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Os direitos políticos e os militares na Constituição de 1988

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Os direitos políticos e os militares na

Constituição de 1988

Eneida Desiree Salgado Resumo

O presente artigo trata das configurações constitucionais dos direitos políticos dos militares, a extensão dada a sua participação nas decisões políticas de acordo com o desenho constitucional conferido aos direitos políticos em nossas diversas expe-riências constituintes, em particular, os direitos de votar, de ser votado e de filiar-se a partido político. O trabalho provoca a reflexão sobre a eventual institucionalização de participação dos militares na política pela via partidária. Para fins ilustrativos são realizadas referências a constituições estrangeiras vigentes.

Palavras-chave: direitos políticos; militar; partido político; Constituição; direito com-parado.

Abstract

This article treats constitutional rights of political configurations of the military, given the extent of their participation in political decisions in accordance with the consti-tutional design conferred political rights in our various constituent experiences, in particular, the rights to vote and be voted for to join a political party. The work causes reflection on the possible institutionalization of military participation in politics by way the partisan route. For illustrative purposes will be cited foreign constitutions. Keywords: political rights; military; political party; Constitution; comparative law.

Artigo recebido em 6 de julho de 2013; aceito para publicação em 9 de outubro de 2013.

Introdução

Os direitos políticos são direitos fundamentais, que marcam uma concepção de Estado fundada no princípio da autodeterminação e do consentimento para o exercício do poder político. A partir da

Sobre a autora

Eneida Desiree Salgado (desisalg@yahahoo.com.br) é Doutora em Direito do Estado pela Uni-versidade Federal do Paraná (UFPR) é professora de Direito Público da UniUni-versidade Federal do Paraná (UFPR).

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modernidade, e principalmente com base do pensamento contra-tualista, os homens passam a ser considerados iguais (não obstante a luta pelo significado e pela extensão da igualdade) inclusive na esfera política, o que enfraquece os princípios da legitimidade do poder que não derivam da vontade do povo – como o princípio teocrático, o princípio da história passada ou da história futura, e os princípios relacionados à natureza das coisas, como classifica Norberto Bobbio.1

Assim, a noção de consentimento para o exercício do poder po-lítico e para a elaboração das regras às quais todos se submeterão (parte da ficção que envolve a ideia de democracia e de legitimidade) vai implicar na construção de um conjunto de direitos de cunho individual para a efetivação desta concordância. A amplitude destes direitos acompanha o conceito de democracia compartilhado. Uma democracia mais ambiciosa, que exija, por exemplo, uma configu-ração deliberativa, vai exigir direitos políticos para além do direito de votar e de ser votado; traz consigo a imposição de um desenho institucional que inclua canais de participação e de decisão.

O desenho constitucional brasileiro parte de uma concepção audaciosa de democracia. Resulta de um momento constituinte im-portante, que parte de uma ruptura (ainda que não total) com estru-turas autoritárias e propõe um novo modelo, com novas premissas. A riqueza do processo constituinte, que permitiu uma construção coletiva do texto, com amplo debate em muitos fóruns, elaboração de cartilhas, envio de formulários com sugestões, elaboração de pro-jetos de Constituição por juristas, não se revela totalmente no texto. Nas disputas ideológicas que se travaram no seio da Assembleia Nacional Constituinte algumas possibilidades se perderam. Ainda assim, as potencialidades democráticas da Constituição brasileira são generosas.2

Há algumas críticas em relação ao tratamento constitucional conferido às Forças Armadas, afirmando que não há ruptura em seu regime jurídico nem alteração das prerrogativas de seus membros quando da instauração do Estado democrático pela Constituição de 1988. Deve ser ressaltado, no entanto, o contexto político que

1. BOBBIO, 2001, p. 89-91.

2. A construção do texto constitucional brasileiro foi objeto da minha dissertação de mestrado: SALGADO, 2007.

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antecedeu a convocação da Assembleia Nacional Constituinte e a política de distensão,3 de abertura controlada levada a cabo pelo

regime militar. A extensão da anistia dada pela Lei nº 6.638/79 simboliza esse estado de coisas.

Contudo, esta abordagem está aquém da posição das Forças Ar-madas na contextualização política da construção da nova ordem constitucional. O que se deseja fazer é algo muito menos ambicioso. Pretende-se tratar dos direitos políticos dos militares, de sua posi-ção como cidadão em face da comunidade política, a partir de uma visão dogmática.

