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INSTRUÇÃO AO SÓSIA: UMA FERRAMENTA PARA FORMAÇÃO E COMPREENSÃO DO TRABALHO DOCENTE

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Academic year: 2021

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INSTRUÇÃO AO SÓSIA: UMA FERRAMENTA PARA FORMAÇÃO E COMPREENSÃO DO TRABALHO DOCENTE. Ruchelli Stanzani Ercolano; Deivis Perez. UNESP/Assis. Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). ruchelliercolano@hotmail.com; prof.deivisperez2@hotmail.com.

Eixo temático: Formação de professores.

INSTRUCTION TO A DOUBLE: A TOOL FOR TRAINING AND UNDERSTANDING TEACHING WORK

Resumo: Este trabalho retrata os resultados de pesquisa que visou o exame e discussão das aplicações da instrução ao sósia que abordaram o trabalho e a formação de professor e que converteram em dissertações de mestrado e teses de doutorado brasileiras. A instrução ao sósia foi criada por Oddone e tem sido desenvolvida por Clot no âmbito da Clínica da Atividade. Este dispositivo faz emergir a reflexividade sobre um ofício determinado de modo a favorecer um movimento dialético de coanálise e produção de saberes sobre o trabalho possibilitando a sua metamorfose. Pretendeu-se identificar e analisar as semelhanças e diferenças na aplicação da instrução ao sósia nos trabalhos produzidos no Brasil comparativamente à prescrição de utilização deste dispositivo pela Clínica da Atividade, além de apresentar um conjunto de indicações, discussões e análises para o aperfeiçoamento deste instrumento. Entre 2007 e 2013 foram concluídas vinte produções que fizeram uso da instrução ao sósia em variadas áreas. A atividade laboral e formativa docente se constituiu na ocupação mais examinada, com treze pesquisas finalizadas. Concluiu-se que os pesquisadores do país fizeram a utilização do dispositivo principalmente pela sua capacidade de emergir discursos produzidos por profissionais, os quais são tomados como unidades de análise das teses e dissertações. Ainda, alguns estudiosos acrescentaram ao uso do dispositivo ações voltadas para a formação de professores e de coletivo de trabalhadores.

Palavras-chave: Instrução ao sósia; Clínica da Atividade; Formação de professores.

Abstract: This paper presents the results of research that aimed at examining and discussing the applications of instruction to a double that addressed the work and the formation of a teacher and that turned into master's dissertations and Brazilian doctoral theses. The instruction to a double was created by Oddone and has been developed by Clot in the ambit of the Clinic of the Activity. This device makes the reflexivity emerge about a given craft in order to favor a dialectical movement of co-analysis and production of knowledge about the work, enabling its metamorphosis. It was intended to identify and analyze the similarities and differences in the application of the instruction to a double in the works produced in Brazil compared to the prescription of use of this device by the Clinic of Activity, besides presenting a set of indications, discussions and analyzes for the improvement of this instrument. Between 2007 and 2013 twenty productions were completed that made use of the instruction to a double in several areas. The work activity and formative teaching was constituted in the most examined occupation, with thirteen completed researches. It was concluded that the researchers of the country made use of the device mainly for its ability to emerge speeches produced by professionals, which are

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taken as units of analysis of theses and dissertations. Still, some scholars have added to the use of the device actions aimed at the training of teachers and workers' collective. Key words: Instruction to a double; Clinic of the Activity; Teacher training.

1. Introdução

Este trabalho apresenta os resultados de investigação que foi dedicada ao exame e discussão das aplicações da instrução ao sósia nos processos de recolha e análise dos dados de pesquisas que tiveram como objeto o trabalho e formação de professor e que resultaram na produção de dissertações de mestrado e teses de doutorado concluídas em Programas de Pós-Graduação stricto sensu brasileiros. É preciso destacar que a instrução ao sósia que focalizamos foi criada por Ivar Oddone (1981; 1986; 2007) no cenário da Psicologia do Trabalho italiana e que tem sido apropriada e adaptada pelo psicólogo Yves Clot (2006; 2010) e seus colaboradores no quadro teórico e metodológico da Clínica da Atividade.

O interesse pelo exame das aplicações da instrução ao sósia se justificou em função de este instrumento ter sido elaborado para permitir ao trabalhador pensar, (re)conhecer e se apropriar da própria experiência laboral e, coletivamente com seus pares, reflexionarem sobre o ofício que partilham cotidianamente e vivenciarem uma experiência de análise do trabalho e da sua modificação conduzida pelos próprios profissionais. A instrução ao sósia é compreendida como um instrumento que pretende contribuir para que o trabalhador, em diálogo com um analista do trabalho ou pesquisador, se torne capaz de (re)descobrir, examinar e, portanto, tomar consciência da sua própria experiência ocupacional vivida anteriormente tornando-a matéria-prima e fundamento para a abertura de zonas de desenvolvimento pessoais que permitam a (re)elaboração e a produção o ulterior de novas formas de agir profissional. Dito de outra maneira, este dispositivo metodológico e interventivo visa oferecer ao trabalhador, por meio da criação de condições para a modificação da consciência acerca da sua experiência ocupacional cotidiana, a possibilidade de transmutar e ampliar a sua potência de atuação sobre o meio e de desenvolver ou aprimorar as suas capacidades cognitivas, afetivas e sociais em ambiente laboral.

