença recorrida não conheceu de todas as questões colocadas na p.i. e na resposta acerca desta matéria, sendo nula, atento o alegado de 1ª a 15ª. 19ª - Prescreve, então e no que ora nos interessa, o artigo 334.º do C.C., primeira fonte do instituto do Abuso de Direito, que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

20ª - Quer-se, pois, tutelar ou permitir uma válvula de escape perante um determinado modo de exercício de direito ou direitos, que, apresentando-se formal e aparentemente admissível, redunda em manifesta contrariedade à ordem jurídica.

21ª - Há abuso de direito quando um determinado direito – em si mesmo válido –, é exercido de modo que ofenda o sentimento de justiça dominante na comunidade social (Ac. RL, de 16 de Maio 1996, processo nº 0012472, sumário em dgsi.pt).

Nestes termos e nos demais de direito doutamente supridos deve o presente recurso ser admitido, julgado procedente por provado revogando-se a sentença recorrida e ordenando-se o prosseguimento dos autos, Como é de Justiça!»

O Réu apresentou contra-alegações, nas quais exibiu as seguintes contra-alegações:

I – As normas relativas à competência em razão da matéria não podem ser afastadas por vontade das partes (artigo 95º CPC).

II – Tendo a presente acção por objecto imóveis que integraram a massa insolvente da ORS, e por fundamento, entre outros, o incumprimento definitivo do contrato de promessa celebrado com a Insolvente, deveria a mesma ter sido intentada nos prazos preclusivos previstos nos artigos 128.º e 146.º do CIRE, no âmbito do processo de insolvência, da ORS Construções, S.A.

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incidentes e apensos (artigo 128.º da Lei 62/2013 de 26 de Agosto).

IV – Nestes termos, deverá, consequentemente, manter-se inalterada a douta sentença recorrida que julgou o Tribunal absolutamente incompetente para o julgamento da acção em causa, absolvendo o ora Recorrido da instância.

Termos em que deverá ser negado provimento ao presente recurso, com todas as consequências legais. Só assim se decidindo, será CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA!»

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Cumpre apreciar e decidir as questões suscitadas pelo apelante, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas suas conclusões de recurso.

É assim, em primeira linha, suscitada a questão da nulidade da decisão por falta de fundamentação, sendo que, no mais, importa apreciar se existe fundamento para a decidida declaração de incompetência em razão da matéria. Por fim, importará aquilatar se se registará uma situação de abuso de direito por parte da Ré, como alega o recorrente.

III – FUNDAMENTOS 1. De facto

Foram dados como provados os seguintes factos:

1. Em escritura celebrada a 24.10.2017, o Administrador da Insolvência de ORS – Construções, S.A., nomeado no âmbito do Processo de Insolvência que corre termos no Tribunal de Comércio de Lisboa – …º Juízo, sob o nº …/…TYLSB, declarou que a referida sociedade ORS foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado a 06.07.2007, e mais declarou vender ao Novo Banco, entre outras, a fração aludida em 2, pelo preço de € 57.800,00 (fls. 47-v a 52).

2. Está inscrita, pela Ap. 2817, de 09.11.2017, a aquisição, por compra em processo de insolvência, a favor do R., da fração correspondente ao …º andar A, habitação e arrecadação nº … na cobertura, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o nº …/…-Y, da freguesia de Corroios (fls. 57-v). 2. De direito

Apreciemos então as questões suscitadas pelo apelante. Da nulidade da decisão por falta de fundamentação

Refere o apelante que a decisão enferma do vício de falta de fundamentação, sustentando que “a fundamentação consiste na indicação das razões de facto e de direito que conduzem o julgador, num raciocínio lógico, a decidir em determinado sentido. Mas essa indicação não pode ser feita por simples adesão para os fundamentos indicados pelas partes.”

Concordamos em absoluto com a afirmação. Já, no entanto, discordamos que, no caso em apreço, tal se tenha verificado.

Na realidade, calcorreando todo o despacho recorrido, verificamos que são elencadas, com minúcia até, as razões de facto e de direito que conduziram à decisão proferida – diz-se, em tal despacho, designadamente, entre outras, que estando em causa como pedido principal a execução específica de um contrato e que «esta consubstancia efectivamente o cumprimento do contrato promessa, através da celebração do contrato prometido, pelo que necessariamente esta matéria tem de ser apreciada com o concurso das duas partes contratantes, ou seja, o pedido de execução específica só pode ser decidido em

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acção na qual seja parte a sociedade ORS.