Este recorte implica no abandono de outras possibilidades, mui-to mais audaciosas. Uma visão mais aberta dos direimui-tos políticos, incorporando manifestações para além dos direitos de escolher re-presentantes e de se apresentar como alternativa ao corpo eleitoral, poderia incluir a posição dos membros das Forças Armadas em relação ao direito de protesto.

Uma compreensão do direito ao protesto em face da concepção democrática do Estado e da sociedade mostra-se indispensável para uma leitura adequada do momento presente. A posição das forças de segurança, utilizadas para reprimir este “primeiro direito” 4 em

nome da preservação da ordem ou da segurança, é paradoxal: aos agentes do Estado se nega o exercício do protesto, em uma aparente redução do seu plexo de direitos fundamentais. Ainda assim, são eles que devem atuar no controle das manifestações. Não são sujeitos do direito, mas são instrumentos do Estado para a repressão de seu exercício.

O tema aqui tratado é mais restrito: verificar a extensão dada à participação dos militares nas decisões políticas de acordo com o desenho constitucional conferido aos direitos políticos, em nossas diversas experiências constituintes. Apenas para fins ilustrativos, também serão feitas referências a Constituições estrangeiras vigentes.

Ressalte-se que não se tratará de todas as manifestações dos direi-tos políticos, a partir de uma visão ampla evidenciada por Clèmerson

3. KUCINSKI, 1982 4. GARGARELLA, 2007.

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Merlin Clève5 e Teori Zavascki.6 Não se tratará da atuação política

dos militares pela participação em conselhos, pelo uso do direito de petição ou da ação popular, ou pela aposição de assinatura em projeto de lei de iniciativa popular. Nem da vedação à sindicalização e à greve, sequer aos crimes de opinião que subsistem no Código Penal Militar. Serão analisados apenas os direitos de votar, de ser votado e de filiar-se a partido político.

1. Os militares e o corpo eleitoral

A Constituição brasileira de 1824 dispõe que “a Força Militar é essencialmente obediente; jamais se poderá reunir, sem que lhe seja ordenado pela Autoridade legítima” (art. 147). O texto não excluía os militares do corpo eleitoral. Além disso, entre as ressalvas à negação do direito ao voto dos menores de 25 anos, incluía os oficiais militares maiores de 21 anos (art. 92, I). Não há dispositivo constitucional proibindo a apresentação de militares como candida-tos. A vedação veio apenas com a Lei Saraiva, em 1881, que inclui entre os inelegíveis “os comandantes de armas; os generais em chefe de terra e mar; os chefes de estações navais; os capitães de porto; os inspetores ou diretores de arsenais; os inspetores de corpos do exército; os comandantes de corpos militares e de polícia”. Não há regulamentação normativa sobre os partidos políticos.

A primeira Constituição republicana estabelece que “as forças de terra e mar são instituições nacionais permanentes, destinadas à defesa da Pátria no exterior e à manutenção das leis no interior. A força armada é essencialmente obediente, dentro dos limites da lei,

5. O autor aponta as seguintes “formas de participação do cidadão na administração da coisa pública”: o cidadão eleitor, o cidadão agente do poder, o cidadão colaborador (por meio da gestão privada de interesses públicos, por concessão, permissão e autorização), o cidadão seduzido (por meio da prática de atividades privadas de interesse coletivo), o cidadão censor (direito de petição na esfera administrativa e ação popular na via judicial) e o cidadão propriamente participante (por referendo, plebiscito ou iniciativa popular de leis, e na administração pública, onde a participação é de fato – através de grupos de pressão e movimentos sociais – ou regulada pela Constituição). CLÈVE, 1993, p. 16-17.

6. Que afirma que os direitos políticos abrangem “conjunto dos direitos atribuídos ao cidadão, que lhe permite, através do voto, do exercício de cargos públicos ou da utilização de outros instrumentos constitucionais e legais, ter efetiva participação e influência nas atividades de governo” (ZAVASCKI, 1995).

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aos seus superiores hierárquicos e obrigada a sustentar as instituições constitucionais” (art. 14). São excluídos do alistamento as praças-de-pré, com ressalva expressa aos alunos das escolas militares de ensino superior (art. 70, §1º, 3º).

