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Desconstruindo o Big Mac. JOSÉ MARTINS

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1 Núcleo de Educação Popular 13 de Maio - São Paulo, SP.

CRÍTICA SEMANAL DA ECONOMIA

EDIÇÃO Nº1268/1269 – Ano 29; 3ª e 4ª Semanas Outubro 2015

Desconstruindo o Big Mac

. JOSÉ MARTINS

Quando a taxa de câmbio penetra no Big Mac ele apresenta estranhas

contorções. O sanduíche pode ser comido em Caracas por um preço sete

vezes mais barato que em Chicago. Mas enquanto o torcedor do Chicago

Bulls come um Big Mac inteiro, o torcedor do Deportivo Táchira tem que

se contentar apenas com um pedacinho

.

Como faz todo mês, a revista inglesa The Economist acaba de atualizar seu famoso The

Big Mac Índex, resultado da pesquisa dos preços nos principais países do mundo do Big

Mac, esse indigesto sanduíche global do McDonald’s, a maior cadeia de fast food do mundo. O índice é calculado de acordo com a teoria da paridade do poder de compra, pela qual as taxas de câmbio podem equalizar o preço de uma cesta de bens homogêneos entre os países. O Big Mac seria um dos produtos industrializados mais homogêneos no mundo, por isso seu preço representaria muito bem esse padrão de medida do poder de compra dos países. Observemos então o preço do tóxico sanduíche em US dólar em algumas economias selecionadas, das mais caras para as mais baratas: Suiça (US$ 6,82); Estados Unidos (4,79); Brasil (4,28) Euro Zona (4,05); Turquia (3,87); Coréia do Sul (3,76); México (3,11); Argentina (3,07); Japão (2,99); Colômbia (2,92) China (2,74); Rússia (1,88); Índia (1,83); Venezuela (0,67).

De acordo com estes números apurados pela revista é na Suiça onde se compra o Big Mac mais caro do mundo. E na Venezuela é onde se compra o mais barato. Em Caracas, os venezuelanos pagam 132 bolívares pelo sanduiche. Convertido pela taxa de câmbio 197/dólar, paga-se o equivalente a US$ 0.67. Quando a taxa de câmbio penetra no Big Mac ele faz estranhas contorções. E o desenvolvimento desigual e combinado da ordem capitalista mundial mostra melhor a sua cara.

O BARATO FICA CARO – O Big Mac pode ser comido em Caracas por um preço em dólar aproximadamente sete vezes mais barato que nos Estados Unidos, ou seis vezes que no Brasil; ou menos que a metade que se paga na Índia. Mas esse preço do sanduíche em Caracas é mais barato para quem? Quer dizer que o morador de Caracas, com seu salário pago em bolívares, pode comer muito mais unidades de Big Mac que o morador de Chicago, que recebe seus salario em dólar? Ao contrário. Mostra apenas que, enquanto o venezuelano tem o poder de comprar um sanduiche Big Mac, o turista norte-americano de Chicago que estivesse circulando pela Venezuela, sentado na mesa ao lado do venezuelano, na mesma loja de Caracas, poderia comer sete unidades de Big

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2 Mac. E se fosse o contrário, se nossos personagens se encontrassem na mesma situação, mas bem longe de Caracas, em uma loja do McDonald’s em Chicago? Neste caso, enquanto o torcedor do Chicago Bulls come um Big Mac inteiro, o torcedor do Deportivo Táchira comeria apenas um minúsculo pedaço (14%) do mesmo sanduiche. O que na lista da revista parecia barato para o morador de Caracas, na realidade ficou caro; e o que parecia caro para o morador de Chicago ficou barato. O que mudou não foi, evidentemente, o rendimento anterior de cada um dos consumidores em seus respectivos países. Mas, com o mesmo rendimento, o poder de compra de cada um no mercado mundial varia de com a taxa de câmbio dos diferentes países. O problema, portanto, é saber o que determina a popular taxa de câmbio de uma economia.

VALOR E CÂMBIO DO VALOR – Para os economistas que calculam o The Big

Mac Índex, a moeda venezuelana à taxa de câmbio 197 bolívares/dólar está quase 86%

abaixo do seu “nível justo de valor” ou “subvalorizada” frente ao dólar. Mas a coisa não é tão simples como parece. A “subvalorização” da moeda de uma economia frágil como a Venezuela não é um problema fácil de resolver. Aliás, como para qualquer economia dominada na ordem global, é um problema insolúvel.