Atendendo, assim, a que a referida sociedade ORS foi declarada insolvente, a execução específica do contrato promessa com ela celebrado deve ser apreciada no âmbito do processo de insolvência.»

Faz-se ainda referência ao facto de não poder ser decidida nesta acção o pedido de execução específica dado encontrar-se «na presente data inscrita no registo predial, a título definitivo, a aquisição da fração, por compra, a favor do R., existe um obstáculo legal intransponível à execução específica, pois esta não opera retroativamente.

Isto é, sem que seja invocada a invalidade ou ineficácia da transmissão operada a favor do R. e pedida a sua declaração judicial, com o cancelamento do respetivo registo, não pode o Tribunal declarar a transmissão da propriedade da fração a favor do A. com base na execução específica do contrato promessa.

Ora, o A. nada requereu com respeito à aquisição efetuada pelo R. no âmbito do processo de insolvência, e de todo o modo sempre se trataria, de novo, de questão a apreciar no âmbito do processo de insolvência.» Avança-se ainda com outra possível causa de absolvição da instância do Réu, consubstanciada na sua ilegitimidade, pois que não foi ele quem contratou com o A..

Por fim, no tocante aos pedidos subsidiários diz-se: «c) Os dois pedidos subsequentemente formulados pelo A. são pedidos subsidiários, isto é, são pedidos cuja apreciação depende da improcedência do pedido deduzido em primeiro lugar.

Sem prejuízo, adianta-se que a declaração de aquisição da propriedade da fração em causa, com fundamento em usucapião, deveria ser objeto do procedimento previsto no art. 141º do CIRE, atinente à restituição ou separação de bens que tenham sido indevidamente apreendidos para a massa insolvente. E no que diz respeito ao pedido atinente ao enriquecimento sem causa, considerando que o seu suporte são as obras efetuadas pelo A. na fração antes da sua venda no processo de insolvência, de novo a questão contende com a sociedade ORS e não com o R., quer dizer, quem terá beneficiado da venda da fração por um valor eventualmente superior ao investimento nela efetuado terá sido a sociedade ORS.»

O despacho finaliza com a indicação dos normativos legais atinentes à incompetência em razão da matéria e dos efeitos jurídicas daí decorrentes.

Concluindo, não se partilha do entendimento do recorrente no sentido de que a decisão não se mostra fundamentada, nem tão-pouco que a mesma é “feita por simples adesão para os fundamentos indicados pelas partes”. Na realidade, a decisão mostra-se devidamente fundamentada, não se registando a nulidade invocada.

Improcede assim esta questão.

Da incompetência em razão da matéria

Entende o recorrente que a decisão faz uma inadequada interpretação dos factos, causa de pedir e pedidos constantes dos autos e das normas inerentes à incompetência em razão da matéria, sendo que, na sua óptica, deveria ser o tribunal central cível o competente para apreciar a presente acção.

Vejamos.

O art.º 64.º do CPC estipula que «são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional». Por seu turno, o art.º 65.º refere que «as leis de organização

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judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada.»

Por seu turno, a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ) estipula no art.º 80.º, n.º 1 que «compete aos tribunais de comarca preparar e julgar os processos relativos a causas não abrangidas pela competência de outros tribunais», adiantando ainda o seu nº 2 que «os tribunais de comarca poderão ser de competência genérica e de competência especializada.»

O art.º 81.º, n.º 3, do mesmo diploma elenca como juízos de competência especializada, entre outros, o «Central Cível» (al. a)) e do «Comércio» (al. i)).

Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 128.º da LOSJ (na redacção dada pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro), aos Juízos do comércio compete preparar e julgar:

«a) Os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização;

b) As acções de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade; c) As acções relativas ao exercício de direitos sociais;

d) As acções de suspensão e de anulação de deliberações sociais; e) As acções de liquidação judicial de sociedades;

f) As acções de dissolução de sociedade anónima europeia;

g) As acções de dissolução de sociedades gestoras de participações sociais; h) As acções a que se refere o Código do Registo Comercial;

i) As acções de liquidação de instituição de crédito e sociedades financeiras.

2 - Compete ainda aos juízos de comércio julgar as impugnações dos despachos dos conservadores do registo comercial, bem como as impugnações das decisões proferidas pelos conservadores no âmbito dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de sociedades comerciais.

