• Nenhum resultado encontrado

A MOTRICIDADE HUMANA NO ENSINO FUNDAMENTAL *1 Luiz GONÇALVES JUNIOR 2

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A MOTRICIDADE HUMANA NO ENSINO FUNDAMENTAL *1 Luiz GONÇALVES JUNIOR 2"

Copied!
7
0
0

Texto

(1)

Luiz GONÇALVES JUNIOR

INTRODUÇÃO

Inicialmente, quero esclarecer que tal fala propõe reflexão e decisão nossa, de educadores e educadoras, em buscarmos trabalhar de modo dialogado, estimulando educandos e educandas a compartilharem a palavra conosco e entre eles.

Entendo que nós, educadores e educadoras, devemos estimular a curiosidade, a participação e a autonomia dos educandos e educandas, voltando-nos a construção do plano de ensino e das aulas de maneira compartilhada com a comunidade escolar (mães e pais ou responsáveis, educandos/as, educadores/as de diferentes componentes curriculares, diretores/as, coordenadores/as pedagógicos, merendeiras, zeladores/as, enfim, de todos/as envolvidos/as) de maneira compromissada e respeitosa e ao mesmo tempo descontraída e alegre. Compreendemos tal compartilhar como fundamental para o desenvolvimento de cada um e do grupo, nos possibilitando o contínuo vir a ser, já que somos seres incompletos e inconclusos, que nos fazemos e refazemos no mundo no diálogo com os outros, conforme nos apontam Freire (2005a, 2005b), Merleau-Ponty (1996) e Sérgio (1999).

Como educadores e educadoras, devemos ter esperança de que podemos ensinar e produzir em conjunto, na perspectiva de “trocar o falar para pelo falar com” (FREIRE, 2005b, p.28) aos nossos(as) educandos(as), para superar e resistir aos obstáculos com perseverança e alegria.

Compreendo o ser humano como ser integral e dotado da possibilidade de transcendência (de ser mais), assim, prefiro não me reportar a idéia fragmentada passada pela expressão “educação física” proposta pelo médico e filósofo inglês iluminista John Locke (1632-1704), ao propor a educação intelectual, moral e física, com óbvia visão dualista, pois para ele, apenas após a séria ocupação do estudo é que o sujeito deveria entregar-se a exercícios que

*

Referência: GONÇALVES JUNIOR, Luiz. A motricidade humana no ensino fundamental. In: I Seminário Internacional de Motricidade Humana: passado-presente-futuro, 2007, São Paulo. Anais... São Paulo: ALESP, 2007. v.1. p.29 – 35.

1 Parte das reflexões desta palestra foi anteriormente apresentada em: GONÇALVES JUNIOR, Luiz; RAMOS,

Glauco N. S.; COUTO, Yara A. A motricidade humana na escola: da abordagem comportamental à fenomenológica. Revista Corpoconsciência, Santo André, v. 12, p.23-37, 2003.

2 Professor Associado do Departamento de Educação Física e Motricidade Humana e do Programa de

Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos (DEFMH-PPGE/UFSCar); Coordenador do Núcleo de Estudo de Fenomenologia em Educação Física (NEFEF); Vice-Presidente da Sociedade de Pesquisa Qualitativa em Motricidade Humana (SPQMH).

(2)

relaxassem o corpo e confirmassem a saúde e a força , reafirmando a divisão do ser em corpo e mente cartesiana.

Deste modo, recorro à expressão Motricidade Humana, conforme a proposição de Sérgio (1999): como o “movimento intencional da transcendência, ou seja, o movimento de significação mais profunda” (p.17) na qual o essencial “é a experiência originária, donde emerge também a história das condutas motoras do sujeito, dado que não há experiência vivida sem a intersubjetividade que a práxis supõe.” (p.17-18).

De acordo com Merleau-Ponty (1996):

...a consciência projeta-se em um mundo físico e tem um corpo, assim como ela se projeta em um mundo cultural e tem hábitos: porque ela só pode ser consciência jogando com significações dadas no passado absoluto da natureza ou em seu passado pessoal (...). Enfim, esses esclarecimentos nos permitem compreender sem equívoco a motricidade enquanto intencionalidade original. (...) O movimento não é o pensamento de um movimento, e o espaço corporal não é um espaço pensado ou representado. (...) a motricidade não é como uma serva da consciência, que transporta o corpo ao ponto do espaço que nós previamente nos representamos. Para que possamos mover nosso corpo em direção a um objeto, primeiramente é preciso que o objeto exista para ele. (p.192-193).