Acontece que o valor de uma moeda nacional, que é determinado antes de tudo pelo nível da produtividade da força de trabalho de cada economia, passa por inúmeras influências econômicas e políticas (Estado) até chegar neste preço de mercado altamente modificado e distorcido que leva o nome de “taxa de câmbio”. O nível nem justo nem injusto desta última depende diretamente, por exemplo, da capacidade tributária e fiscal da economia. Depende, portanto, da capacidade monetária e de crédito nacional. Tratamos deste último elemento no boletim da semana passada, mostrando as diferentes capacidades de fornecimento de crédito no interior de diferentes economias.

Destes condicionantes tributários, fiscais e monetários derivam outros elementos determinantes da natureza e da dinâmica da taxa de câmbio de uma economia. É o caso da conversibilidade ou não da moeda nacional. Tratamos também deste problema no boletim anterior. Mas aqui adentramos em outros condicionantes secundários como o comércio externo da economia, reservas internacionais, movimentos de capitais, etc.

A lista é longa. Por isso, ao contrário do que se poderia concluir com o impreciso conceito de “nível justo de valor” dos economistas da The Economist, é praticamente impossível alguém calcular a “taxa de câmbio natural” de qualquer economia. Mas permanece o fato que a produtividade da força de trabalho determina o valor da moeda de uma economia nacional. E em torno deste valor gira a taxa de câmbio da economia. Vejamos algumas diferenças internacionais deste fundamento. O BIG MAC EM MINUTOS – O cálculo do tempo de trabalho necessário para comprar uma mercadoria é uma forma de se medir a produtividade da força de trabalho. Não devemos descartá-la, embora o cálculo do tempo necessário à produção de uma mercadoria seja a mais adequada. Assim, utilizamos dados sobre o tempo de trabalho necessário à aquisição de um Big Mac, coletados pelo banco União de Bancos Suíços (UBS) em diferentes cidades do mundo. Separamos as economias em blocos de dominantes e dominadas e em suas diferentes áreas geoeconômicas e calculamos as

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3 respectivas médias de tempo. Podemos assim ilustrar os diferentes níveis de produtividade entre as economias dominantes, onde predomina a mais-valia relativa, de um lado e, de outro, as economias dominadas, onde predomina a mais-valia absoluta. ECONOMIA MUNDIAL: TEMPO DE TRABALHO NECESSÁRIO Á

AQUISIÇÃO DE UM BIG MAC (em minutos)

Blocos/Áreas/Países

Tempo médio

(minutos)

Grupo dos Sete (G7)

EUA (11); Canadá (13); Inglaterra (12); Alemanha (13); França (15); Itália (18); Japão (10)

13

BRICS

Brasil (28); Rússia (20); Índia (40); China (35); South Africa (17).

28

América do Sul

Argentina (29); Brasil (28); Chile (32); Colômbia (35); Peru (38); México (78)

40

Ásia

China (35); Índia (40); Indonésia (67); Malásia (23); Tailândia (37).

40

Europa do Leste

Rússia (20); República Tcheca (30); Polônia (25); Ucrânia (55); Hungria (44); Romênia (44).

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Fonte: UBS

Estes números sugerem inúmeras observações. A primeira é a evidente superioridade produtiva das economias dominantes do G7, predominância da mais-valia relativa, onde se trabalha em média 13 minutos para adquirir um Big Mac; menos da metade do tempo médio trabalhado nas economias dominadas dos BRICS e de um terço das grandes áreas geoeconômicas da periferia – América do Sul, Ásia e Europa do Leste. Pode-se acrescentar África Subsaariana, Oriente Próximo, e outras áreas da periferia dominada, predominância da mais-valia absoluta, os resultados não são muito diferentes.

Grande homogeneidade da produtividade da força de trabalho (entre 10 e 13 minutos) entre as economias do G7, discreta dispersão da Itália (18) e França (15). Os tempos individuais das economias aparecem entre parênteses na tabela acima. Todas as economias dominantes possuem moedas conversíveis e taxas de câmbio relativamente estáveis. Maiores instabilidades apenas nos períodos de crise periódica.

É por isso que não se pode separar impunimente produtividade da força de trabalho e taxa de câmbio. Na experiência da eurozona, por exemplo, as economias da periferia da área (Portugal, Irlanda, Grécia, Espanha...) iludiram-se com imaginária moeda comum com Alemanha e deu no que deu. Esqueceram que para possuir moeda forte é preciso possuir de antemão economia forte, quer dizer, com elevada

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4 produtividade. O câmbio rigidamente fixado ao marco alemão (lastreado, por seu lado, em alta produtividade) explodiu as economias relativamente frágeis do bloco. A lei da gravidade, quer dizer, do valor, agiu pesadamente. A Itália balançou na fronteira.