3 - A competência a que se refere o n.º 1 abrange os respetivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões.»

Por seu turno, no que concerne aos Juízos Centrais Cíveis, o art.º 117.º da LOSJ, (na redacção dada pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro) estipula:

«1 - Compete aos juízos centrais cíveis:

a) A preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a (euro) 50 000,00;

b) Exercer, no âmbito das ações executivas de natureza cível de valor superior a (euro) 50 000,00, as competências previstas no Código do Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de juízo ou tribunal;

c) Preparar e julgar os procedimentos cautelares a que correspondam ações da sua competência; d) Exercer as demais competências conferidas por lei.

2 - Nas comarcas onde não haja juízo de comércio, o disposto no número anterior é extensivo às ações que caibam a esses juízos.

3 - São remetidos aos juízos centrais cíveis os processos pendentes em que se verifique alteração do valor suscetível de determinar a sua competência.»

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Locais Cíveis – art.º 130.º, n.º 1), com a particularidade de a mesma operar apenas quanto às acções de valor superior a 50.000,00€.

A jurisprudência tem vindo a entender que a competência em razão da matéria se fixa em função dos termos em que o A. propõe a acção, atendendo ao direito a que o mesmo se arroga e pretende ver judicialmente protegido. Dessa forma, a questão da competência em razão da matéria deverá ser decidida em conformidade com o pedido formulado na petição inicial e a respectiva causa de pedir invocada, mas não descurando os sujeitos da relação jurídica indicados pelo A..

Como ensina Manuel de Andrade[2], «A competência do tribunal, afere-se pelo "quid disputatum" - "quid decidendum", em antítese com o que será mais tarde o "quid decisum" - sendo isto o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do autor». Acrescenta que a competência do Tribunal não depende da legitimidade das partes nem da procedência da acção, sendo ponto a dirimir de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do autor -compreendidos aí os respectivos fundamentos - não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão.

Como se refere no acórdão da Relação de Coimbra de 28-06-2017[3] «a competência em razão da matéria dos tribunais é determinada pela forma como o autor configura a acção na sua dupla vertente do pedido e da causa de pedir (Ac, STJ. de 10.4.2008: Proc. 08B845.dgsi.Net). Que o mesmo é dizer que tal competência, em razão da matéria, se impõe determinar pelo conteúdo da lide, aferir face à relação jurídica que se discute na acção, tal como o demandante a configura, seja quanto aos elementos objectivos (causa de pedir e pedido), seja quanto aos elementos subjectivos (partes) (Ac. STJ. de 10.4.2008: Proc, 08B396.dgsi.Net).»

O A., na acção que intenta contra o Réu, “Novo Banco, S.A.”, formula os seguintes pedidos:

«A) Ser declarado o direito de propriedade do A, com base em execução especifica do …º Andar Letra A, Fração Y, descrito na conservatória do Registo Predial de Amora, Freguesia de Corroios sob o numero …/… composto por uma habitação constituída por 3 divisões (T2) e arrecadação sob o numero … na cobertura, melhor descrito e identificado nas plantas juntas como anexo I, de acordo com o projecto de arquitectura aprovado.

B) Ser declarado que a quantia de € 134.036,02 correspondente às despesas efectuadas pelo A e respectivos juros vencidos é largamente superior à quantia que seria devida com base no contrato promessa que era de €110.000,00, assim se dispensando o A de efectuar qualquer pagamento ou depósito. Aliás, como abaixo se desenvolve o valor da fracção está desactualizado.

C) Supletivamente, ser declarado o direito de propriedade sobre a fracção descrita em A) com base em usucapião;

D) Com base no peticionado em B) e na redução do valor da fracção para €56.000,00 ser ainda declarado que lhe assiste o direito ao reconhecimento do direito de propriedade pelo valor de € 56.000,00; sendo que soçobrando a quantia de € 77.000,00 como única forma de ser ressarcido dos danos causados tem direito a que se lhe seja ainda atribuído o direito de propriedade sobre o …º Andar A, correspondente à fracção AG inscrita sob o nº …/… da Conservatória do Registo Predial de Amora, constituído por uma

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comércio ou serviços correspondente à fracção A, sita na cave e inscrita sob o nº …/… da Conservatória do Registo Predial de Amora.

