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(Re) Criando Vozes Estudando o processo de composição vocal nos musicais biográficos brasileiros

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Academic year: 2021

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(Re) Criando Vozes – Estudando o processo de composição vocal nos musicais biográficos brasileiros

Ana Lúcia de Alcantara Calvente

Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas – UNIRIO

Mestrando – Processos Formativos e Atuação Cênica - or. Profa. Dra. Maria Enamar Ramos Resumo: Este estudo se propõe a pesquisar o trabalho do ator para a composição da voz, falada e cantada, no âmbito dos espetáculos musicais biográficos brasileiros contemporâneos. Nestes, um grande ídolo da musica brasileira, de grande reconhecimento público, tem fatos de sua vida retratada e suas canções de maior sucesso interpretadas. Como é o trabalho do ator quando a voz de seu personagem é conhecida e fonte de reconhecimento deste junto ao público? O ator busca uma aproximação à voz do personagem biografado? Esta, quando ocorre, se dá na voz falada e na voz cantada? Para estudar alguns caminhos possíveis encontrados pelo ator para a composição vocal, serão estudados os processos dos atores protagonistas Soraya Ravenle no musical Dolores (1998) e Diogo Vilela no musical Cauby, Cauby (2006).

Palavras-chave: Teatro Musical Biográfico Brasileiro, Voz Falada, Voz cantada, criação da voz cênica, parâmetros vocais para análise das vozes.

Desde os anos 90, tem sido comum na cena carioca espetáculos que contam a biografia de cantores populares, figuras de grande reconhecimento público. Esta é uma das tendências do Teatro Brasileiro Contemporâneo – a vertente dos Musicais Biográficos. Mistura de teatro e show musical, o texto é apresentado com a inserção de músicas do repertório do próprio personagem biografado, mostrando seus maiores sucessos.

Um dos desafios do ator nestes espetáculos é construir seu personagem de forma que consiga trazer à cena a lembrança do ídolo homenageado. A voz do cantor biografado, cujas características vocais são reconhecidas pelo grande público, seria também traço a ser retratado pelo ator?

Para analisar o processo de construção vocal do ator, e os possíveis caminhos na composição vocal em busca da voz do cantor biografado foram estudados os espetáculos: Dolores (1999), Cauby! Cauby (2006) e seus protagonistas: Soraya Ravenle e Diogo Vilela. Selecionei estes dois atores por suas significativas atuações, por terem recebido indicações e prêmios, além de boa receptividade da crítica e do público1.

Foram percorridos dois caminhos. O primeiro incluiu uma entrevista com os atores. Foi solicitado então que falassem sobre os espetáculos, seus respectivos processos de

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Soraia Ravenle recebeu o Prêmio Shell por Dolores, e Diogo Vilela recebeu além do Shell, o Prêmio APCA de melhor ator de musical por Cauby! Cauby!.

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composição de personagem e as possíveis mudanças vocais que acreditavam ter realizado em busca de uma aproximação com a voz do cantor biografado. No segundo, foram realizadas por mim análises vocais partindo da voz e canto espontâneos dos atores e da fala e canto em sua atuação cênica, observando a existência de mudanças, que depois foram comparadas à fala espontânea e canto dos ídolos biografados.

A Voz e suas características

A voz é uma das matérias-primas do ator em sua atuação que pode se traduzir como um diferencial em sua interpretação, ou mais, como afirma Aleixo (2007, p. 13): “A voz é o próprio ator. É o seu corpo em movimento. É mais profundamente, a respiração, o ritmo cardíaco, o hálito, os odores, as vísceras”. Ela tem o poder de encantar a platéia, trazer a intenção desejada para um personagem.

A voz, um dos veículos essenciais da comunicação humana, é portadora da palavra e da linguagem, expressão de nosso pensamento e idéias. É uma emanação da pessoa e traduz suas emoções mais tênues. Quando entendemos a voz como corpo, observamos uma complexa rede composta de músculos, ossos, sentidos, afetividade e memória que se unem em prol da expressividade do ser humano.

O filósofo esloveno Mladen Dólar (2007, p. 15) apresenta três formas para o uso da voz. Descreve, a princípio, as duas formas mais comuns para o uso da voz: como portadora de significado e como objeto de admiração estética. Na primeira, a voz se apresenta como suporte da linguagem. Neste caso, a voz é a matéria, o instrumento que pode carregar tal significado, enquanto a linguagem e o significado representam a meta. Para Dólar, quando o objetivo é a linguagem, a voz é justamente o que não pode ser dito. Ela está presente no ato de falar, mas não é linguagem. É, pois, um elemento extralinguístico que nos possibilita falar os fonemas, mas que, sozinha, não pode ser discernida pela linguística. A voz precede o conteúdo e o torna possível. Já a voz como objeto de admiração estética tem estreita relação com o trabalho do ator, que usa a voz como ferramenta e busca obter com ela a admiração e atenção de seu público, pois o teatro se dá no contato com o outro, na presença do espectador, no ato da encenação ou, como definiu Grotowski (1987, p. 28), “é o que ocorre entre o espectador e o ator”.

