RESUMO
A presente dissertação versa sobre o instituto do direito de sequência – consagrado, no ordenamento jurídico português, no artigo 54º do Código de Direito de Autor dos Direitos Conexos. Trata-se de um direito atribuído aos autores de obras plásticas que tenham alienado o exemplar original, e que consiste no poder de exigir uma participação no preço em caso de revenda do suporte corpóreo.
A figura assenta na consideração de que os artistas plásticos, ao contrá-rio dos escritores e dos compositores, não têm no direito de reprodução e no direito de representação poderes satisfatórios no que respeita à explo-ração das suas criações. Com efeito, no caso das obras de arte plástica, o exemplar original desempenha um papel capital, por isso que a criação inte-lectual só existe na medida em que o artista produza um suporte material. Este requisito constitutivo da obra artística torna a sua reprodução desinte-ressante: o verdadeiro valor (quer artístico, quer económico) reside no origi-nal. Assim, é na alienação deste que o artista encontra o principal modo de explorar a sua criação. Ao fazê-lo, porém, despoja-se da sua mais relevante fonte de proventos. Mais tarde, se o adquirente vier a revender o exemplar, estará a praticar um acto equiva lente ao que o artista praticou, no momento da alienação inicial, mas sem que o artista quinhoe no preço realizado.
É uma tal participação que o direito de sequência vem criar, permitindo ao artista concorrer na dimensão da exploração da sua obra que se revela economicamente mais interessante: a alienação do original.
O instituto do direito de sequência teve origem em França, no ano de 1920. Mais tarde, viria a ser consagrado – facultativamente embora – na Convenção de Berna, facto que em muito contribuiu para a sua divulgação.
O DIREITO DE SEQUÊNCIA DOS ARTISTAS PLÁSTICOS
No essencial, até ao dealbar do presente século, assistia-se a uma divisão entre os sis temas que faziam o direito de sequência incidir sobre o preço de alienação, e aqueles que o estabeleciam apenas para a (eventual) mais-valia realizada pelo vendedor. Com a aprovação da Directiva nº 2001/84, esbateu-se essa contraposição: no âmbito europeu, os Estados-membros tendem a regular o direito de sequência em termos uniformes, em particular estatuindo que a figura visa o preço de revenda.
Por fim, é debatida a concreta natureza jurídica do direito de sequência. Defender-se-á, aqui, que se trata de um direito de autor de natu reza patri-monial. Ao contrário, porém, da generalidade dos Autores que expressam a mesma opinião, sustentar-se-á que o direito de sequência, como os demais poderes justautorais, incide, não sobre o exemplar original, mas sobre a obra do espírito que lhe está subjacente.
Palavras-chave: direito de sequência; obra de arte plástica; exemplar original; manuscrito; profissional do mercado da arte; galerias; leiloeiras; museus; direito de autor
1. Introdução
I. A arte plástica supõe, como o nome indica, que o artista trabalhe criativamente matéria pré-existente – que expresse a sua criação inte-lectual por meio da produção de um exemplar material. Trata-se de um requisito constitutivo da obra de arte plástica, que não existe enquanto o suporte corpóreo não estiver concluído. Representa, assim, uma exi-gência adicional neste domínio da criação, quando comparado com outras formas de expressão intelectual – como a literatura, ou a música.
II. Simultaneamente, porém, significa uma característica específica da obra de arte plástica: a palpável presença do seu autor no exemplar por este criado. Dessa ligação entre o autor e o suporte corpóreo da sua obra – que se manifesta como documento físico da expressão pessoal do criador – resulta um particular efeito estético para o observador. Por esse motivo, a contemplação do original de uma determina obra artística representa a forma, por excelência, de percepção da criação do artista.
Esta circunstância, do mesmo passo que valoriza intrinsecamente o su-porte corpóreo em que se exterioriza a obra de arte plástica, torna, para o artista, praticamente imprestáveis os típicos poderes que o Direito de Autor reconhece ao criador intelectual. Assim, uma cópia da obra artís-tica tem tanto menos valor quanto mais valioso é o exemplar original. De pouco vale ao artista, por conseguinte, o direito de reprodução – situa-ção muito diversa daquela que se verifica com os escritores e compositores. III. A especial valia do exemplar original não se expressa apenas na sua vertente intelectual ou cultural, antes tendo consequências no
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domínio patrimonial ou económico. Assim, é na circulação do suporte corpóreo da obra artística que se encontra a principal forma de explo-ração desta: o particular valor cultural, histórico e estético do original traduz-se em gerar nos interessados uma especial apetência pela sua aquisição. É, assim, ao alienar o suporte que o artista realiza o principal meio de exploração da sua criação.