E) Supletivamente, por se verificarem os respectivos pressupostos do enriquecimento sem causa tem o A direito a exigir o pagamento da quantia de € 134,036,02 acrescida dos juros legais vincendos a contar da citação sobre a quantia de € 71.570,00 bem como em custas e condigna procuradoria.»

Ora, tendo por base estes pedidos e a parte que surge como demandada – o “Novo Banco, S.A.” – não se vislumbra como poderá a acção ser enquadrável no âmbito da competência dos Juízos de Comércio, designadamente (como é sustentado no despacho recorrido) no âmbito da previsão do n.º 1, al. a) e n.º 3, do citado art.º 128.º da LOSJ.

Na realidade, sendo o “Novo Banco, S.A.” entidade terceira no âmbito do processo de insolvência que correu termos contra “ORS – Construções S.A.”, apenas tendo adquirido o imóvel que é reivindicado nestes autos na sequência de “venda extrajudicial por meio de propostas reduzidas a escrito”, promovida pelo Administrador de Insolvência, não vislumbramos que os pedidos acima descritos e formulados contra tal Banco na presente acção levem a que se deva considerar tratar-se de “incidente” ou “apensos” daquele processo.

Sem querermos entrar na apreciação e valia da argumentação avançada pelo A., no que concerne à causa de pedir e pedidos formulados, pois que tal, como já referimos, sai fora do âmbito do conhecimento da competência em razão da matéria, sempre se dirá que o eventual pouco sentido do pedido formulado de execução específica dirigido a quem não foi parte no contrato promessa é algo que deve ser apreciado no seio da acção declarativa. De igual forma, os demais pedidos que são dirigidos ao Banco, tendo ou não conteúdo formal ou substantivo na sua sustentação terão de ser apreciados no seio da acção declarativa contra o Banco, não se vendo que devam ou tenham de ser apreciados como apenso do processo de insolvência, na medida em que nada do que aqui é pedido, nem a quem é pedido, interfere com o processo de insolvência. A serem procedentes (algo que se terá sempre de admitir como possível) os pedidos formulados, que reflexos teriam com o processo de insolvência? – a nosso ver, nada. As consequências de tal procedência apenas se reflectiriam no seio da esfera jurídica do “Novo Banco, S.A.”.

Diga-se, ainda, que contrariamente ao referida pela Exma. Juíza no despacho de 09-10-2019, em que determinou a notificação das partes nos termos e para os efeitos do art. 3º, nº 3 do CPC relativamente à possível decisão de declaração da incompetência em razão da matéria do Juízo Central Cível, os bens em causa não se encontram incluídos na massa insolvente, pois que ao terem sido vendidos ao Banco saíram da mesma, passando a integrar outro património, o deste.

Entendemos assim, que a questão colocada pelo apelante terá de proceder, sendo de revogar a decisão que considerou o Juízo Central Cível de Almada como incompetente para apreciar a presente acção. Do abuso de direito por parte da Ré

O apelante nas suas conclusões de recurso e nas alegações refere verificar-se uma situação de abuso de direito. Para tanto, desenvolve uma série de conceitos de natureza doutrinária, sendo que não concretiza minimamente em que medida é que tal abuso se regista no caso em apreço. Não basta alegar a existência de uma figura jurídica, deixando ao cuidado do julgador indagar como e porquê é que ela se materializa no caso concreto em análise. As partes têm a obrigação, nas questões que suscitam, designadamente em

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sede de recursos, de indicar os fundamentos de facto e de direito em que baseiam a sua alegação (art.º 640.º do CPC).

Desta forma, e porque também não se vislumbra minimamente - atenta a postura revelada pelo Réu ao longo dos articulados – que tenha existido da parte deste um comportamento a merecer uma qualquer censura ético-jurídica, entende-se que a questão não pode proceder.

IV – DECISÃO

Por todo o exposto, os juízes desembargadores que integram o presente colectivo, acordam em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e julgando o Juízo Central Cível de Almada o competente em razão da matéria para apreciar e decidir a acção.

Custas pelo apelado.

Lisboa, 21 de Maio de 2020 José Maria Sousa Pinto João Vaz Gomes Jorge Leal

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[1] Segue-se muito de perto o Relatório elaborado pela Exma. Juíza de Direito no âmbito da decisão recorrida.

[2] "Noções Elementares de Processo Civil", Coimbra Editora, 1979, pags. 91 e 94-95.

[3] Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-06-2017, P.º 259/16.1T8PBL.C2, em que foi relator António Carvalho Martins.

Referências

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