Pelo Código Eleitoral de 1932 (Decreto nº 21.076), adotado pelo Governo Provisório, os militares são alistados ex-officio (art. 37, a). Não são encontradas regras em relação à inelegibilidade dos membros das Forças Armadas.

A Constituição de 1934 prevê que não podem alistar-se como eleitores “as praças-de-pré, salvo os sargentos, do Exército e da Ar-mada e das forças auxiliares do Exército, bem como os alunos das escolas militares de ensino superior e os aspirantes a oficial” (art. 108, parágrafo único, b). Os “Chefes e Subchefes do Estado Maior do Exército e da Armada” e os “Comandantes de forças do Exérci-to, da Armada ou das Polícias” são inelegíveis (art. 112, 1 b e 2 b). A Constituição nominal de 1937, outorgada no Estado Novo, exclui os militares em serviço ativo do corpo eleitoral (art. 117, parágrafo único, b), mas reconhece expressamente a elegibilidade dos oficiais em serviço ativo das forças armadas (art. 121). Como houve a suspensão das eleições durante todo o Estado Novo, tal dispositivo não teve aplicação concreta.

Segundo a Constituição de 1946, as Forças Armadas, “organiza-das com base na hierarquia e na disciplina sob a autoridade suprema do Presidente da República e dentro dos limites da lei”, destinam-se “a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem” (arts. 176 e 177). O parágrafo único do artigo 132 esta-belece que “não podem alistar-se eleitores as praças-de-pré, salvo os aspirantes-a-oficial, os suboficiais, os subtenentes, os sargentos e os alunos das escolas militares de ensino superior”. Os militares, no entanto, podem concorrer a cargo eletivo, como se deduz da menção a deputados e senadores militares (art. 46), a agregação do militar que aceitar cargo público temporário, eletivo ou não (art. 182 §4º) e os prazos de incompatibilidade dos Chefes de Estado-maior e dos Comandantes das Regiões Militares (art. 139).

É sob a Constituição de 1946 que se instala o governo mi-litar e retira qualquer possibilidade de discussão efetivamente democrática. O Código Eleitoral, Lei nº 4.737/1965, que segue a ruptura institucional, trata do militar candidato e do militar eleito (art. 98).

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A Constituição de 1967 não destoa muito das disposições nor-mativas da Constituição de 1946, embora se refira expressamente à elegibilidade do militar (art. 145).

A Constituição de 1969 inclui na definição das Forças Armadas sua essencialidade para a “execução da política de segurança nacional” (art. 91), não mais faz referência à ocupação de cargo eletivo por mili-tar, dispõe sobre a elegibilidade do militar alistável e afasta a exigência de filiação partidária para a disputa eleitoral por militar (art. 150).

O Decreto nº 57.654/66, que regulamenta a Lei do Serviço Mili-tar, trata das “praças alistáveis eleitoralmente”, da licença durante a eleição e da transferência para a reserva quando da diplomação (arts. 152 e 153). A Lei do Serviço Militar trata do assunto ao se referir aos casos de agregação para a disputa eleitoral (art. 82, XIV) e da transferência ex officio para a reserva remunerada em caso de diplomação em cargo eletivo por militar que conte com mais de 5 anos de serviço (arts. 52, b e 98, XVI) e de exclusão, caso o militar conte com menos de 5 anos de serviço (art. 52, a).

O Estatuto dos Militares, Lei nº 6.880/80, repete as disposições sobre a alistabilidade e a elegibilidade dos militares (art. 52). Em relação a atividades político-partidárias, proíbe o uso de uniforme em manifestação (art. 77 §1º, a) e o uso das designações hierárquicas, mesmo na inatividade (art. 28, XVIII, a). O Estatuto, ainda em vigor, não diverge nestes pontos das duas normativas anteriores (Decre-to-Lei nº 1.029/69 e Lei nº 5.774/71). O Decre(Decre-to-Lei nº 9.698/46 remetia o alistamento e o voto dos militares à lei específica, “de modo que não sejam prejudicadas a segurança do País, a disciplina e a hierarquia militares” (art. 116).

