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DISCURSO DESENVOLVIMENTISTA E CONHECIMENTO LOCAL: Considerações sobre o Centro de lançamento de Alcântara

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Academic year: 2021

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São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 DISCURSO DESENVOLVIMENTISTA E CONHECIMENTO LOCAL:

Considerações sobre o Centro de lançamento de Alcântara

Ana Caroline Pires Miranda*

RESUMO

Neste artigo procuramos analisar o discurso desenvolvimentista – tendo como foco o caso da implantação do Centro de Lançamento de Alcântara – no município de Alcântara, Maranhão, correlacionando as contradições entre esse discurso e o modo de vida do campesinato alcantarense. Pretendemos enfatizar o conhecimento local dos grupos camponeses, construídos por séculos de práticas sociais, culturais e econômicas, como forma de resistência ao modelo homogeinizante e universalizante decorrente da visão desenvolvimentista, no caso em estudo, intensificada com a implantação e funcionamento de uma base de artefatos espaciais em Alcântara.

Palavras-chave: Base Espacial. Camponês. Conhecimento Local. Desenvolvimento.

ABSTRACT

This article searches analyze the development discourse – focusing the implantation of CLA – in the municipal district of Alcântara - Maranhão, correlating the contradictions between the development discourse and the peasant way of life in Alcântara. Intending give emphasis to the centrism knowledge of culture, economy and social practice as a form of resistance to a homogeneous and universality model from developmentalist, in this case of study, had been intensified with introduction and operation of a spatial base and his artifacts in Alcântara.

Keywords: Spatial Base. Peasant. Place Knowledge. Development.

1 INTRODUÇÃO

Localizada a 22 quilômetros de São Luís, capital do estado do Maranhão, a cidade de Alcântara – tombada pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade devido a sua história sócio-cultural e a sua arquitetura, que datam do período colonial – tem sofrido, em decorrência da ação e também da omissão de órgãos oficiais, profundas modificações, que atingem negativamente os variados segmentos sociais pertencentes ao município.

No passado, por volta da segunda metade do século XIX, Alcântara se destacou no cenário nacional devido à produção agrícola, uma vez que a utilização da mão-de-obra escrava possibilitou que as elites nacional e local fizessem fortuna exportando alimentos e matéria-prima da região. Atualmente, com cerca de 22 mil habitantes, Alcântara volta a ocupar um papel de destaque no cenário nacional e internacional, dessa vez, pela

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implantação e execução de um projeto audacioso: a construção de uma base de lançamento de artefatos espaciais.

Em 1980, por meio de um decreto presidencial, foram desapropriados 52 mil hectares de terra, o equivalente a 45% do território do município, para a instalação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA). A administração dessa área, que, em 1991, aumentou para 62 mil hectares (mais da metade da área total de Alcântara), torna-se de competência do Ministério da Aeronáutica, que passa a ter controle sobre todos os recursos naturais e mesmo sobre a população que ali residia.

Durante os anos de 1986 e 1987, os primeiros deslocamentos foram realizados sob a supervisão do Ministério da Aeronáutica (MAer) e, dessa forma, famílias camponesas que viviam nos antigos povoados – próximos ao litoral e demais recursos como rios, igarapés, plantas e árvores utilizadas para o consumo humano e animal – foram obrigadas a deixar seus locais de moradia para serem deslocadas para o interior do município, em áreas inférteis e afastadas do oceano.

Cerca de 2.000 famílias foram afetadas por estes deslocamentos compulsórios e dessas, aproximadamente 400 acabaram sendo deslocadas para as chamadas agrovilas, núcleos urbanos construídos pela Aeronáutica. Tal acontecimento tem gerado em Alcântara uma grande desestruturação social, cultural, econômica e ambiental, uma vez que o modo de vida desses segmentos foram obstruídos e inviabilizados devido a ação de expropriação.

Decorridos mais de 20 anos de investimentos financeiros e especulações em torno do CLA e do futuro das famílias deslocadas, assim como dos demais moradores de Alcântara, o projeto contabiliza vários fracassos, quer na área tecnológica (com lançamento de foguetes mal sucedidos) quer na área social, uma vez que ao invés da prometida melhoria de vida da população local, há um agravamento dos problemas, como a falta de acesso à educação, à saúde ou mesmo à alimentação.

Atualmente observa-se que as famílias, especialmente as deslocadas, encontram dificuldades no que concerne ao transporte de pessoas (uma vez que os sistemas de portos que interligavam os vários povoados e mesmo cidades costeiras foram obstruídos com a ocupação do litoral pela Base), à comercialização da produção camponesa e à própria obtenção de alimentos, afetando a reprodução física e social desses grupos.

2 DISCURSO DESENVOLVIMENTISTA E CONHECIMENTO LOCAL

A idéia sobre a qual se baseou a construção do CLA, no período militar, e que ainda permeia os discursos dos defensores da manutenção de uma base espacial em

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São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005

Alcântara é o que os mesmos entendem por modernização e desenvolvimento. Em diferentes documentos registra-se o desejo de possibilitar que técnicos brasileiros consigam dominar a tecnologia espacial para, dessa forma, se fazer notar entre as grandes potencias mundiais e poder competir, no mercado aeroespacial, em condições de igualdade com os países desenvolvidos.