De acordo com Clot (2010), este dispositivo faz emergir a reflexividade em torno de um ofício determinado, por intermédio do estabelecimento de uma ação interlocutória que integra o especialista (analista do trabalho ou pesquisador) e os trabalhadores, de modo a favorecer a instalação de um movimento dialético de coanálise e produção de saberes sobre o trabalho e apropriação destes saberes pelos trabalhadores. Isso ocorre

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porque o procedimento de instrução ao sósia serve como um meio para a reflexão e exame do trabalho, bem como, uma ferramenta que favorece a sua metamorfose empreendida pelos trabalhadores. Ao elucidar sobre este método, Oddone (2007) menciona que este instrumento tem seu foco no sujeito, que é repleto de experiências, logo, o trabalhador é considerado como o maior detentor de conhecimento acerca de sua atividade.

É relevante destacar que esta pesquisa representou o aprofundamento da investigação e contextuação para o Brasil da instrução ao sósia realizados pelo Grupo de Pesquisa em Psicologia Sócio-Histórica-Cutural, certificado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Científico (CNPq) e vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) câmpus Assis. Anteriormente foi feito o exame global das aplicações da instrução ao sósia teses e dissertações brasileiras produzidas em diferentes áreas do conhecimentos e que foram dedicadas ao exame de ocupações diversas, tais como o trabalho do jornalista, atuação do médico do Sistema Único de Saúde, a atividade dos cuidadores de pessoas com deficiência intelectual, a atuação do psicólogo em Centro de Referência Especializado de Assistência Social/CREAS, o cotidiano dos profissionais da área de telemarketing, as ações laborais de gestores empresariais, entre outras. A opção por esquadrinhar os usos da instrução ao sósia em pesquisas que tiveram como objeto a formação e o trabalho docente se deve ao fato de esta categoria profissional ter se constituído no foco da maioria das pesquisas concluídas no país em que foi utilizado este dispositivo. De acordo com estado do conhecimento elaborado por Ercolano e Perez (2015), que considerou os dados organizados e tornados disponíveis pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) em seu banco de teses e dissertações e pela Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) entre 2007 e 2013 foram concluídas vinte teses e dissertações que fizeram uso da instrução ao sósia. A atividade laboral e formativa docente se constituiu na ocupação mais examinada, com treze pesquisas concluídas, não tendo sido registrada outra categoria profissional que tivesse despertado interesse semelhante nos pesquisadores brasileiros.

Em suma, por meio deste trabalho pretendo elucidar uma metodologia interventiva a qual pode ser aplicada como ferramenta para formação de professores e compreensão da complexidade da atividade docente em seus mais variados constituintes. Ademais, focalizar as experiências já efetuadas nesta abordagem a fim de identificar e examinar como a instrução ao sósia tem sido aplicada no Brasil, especialmente na contemplação da atividade docente, comparativamente à prescrição registrada na Clínica

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da Atividade, de modo a poder apresentar avanços, adaptações ou contextualização do dispositivo à realidade do mundo do trabalho e do acadêmico-científico brasileiros. Por fim, em última instância almejo contribuir para o aprimoramento e aperfeiçoamento das aplicações do dispositivo.

2. Objetivos

A pesquisa referida teve como objetivo examinar as aplicações do dispositivo metodológico instrução ao sósia em pesquisas que resultaram na produção de dissertações de mestrado e teses de doutorado defendidas em programas de Pós-Graduação stricto sensu brasileiros. Especificamente, foram analisados os trabalhos concluídos entre 2007 e 2013, considerando os dados organizados e tornados disponíveis eletronicamente no Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

O objetivo geral enunciado desdobrou-se nos seguintes objetivos específicos: a) Levantar quantitativamente e examinar qualitativamente a aplicação da instrução ao sósia em dissertações e teses concluídas entre 1987 e 2013.

b) Identificar e analisar as semelhanças e dessemelhanças na aplicação da instrução ao sósia nos trabalhos produzidos no Brasil comparativamente à prescrição de utilização deste dispositivo pelos pesquisadores da Clínica da Atividade, conforme apresentado no tópico anterior deste projeto.

c) Averiguar e discutir as aproximações e diferenças no modo como a instrução ao sósia é aplicada em pesquisas de campos distintos do saber acadêmico científico (como Psicologia, Educação, Linguística Aplicada), em diferentes universidades e programas de pós-graduação stricto sensu.

Ao final da pesquisa apresentou-se, além de dados sistematizados sobre as aplicações da instrução ao sósia em trabalhos acadêmicos no país, também, um conjunto de indicações, discussões e análises que contribuem para o aperfeiçoamento e a contextualização para o Brasil deste dispositivo interventivo e metodológico. No presente trabalho científico, serão tratadas somente as produções que utilizaram a instrução ao sósia para análise da formação e do trabalho docente.