2. A regulamentação em outros países

Outros países são mais restritos à participação dos militares na política. No Equador, os militares foram proibidos de votar nas Constituições de 1967, 1978 e 1998, mas recuperam o direito de voto, ainda que facultativo, na Constituição de 2008 (art. 62, 2). Na Constituição de 1967 a proibição era justificada expressamente: os militares não podiam votar “por serem garantidores da pureza do sufrágio” (art. 73, 2). Sob a Constituição equatoriana de 1945, os militares podiam votar, embora não pudessem participar em ativi-dades partidárias, campanhas ou manifestações eleitorais (art. 145,

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15). A Constituição vigente veda a candidatura de membros das Forças Armadas e da Polícia Nacional em serviço ativo (art. 113, 8). Interessante a definição de forças armadas: “As Forças Armadas e a Polícia Nacional são instituições de proteção dos direitos, liber-dades e garantias dos cidadãos” (art. 158) e “serão obedientes e não deliberantes, e cumprirão sua missão com estrita sujeição ao poder civil e à Constituição” (art. 159).

A Constituição colombiana de 1991 trata da Força Pública, composta pelas Forças Militares e pela Polícia Nacional (art. 216). E expressamente dispõe: “A Força Pública não é deliberante; não poderá se reunir senão por ordem de autoridade legítima, nem dirigir petições, exceto sobre assuntos que se relacionem com o serviço e a moralidade do respectivo corpo e com relação à lei. Os membros da Força Pública não poderão exercer a função do sufrágio enquanto permaneçam em serviço ativo, nem participar de atividades ou de-bates de partidos ou movimentos políticos” (art. 219).

Segundo o texto original do artigo 34 da Constituição do Peru de 1993, os membros das Forças Armadas e da Polícia Nacional em atividade não podiam eleger nem apresentarem-se como candidatos. Após reforma em março de 2005, o artigo passou a ter a seguinte redação: “Os membros das Forças Armadas e da Polícia Nacional tem direito ao voto e à participação cidadã, regulados por lei. Não podem candidatar-se a cargos de eleição popular, participar em atividades par-tidárias ou manifestações, nem realizar atos de proselitismo, enquanto não passarem para a inatividade, de acordo com a lei”.  Para poderem disputar um cargo no Congresso, precisam afastar-se da atividade seis meses antes da eleição (art. 91, 4). Para os constituintes peruanos, “as Forças Armadas e a Polícia Nacional não são deliberantes. Estão subordinadas ao poder constitucional” (art. 169).

A Constituição da Bolívia, referendada em 2009, dispõe em seu artigo 245 que “a organização das Forças Armadas descansa em sua hierarquia e disciplina. É essencialmente obediente, não delibera e está sujeita às leis e aos regulamentos militares. Como organismo institucional não realiza ação política; individualmente, seus mem-bros titularizam e exercem os direitos de cidadania nas condições estabelecidas por lei”. A Polícia Boliviana é tratada de maneira análoga (art. 251). Para que possam concorrer a cargo eletivo, os membros das Forças Armadas e da Polícia devem renunciar três meses antes das eleições (art. 238, 4).

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Na Constituição uruguaia vigente, “os magistrados, os membros do Tribunal do Contencioso Administrativo e do Tribunal de Contas, os Diretores dos Entes Autônomos e dos Serviços Descentraliza-dos, os militares em atividade, de qualquer grau, e os funcionários policiais de qualquer categoria, deverão se abster, sob pena de destituição e inabilitação de dois a dez anos para ocupar qualquer emprego público, de formar parte de comissões ou clubes políticos, de subscrever manifestos de partido, autorizar o uso de seu nome e, em geral, executar qualquer outro ato público ou privado de caráter político, salvo o voto” (art. 77, 4º). 

Na Argentina, a Ley para el Personal Militar (Ley 19.101) estabelece como deveres essenciais aos membros da ativa “a não aceitação nem o desempenho de funções públicas eletivas e a não participação direta ou indireta em atividades dos partidos políti-cos” (art. 7, 6).

3. O regime jurídico dos militares na Constituição de 1988

A Constituição de 1988 dispõe que as Forças Armadas “são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem” (art. 142).

O ordenamento constitucional também traz um regime jurídico dos militares. Inicialmente, em seu texto original, tratava dos mili-tares juntamente com os servidores públicos civis, na seção III do capítulo sobre a Administração Pública. Com a Emenda Constitucio-nal nº 18/98, restaram neste capítulo apenas os militares estaduais (policiais militares e bombeiros militares) e o estatuto dos membros das Forças Armadas passou a constar do título da defesa do Estado e das instituições democráticas.