Além de que, “a motricidade humana significa que o ser humano é fundamentalmente relação com o Outro, com o Mundo, com o Absoluto” (SÉRGIO, 1994, p.71).

Nesse sentido pretendo, ao longo desse texto, apresentar algumas idéias acerca de uma possibilidade de trabalho na Educação Física Escolar (ou Educação Motora4), tendo como suporte a fenomenologia existencial de Merleau-Ponty, a pedagogia dialógica de Paulo Freire, e a ciência da motricidade humana de Manuel Sérgio.

AEDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Ressalto que a palavra escola tem sua origem do latim schola, derivado do grego scholé, com o significado de lugar no qual se desenvolve educação, do latim educare, possuindo o sentido de cultivar, extrair de dentro de si mesmo (GONÇALVES JUNIOR, 2004).

Considero, portanto, a escola como um lugar privilegiado para se promover educação, o extrair-se de si mesmo, o cultivo do ser, a criação e a recriação, com espontaneidade, alegria e

3 LOCKE, John. Some thoughts concerning education. London: Sage, 1963.

4 Manuel Sérgio, grande idealizador da Ciência da Motricidade Humana, prefere o uso da expressão Educação

Motora ao invés de Educação Física, conforme explicita em diversos de seus escritos, em particular no texto: Educação motora: ramo pedagógico da cmh. In: SÉRGIO, Manuel. Motricidade humana: contribuições para um paradigma emergente. Lisboa: Instituto Piaget, 1994. p.67-89. No entanto, aqui não estaremos diferenciando uma expressão da outra, por ser educação física a nomenclatura oficial do respectivo componente curricular.

(3)

prazer, ainda que, muitas vezes, estes elementos estejam embotados e sejam desvalorizados nas instituições escolares (GONÇALVES JUNIOR, 2004).

Deste modo, entendo que a Educação Física do Ensino Fundamental, nível de ensino que vou privilegiar nesta fala, não deva mecanizar ou fragmentar o ser.

Entretanto, é comum na formação do professor de educação física o contato com literatura (TANI e col., 1988; MAGILL, 1987; SHIMIDT, 1993) que faz referência ao ser humano como sendo dividido em categorias de comportamento classificadas em domínios: cognitivo, afetivo e motor, a qual entende o domínio motor, como sendo o privilegiado para o trabalho do Professor de Educação Física. Afirma também que a classificação de um comportamento em uma categoria deve se dar de acordo com as características primárias desse comportamento, por exemplo: o chutar uma bola de futebol, apesar de envolver atividade cognitiva e afetiva, é principalmente um comportamento motor.

Na perspectiva da Motricidade Humana entendemos o ser de modo integral

existindo-aí-no-mundo-com-os-outros, em condição de abertura para a experiência e, nessa abertura, não há

possibilidade de fragmentação. Assim, o chutar a bola do exemplo acima, está impregnado da experiência de mundo do ser, ou seja, carregado de emoção, de sentimento, de intenção, de sua cultura.

Por falar em cultura, observamos comumente nas aulas de Educação Física, a predominância do esporte como conteúdo por vezes exclusivo, o que acaba por reduzir o universo da cultura corporal, circunscrevendo-o, não raro, ao contexto cultural estadunidense e/ou europeu do futebol, voleibol, basquetebol e handebol, em detrimento das potencialidades que podem ser exploradas ao propor a vivência de outras práticas corporais (jogos, brincadeiras, danças, lutas), oriundas da diversidade cultural de diferentes povos que construíram e constroem o Brasil para além dos europeus, tais como os indígenas e africanos.

Saliento ainda discordar do pretenso binômio ensino-aprendizagem, que acaba por passar a impressão de que basta haver alguém ensinando para que outro alguém esteja aprendendo. Compreendo-os como momentos distintos que se manifestam em pessoas diferentes e, deste modo, o/a educando/a pode se encontrar com a inteligibilidade dirigida para outras coisas que não aquelas ilustradas por quem “ensina”, em função de vivências, experiências, problemas pessoais, questões cotidianas..., entre outras.

Neste sentido é prioritário que o conteúdo seja significativo para os/as educandos/as, que o/a educador/a seja com eles/as, estabelecendo a intersubjetividade, atento não a um produto acabado, mas a um caminho de possibilidades; não a certeza, mas ao inesperado. Assim, a Educação Física Escolar tem como fundamento o cotidiano da existência do ser, do

(4)

sendo-uns-com-os-outros-ao-mundo (GONÇALVES JUNIOR e SANTOS, 2006), do estar solícito, do

colocar-se na perspectiva do outro e estabelecer intersubjetividade.