3. Caracterização da instrução ao sósia

Inicialmente, é relevante mencionar que a definição e a descrição das fases constitutivas da instrução ao sósia, abaixo apresentadas, seguem as prescrições dos pesquisadores da Clínica da Atividade. A descrição aqui explicitada foi utilizada como referência desta pesquisa no processo de exame qualitativo das dissertações e teses que

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foram localizadas no banco eletrônico de teses da CAPES, de universidades brasileiras e no Banco Nacional de Teses e Dissertações (BDTD).

Destacamos que a caracterização do dispositivo e das suas fases não foram compreendidas como um modelo que deveria ser adotado por pesquisadores brasileiros na realização de teses e dissertações, mas apenas como referência prescritiva a partir da qual norteamos e desenvolveremos a análise das aplicações da instrução ao sósia no Brasil. Desta forma, admitiu-se que os trabalhos de pesquisa examinados neste estudo e que foram produzidos nos programas de pós-graduação do país, poderiam conter distinções, adaptações e avanços em relação às prescrições da Clínica da Atividade. Nesta investigação foi exatamente a análise qualitativa dos usos feitos da instrução ao sósia no país que nos interessava, incluindo adaptações, modificações e alterações no modo de uso do dispositivo.

Em resumo, a instrução ao sósia é um dispositivo metodológico e interventivo “[...] no qual o trabalhador tem a tarefa de instruir o pesquisador de modo que este possa substituir aquele no trabalho, sem que ninguém identifique a substituição. Para realizar tal tarefa o trabalhador descreve, prescrevendo, as minúcias do seu trabalho” (RODRIGUES, 2010, p. 12). O que se espera é que ao falar sobre o trabalho, o profissional reflita e redescubra ou o (re)examine de forma diferente a sua atividade ocupacional, comparativamente ao momento em que ela está efetivamente acontecendo. “Em vez de reencontro com o passado, a tomada de consciência é metamorfose do passado” (CLOT, 2010, p. 222).

É importante destacar que, na Clínica da Atividade, a coanálise e estudo do trabalho com o uso da instrução ao sósia tem como pressuposto básico que a demanda por investigação e exame do trabalho deve emergir de um grupo de profissionais que percebeu que o exercício das suas funções se encontra degradado ou pode ser aperfeiçoado (CLOT, 2010). Assim, o pesquisador deve ser convidado por um coletivo de trabalhadores, apoiados pela organização em que acontece o trabalho, para contribuir na mediação do processo de (re)apropriação ou ampliação da potência na realização das atividades de ofício. No dizer de Clot (2010, p. 208) "[...] trata-se de assistir, a seu pedido direto, profissionais que procuram ampliar seu raio de ação, seu poder de agir sobre o próprio meio e sobre eles mesmos". Esse pressuposto baseia-se na compreensão de que o trabalhador ou grupo de trabalhadores deve identificar e requerer a criação de espaços institucionalmente reconhecidos, bem como a aplicação de mecanismos capazes de apoiar a coanálise e a potencialização das mudanças no agir profissional individual e grupal.

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Complementarmente, não se pode deixar de lembrar que a aplicação da instrução ao sósia "nunca se limita a um projeto de conhecimento ou pesquisa" (CLOT, 2010, p. 208).

O dispositivo interventivo e metodológico em tela se organiza em seis fases articuladas e complementares entre si, que descreveremos abaixo.

FASE 1 – Documentos prescritivos e contexto sociointeracional de trabalho A primeira fase da instrução ao sósia tem como objetivo aproximar o pesquisador da atividade laboral e dos trabalhadores com os quais irá atuar ao longo do processo de intervenção e pesquisa. Nesta fase o pesquisador deve conhecer o contexto sociointeracional de trabalho do coletivo laboral que está sendo analisado, por meio da recolha e exame dos documentos prescritivos do trabalho dos profissionais participantes da pesquisa. Nesta pesquisa adotou-se a definição de Bronckart (2006) relativa aos documentos prescritivos, segundo o qual esta expressão designa as predefinições do trabalho “[...] em diversos documentos produzidos pelas empresas ou pelas instituições, que dão instruções, modelos, modos de emprego, programas, etc. Portanto o ‘trabalho prescrito’ constitui-se como uma representação do que deve ser o trabalho, que é anterior à sua realização efetiva [...]” (BRONCKART, 2006, p. 208). Ainda, é realizado o levantamento do histórico de produção desses documentos e quais os usos feitos pelos trabalhadores no cotidiano.

FASE 2 - Identificação do trabalhador-voluntário (instrutor) e orientações sobre a instrução ao sósia

A segunda fase tem início com a identificação de um trabalhador que será voluntário no tocante à participação no processo interventivo e na pesquisa. Junto a ele será obtida parte significativa dos dados. O voluntário e o pesquisador participarão conjuntamente de todas as etapas seguintes da intervenção, da coleta de dados para a pesquisa e do diálogo sobre o trabalho em coanálise.

Em seguida, o pesquisador deverá explicitar para o trabalhador o passo a passo a ser seguido para a realização da instrução ao sósia propriamente dita. Assim sendo, a princípio, o pesquisador possui uma participação ativa de modo a possibilitar a compreensão do trabalhador sobre o processo a que se submeterá.

Para tanto, o pesquisador descreverá a situação hipotética em que ele e o trabalhador se colocarão: o pesquisador será sósia do trabalhador e terá que substituí-lo no dia seguinte em seu trabalho, logo, o trabalhador-instrutor deverá instruir o pesquisador-sósia para realizar o seu trabalho.