Desta maneira, os militares deixam de ser considerados espécie do gênero servidor público, mas seguem sendo classificados entre os agentes públicos no Estado brasileiro. Das previsões relativas aos servidores, lhes restou apenas a irredutibilidade dos vencimentos (art. 39, XV), ao lado da necessária observância do teto remuneratório, da vedação da vinculação e a não acumulabilidade dos acréscimos (art. 39, XI, XIII e XIV).

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Aos militares é vedada a sindicalização e a filiação a partido político, em clara restrição ao direito fundamental de associação. Também é proibida, em âmbito constitucional, a greve aos militares. Trata-se, segundo Jorge Luiz Nogueira Abreu, de “vedação absoluta que, em hipótese alguma, pode ser mitigada”, em face da missão constitucional das Forças Armadas.7 O autor ainda se refere à

res-trição do direito à livre manifestação do pensamento, por força dos princípios da hierarquia e disciplina.8

Em relação aos direitos políticos compreendidos estritamente, a Constituição brasileira de 1988 veda o alistamento dos conscritos. Rogério Born apresenta como motivo para tal restrição “a necessária prontidão nos quartéis no dia da eleição e a possível influência dos comandantes na vontade dos eleitores-conscritos”.9 Para Maurice

Duverger, isso representa uma negação da cidadania completa a uma parcela da população e que, em face da obrigatoriedade do serviço militar, esse “sistema tem como consequência atrasar a maioridade eleitoral e adquire, de facto, um significado conservador”.10

Os conscritos não podem se alistar como eleitores; se alistados anteriormente, não podem votar, segundo a jurisprudência brasi-leira.11 A doutrina aponta a inconsistência de tal leitura, em face da

ausência de previsão expressa de suspensão dos direitos políticos dos conscritos no artigo 15 da Constituição.12 Sendo inalistáveis

também são inelegíveis, por conta de dispositivo expresso.

Os demais militares, no entanto, são elegíveis (art. 14, §8º), embora aqueles que estão na ativa não possam preencher uma das condições de elegibilidade constitucionalmente exigíveis: a filiação partidária (art. 14, §3º, V). Tal comando colide com a previsão da vedação de filiação partidária ao militar na ativa (art. 142, §3º, V). E, em nome do princípio da unidade da Constituição, deve-se fazer uma interpretação que encontre abrigo em ambos os dispositivos constitucionais.

7. ABREU, 2010, p. 55. 8. ABREU, 2010, p. 257. 9. BORN, 2010, p. 30.

10. DUVERGER, 1985 [1980], p. 88.

11. Tribunal Superior Eleitoral. Consulta nº 9.881. Resolução nº 15.072/1989. Resolução nº 21.538/2004.

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A Constituição de 1988 estabelece que “O militar alistável é elegível, atendidas as seguintes condições:

I - se contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade;

II - se contar mais de dez anos de serviço, será agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade” (art. 14, §8º).

A partir da compreensão do Supremo Tribunal Federal exposta em 1990,13 compreende-se que o militar da ativa pode concorrer à

indica-ção pelo partido em convenindica-ção, ainda que não filiado. A ausência de filiação partidária não permite a candidatura avulsa, pois o candidato militar da ativa deve ter seu registro realizado por partido político.

Assim respondeu o Tribunal Superior Eleitoral a Consulta nº 1014 em 2004: “A filiação partidária contida no art. 14, § 3º, V, Constituição Federal não é exigível ao militar da ativa que pretenda concorrer a cargo eletivo, bastando o pedido de registro de candi-datura após prévia escolha em convenção partidária (Res.-TSE nº 21.608/2004, art. 14, § 1º).”14

Assim, o militar da ativa terá que colocar o seu nome à disposi-ção dos militantes do partido e angariar sua simpatia para que seja escolhido, o que indica a necessidade de uma atuação político-par-tidária, ainda que reduzida.

Dos militares inativos se exige a filiação partidária no prazo ordiná-rio exigido pela Lei das Eleições, de um ano antes do pleito (art. 9º). E, por força de ausência de ressalva constitucional expressa, o domicílio eleitoral um ano antes do pleito é exigido dos militares ativos e inativos. Outra questão relevante é saber se o afastamento previsto para o militar na ativa com menos de dez anos de carreira é definitivo ou provisório. Em decisão de 2011, sobre policial da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, o Supremo Tribunal Federal decidiu que “diver-samente do que sucede ao militar com mais de dez anos de serviço, deve afastar-se definitivamente da atividade, o servidor militar que,

13. Supremo Tribunal Federal. AI 135452 / DF. Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO. Julgamento: 20/09/1990. DJ 14-06-1991 PP-08085 EMENT VOL-01624-02 PP-00292.