Na perspectiva ora proposta todas as pessoas envolvidas no processo de ensino e de aprendizagem discutem e tomam as decisões relativas aos próprios participantes e à matéria, caracterizando uma influência contínua e recíproca dos envolvidos no processo. Assim, o conteúdo deve ser significativo, privilegiando aquilo que é definido pela comunidade escolar a partir de sua realidade política, social, econômica e cultural.

O/A educador/a pode e por vezes deve, com autoridade e não autoritarismo, indicar diretrizes ao/a educando/a, e este/a, através de seus próprios recursos (criatividade, iniciativa, cooperativismo, entre outros), tenta descobrir formas para alcançar os objetivos a ele/a propostos. O/A educando/a, conhecendo a si mesmo/a, compreendendo seu desenvolvimento global, sua potencialidade, sua capacidade de criação, poderá melhor interpretar sua realidade, tornando-se protagonista de seu próprio conhecimento, construindo e transformando seu contexto.

Neste sentido, Freire (2005a) afirma que:

Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os ‘argumento de autoridade’ já não valem. Em que para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita estar sendo com as liberdades e não contra elas (p.79).

A construção, execução e avaliação deste projeto de Educação Física Escolar deve se dar com a participação de toda comunidade escolar. Nesse sentido, de modo conjunto e dialogado selecionam-se os conteúdos, tanto os verticais (de um ciclo para outro) como os horizontais (entre os vários componentes curriculares que se encontram no mesmo ciclo), bem como os eixos temáticos (drogas, sexualidade, esporte, lazer, trabalho, saúde, meio ambiente, globalização, violência, cidadania, diversidade cultural...) provenientes das experiências vividas dos membros da comunidade escolar, os quais podem ser desenvolvidos por certo período (um mês, um bimestre, um semestre ou conforme as necessidades/decisões coletivas).

Para tal, é fundamental a elaboração conjunta de um projeto pedagógico na escola com envolvimento da comunidade, selecionando e refletindo de modo compartilhado sobre os conteúdos dos componentes curriculares e os eixos temáticos significativos periodicamente e que são, por exemplo, tão pouco exploradas nas reuniões de pais e mestres.

A partir da definição conjunta do eixo temático também é possível trabalhar com atividades não fechadas em si mesmas, mas interdisciplinares, como por exemplo: dialogar a respeito da escravidão negra no Brasil em uma aula cujo conteúdo seja a capoeira; sobre a

(5)

redução das praças, parques e áreas verdes nas grandes cidades em uma aula cujo conteúdo seja lazer; contextualizar a origem cultural, histórica e simbólica em uma aula de dança; sobre globalização em uma aula a respeito dos jogos olímpicos ou da copa do mundo de futebol.

Nesta proposição entendemos que o/a educando/a no processo de educar-se se encontra num estado de perplexidade diante do mundo, o qual interroga; em outras palavras, o/a educador/a incentiva a abertura de um debate em torno das diversas possibilidades geradas no seio do grupo, suscitando compreensões e reflexões.

Avaliar é também elemento importante nesta perspectiva, no entanto, o objetivo da avaliação é considerado em função do contexto em que se insere; assim, os aspectos qualitativos são mais importantes do que predições e medidas. O processo como um todo é respeitado e valorizado. A percepção que todos/as envolvidos/as têm é considerada com amplas discussões, sendo que eles/as próprios/as podem propor as formas e possíveis peso(s) da(s) avaliação(ões). CONSIDERAÇÕES

Propus para as aulas de Educação Física Escolar, fundamentalmente, o respeito aos saberes dos educandos/as e sua comunidade, discutindo a relação desses saberes com o ensino de conteúdos, ou seja, aproveitando a experiência deles/as, associando sua realidade ao componente curricular Educação Física, entre outros. Trata-se, de respeitar o “saber de experiência feito” (FREIRE, 1998 e 2005b), ou seja, os saberes do/a educando/a, pois chegando ao espaço escolar, o/a mesmo/a já traz uma compreensão do mundo, isto é, possui saberes em torno da saúde, do corpo, do lazer, do esporte, da ginástica, do jogo, do brinquedo e da brincadeira, da educação e da educação física, entre outros.

Neste sentido prioritário é trabalhar com o ser integral, de corpo encarnado, conforme descrito por Merleau-Ponty (1969), ou seja, corpo que se move não pela reunião de partes e na ignorância de si, mas irradiando de um si, com a coesão de um nó existencial, pois o corpo é o lugar de todo o diálogo que envolve o eu com os outros e o mundo.