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Dessa forma, o pesquisador-sósia fará uma série de perguntas a fim de saber como agir ao substituir o trabalhador em sua atividade. Vale ressaltar que até os mínimos detalhes da atividade do trabalhador devem ser explorados. Portanto, é essencial nesta fase que fique evidente para o trabalhador os papéis que cada um desempenhará na instrução ao sósia.

FASE 3 - A Instrução ao sósia (IS)

Considerando as informações obtidas no processo de exame dos documentos prescritivos e do contexto sociointeracional de trabalho é que o pesquisador irá elaborar um roteiro de questões abertas que poderão ser apresentadas ao trabalhador no processo de instrução ao sósia. Esta fase toda deve ser registrada em áudio e/ou vídeo pelo pesquisador.

Especialmente nesta terceira fase é que se desenrolará o processo específico de instrução ao sósia. Ela é composta pelo diálogo entre o pesquisador-sósia e o trabalhador-instrutor, de modo a prevalecer as falas do trabalhador a respeito da descrição de sua atividade. Dessa forma, de acordo com Clot (2010), ao transformar sua atividade em linguagem o trabalhador a reorganiza e poderá iniciar a sua modificação.

O pesquisador-sósia solicita ao trabalhador-instrutor que discorra sobre a sua rotina de trabalho tendo em vista a sequência cronológica de suas ações diárias. Ademais, “dicas” e “macetes” devem ser requeridos pelo sósia, pois são fundamentais para a compreensão da atividade laboral que o trabalhador está explicitando. O trabalhador, em acordo com o pesquisador, deverá selecionar uma ou mais sequências laborais (atividades relevantes realizadas cotidianamente) as quais serão objeto da instrução ao sósia.

No diálogo da instrução ao sósia também deve ser abordada a postura do trabalhador frente ao seu objeto de trabalho, aos pares, aos superiores e aos destinatários da atividade, bem como suas vestimentas e comportamentos esperados. Além disso, é importante trazer à tona o ritmo e a dinâmica de trabalho, os materiais e instrumentos utilizados, os costumes e os modos de tratamento pessoal no ambiente de trabalho, e as formas de proceder em determinadas situações e imprevistos.

Portanto, é imprescindível que fique claro para o pesquisador-sósia o desenrolar da atividade do trabalhador-instrutor desde o seu princípio até seu final, isto é, da chegada ao ambiente de trabalho e início das atividades à conclusão do trabalho e saída do local. Deverão ser realizadas tantas sessões de instrução ao sósia quantas forem necessárias para que o trabalhador perceba e sinalize que está ampliando a compreensão sobre a sua atividade, mediante a atividade linguageira estabelecida no processo dialógico com o

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pesquisador. Na prática a esta fase integra-se às fases seguintes (4 e 5), no sentido dessa manifestação de mudanças percebidas pelo próprio profissional ou voluntário-instrutor.

FASE 4 - Atividade conversacional entre o pesquisador/sósia e o trabalhador/instrutor

Esta quarta fase tem por intuito fazer com que o trabalhador reflita sobre a vivência de transformar sua atividade em linguagem bem como sobre sua própria prática de maneira a tomar consciência de outros modos de agir que são possíveis para seu trabalho.

Nessa perspectiva, o pesquisador, ainda em interação com o trabalhador, irá interpelar a respeito de como o trabalhador vivenciou o ato de descrever seu trabalho. Além disso, interrogar ao trabalhador quais foram os sentimentos e sentidos atribuídos na verbalização de sua prática.

Por fim, indaga-se ao trabalhador se no momento da enunciação ele conseguiu visualizar outras formas possíveis de realizar seu trabalho diferente daquela apontada por ele. Com isso, atinge-se o objetivo central da “instrução ao sósia” que é ampliar o poder de agir do trabalhador.

FASE 5 - Transcrição e decifração do registro

Na quinta fase o pesquisador faz a transcrição de todo o procedimento de instrução ao sósia realizada com o trabalhador voluntário, que atuou como instrutor. Após, todo o registro escrito é apresentado ao trabalhador. O pesquisador atua como um mediador entre a atividade que foi desenvolvida com o sósia e o registro materializado por meio da transcrição. O trabalhador faz a avaliação e reflexão sobre o conteúdo apresentado por meio do material transcrito e realiza o que Clot denomina “decifração do registro”. É nesta fase que o trabalhador irá trazer à consciência as respostas vencedoras e que emergiram em sua ação durante o trabalho, refletirá sobre as razões de realizar a sua ação laboral do modo como faz e quais seriam as outras possibilidades.

O diálogo entre o pesquisador e o trabalhador, que se estabelece nesta fase, deve assumir um caráter formativo do sujeito e o exame do trabalho revela, então, o seu potencial de transformação do vivido. Ainda conforme Clot (2000) este é o momento em que o trabalhador se reconhece em formação, ao visualizar e analisar a sua experiência laboral fora do contexto habitual e vislumbra tomá-la em suas mãos, dela se apropriar e modificar.