Sem a intervenção do legislador, porém, tratar-se-ia – se é lícita a expressão – de uma bala de prata. Uma vez vendido o original, o artista não mais teria como, pelo menos relevantemente, explorar a sua obra. O poder de exposição pública desta é, salvo convenção em contrário, transmitido com a alienação do suporte (artigo 157º/2 do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos1). Mesmo que o artista o con-serve, a sua utilização terá parca expressão económica. De igual forma, ainda quando houvesse interesse na reprodução da obra, não raro a alienação do original torna difícil ao artista conhecer o paradeiro do exemplar, dificultando a operatividade de uma autorização.
IV. O legislador, todavia, interveio. Notando que o principal meio ao dispor do artista para retirar provento da sua criação é a venda do origi-nal, e constatando que, muitas vezes, este vem mais tarde a ser objecto de sucessivas revendas, entendeu que teria cabimento atribuir ao criador artístico um sucedâneo dos direitos de reprodução e de representação. Surgiu assim o direito de sequência, dirigido a fazer o autor participar nas vendas do exemplar original que tivessem lugar após o criador o ter alienado pela primeira vez.
V. Eis aí o instituto sobre o qual se debruçarão as linhas que se seguem. Pretende-se, com este trabalho, dar conta das principais notas típicas do direito de sequência, e, sobretudo, surpreender-lhe a natureza. Para o efeito, caberá perscrutar a sua evolução ao longo dos tempos, bem como analisar os termos em que, no momento presente, é regulado no Direito Comparado. Nesse contexto, teremos oportunidade de compreender a particular relevância da intervenção do legislador europeu neste domínio, que em larga medida explica o actual regime do instituto no seio da União Europeia e, em especial, no ordenamento jurídico português.
1. INTRODUÇÃO A identificação da concreta natureza do direito de sequência supõe, necessária e previamente, o estudo da sua história e das normas que o regulam. Muitas são as obras nas quais se inverte o método, apresen-tando em primeiro lugar a natureza da figura, e só depois compulsando o seu regime. Tal opção redunda, não raro, em conceptualismo, por isso que se acaba interpretando as regras num sentido ou noutro consoante a natureza que antecipadamente se atribuiu ao instituto. Trata-se de uma tentação que procuraremos evitar.
Pensamos ser oportuno um estudo de fundo sobre esta matéria – que, segundo cremos, ainda não existia na nossa doutrina. Trata-se, afi-nal, do principal direito que a lei outorga aos artistas plásticos.
ÍNDICE GERAL
Resumo 5 Palavras-Chave 6 Abstract 7 Key Words 8 1. Introdução 9 Capítulo Primeiro Noções introdutórias Secção PrimeiraNoção de Direito de Sequência
2. O direito de sequência em abstracto 13
3. Referência à arte plástica 14
4. Distinção face à sequela em Direitos Reais 15
5. Direito de sequência contratual 16
Secção Segunda
Fundamento do Direito de Sequência
Subsecção Primeira
O Duplo Fundamento
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7. Compensação pela (relativa) inutilidade do direito patrimonial
de autor 20
8. Conjugação dos dois fundamentos 22
Subsecção Segunda
As Obras Artísticas
9. Natureza particular das obras de arte gráficas e plásticas 24
Subsecção Terceira
Posições Críticas
10. Posições negativistas 29
11. Posições críticas do sistema de incidência sobre o preço de
revenda 32
12. Crise de fundamentação do direito de sequência? 33 Capítulo Segundo
Evolução histórica do direito de sequência
Secção Primeira
Evolução histórica no plano comparado
Subsecção primeira
O período anterior à consagração internacional
13. Lei francesa de 1920 – primeira consagração 37
14. Lei belga de 1921 39
15. Lei checoslovaca de 1926, lei polaca de 1935 e lei uruguaia de 1937 40 16. Consagração no direito italiano (leis de 1941 e de 1979) 40
Subsecção segunda
A consagração no plano internacional
ÍNDICE GERAL
Subsecção terceira
Evolução subsequente
18. França: leis de 1957 e de 1992 46
19. Consagração no direito alemão (leis de 1965 e de 1972) 47
20. Lei checoslovaca de 1965 48