Ou, nas palavras de Sérgio (1996):

...é evidente que o corpo humano não é o que a fisiologia descreve, nem o que a anatomia desenha, nem o que a biologia, em suma, refere. Porque o corpo é a materialização da complexidade humana. (...). De facto, ninguém tem um corpo. Há uma distância iniludível entre mim e um objecto que possuo: posso deitá-lo fora, sem deixar de ser quem sou. Com meu corpo não sucede o mesmo: sem ele, eu deixo de ser quem sou. Por isso, o meu corpo não é físico, no sentido cartesiano do termo (...), mas o fundamento de toda a minha existência da minha própria subjetividade... (p.125).

(6)

Essa breve exposição dos caminhos que tal perspectiva de trabalho pretende trilhar (baseada na fenomenologia existencial de Merleau-Ponty, na pedagogia dialógica de Paulo Freire, e na ciência da motricidade humana de Manuel Sérgio) configura-se com uma proposta inicial que requer aprofundamento e há, neste sentido, certamente, muitas dificuldades a serem transpostas para a efetivação desta no âmbito da escola: normas, regimentos, resistências da direção, de parte do professorado, de parte de alguns pais, mães ou responsáveis, dos/as próprios/as educandos/as e, principalmente, nossas próprias limitações.

Iniciemos assim, o quanto antes...

REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 8ªed. São Paulo: Paz e Terra, 1998.

______. Pedagogia do oprimido. 41ªed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005a.

______. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 12ªed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005b.

GONÇALVES JUNIOR, Luiz; RAMOS, Glauco N. S.; COUTO, Yara A. A motricidade humana na escola: da abordagem comportamental à fenomenológica. Revista Corpoconsciência, Santo André, v. 12, p. 23-37, 2003.

GONÇALVES JUNIOR, Luiz. Atividades recreativas na escola: uma educação fundamental (de prazer). In: SCHWARTZ, Gisele Maria. (Org.). Educação física no ensino superior: atividades recreativas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004, p.130-136.

GONÇALVES JUNIOR, Luiz; SANTOS, Matheus O. Brincando no jardim: processos educativos de uma prática social de lazer. In: VI EDUCERE - CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO - PUCPR - PRAXIS, 2006, Curitiba. Anais... Curitiba: PUCPR, 2006.

LOCKE, John. Some thoughts concerning education. London: Sage, 1963.

MAGILL, Richard A. Aprendizagem motora: conceitos e aplicações. São Paulo: Edgard Bücher, 1987.

MERLEAU-PONTY, Maurice. O ôlho e o espírito. Rio de Janeiro: Grifo, 1969. ______. Fenomenologia da percepção. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

SÉRGIO, Manuel. Motricidade humana: contribuições para um paradigma emergente. Lisboa: Instituto Piaget, 1994.

______. Epistemologia da motricidade humana. Lisboa: Edições FMH, 1996. SÉRGIO, Manuel e col. O sentido e a acção. Lisboa: Instituto Piaget, 1999.

(7)

SHIMIDT, Richard A. Aprendizagem e performance motora: dos princípios à prática. São Paulo, Movimento, 1993.

TANI, Go e col. Educação física escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista. São Paulo: EPU/EDUSP, 1988.

Referências

Documentos relacionados

A marcar o Dia Mundial do Ambiente será dinamizado no Centro de Monitorização e Interpretação Ambiental da Costa da Caparica um curso de introdução à fotografia de Natureza,

Reedição: Abordagem Grupal com os Educandos do 3º Ano do Ensino Médio na Escola de Educação Básica Gonçalves Dias e Intervenção com a Família desses

A Educação Física vista sob o olhar da Ciência da Motricidade Humana, no contexto de um novo paradigma em que o Homem, a Ciência e a Sociedade só podem ser

Entretanto, outras causas de insuficiência renal aguda, incluindo doença embólica, isquemia e outras nefrotoxinas, devem ser consideradas particularmente se isso ocorrer em

No diagrama relacionando o padrão de elementos traços normalizados em relação ao manto primitivo de Sun & MacDonough (1989), figura 43, é possível observar que as

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

Entretanto, com o intuito de dar continuidade a análise da produção veiculada em periódicos da Educação Física iniciada por Santos (2002, 2005, 2008), faremos

Estudo sobre os saberes musicais escolares em aulas de música em turma do Ensino Fundamental do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da Universidade Federal de Goiás