• Nenhum resultado encontrado

Para problematizar as questões de uma sociedade em rede

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Para problematizar as questões de uma sociedade em rede"

Copied!
6
0
0

Texto

(1)

Para problematizar as questões de uma sociedade em rede

Mariana Martins1 MORAES, Dênis (org.). Mutações do Visível: da comunicação de massas à comunicação em rede. Rio de Janeiro: Pão e Rosa, 2010.

Problematizar mudanças surgidas a partir das inovações tecnológicas e suas conseqüências nas novas formas de comunicação para além das aparências parece ser o desafio de Mutações do Visível: da Comunicação de Massa à Comunicação em rede, a mais nova coletânea organizada por Dênis de Morais (Pão e Rosas, 2010, 235 páginas).

Nesta nova obra, Moraes abusa, no bom sentido, do seu senso de oportunidade e se propõe, a partir de diferentes vozes, a promover o diálogo sobre a possível mudança de uma comunicação de massa – paradigma de boa parte das Communications Research - para uma comunicação em rede. Esta nova forma de organização das comunicações - que coexiste ainda com a anterior [de massa], mas que marca um novo período da dinâmica do capital – ela é caracterizada não só pelos acessos, mas também pela troca de informações, e é provocada tanto pelas novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), como também, e em igual medida, pelas diferentes formas de apropriação social dessas tecnologias.

Nas palavras do próprio organizador, o livro tem o compromisso essencial de “analisar mutações de uma época de comunicação generalizada e em rede, na qual a sua vida social, as mentalidades, os valores e os processos culturais parecem definitivamente vinculados a telas, monitores e ambientes virtuais” (p.15).

A importância de Mutações do Visível para os estudiosos – ou até mesmo para os curiosos – da área das comunicações está tanto na atualidade da temática abordada como na seleção da equipe que contribuiu com os artigos publicados. Prefaciado por Marco Aurélio Nogueira, o livro traz análises de Gustavo Cardoso, Valério Cruz Brittos, Dênis de Moraes, Antônio Fausto Neto, Matín Becerra, Bernard Miège, Manuel Castells, Lorenzo Vilches e Jesús Martin-Barbero. De certo, os nomes desses autores falam por si e testemunham a riqueza e a pluralidade da obra.

1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Universidade de Brasília (UnB). Mestra em

Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e tem graduação em jornalismo pela mesma instituição. É pesquisadora bolsista da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

(2)

O livro é dividido em duas partes e tem início com um artigo de Gustavo Cardoso, professor do Instituto de Ciência do Trabalho e da Empresa de Portugal e que também é diretor do Observatório da Comunicação (Obercom) português. O texto Da

comunicação em massa à comunicação em rede: modelos comunicacionais e a sociedade da informação trata especificamente do tema central do livro que é a

mudança do paradigma de uma sociedade de massas para a uma sociedade em rede. Na opinião de Cardoso o “sistema de mídia atual parece estar organizado não em torno da ideia de convergência tornada possível pelas tecnologias digitais, mas em torno da articulação em rede”. (p.27)

O artigo de Cardoso é seguido pelo de Valério Cruz Brittos, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos, que tem dedicado estudos à discussão da convergência digital no Brasil. No artigo

Midiatização e produção tecno-simbólica no capitalismo contemporâneo Brittos

problematiza as relações entre o capital, as tecnologias e a comunicação, que são as esferas constitutivas dessa nova sociedade em rede. O texto de Brittos é tributário da idéia de que as mutações e crises do sistema capitalista podem tanto gerar como conviver com algumas fissuras e contradições, como é o caso da organização da sociedade civil dentro da rede, mas não sustenta mudanças estruturais. O texto aponta para a necessidade de se discutir políticas de comunicação em um mundo que ao parecer ser o que não é – pela falsa idéia de igualdade de condições e de acesso - amplia as distâncias sociais. Para o autor, as transformações da comunicação atravessam o mundo e atingem o conjunto dos campos sociais, e “a partir das três décadas finais do século XX, tem havido uma intensificação desses processos, que, se [por um lado] diminuem distâncias substancialmente, [por outro] também ampliam os fosso, nos planos micro e macrossocial, reforçando exclusões em todos os níveis”. (p. 53)

O terceiro texto é de Dênis de Moraes: Gramsci e as Mutações do Visível:

comunicação e hegemonia nos tempos presente. Nele Moraes faz, sobretudo, uma

tentativa de aplicar os conceito do teórico marxista italiano Antonio Gramsci à atualidade dos meios de comunicação modernos e da sociedade em rede. O texto de Moraes dialoga muito harmoniosamente com o texto anterior de Brittos. Moraes também atenta para o quão fundamental são as campanhas, mobilizações e pressão social por mudanças na legislação das comunicações, dada a urgência de se deter a forte concentração do setor nas mãos de um reduzido número de corporações multimídias.