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Esta fase é composta por um único movimento (que pode durar por diversas reuniões - tantas quantas forem necessárias para que os trabalhadores se apropriem dos achados da IS) denominado restituição ao coletivo de trabalho. É o momento em que as análises, descobertas e considerações sobre o trabalho realizadas pelo pesquisador e pelo voluntário são restituídas ao coletivo de trabalhadores que atuam na mesma função do trabalhador que assumiu o papel de instrutor. Esta submissão dos achados da instrução ao sósia que é feita ao coletivo de trabalho tem como objetivo levar o conjunto de trabalhadores a se apropriar dos dados e análises feitas, com vistas a estimular a ação engajada do conjunto de profissionais objetivando, no dizer de Clot (2010), a abertura de zonas de desenvolvimento potenciais, isto é, estimular a reflexão e a ação sobre as possibilidades de transformação da atividade laboral pelos próprios trabalhadores.

Nesta fase, o pesquisador planeja e realiza, em parceria com o voluntário que participou da instrução ao sósia, reuniões com o coletivo de trabalho. Estas reuniões podem acontecer com “o coletivo profissional [...]; o comitê de monitoramento da intervenção; o coletivo profissional ampliado, ou seja, o conjunto dos pares [...]” (CLOT, 2010, p. 241). O objetivo é criar as condições para que os próprios trabalhadores realizem a transformação do seu processo laboral.

Em suma, as fases descritas por Clot (2010) para a aplicação da instrução ao sósia as quais foram tomadas nesta pesquisa como referência para análise qualitativa dos dados são: 1- documentos prescritivos e contexto sociointeracional de trabalho; 2- identificação do trabalhador-voluntário e orientações sobre a instrução ao sósia; 3- a instrução ao sósia; 4- atividade conversacional entre pesquisador/sósia e trabalhador/instrutor; 5- transcrição e decifração do registro; 6- restituição ao coletivo de trabalhadores.

4. Método de pesquisa

A coleta de dados consistiu na busca de produções acadêmico-científicas que aplicaram o instrumento metodológico instrução ao sósia por meio de bancos eletrônicos de teses e dissertações, em primeira instância, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), em segunda, de universidades que trabalhavam na linha teórica, e, em última, no portal de periódicos da CAPES e Google de modo a abranger maior número de produções. Tais investigações ocorreram no período de vinte dias a recolher no total de vinte e cinco teses e dissertações concluídas entre os anos de 2007 a 2013. Em todas essas fases foi realizado o registro do levantamento a partir do resumo e dos dados de identificação das produções selecionadas bem como do arquivamento das teses e dissertações completas, com a exceção de uma tese, dentre as

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vinte e cinco, que não foi encontrada em formato completo, mas cuja autora foi contatada para a sua solicitação. Vale ressaltar que algumas teses foram descartadas por apenas citarem a instrução ao sósia e não adotarem como dispositivo metodológico interventivo da pesquisa científica.

Após a identificação de pesquisas nos bancos de teses mencionados e, visando garantir que todas as teses e dissertações concluídas entre 2007 e 2013 fossem localizadas, buscamos fazer uso da experiência do grupo de pesquisa ao qual este estudo esteve associado, Figuras e Modos de Subjetivação no Contemporâneo, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UNESP/Assis. As pesquisas anteriores do grupo buscaram examinar as aplicações de um dispositivo metodológico denominado autoconfrontação, que analogamente ao que se observa na instrução ao sósia, foi elaborado e tem sido desenvolvido no contexto teórico da Clínica da Atividade. Nestes estudos do grupo pôde-se reconhecer um conjunto de grupos de pesquisa, universidades e programas de pós-graduação que tem utilizado e adaptado os referenciais teóricos e metodológicos da Clínica da Atividade para o cenário acadêmico e do mundo do trabalho brasileiros. Então, além de buscar em bancos de dados da CAPES, dos repositórios de universidades públicas, estaduais, federais, confessionais e privadas, o Banco Nacional de Teses e Dissertações (BDTD) e até mesmo o Google foram identificadas as universidades e programas de pós-graduação já registrados em estudos anteriores do grupo de pesquisa "Figuras e Modo de Subjetivação" e, de modo complementar, acessamos cada banco virtual das universidades que retornaram registros de teses ou dissertações com uso da instrução ao sósia na fase inicial da recolha de dados.

Em sintonia com Bardin (1977) se articulou com o primeiro movimento analítico dos resumos e textos completos das pesquisas, denominado pré-análise, em que o propósito foi checar a pertinência do material recolhido em relação aos objetivos desta pesquisa e em face dos critérios adotados para a de seleção das teses e dissertações. O segundo procedimento de análise foi a exploração do material, que consistiu em: classificar as dissertações e teses por ano de defesa, Universidade e Programa de Pós-Graduação em que foi produzida cada pesquisa; identificar o orientador ou orientadora; elaborar formas gráficas de apresentação dos dados. Concomitantemente, iniciamos o terceiro mecanismo analítico consistiu na elaboração de um modelo de resumo inspirado no padrão do Centro de Investigacion y Desarrollo de la Educacion (CIDE), conforme o sistema denominado Resumenes Analíticos em Educacion (REDUC). Ao adotar esse modelo, o objetivo inicial era padronizar a apresentação das informações básicas de cada

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dissertação e tese e registrar as análises iniciais da pesquisadora relativamente à aplicação da instrução ao sósia pelo autor de cada investigação examinada. Ademais, o protótipo de resumo adotado propõe que seja feita uma síntese das informações contidas em cada documento que foi objeto da investigação (no caso desta pesquisa, foram dissertações e teses), de modo a possibilitar a facilitação do contato do leitor com os trabalhos investigativos que foram examinados, sem que necessariamente seja preciso recorrer à leitura do trabalho original e completo.

