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INDIVÍDUO VERSUS MULTIDÃO: A EXISTÊNCIA NA PERSPECTIVA DE SÖREN KIERKEGAARD 347

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INDIVÍDUO VERSUS MULTIDÃO: A EXISTÊNCIA NA PERSPECTIVA DE SÖREN KIERKEGAARD347

Simone Teixeira Bernardo155F

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1490BRESUMO: O texto propõe elucidar a concepção de existência apresentada pelo

filósofo Sören Kierkegaard baseando-se na diferença entre indivíduo e multidão. Tomaremos como ferramenta de trabalho a obra, póstuma, Ponto de vista explicativo da minha obra como autor. A concepção kierkegaardiana de existência está diretamente ligada ao estado de consciência do indivíduo; a existência é medida de acordo com o grau de reflexão que o indivíduo sustenta acerca de si e do mundo. Em outras palavras, a existência comporta a atividade de escolher-se a si mesmo na condição de indivíduo singular.

1491BPalavras-chave: Indivíduo, Existência, Kierkegaard

1492BRÉSUMÉ: Le texte propose elucider la conception de l’existence présenté par le

philosophe Sören Kierkegaard en s’appuyant dans la différence entre l’individu et la multitude. Nous allons prendre comme outil de travail l’oeuvre, posthume, Point de vue explicatif de mon oeuvre d’ècrivan. La conception kierkegaardienne de l’existence être lieé directement au état de conscience de l’individu; la existence est mesureé d’aprés le degré de réflexion que l’individu soutenir sur lui-même et le monde. Dit d’autre forme, l’existence comporte l’activité de choisir soi-même dans la condition d’individu singulier.

1493BMots-clés: Individu, Existence, Kierkegaard.

1494BO indivíduo consciente situa-se no lado oposto aquele caminho da massa, da

multidão. Quando o homem age en masse, ele abre mão da sua individualidade pelo coletivo, coletivo este composto por pessoas que se tornam anônimas, crentes na existência de uma massa que age em conjunto e em benefício recíproco, a multidão é o ser todo poderoso, mas absolutamente privado de arrependimento, que se chama: ninguém (KIERKEGAARD, 1986. p 101); isto é, uma grande ilusão. Dentro de

347 Pesquisa sob financiamento da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FUNCAP.

348 Mestranda em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará – UECE. Bolsista da Fundação Cearense de Amparo a Pesquisa – FUNCAP. simonetbernardo@yahoo.com.br

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489 uma coletividade o indivíduo, enquanto singular, é anulado, ou melhor, alienado. A filosofia kierkegaardiana propõe uma alternativa à massificação: a afirmação da subjetividade, a reflexão acerca do dado, que Kierkegaard chama de suspensão teleológica. Essa suspensão é um grande passo em direção à constituição da subjetividade, posto que, enquanto esta não se apresenta, o homem apenas repõe sem refletir as exigências do geral.

1495BO entendimento de Kierkegaard acerca do indivíduo tem como pano de fundo,

assim como toda a sua escrita, o problema da fé. Na sua obra, póstuma, Ponto de vista explicativo da minha obra como autor, encontramos em seu apêndice um texto intitulado O indivíduo, não é difícil de imaginar sobre que assunto versa tal texto. Mas além de expor a sua concepção de indivíduo, Kierkegaard apresenta aí uma apologia à categoria existencial do religioso, isso é já indício da relação direta que a concepção kierkegaardiana de indivíduo mantém para com o religioso. Ao fim, ser um indivíduo é ser cristão.156F

349 O desenvolvimento do texto se dá na exposição da diferenciação entre indivíduo e multidão, relacionando a esta a temporalidade e aquele a eternidade.