(3)

Esta concentração, que Moraes chama de Assimetria Comunicacional, impõe, ainda segundo o autor, limitações e obstáculos à exploração de brechas dentro das próprias corporações do setor, mas “não impedem ações inventivas no interior das empresas” (p.105). A partir das análises feitas da sociedade moderna e embebido do otimismo das teorias gramscianas, mais especificamente das ações contra-hegemônicas, Moraes conclui que “Mais do que nunca, cada ação progressista para a conquista ou retomada de posições precisa ser bem organizada, preparada e alicerçada” e de forma sutil, faz um convite a adesão a esta guerra de posições dentro (e pelas brechas) das estruturas de comunicação postas.

As práticas jornalísticas, ou mais precisamente, a transformação da autonomia do campo midiático-jornalístico são tratadas por Antônio Fausto Neto no texto

Transformações do campo jornalístico na sociedade midiatizada: as estratégias de celebração e consagração. Fausto Neto, que é professor do Programa de

Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos, fala de uma dinâmica de complexos processos que tem transformado o status do jornalismo e o seu “lugar de fala” no percurso da “sociedade dos meios” para a “sociedade midiatizada”. O autor diz que nessa sociedade em que “os indivíduos se contatam segundo esses regimes de rede e de suas operações enunciativas, os jornalistas são nomeados protagonistas de um peculiar „trabalho de contatos‟ e de produção de sentidos e que já não devem ser mantidos à distância”. Ainda mais, “as imagens dos jornalistas e aquelas do seu trabalho já não devem ficar limitadas apenas aos manuais que produzem sobre eles relatos impessoais e normativos”. (p.125)

Como não poderia faltar em um livro organizado por Dênis de Morais, as singularidades do processo de formação e de apropriação das redes na América Latina têm espaço em vários artigos, mas, especificamente, pode-se dizer que em Mutações na

superfície e mudanças estruturas: América Latina no Parnaso informacional,

escrito pelo professor Martin Becerra, da Universidade de Quilmes, Argentina, este tema é central. Além de fazer uma conceituação da Sociedade da Informação e sua transformação em sociedades informacionais, Becerra fala sobre a apropriação das TICs na região, que ele identifica como sendo a mais desigual do planeta e onde “a diferença nas distribuições de recursos (econômicos, sociais e culturais) entre os setores da população são mais extensas” (p. 129). Para além das desigualdades, a concentração dos meios - que também é apontada como uma característica das sociedades

(4)

infocomunicacionais latino-americanas - é analisada como um problema pelo Argentino, que faz referências também a necessidade de se pensar políticas de comunicação democratizantes.

Na segunda parte estão os artigos de Bernard Miège, Manuel Castells, Lorenzo Vilches e Jesus Martin-Barbero. O professor da Université Stendhal- Grenoble, na França, Bernard Miège, é quem inicia os artigos da segunda parte. Com o texto A

questão das tecnologias de comunicação: novas perspectivas, Miège problematiza, de

início, os conceitos até então dados como fato, como o da já existência da sociedade em rede ou da “era da rede”. “Se continuarmos a crer que essa conjunção das TICs e as diversas sociedades implica inovações que se desenvolvem a longo prazo – o que nos leva a discordar dos pensadores que estabelecem como postulado apriorístico a ideia de que já estamos numa „era das redes‟, ou de que as sociedades moderas merecem ser denominada antes de mais nada como „Sociedade da Informação‟ -, não podemos, evidentemente, deixar de constatar a importância das reformas e das mutações atuais, não só em toda uma série de fenômenos da vida social como, mais profundamente, nas estruturas econômicas e políticas”. (p.160) E neste artigo, ele se propõe justamente a mostrar um pouco das estruturas econômicas e políticas por trás das TIC tentando discernir, para além das “turbulências superficiais” mudanças sociais e mudanças técnicas, mutações das filiais industriais e dos novos aparelhos, inovações de ruptura e inovações de produto e conclui com mais questionamentos do que com afirmativas.

O artigo que sucede é o do professor da Universitat Obreta de Catalunya, da Espanha, Manuel Castells. Criatividade, inovação e cultura digital: um mapa de suas

interações é um texto que também foi apresentado no Colóquio “Claves del nuevo

entorno digital”, em Sevilha no ano de 2008. Econômico nas palavras, Castells fala que vivemos numa cultura caracterizada pela globalização e pela digitalização e que novos modelos de negócio estão definindo os direitos autorais de acordo com a evolução tecnológica. Isso vai também acarretar, por sua vez, em uma falta de clareza na divisão tradicional entre a cultura popular e comercial. Castells aparenta otimismo quanto às mudanças postas e as possibilidades que deverão surgir e principalmente com relação ao modelo da criatividade, que ele parece adotar quase como estratégia para vários campos. “Essa enorme onda de criatividade, junto com a inovação, é o que deve ser adotado pelos negócios, os políticos, as instituições e as políticas. É possível fazer política

(5)

usando essa nova estrutura digital. (...) Agora são os próprios indivíduos que vigiam as instituições, enquanto antes era o contrário” (p. 190).