Fenômenos de ordem internacional, tidos como produtos da globalização dos mercados, justificam toda uma série de ações políticas – internacionais e nacionais – que visam, prioritariamente, a garantia de mercados e o crescimento econômico, conforme podemos observar na entrevista do ministro da Ciência e Tecnologia, Ronald Sardemberg, cedida à Revista Veja em, 12/10/2003 citado por Saule Júnior (2003)

Alcântara é estratégica devido a sua localização geográfica, a apenas dois graus de latitude sul da linha do equador [...] Assim, empresas que pretendem colocar grandes satélites em órbita, como os de telecomunicações e metereologia, podem significativamente reduzir os custos usando a base de Alcântara. Temos o Centro de Lançamento mais competitivo do mundo. Não podemos ficar de fora de um mercado que pode chegar a trinta e três bilhões de dólares nos próximos anos. Se não entendermos isso, meu Deus, perderemos uma grande oportunidade.

A questão ambiental e também a social, neste contexto, são relegadas a segundo plano, e em muitos momentos até omitidas do rol das preocupações políticas, uma vez que ambas são vistas como entraves ao desenvolvimento. Como discorre Esteva (2000), essa visão desenvolvimentista obscurece a visualização de outras formas de sobrevivência, não baseadas em padrões mundiais e homogeineizantes preconizadas por categorias etnocêntricas.

O desenvolvimento é, assim, assumido como imposição econômica, que deve ser feita a todos indistintamente, o que acaba usurpando as possibilidades de definição de diferentes formas de vida, desconsiderando que existem sociedades – como o caso dos camponeses de Alcântara – em que a economia, concebida nos pressupostos capitalistas e ocidentais, não é central nos seus modos de viver.

Estudos antropológicos (ALMEIDA, 1983; SOUZA FILHO, 2002), demonstram que toda a área correspondente ao município de Alcântara pode ser denominada “territórios de exclusividade étnica”, justamente em virtude da presença de remanescentes de escravos e indígenas na região.

Estes grupos se fixaram na terra há mais de dois séculos, elaborando e reelaborando formas especiais de relacionamento com os recursos naturais, em que a desagregação das grandes unidades monocultoras gerou distintas formas de organização social e produtiva – originando as terras de preto, terras de santo, terras de santíssima,

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terras da pobreza – mas que guardam entre si uma certa continuidade de práticas e

representações.

Percebe-se, em Alcântara, que tais arranjos sociais deram origem a complexas redes de relações entre os povoados que compõem o município, que se estabelecem por meio de relações de casamento, compadrio, parentesco, trocas comerciais e outras estabelecidas entre os diferentes grupos sociais em questão.

Dessa forma, ao nos referirmos a Alcântara, não podemos perder de vista que os diferentes povoados e as suas práticas sociais fazem parte de um patrimônio comum, edificado e compartilhado ao longo do tempo. Tais práticas, assentadas sobre a utilização comunal dos recursos naturais, garantiram, ao longo dos séculos, a permanência desses grupos nos seus locais de origem e a sua sobrevivência, possibilitando tanto a sustentabilidade dos ecossistemas quanto a reprodução física e social dos grupos camponeses.

Com a chegada da Base e o advento das agrovilas, várias regras são impostas pela Aeronáutica às famílias que ali passaram a residir – como a proibição de ampliação ou reforma das casas, de construção de outras casas e da criação de animais, como porcos. Além do mais, percebe-se que existe nesse processo uma modificação na forma de concepção dos territórios, anteriormente concebidos como de usufruto comum e, agora, dividido em espaços parcelados. Como conseqüência, centenas de famílias passaram a sofrer com a diminuição da produção agrícola e com a escassez de recursos naturais.

Uma série de relações, estabelecidas entre os agentes sociais e o meio ambiente, passa por profundas alterações, pois em condições adversas de sobrevivência, o trabalho dos camponeses na terra e em outras atividades produtivas passa a ser inviabilizado, obrigando-os a se lançar em outras atividades – em localidades como a periferia de Alcântara e de São Luís –, além de sub-empregos junto à própria Base, o que provoca efeitos ambientais consideráveis, pois há uma quebra dos vínculos estabelecidos entre o camponês e a natureza, assim como com os conhecimentos secularmente adquiridos.

Conforme identifica Escobar (2000), esses modos de vida podem ser expressos como formas de “conhecimento local”, o que sinteticamente pode ser concebido como mecanismos cognitivos e experimentais que são construídos e se manifestam nas relações das pessoas com o meio ambiente. Em tais mecanismos de conhecimento estão imersos sistemas de classificação próprios e também noções sobre os segredos da natureza circundante.