5. Resultados e discussão

No presente trabalho serão contempladas especificamente as análises de teses e dissertações que centralizaram a atividade laboral e formativa docente como objeto de estudo, sendo essa a categoria profissional mais examinada, com treze pesquisas concluídas, logo, a de maior interesse dos pesquisadores brasileiros que utilizaram a instrução ao sósia. O uso deste instrumento metodológico para produção de conhecimento relacionado ao trabalho do professor teve início na primeira década do século XXI em pesquisas da área de Letras e de Análise da Linguagem. As pesquisas pioneiras lançaram mão do dispositivo metodológico com a finalidade de coletar o discurso do trabalhador, na fase de entrevista de instrução ao sósia, de modo a posteriormente abordá-lo a partir da análise da linguagem.

A princípio, essas pesquisas buscavam compreender a prática do professor em seu cotidiano de trabalho. Nesse sentido, a primeira produção científica, que resultou na dissertação de mestrado, a utilizar a instrução ao sósia no Brasil foi a elaborada por Dias (2008) pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), orientada por Vera Lúcia de Albuquerque Sant’Ana no Programa de Pós-Graduação em Letras. Esta dissertação incidiu sobre a identificação de possíveis padrões que o professor de ensino de língua espanhola, como língua estrangeira, constrói em sua prática com alunos com deficiência visual. Dias (2008) aplicou de modo parcial a instrução ao sósia para recolha de dados sendo possível perceber que a pesquisadora estava interessada em mobilizar no discurso do professor os diversos âmbitos de sua atividade, uma vez que a pesquisadora solicita que o trabalhador fale sobre a sala, a aula, outros professores e outros coletivos.

As outras duas pesquisas que vieram a compor esse pioneirismo foram aquelas orientadas pela professora doutora Anna Rachel Machado, líder do Grupo de Pesquisa Análise de Linguagem, Trabalho Educacional e suas Relações (ALTER) entre 2002 a 2012. Os trabalhos referidos são teses de doutorado de Pinto (2009) e de Tognato (2009), os quais representaram também, juntamente com Nascimento (2008), o início da

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utilização da instrução ao sósia por produções do Programa de Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL) da PUC-SP, sendo que outros três trabalhos, totalizando seis, deste programa de pós-graduação aplicaram o dispositivo metodológico em tela. Pinto (2009) e Tognato (2009) se aproximam em seus objetivos estando voltados para a compreensão, interpretação e avaliação do trabalho do professor, se diferenciando apenas no que diz respeito ao contexto laboral dos voluntários de cada pesquisa. No entanto, ainda que as teses em questão sejam de mesma orientação, os autores se diferem no modo de utilização da instrução ao sósia: Pinto (2009) desconsidera as fases iniciais enquanto Tognato (2009) aplica com rigor as primeiras fases e despreza as últimas.

No mesmo ano, em 2009, Alves defendeu sua tese de doutorado na área da Educação, sob orientação de José Cerchi Fusari na Universidade de São Paulo (USP). Alves teve por objetivo analisar e compreender como se constituem as relações entre a qualificação, o trabalho docente e as políticas de formação contínua de professores de ensino médio. Em relação ao modo de aplicar a instrução ao sósia, Alves realizou identificação dos voluntários; análise de documentos prescritivos e aproximação do contexto sociointeracional de trabalho; orientações do método; a instrução ao sósia; análise da sessão pelo pesquisador, portanto, ele não aplicou as três fases finais prescritas por Clot (transcrição, decifração e restituição ao coletivo).

Em 2010, Mônica Rafaela de Almeida defendeu a sua dissertação de mestrado em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba, sob a orientação de Mary Yale Rodrigues Neves, a qual utilizava a instrução ao sósia a partir da perspectiva de outro campo do conhecimento. Almeida (2010) foi a primeira a aplicar o método em pesquisas de Psicologia e se dedicou a analisar a atividade de trabalho de professoras da primeira fase do ensino público fundamental a fim de apreender a possível mobilização subjetiva das trabalhadoras em cotidiano adverso de trabalho. No que tange à aplicação da instrução ao sósia, esta pesquisadora foi a única até então a cumprir a fase de restituição ao coletivo e a que mais se aproximou das prescrições da Clínica da Atividade, sendo possível constatar que a autora tem bastante afinidade com o que foi prescrito por Clot e pelo próprio Oddone.