1496BO filósofo dinamarquês percebe no homem um caráter ambíguo, tal

ambiguidade pode ser compreendida como um tipo de conflito não conciliável. Segundo Kierkegaard, a dualidade do homem lhe permite perceber-se parte integrante do mundo, ao mesmo tempo em que se sente parte da eternidade. Tal conflito perpassa toda a existência do homem e não há nenhuma atitude de cunho individual e racionalista que destrua essa ambiguidade. A compreensão da existência como um devir, implica, segundo Kierkegaard, na percepção do existir como um constante conflito interior. É precisamente essa desarmonia do indivíduo que permite a identificação do absolutamente outro em Deus. Para Kierkegaard, é justamente o

349 O Ponto de vista explicativo da minha obra como autor, é exatamente uma tentativa de esclarecimento a cerca da totalidade da obra de Kierkegaard. Nele percebemos Kierkegaard esforçar-se por explicar o objetivo inicial e central de esforçar-seus escritos, a saber, a elucidação do que é esforçar-ser um homem religioso, o que, por sua vez, faz de Kierkegaard um autor religioso. Partindo desta premissa, Kierkegaard justifica seus textos estéticos como uma introdução menos violenta às suas críticas contra o modo de vida controverso de seus contemporâneos ditos cristãos: é preciso apanhar pelas costas o que esta na ilusão. (KIERKEGAARD, 1986. p.38) Ao mesmo tempo em que afirma haver desde o início um traço do religioso nos seus escritos estéticos e vice-e-versa. A tensão dialética perpassa todas as suas obras, formando um interessante jogo de esconde e mostra.

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reconhecimento de sua condição ambígua que fará a existência de um homem válida.

1497BO indivíduo, o existente, não é aquele que simplesmente existe, este é apenas

uma sombra, uma réplica do geral. Segundo o filósofo dinamarquês, o existente de fato é aquele que escolheu ser o que é, uma não-verdade – “o eu que se relaciona consigo próprio, querendo ser ele próprio, devêm transparente e se funda no poder que o pôs.” (KIERKEGAARD, 1986. p.127); assim reconhecendo-se fora da verdade, o homem passa a ser um novo homem consciente de si e de sua individualidade perante Deus. O escolher a si mesmo kierkegaardiano sinaliza um caminho para o absoluto (absurdo, infinito, inexplicável...), o que se inicia com a revelação, com a conscientização da condição de não-verdade, a qual implica na escolha de uma nova vida, de uma existência válida. A existência em Kierkegaard começa pela ironia, visando o infinito. 157F

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1498BO sujeito irônico constitui a singularidade do indivíduo, posto que, a ironia se

posiciona ao extremo do geral. Ao situar-se no lado oposto da realidade dada, o sujeito irônico favorece as inúmeras possibilidades que perpassam o seu ser – historicamente falando – efetivando boa parte destas de acordo com o que lhe apraz. Cabe ressaltar, que para isso a moral e a vida ética encontram-se suspensas desde o momento da oposição, já que estas fazem parte do universal previamente existente. O ponto de partida para a constituição de uma existência válida é dada na ‘suspensão teleológica’ da vida moral; na reflexão primeira158F

351 – cujo foco é o geral – as possibilidades de resultado positivo ou negativo se dão na mesma proporção, de sorte que, seu resultado pode aparecer como uma reafirmação do dado ou como uma negação deste. Desse modo, o problema do indivíduo é pensado em relação com a esfera ética.

350 Cf. a tese XV Como toda a filosofia se inicia pela dúvida, assim também inicia pela ironia toda a vida que se chamará digna do homem. KIERKEGAARD, 1991, p. 19.

351 Primeira porque dentro do caminhar ético-religioso proposto por Kierkegaard, a reflexão a cerca do dado é feita em dois níveis: o primeiro corresponde à suspensão teleológica da eticidade ofertado ao homem, a qual não tem garantias de resultados pautados na negatividade uma agir subjetivo; a segunda condiz com uma reflexão mais profunda e totalmente dependente do resultado negativo daquela suspensão teleológica, e mais, implica em uma dupla reflexão na medida em que o que está em questão não é mais apenas a exterioridade do geral, mas, também, a própria subjetividade/individualidade.

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1499BNa esfera ética o homem encontra-se diante do mundo da cultura como diante

de um dado frente ao qual a característica principal desse indivíduo é a passividade: quando o homem aceita passivamente aquilo que foi previamente estabelecido, abre mão do agir e se anula. Segundo Kierkegaard, o caráter instituidor da ação do homem se encontra ausente, em um sentido radical, na existência ética,159F

352 já que esta se baseia na tradição. Na existência ética o homem se apresenta afeito às relações éticas que lhe são dadas, às crenças de seu povo, tomando-as para si como se fossem suas; a exterioridade eleva-se, enquanto que a interioridade é submergida no geral. O universal previamente existente vigora como única e certa opção, firmando-se uma passividade intelectual.