Além destas, Dólar propõe uma terceira possibilidade para o uso da voz: como objeto de identidade. Podemos estar conscientes da voz através de determinadas características como sotaque, entonação, melodia, cadência e inflexão, que, apesar de estarem fora da linguagem, são usadas para darem sentido a ela. Estas características combinadas

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moldam a voz de cada ser humano tornando-as única, como uma impressão digital, instantaneamente reconhecida e identificada, não existindo duas vozes iguais, sendo a voz uma marca que distingue um ser humano. Tais características sonoras são os parâmetros vocais, identificados com as dimensões não verbais da voz, como por exemplo, altura, intensidade, ritmo, velocidade, tessitura e registro, que, quando combinados, definem as características vocais de um indivíduo. Estes parâmetros podem determinar também o comportamento vocal em um determinado momento. Behlau e Pontes (1999, p.11) afirmam que “usamos diferentes qualidades vocais de acordo com a situação que estamos dependendo do interlocutor a quem nos dirigimos e de acordo com nosso estado físico e emocional”.

Muito embora cada pessoa apresente uma combinação desses atributos, é possível provocar algumas mudanças e ajustes momentâneos na voz. Determinadas emoções que sentimos podem interferir em nossa voz habitual. Isto ocorre também quando se quer causar algum efeito com a voz. O ator pode, através de ajustes fisiológicos, provocar modificações em alguns de seus parâmetros vocais pessoais com o objetivo de criar um personagem. Estas sutis mudanças em seu próprio corpo podem trazer ao corpo cênico qualidades compatíveis com o perfil criados para o personagem. Gayotto (1997, p. 21) afirma que, em cena, a voz do ator pode ganhar ajustes que estão ligados à mudança no uso de seus recursos vocais integrados às situações do personagem em sua trajetória no espetáculo criando a chamada de voz cênica.

Para analisar o movimento das vozes dos atores estudados, foram elencados alguns parâmetros a serem observados na fala e no canto. Estes foram escolhidos baseados em três estudos: as Escalas Brandi de Avaliação da Voz Falada, da fonoaudióloga Edmée Brandi; para a voz falada e para o estudo da voz cantada, o trabalho da fonoaudióloga Françoise Estienne; e minha pesquisa para conclusão de curso de pós-graduação. Alguns serão comuns às duas manifestações, outros, mais específicos, são observados em apenas uma delas.

Assim observamos, na fala e no canto, aspectos como altura tonal, intensidade; ao timbre ou qualidade vocal; à ressonância; articulação; ritmo e velocidade e a expressividade e colorido vocal.

Mudanças Realizadas

Soraya Ravenle relata que mudou mais em sua voz cantada. Buscou uma voz mais encorpada, cheia, provocando mudanças em sua ressonância, ressaltando mais harmônicos graves, utilizando mais o foco faríngeo. Realizou também alterações no colorido vocal, com emissão mais escura e mudanças na articulação arredondando mais o som. No canto relatou

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mudanças na altura tonal, cantando mais grave, utilizando mais o registro de peito para evidenciá-los. A única alteração citada para a voz falada referia-se à descoberta de que Dolores Duran era uma pessoa alegre e brincalhona e isto se traduziu vocalmente em uma voz leve e clara, às vezes numa frequência mais aguda. De forma oposta, Soraya identifica o componente da tristeza e fossa apenas na música tornando a voz da cantora mais escura, passando a sensação de melancolia.

Na análise realizada observamos mudanças nos seguintes parâmetros da voz falada: timbre, efeitos supraglóticos nasal, efeitos supraglóticos faríngeo, modalidade de emissão e ritmo cronal, se aproximando da fala espontânea de Dolores Duran. Na voz cantada mudou, sobretudo, a altura tonal e através das mudanças na articulação produziu uma voz mais escura. Retirou o efeito de metal habitual em sua voz e modificou o colorido fazendo com que apresentasse no canto uma voz mais escura.

Diogo Vilela relata mudanças em sua voz falada e na voz cantada. Estas surgem, muitas vezes, através de imagens percebidas pelo intérprete. Afirma que trabalhou mais seus agudos na voz cantada, mudando a altura tonal. Criou uma imagem para compreender uma diferença que observava entre as vozes faladas e cantadas de Cauby: explica que quando falava, o cantor falava baixo, educadamente. Relaciona a voz ouvida com a sensação que o cantor “fala em frequência AM” em oposição a seu canto que se dá em FM, com grande ressonância. A fala apresenta-se assim, com pouca intensidade, com ressonância faríngea e com diminuição de energia de emissão do ar e da força da adução das pregas vocais, tornando a voz mais atenuada. Na voz cantada, traz algumas características identificadas por ele: voz de barítono, cheia, isto é, com ressonância equilibrada, com cor escura. A voz apresenta-se rica com muitos graves e agudos, com grande extensão vocal.