Outros trabalhos destacados do grupo LAEL/PUC-SP pelo enfoque na atividade docente é a tese de doutorado de Muniz-Oliveira defendida e a dissertação de mestrado de Gomes, ambas no mesmo ano, 2011, e sob a mesma orientação, de Machado. Muniz-Oliveira (2011) verificou as representações construídas acerca da atividade docente na Pós-Graduação strictu senso. A autora coleta os dados a partir da utilização parcial da

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instrução ao sósia e promove a análise das entrevistas de instrução ao sósia por meio do Interacionismo Sociodiscursivo de Bronckart, assim como Pinto (2009) e Tognato (2009). No caso específico de Gomes (2011), ela afirma ser a instrução ao sósia uma importante ferramenta para a formação de professores e de coletivo de trabalhadores. A estudiosa indicou, de modo dissonante com os apontamentos da Clínica da Atividade, que não pretendia usar o dispositivo como meio para promover a coanálise do trabalho, mas enfatizou a possibilidade de utilização da instrução ao sósia como estratégia estruturante de um processo formativo de docentes mediado por um pesquisador. O estudo de Gomes (2011) conferiu ao pesquisador, na aplicação do dispositivo, o papel de um formador de docentes e não de um analista do trabalho, como preconizou Clot (2010).

Também na área da Psicologia, Silva (2012) com o orientador Jorge Tarcísio da Rocha Falcão, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, teve o intuito de analisar a dinâmica que se estabelece entre a atividade do professor de EAD e o gênero profissional docente ao qual ele reporta-se em sua atividade profissional. Em relação ao uso da instrução ao sósia, esta autora se aproximou do que foi prescrito pela Clínica da Atividade de modo a cumprir quatro das seis fases do método. Ademais, Silva (2012) realizou algumas adaptações ao dispositivo como: encaminhamento de questionário profissional para ser respondido pelo trabalhador na fase de identificação do voluntário; e realização da decifração do registro em conjunto (trabalhador e pesquisadora) em vez de enviar para o voluntário tecer individualmente um comentário a partir de suas reflexões.

Ainda, são de mesma orientação, desta vez, de Luzia Bueno, as dissertações de Feitoza (2012) e Matiassi (2012), no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de São Francisco. A pesquisa de Feitoza (2012) visou compreender o trabalho docente em Educação a Distância; a de Matiassi (2012) propôs a investigar o trabalho docente e as representações que os professores têm acerca do Plano de Ensino. Feitoza fez uma inovação na utilização da instrução ao sósia, uma vez que realizou o procedimento metodológico por meio de um recurso das Tecnologias de Informação e Comunicação – TICs - não previsto na Clínica da Atividade: a conversa escrita online MSN Messenger. Esta inovação no método facilitou a efetivação de algumas fases como a transcrição, pois já é concluída pela ferramenta do MSN, e a decifração do registro que, segundo Feitoza, ocorre no momento em que o trabalhador escreve e lê suas respostas.

Por último, as pesquisas mais recentes encontradas que utilizaram a instrução ao sósia foram concluídas em 2013. Melo (2013) foi orientada por Vera Lúcia de

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Albuquerque Sant’Ana no Programa de Pós-Graduação em Letras pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e tinha por objetivo compreender as normas que o professor elabora na realização de sua atividade e compartilha quando há um déficit de prescrições relacionadas a sua tarefa de trabalho. No que diz respeito à aplicação da instrução ao sósia na dissertação de Melo (2013), ela se deu de forma semelhante à de Dias (2008), já que ambas deixam de cumprir as mesmas fases do instrumento, o que pode significar a interpretação da orientadora, que é a mesma nos dois trabalhos, sobre a aplicação do método e também à necessidade de atendimento das exigências de pesquisa. Coelho (2013), orientada por Elvira Lopes Nascimento, Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Londrina se dedicou a entender o significado de inovação nas prescrições oficiais do ensino de língua portuguesa, por meio da prática de professores da rede pública. Oliveira (2013), sob orientação de Juliana Alves Assis, na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), teve o propósito de entender a complexidade do trabalho de quem ministra a disciplina de Língua Portuguesa na Educação Básica a partir da aplicação da instrução ao sósia.

6. Conclusão

Em síntese, no que tange à aplicação da instrução ao sósia segundo as fases descritas pela Clínica da Atividade foi possível constatar que dessas treze teses e dissertações apresentadas acima, dez delas cumpriram metade dos movimentos prescritos, ou seja, realizaram três do total de seis passos. Além disso, nenhuma dessas produções utilizou com exatidão o instrumento como previsto pelos teóricos, no entanto, três autoras, Coelho (2013), Almeida (2010) e Silva (2012), se aproximaram bastante, contemplando de quatro a cinco fases, e ainda fizeram adaptações que aprimoraram o método, como é o caso de Silva (2012). Por fim, Almeida (2010) foi a que mais se destacou pelo cumprimento de cinco das seis fases de modo a também estar sintonizada com os preceitos da Clínica da Atividade e do próprio Oddone, sendo a única desses trabalhos a realizar a restituição ao coletivo de trabalhadores.

Cabe a ressalva de que a maioria dos autores mencionados ao aplicar a instrução ao sósia consideraram os movimentos centrais do método: identificação do voluntário e orientações sobre o dispositivo, a sessão de instrução ao sósia e transcrição e análise pelo pesquisador/trabalhador. Assim, foi possível notar que se deixou de cumprir as fases preparatórias para a inserção, contextualização e entendimento do pesquisador acerca do trabalhador estudado e as fases finais em que ocorrem a tomada de consciência do profissional acerca de sua atividade e, assim, a transformação do seu trabalho. Portanto,

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ficou evidente que os pesquisadores priorizaram a recolha de dados em detrimento daquilo que é o objetivo central do dispositivo metodológico: a coanálise e a transformação do trabalho.