Este saber que detêm os segmentos camponeses de Alcântara se manifesta na esfera produtiva, na esfera religiosa e naquela das relações sócio-culturais. Diferentemente

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vislumbradas como domínios opostos e incomunicáveis entre si sendo possível perceber um conjunto de práticas sobre como pensar, como relacionar e como construir experiências entre o biológico, o natural e o sobrenatural, que buscam um constante equilíbrio.

A centralidade que tem assumido o capitalismo e os processos hegemônicos decorrentes do mesmo faz com que a dicotomia entre a vida social e a natureza seja fundada, o que resulta em uma impossibilidade de conceber a realidade social de outra forma, causando danos irreparáveis a determinadas sociedades, como no caso do campesinato alcantarense.

3 CONCLUSÕES

Como têm apontado diversos estudos e pesquisas realizadas em Alcântara (ALMEIDA, 1983; SAULE JÚNIOR, 2003; FERNANDES, 1997; ANDRADE, 1983) desde a instalação da Base Espacial, os indicadores sociais e econômicos do município nunca foram tão negativos, sendo que nas agrovilas, idealizadas por técnicos e militares, esses índices são ainda piores, com relatos de experiências de fome por parte de vários moradores, algo que era, antes dos deslocamentos compulsórios, desconhecido pelas comunidades que tinham como obter seu alimento nos ecossistemas que lhes circundavam.

Em momento algum as ações encabeçadas pelo governo, nas diversas esferas, deram-se no sentido de assegurar uma verdadeira melhoria na qualidade de vida das famílias atingidas pela instalação do CLA, mas sim no intuito de buscar parcerias internacionais para tornar a Base um empreendimento competitivo e lucrativo.

Os agentes sociais, com passado, história, tradições culturais e conhecimentos sobre os ecossistemas locais são vistos pelos defensores do desenvolvimentismo, como arcaicos, atrasados e irracionais, apegados ao passado e incapazes de vislumbrar o futuro, sendo relegados à condição de entrave ao que é tido como desenvolvimento.

A modernidade, o desenvolvimento e a tecnologia são os elementos utilizados para legitimar as práticas e ações oficiais, com vistas a trazer o que se entende por

civilização a essas populações. No entanto, em momento algum se questiona se este

modelo de desenvolvimento imposto pelo governo, através do financiamento das ações do CLA, é realmente desejável pelos grupos camponeses.

Levar em conta as diferentes formas de construções dos grupos camponeses que se localizam nos povoados de Alcântara – construções econômicas e racionalidades que diferem das concepções modernas – é uma forma de assegurar que o conhecimento desses grupos não será subjugado pelas políticas e percepções desenvolvimentistas de mundo.

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O equilíbrio, a forma renovável de conceber os recursos, assim como as várias dimensões assumidas por questões simbólicas – como mitos, cantos, sistemas de classificação da natureza – são elementos fundamentais para a constituição cultural e histórica dessas populações e é justamente o que vem a ser quebrado com a instalação da Base espacial, comprometendo a existência desses grupos e o equilíbrio social e ambiental do entorno.

REFERÊNCIA

ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Ideologia da decadência: Leitura antropológica a uma história da agricultura do Maranhão. São Luís: FIPES, 1983.

ANDRADE, Maristela de Paula. A hegemonia norte-americana: como se manifesta no setor aeroespacial. São Luís, Discurso proferido na Assembléia Legislativa do Maranhão, 2001.

ESCOBAR, Arturo. El lugar de la natureza y la natureza del lugar: globalización y

posdesarrollo. In: VIOLA, Andreu. (comp.) Antropologia del dessarrollo: teorias e estúdios etnográficos em América Latina. Barcelona / Buenos Aires: Paidós, 2000. p.169-216.

ESTEVA, Gustavo. Dessarollo. In: VIOLA, Andreu (comp.) Antropologia del dessarrollo: teorias e estúdios etnográficos em América Latina. Barcelona / Buenos Aires: Paidós, 2000. p. 67-101.

FERNANDES, Carlos Aparecido. Deslocamento compulsório de trabalhadores rurais: o caso do Centro de Lançamento de Alcântara – Maranhão. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas) - UFMA, Cadernos de Pesquisa, n. 02, São Luís, 1997.

GARLAND, E. B.; MÀRQUEZ, S. M. De la economia política a la ecologia política: Balance global del ecomarxismo y la crítica al desarrollo. In: VIOLA, Andreu. (comp.) Antropologia del dessarrollo; Teorias e estúdios etnográficos em América Latina. Barcelona / Buenos Aires: Paidós, 2000. pp.129-167.

MOURA, Margarida Maria. Camponeses. São Paulo: Ática, 1999.

SAULE JÚNIOR, Nelson (Org.). Relatório da missão nacional de direito à moradia adequada e à terra urbana: a situação dos direitos humanos das comunidades negras e tradicionais de Alcântara. São Paulo: Instituto Polis, 2003.

SHANIN, Teodor. A definição de camponês – conceituações e desconceituações. Revista de Estudos CEPRAB, n: 26, 1979.

SOUZA FILHO, Benedito. Alcântara: acción estatal, hegemonia y tecnologia étnica. Barcelona, 2002.

Referências

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