14. Tribunal Superior Eleitoral. CONSULTA nº 1014. Resolução nº 21787 de 01/06/2004. Relator(a) Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS. Diário de Justiça, Volume 1, Data 05/07/2004, Página 01.

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contando menos de dez anos de serviço, pretenda candidatar-se a cargo eletivo”, não sendo possível sua reintegração.15

O relator originário do caso, Min. Maurício Corrêa, defendeu que o afastamento não deveria ser considerado definitivo, pois a Constituição de 1988 não se referiu à exclusão, como o fez a Cons-tituição de 1969. Além disso, afirmou que “a exegese que impõe ao militar a perda do cargo público apenas por aspirar a uma função eletiva fere o princípio da proporcionalidade”.

Em debate aberto sobre o significado do afastamento, que se iniciou em agosto de 2001 na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, o Min. Gilmar Mendes aduziu que “a razão do dispositivo é evitar que o militar mais jovem volte às Forças Armadas depois te ter participado de uma eleição”, argumento acompanhado pelo Min. Carlos Velloso, que asseverou que “o constituinte quis evitar a poli-tização, em termos de política partidária, das Forças Armadas”. Em sentido contrário, manifestam-se o Min. Carlos Britto – que responde diretamente ao Min. Carlos Velloso com um singelo “Não quis” – e o Min. Marco Aurélio. O julgamento foi suspenso por pedido de vista do Min. Carlos Velloso e em maio de 2002 o julgamento foi afetado ao Plenário do STF. Novamente em discussão em abril de 2004, o Min. Cezar Peluso pediu vista.

Utilizando-se das discussões travadas durante o processo consti-tuinte, o Min. Cezar Peluso argumentou no sentido de que a inten-ção da norma era que o militar com menos de 10 anos se afastasse espontaneamente da atividade para concorrer ao cargo. Fez refe-rência, ainda, à proposta de emenda à Constituição nº 7/2005, que pretendia revogar os incisos I e II do parágrafo 8º “exatamente para permitir o retorno do militar às suas atividades após o cumprimento do mandato eletivo. E não prosperou”.

Se contar com mais de dez anos de serviço, no entanto, o militar da ativa candidato é agregado durante o período da campanha eleitoral. Durante este período, o militar faz jus à remuneração, segundo a interpretação dada ao dispositivo pela jurisprudência.16

15. Supremo Tribunal Federal. RE 279469. Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA Relator(a) p/ Acórdão: Min. CEZAR PELUSO. Julgamento: 16/03/2011. DJe-117 DIVULG 17-06-2011 PUBLIC 20-06-2011. EMENT VOL-02547-01 PP-00045. RTJ VOL-00218- PP-00443.

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Caso não seja eleito, será revertido ao serviço ativo logo após a proclamação dos resultados. Se eleito, passa à reserva remunerada no ato da diplomação.

A diferença brutal de tratamento para aquele com menos de 10 anos de serviço e o que supera essa marca é explicada pelo Min. Cezar Peluso no caso já referido: “E não é difícil atinar com racionalidade dessa exuberante distinção. Com efeito, após um decênio de serviço ativo, o servidor militar, além de adquirir direitos, prerrogativas e benefícios ligados ao tempo de serviço, dentre os quais o poder de se afastar, temporariamente, para concorrer a cargo eletivo, revela

ipso facto considerável vivência, experiência, compromisso e

con-fiabilidade institucionais que autorizam e legitimam aplicar-lhe os institutos da agregação e da reversão, a qual consiste na possibilidade de regresso às fileiras da Força a que pertence, caso não seja eleito”.17

Tal explicação parece ser satisfatória em caso do militar restar eleito. Mais difícil é compreender a não reincorporação do militar com menos de 10 anos de serviço que foi derrotado na eleição.

Essas são as configurações constitucionais dos direitos políticos dos militares. Resta saber como se dá o seu exercício.