Outra imagem interessante trazida é a de que Cauby, assim como os cantores de sua geração, passava amor na voz, utilizando o que chamou de “voz de veludo”. Mais uma vez evidencia uma diminuição da força de adução das pregas vocais e da energia da emissão atenuando a emissão, observando-se a passagem de um pouco de ar na voz.

Vilela ainda observou que Cauby fala por reticências, deixando sempre a idéia em aberto. Aqui a mudança sugerida acontece no ritmo, com um prolongamento da última sílaba, dando a impressão de faltar algo que completará o pensamento. Criou modificações no ritmo e na velocidade para passar a idéia de uma lentidão, tentando criar a sensação de uma pessoa mais lenta, com pouca energia.

Diogo relata também acreditar ter em sua voz falada e cantada características semelhantes às de Cauby Peixoto, o que se comprovou, sobretudo, na análise da voz cantada

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que não apresentou alterações. Na fala ocorreram mudanças na diretividade do sopro e nitidez articulatória.

Diogo, porém, conseguiu produzir um padrão articulatório de extraordinária semelhança com a fala de Cauby, conseguindo reproduzir a forma com que pronuncia as vogais e, sobretudo os fonemas /s/ com leve distorção e o /R/ rolado. Tais mudanças perpetuam-se durante todo o espetáculo evidenciando o preciosismo de seu trabalho.

A partir das entrevistas e das análises realizadas, percebemos que os atores realizaram mudanças a fim de se aproximar dos personagens biografados. Essas mudanças podem ocorrer de forma intencional ou estarem ligadas à percepção de características pessoais dos cantores. De qualquer forma, conferem veracidade à interpretação dos atores nestes espetáculos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEIXO, Fernando. Corporeidade da Voz – A voz do Ator. Campinas, SP: Editora Komedi, 2007.

BEHLAU, Mara Suzana e ZIEMER, Roberto. Psicodinâmica Vocal. In Ferreira, Leslie Piccolotto org. Trabalhando a Voz: Vários enfoques em Fonoaudiologia. São Paulo: Summos, 1988. BEHLAU, Mara e PONTES, Paulo. Higiene Vocal - Cuidando da Voz. São Paulo: Editora Revinter,1999.

BEHLAU, Mara (org.). Voz: O Livro do Especialista. Vol. I . Rio de Janeiro: Livraria e Editora Revinter, 2001.

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______________. Escalas Brandi de Avaliação da Voz Falada. São Paulo: Atheneu, 1996. ______________. Você e Eu – Entre nós a Voz. Rio de Janeiro: Revinter, 2007.

BULHÕES-CARVALHO, Ana Maria de. Diz isto cantando: notas sobre o Teatro Música Biográfico Carioca Contemporâneo. Artigo referente à comunicação oral, no XIV Congresso Internacional de Teatro Iberoamericano y Argentino (GETEA – Grupo de Estúdios de Teatro Arentino e Iberoamericano da La Facultad de Filosofia y Letras da La Universidad de Buenos Ayres), 2005.

BULHÕES-CARVALHO, Ana Maria de. Por um teatro de apropriações – O musical biográfico carioca. In: Sinais de Cena, notícias de fora 12/2009, 2009, p. 91 no site

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CALVENTE, Ana Lúcia de Alcantara. A outra voz do cantor – Estudo sobre a voz falada do cantor popular. Monografia de pós-graduação em Voz Falada da Universidade Estácio de Sá e Instituto Edmée Brandi.

DOLAR, Mladen. His Master’s Voice – Eine theorie der Stimme. Frankfurt am Main: Suhrkamp 2007.

ESTIENNE, Françoise. Voz Falada Voz Cantada – Avaliação e Terapia. Trad. Daniela Teixeira Siqueira. Rio de Janeiro: Livraria e Editora Revinter. 2004.

FERREIRA, Leslie Piccolotto (org.). Trabalhando a Voz. São Paulo: Summus, 1998.

FERREIRA, Leslie Picollotto. Uma pesquisa, uma proposta um livro: três histórias que se cruzaram. In: Ferreira, Leslie et al. Voz Profissional: O Profissional da Voz. Carapicuíba, São Paulo: Pró-Fono departamento Editorial, 1995.

GAYOTTO, Lucia Helena. Voz, partitura da ação. São Paulo: Summus, 1997.

GROTOWSKI, Jerzy. Em busca de um teatro pobre. Tradução Aldomar Conrado. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 3ª edição 1987, p.28.

Referências

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