Em relação ao que Clot destaca sobre a importância da demanda dos trabalhadores pela instalação de processo coanalítico visando a produção e apropriação de saberes sobre a sua atividade laboral, bem como intencionando a sua metamorfose, não houve registro de tal solicitação nas pesquisas mencionadas, mas somente o interesse e a requisição inicial de pesquisadores por coleta de dados de pesquisa com uso do dispositivo em tela.

Além disso, Clot (2010) sugere que as ações aplicativas da instrução ao sósia tenham duração aproximada de 1 ano, com a realização de numerosas sessões de coanálise da atividade laboral pelo pesquisador e trabalhadores, no conjunto de pesquisas registradas no país a aplicação do dispositivo foi aligeirada e teve duração de apenas uma ou duas sessões da fase 3.

Contudo, há hipóteses que precisam ser consideradas e podem justificar a aplicação da instrução ao sósia, pelos pesquisadores do Brasil, de forma fragmentada, aligeirada e realizada sem a demanda de trabalhadores pela execução de intervenções em suas atividades ocupacionais. A primeira hipótese é a de que o instrumento metodológico é ainda recente no país de modo a ser utilizado em caráter experimental tendo em vista que são necessárias referências técnicas de aplicação da instrução ao sósia que se adequem à realidade brasileira de trabalho dos pesquisadores. Ademais, o cunho extremamente acadêmico das pesquisas brasileiras que se reduzem ao atendimento dos seus objetivos de investigação aliado ainda à falta de demanda do trabalhador que dificulta o cumprimento da fase de restituição ao coletivo, fazem a aplicação parcial do método prevalecer. Outra razão é a dificuldade de encontrar instituições e trabalhadores que tenham interesse e disponibilidade para participar de todas as fases pertencentes à instrução ao sósia. E o último motivo são as exigências acadêmicas dos Programas de Pós-Graduação que limitam um prazo para o desenvolvimento da produção de teses e dissertações.

Ainda, é importante ressaltar que mesmo não tendo aplicado com exatidão a instrução ao sósia segundo seus teóricos, não se pode desconsiderar a produção de saberes que se efetivou pela aplicação deste método acerca do ofício do professor. Assim, existem contribuições, disponíveis em dissertações e teses nacionais, que tem apoiado a ampliação da compreensão da complexidade do trabalho docente, estimulando o debate e a investigação sobre os aspectos constitutivos da atividade profissional dos professores, tais

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como: a formação de professores, o coletivo de docentes; o próprio professor (trabalho dirigido para si mesmo), outrem (alunos, pais, colegas, direção, etc.), artefatos e instrumentos (como estratégias de ensino, uso de artefatos tecnológicos, documentos prescritivos e autoprescritivos), o contexto sócio-histórico particular, o sistema educacional e o sistema de ensino.

Em relação às áreas do saber, pudemos observar, no que diz respeito aos objetivos de uso da instrução ao sósia, que as pesquisas realizadas nas áreas da Linguística Aplicada e Letras tendem a não priorizar a coanálise do trabalho e o estímulo à sua transformação. Isto porque nestas áreas os pesquisadores se encontram focalizados com maior ênfase no estudo acadêmico da análise enunciativa, textual, linguística e/ou semântica dos discursos dos trabalhadores/voluntários/instrutores. O sentido do uso da instrução ao sósia recebeu um caráter inovador em alguns estudos das áreas de Educação e Linguística Aplicada, que fizeram uso do dispositivo conferindo a ele um caráter de instrumento formativo de professores, isto é, os estudiosos tomaram o discurso sobre o trabalho feito pelos profissionais-instrutores como elementos que puderam se tornar prescrições visando a melhoria ou aperfeiçoamento do trabalho, no sentido da consciência, pelos docentes, dos aspectos constitutivos da laboralidade e da promoção do diálogo sobre possíveis mudanças imaginadas em situação de formação, com uso da instrução ao sósia (as formações ocorriam em horários dedicados à atividade formativa e/ou em situações deliberadamente chamadas de formativas por pesquisadores e trabalhadores). As investigações que destacaram a possibilidade de adoção da instrução ao sósia como instrumento metodológico de apoio à formação docente foram: Gomes (2011); Dias (2008); De Melo (2013); Alves (2009); Matiassi (2012); De Almeida (2010).

Portanto, a prioridade dos pesquisadores do país é realçar, no que diz respeito à utilização do dispositivo, a sua capacidade de fazer emergir discursos e/ou relatos produzidos por profissionais, voluntários na recolha de dados de pesquisas, os quais são tomados como unidades de análise das teses e dissertações. No caso das pesquisas concluídas mencionadas acima, os estudiosos acrescentaram ao uso do dispositivo a função organizativa de ações voltadas para a formação de profissionais de uma categoria específica, os docentes, a partir das quais também obtiveram os discursos que constituíram os dados das pesquisas do grupo.

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