É possível uma estética das tecnologias da comunicação? É o artigo de

Lorenzo Vilches, professor da Universitat Autònoma de Barcelona, na Espanha. Vilches se propõe a analisar os universos de representação simbólica da Web 1.0, que para ele está associada à relação entre fragmentação e totalidade, e da Web 2.0, que por sua vez, busca menos a totalidade da representação dos meios e se mostra inclinada à negociação e à colaboração dentro do que “poderia se chamado de novo espaço público”. Contudo, Vilches tenta problematizar esta questão também a partir da forma mercadoria que todas as tecnologias e a comunicação acabam por adquirir. “O sistema da rede parece contar em si mesmo a forma de sua própria desconstrução; isto é, pela via da fragmentação ela atua no mesmo modo que a forma mercadoria (...) o negócio da Internet está na fragmentação de formas e conteúdos que , no fim das contas, pode ser reduzida à forma mercadoria” (p.197). O texto prossegue analisando com profundidade as relações importantes para se entender a forma mercadoria, a estética e a sociedade em rede.

Por fim, o livro traz mais uma contribuição para se pensar o contexto das novas tecnologias na América Latina, dessa vez a partir do viés da diversidade cultural e pelas mãos do célebre Jesús Martin-Barbero. Convergência digital e diversidade cultural também foi um texto apresentado no Brasil por ocasião do Seminário Internacional sobre Diversidade Cultural em 2007. Barbero fala de um novo sentido da diversidade na interculturalidade e que a sobrevivência dessa diversidade só pode ser tratada hoje numa “nova institucionalidade cultural mundial capaz de interpelar os organismos globais” (p.212). Essa sobrevivência também está, na visão de Barbero, dependente de uma reestitucionalização cidadã do Estado, que ainda não conseguiu traduzir em políticas internacionais a dita preocupação com a cultura e a diversidade.

Barbero vê potencialidade até mesmo nas desigualdades criticadas por autores anteriores. Para ele “a revolução tecnológica das comunicações agrava a brecha das desigualdades entre os setores sociais, entre culturas e países também, mobiliza a imaginação social das coletividades potencializando suas capacidades de sobrevivência e associação, de protesto e participação democrática, de defesa dos seus direitos sociopolíticos e culturais e de ativação de sua criatividade expressiva.” (p.215). Barbero, na linha do texto de Castells acredita de forma mais “otimista” nessas novas redes culturais que estão se convertendo no novo espaço público e que “estamos diante

(6)

da possibilidade histórica, não só tecnológica como também cidadã, de renovar radicalmente a trama política da interculturalidade” (p.231).

Os nove artigos são de muito fôlego e conseguem traçar um panorama muito importante de várias abordagens sobre as mais novas formas de comunicação e as tecnologias e aportes. Com mais essa contribuição, vale dizer que, para além das suas já conhecidas contribuições teóricas para o campo da comunicação, Dênis de Moraes parece ter um papel a mais a exercer na academia, que é o de ter a exata compreensão da pertinência temática e do momento histórico de fazer dialogar diferentes visões para abordar questões de relevância sociais imensuráveis e atuais. Foi assim com o já considerado clássico Por uma outra comunicação: mídia, mundialização, cultura e

poder (Editora Record, 2003, 414 páginas) e agora mais uma vez com Mutações do Visível: da comunicação de massa à comunicação em rede.

Referências

Documentos relacionados

Nessa situação temos claramente a relação de tecnovívio apresentado por Dubatti (2012) operando, visto que nessa experiência ambos os atores tra- çam um diálogo que não se dá

No código abaixo, foi atribuída a string “power” à variável do tipo string my_probe, que será usada como sonda para busca na string atribuída à variável my_string.. O

Sua obra mostrou, ainda, que civilização e exploração do trabalho andam juntas e que o avanço histórico do oeste brasileiro se fez com a carne e o sangue dos

patula inibe a multiplicação do DENV-3 nas células, (Figura 4), além disso, nas análises microscópicas não foi observado efeito citotóxico do extrato sobre as

O presente artigo pretende discutir o exercício do controle de constitucionalidade de leis e atos normativos por de entidades e órgãos não

A pesquisa pode ser caracterizada como exploratória e experimental em uma primeira etapa (estudo piloto), na qual foram geradas hipóteses e um conjunto de observáveis, variáveis

O gráfico nº11 relativo às agências e à escola representa qual a percentagem que as agências tiveram no envio de alunos para a escola Camino Barcelona e ainda, qual a percentagem de

xii) número de alunos matriculados classificados de acordo com a renda per capita familiar. b) encaminhem à Setec/MEC, até o dia 31 de janeiro de cada exercício, para a alimentação de