Nos demais blocos da tabela acima, correspondentes às economias dominadas (mais-valia absoluta) ocorrem elevados tempos de trabalho necessário para se adquirir um Big Mac, girando em torno de 28 a 45 minutos em média para se adquirir um Big Mac. Observa-se também grande heterogeneidade da produtividade entre as economias, entre a mínima de 17 minutos na África do Sul e a máxima de 78 minutos no México. O livre comércio desenfreado (NAFTA) transformou o México na economia mais miserável do mundo. Pelo menos entre as maiores economias da periferia. Nem a China (35 minutos), nem a Índia (40 minutos) e tampouco a Ucrânia (55) estão tão miseráveis. RÉQUIEM PARA A PERIFERIA – Todas as economias dominadas possuem moedas não conversíveis e taxas de câmbio cronicamente instáveis. O real brasileiro desvalorizou mais de 50% nos últimos doze meses. A China jogou a toalha no mês passado e pediu mais um ano de prorrogação para o FMI julgar sua demanda de a sua moeda yuan ser considerada moeda conversível. Acreditaram na lorota que a China é a segunda economia do mundo. A reunião do FMI para analisar a demanda chinesa estava marcada para este mês de Outubro/2015. E assim Pequim pode iniciar uma corrida de ajustamento agressivo do câmbio que assustou o mercado internacional. Essa experiência chinesa também ilustra praticamente a impossibilidade de moeda forte em economia altamente frágil. Em Shangai são necessários 35 minutos de trabalho para comprar o Big Mac. Com a desvalorização recente esse tempo deve ter aumentado para as cercanias dos 40 minutos. A desvalorização cambial torna-se arma de capitalistas incompetentes para aumentar competitividade aumentando a miséria dos trabalhadores.

Para concluir, esse é um fato importante a ser notado: a esquizofrênica manipulação por parte dos governos das economias dominadas da sua taxa de câmbio, quer dizer, do valor relativo da moeda nacional às demais moedas, pode alterar significativamente a repartição interna do produto e dos rendimentos entre as classes sociais do país. Aumentam-se os lucros arrochando os salários reais, o poder de compra dos trabalhadores. Essa é importante regra do jogo da mais-valia absoluta: pagar o salário cada vez mais abaixo do seu valor. De maneira geral, uma desvalorização da moeda nacional representa um barateamento para o resto do mundo de todas as mercadorias e propriedades do país. Mas ficam mais caras para os moradores do país. O preço do big Mac repercute perfeitamente esse movimento político dos governos. Isso promove uma nova repartição interna entre os rendimentos (salários, lucros e rendas). De novo, esse movimento de desvalorização constante da moeda nacional tem um impacto altamente destrutivo sobre a mercadoria força de trabalho e o correspondente rendimento dos seus proprietários, o salário.

A desvalorização cambial é uma arma praticada por todos os governos nacionais com a justificativa de aumentar sua “competitividade” no comércio internacional, mas em economias pouco competitivas no mercado mundial, onde predomina a mais-valia absoluta, essa arma é acionada a todo o momento. Sinal de fraqueza. Torna-se arma característica de capitalistas incompetentes, utilizada para rebaixar os salários dos seus

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5 trabalhadores e assim aumentar seus rendimentos (lucro, renda fundiária, juros, etc.) com o neomercantilismo dos tolos. Os milagres econômicos de se fazer omelete sem quebrar os ovos se multiplicam na periferia do sistema. Crescimento econômico sem desenvolvimento. Tudo para se alcançar apenas nova repartição do produto, sem que tenha havido qualquer mudança qualitativa na capacidade produtiva nacional. Resultado: no processo de desenvolvimento desigual e combinado da moderna economia mundial a montagem industrial aumenta e a produção diminui na periferia dominada do sistema. A desvalorização cambial como arma dos parasitas da periferia fragiliza ainda mais suas economias na ordem econômica mundial e os seus trabalhadores perdem mais pedaços do já precário poder de compra dos seus salários. Vão comer uma parte cada vez menor do seu Big Mac. Para compensar sua incapacidade através da desvalorização cambial, os capitalistas e demais classes dominantes liquidam suas próprias economias nacionais e aumentam ainda mais a miséria dos trabalhadores.

Referências

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