4. Os militares nas eleições e o Partido Militar Brasileiro

A apresentação de candidaturas pelos membros das Forças Ar-madas nas últimas eleições foi pequena. Em 2010, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral, apenas 2 dos 169 candidatos a go-vernador se declararam militares, e todos reformados. Dos 272 que concorreram ao Senado, 2 eram membros das Forças Armadas e 1 militar reformado. Para Deputado Federal, 118 policiais militares, 21 bombeiros militares, 24 membros das Forças Armadas e 56 mi-litares reformados figuraram entre os 6.015 candidatos. Na disputa por uma vaga nas Assembleias Legislativas, 14.382 candidatos con-correram, entre eles 307 policiais militares, 37 bombeiros militares, 27 membros das Forças Armadas e 106 militares reformados. Para deputado distrital 38 policiais militares, 10 bombeiros militares, 6

17. Supremo Tribunal Federal. RE 279469. Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA Relator(a) p/ Acórdão: Min. CEZAR PELUSO. Julgamento: 16/03/2011. DJe-117 DIVULG 17-06-2011 PUBLIC 20-06-2011. EMENT VOL-02547-01 PP-00045. RTJ VOL-00218- PP-00443.

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membros das Forças Armadas e 7 militares reformados estavam entre os 884 candidatos.

Nas eleições municipais de 2012, dos 15.087 candidatos a pre-feito, 64 policiais militares (6 foram eleitos), 5 bombeiros militares, 6 membros das Forças Armadas (1 deles foi eleito) e 24 militares reformados (5 resultaram eleitos). Para o cargo de vereador, dispu-taram entre os 419.467 candidatos, 3.219 policiais militares (345 eleitos), 303 bombeiros militares (16 eleitos), 170 membros das Forças Armadas (16 eleitos) e 1.159 militares reformados (dos quais 130 foram eleitos).

Surge atualmente no cenário partidário brasileiro, a proposta de criação do Partido Militar Brasileiro, “reserva moral do Brasil” e “100% democrático”, segundo seu slogan em página da internet.18

Pelo seu programa, o partido defende que “a retomada da ética e de valores como patriotismo, civismo, honra e honestidade, dentre outros cultuados pelas Instituições Militares e por milhares de bra-sileiros e brasileiras, é imprescindível para que o Brasil arquitetado pela Constituição Federal de 1988 se torne realidade e, assim, todos tenham respeitados os seus direitos fundamentais”. E ainda: “Mais do que o exercício de um direito político, a criação do Partido Militar Brasileiro impõe-se assim como um dever-cidadão para a defesa do Estado Democrático de Direito e todos os seus corolários. É preciso que os familiares, amigos e simpatizantes dos valores militares se unam e façam ecoar os seus ideais de ética, honestidade e justiça pela política nacional, colaborando assim para que o Brasil seja o país que os brasileiros e brasileiras sonham”.

Ainda que não tenha obtido o número de assinaturas necessárias para o seu registro junto ao Tribunal Superior Eleitoral, notícias dão conta de uma “ofensiva” para 2014, com o apoio a candidatos do PRTB e com o convite ao Ministro Joaquim Barbosa para configurar como candidato à Presidência da República.19 As principais propostas, segundo

18. http://www.pmbnacional.org.br 19. http://noticias.r7.com/eleicoes-2014/partido-militar-prepara-ofensiva-para-eleicoes-2014-28102013 http://www.cartacapital.com.br/politica/partido-dos-militares-quer-lancar-joaquim -barbosa-a-presidencia-8995.html http://noticias.terra.com.br/brasil/politica/possivel-32-legenda-do-pais-partido-militar-sonha-com-joaquim-barbosa,4cbf2c0eccafe310VgnVCM3000009acceb 0aRCRD.html

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a página do Partido, consistem na defesa da privatização dos presídios, da redução da maioridade penal, do porte de arma para o cidadão, da proteção ao agronegócio e da prisão perpétua para crimes hediondos.

Conclusão

Não se pode afirmar que um partido político que ostente o ad-jetivo militar represente, efetivamente, o pensamento militar. No entanto, seu real funcionamento trará uma oportunidade interes-sante para verificar o alcance das restrições à participação política dos militares no Estado Brasileiro. E também para verificar como se dará a análise de seu estatuto e de seu programa pelo Tribunal Su-perior Eleitoral, pois algumas de suas propostas ferem frontalmente a Constituição de 1988 e suas cláusulas pétreas.

A institucionalização da participação militar na política pela via partidária deve colocar à prova a extensão da democracia brasileira.

Referências

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Outras fontes

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