21. Consagração no direito espanhol (leis de 1987 e de 1992) 48
22. Lei belga de 1994 50
Subsecção quarta
Evolução no plano europeu
23. A Proposta de Directiva 51
24. Posições críticas 55
25. Passos subsequentes 57
Secção segunda
Evolução histórica no direito Português
26. Primeira consagração: Código de 1966 60 27. Direito de sequência no Código de 1985 62 28. Lei nº 45/85: abandono do sistema da mais-valia 65 29. Lei nº 24/2006: a transposição da Directiva nº 2001/84
– remissão 66
Capítulo Terceiro
Perspectiva comparatística na actualidade
Secção Primeira
Direito de sequência no plano dos Estados
30. No direito italiano 69
31. No direito francês 71
32. No direito belga 74
33. No direito britânico 76
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35. No direito alemão 81
36. No direito espanhol 82
37. O direito de sequência no estado da Califórnia 83
Secção Segunda
Direito de sequência no plano europeu
Subsecção Primeira
Regime Jurídico
38. O direito de sequência na Directiva nº 2001/84 87
Subsecção Segunda
Jurisprudência do TJUE
39. Acórdão “Salvador Dalí” 91
40. Apreciação crítica do acórdão “Salvador Dalí” 93
41. Acórdão “Christie’s” 94
42. Apreciação crítica do acórdão “Christie’s” 96 Capítulo Quarto
Direito de sequência no Direito Português
43. Colocação sistemática 99
44. Objecto do direito de sequência 101 45. Pressupostos de constituição do direito de sequência 102
46. Beneficiários 102
47. Obras abrangidas 106
48. Em particular: os manuscritos 109
49. Exclusão das obras de arquitectura e das obras de arte aplicada 115
50. Alienação inicial 116
51. Alienação onerosa 117
52. Indisponibilidade 118
53. Disponibilidade em concreto? 120
ÍNDICE GERAL
55. Prescrição 126
56. Limiar mínimo 129
57. Montante máximo da participação 130 58. Excepção ao direito de sequência: museus 131 59. Responsabilidade pelo pagamento da participação 132
60. Invalidade da (re)venda 133
61. Aplicabilidade do direito de sequência em casos com conexões
internacionais 134
Capítulo Quinto
Natureza Jurídica do Direito de Sequência
62. Enquadramento 137
Secção Primeira
Elementos Legais
63. Considerandos da Directiva e exposição de motivos da Proposta
de Lei nº 45/X 137
Secção Segunda
Teorias sobre a Natureza do Direito de Sequência
64. Resumo das teorias existentes 139
65. Teoria da obrigação propter rem 139
66. Teoria da licença legal 140
67. Teoria do poder integrado no direito de propriedade 141
68. Teoria do direito conexo 141
69. Teoria do direito pessoal 142
70. Teoria do direito análogo ao direito de reprodução 143 71. Teorias patrimoniais; teoria do direito de autor autónomo 144 72. Teoria do direito de sequência como direito de autor creditício 147
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Secção Terceira
Posição Adoptada Subsecção Primeira
Crítica das Teorias Apresentadas
73. Teoria da obrigação propter rem 148
74. Teoria da licença legal 149
75. Teoria do poder integrado no direito de propriedade 150
76. Teoria do direito conexo 151
77. Teoria do direito pessoal 151
78. Teoria do direito análogo ao direito de reprodução 151
79. Teorias patrimoniais 154
Subsecção Segunda
Direito de Sequência como Direito de Exploração da Obra Artística
80. Traços de regime mais relevantes 154
81. Incidência sobre o preço 155
82. Relevância do suporte corpóreo 155 83. Não confusão entre o exemplar original e a obra do espírito 156 84. Alienação do exemplar original como forma de exploração
da obra artística 157
85. Incidência sobre os actos de revenda públicos 158 86. Compatibilidade com o sistema do preço 160 87. Compatibilidade com a regra de caducidade 161
88. Referências doutrinárias 161
89. Alienação de um falso exemplar original 162 90. Direito de sequência como direito de crédito 164 91. Síntese: direito de sequência como direito incidente sobre
ÍNDICE GERAL Capítulo Sexto
Conclusões
92. Conclusões quanto ao Capítulo Primeiro 169 93. Conclusões quanto ao Capítulo Segundo 171 94. Conclusões quanto ao Capítulo Terceiro 172 95. Conclusões quanto ao Capítulo Quarto 174 96. Conclusões quanto ao Capítulo Quinto 179 Índice Bibliográfico 187 Índice de Jurisprudência 195 Índice Geral 197