1500BÉ importante ressaltar que o movimento de reflexão exigido para a superação

da passividade depende exclusivamente da subjetividade, sendo ilegítima qualquer espécie de intervenção de outrem no processo.

1501BO que interessa à concepção de indivíduo kierkegaardiana é a negatividade que

tal suspensão pode ocasionar. Ora, se a presença da negação se faz necessária na constituição do indivíduo, o indivíduo surge então, na perspectiva kierkegaardiana, como uma invocação do negativo.

1502BO negativo expresso na constituição do indivíduo kierkegaardiano é o

argumento chave à construção da crítica dirigida ao sistema hegeliano, quando consideramos a recusa de Kierkegaard ao papel da unidade conceitual em Hegel. Desde as suas primeiras produções filosóficas observa-se, em Kierkegaard, a emergência da refutação ao sistema ou à “nova filosofia”, ao mesmo tempo em que a relação com a dialética se faz fundamental.

1503BA refutação ao sistema hegeliano faz-se presente no decorrer de toda a sua

obra, mas se apresenta de forma mais clara no debate que Kierkegaard mantém com os hegelianos dinamarqueses (clero dinamarquês), documentado no Instante – Jornal editado por Kierkegaard, e que o tinha como único colaborador, no qual um

352 Kierkegaard compreende a existência do homem suscetível a três possibilidades: a existência estética, a existência ética, e a existência religiosa. Destas três esferas da existência a religiosa é a mais completa, enquanto que a esfera estética é a mais baixa dada a sua não relação com o absoluto. Elas podem ser percebidas como uma evolução mas não o são necessariamente, pois aquele que tem uma existência religiosa não precisa ter passado pelas outras duas, e nem mesmo o homem que supera a fase estética, passando à existência ética, necessariamente passará à existência religiosa.

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único fato era noticiado, a incoerência do clero dinamarquês ao que concerne a doutrina cristã.

1504BA crítica feita por Kierkegaard à Igreja tem por base o debate acerca do

conceito de cristianismo. O cristianismo pregado pelas igrejas é, segundo Kierkegaard, produto da adulteração dos princípios cristãos, esta feita em nome da manutenção do poder na classe clerical, o que consequentemente garante a alienação dos ditos cristãos e a supremacia do dogmatismo eclesiástico. A este cristianismo falso, no qual os pretensos cristãos vivem uma ilusão, o filósofo dinamarquês deu nome de cristandade, e é com base nesta concepção que ele afirma não ser cristão. De acordo com Kierkegaard, o verdadeiro cristianismo é o plano de ação que tem como modelo a vida de Cristo. A doutrina cristã se dirige ao indivíduo, condicionando a este uma relação direta com Deus, logo a igreja e seus homens santos são absolutamente dispensáveis, quando se considera o ponto de vista kierkegaardiano.

1505BQuando pensamos a relação divergente entre indivíduo e multidão, temos em

mente o conflito entre a singularidade e a coletividade, e é justamente esse mesmo sentido dissonante que permeia as concepções kierkegaardianas de cristianismo e cristandade.

1506BA multidão (cristandade) a que Kierkegaard se refere não diz respeito apenas à

quantidade, mas também, e primeiramente, à qualidade daqueles que a constituem. Na multidão está o passivo, o covarde; nela podemos observar a ação daquele que não age, todo o homem que se refugia na multidão e foge assim covardemente à condição do indivíduo (...) contribui, com a sua parte de covardia, para «a covardia» que é: multidão. (KIERKEGAARD, 1986 p.99).

1507BA falsa conciliação da pluralidade humana engessa e invibialisa o

desenvolvimento da subjetividade, bem como impossibilita a relação direta com Deus. É sob este aspecto de dissolução da singularidade que Kierkegaard apresenta a multidão como uma mentira, nas palavras de Kierkegaard:

1508B‘Tornar-se multidão, reunir à sua volta a multidão, é pelo contrário a

diversidade da vida: mesmo quem disso fala com as melhores intenções corre facilmente o risco de ofender o Indivíduo. Mas na multidão encontra então o poder, a influência, a consideração é soberania – e é também a diferença da vida que, soberana, despreza

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o Indivíduo como sendo o fraco e o impotente e que, no plano temporal e mundano, despreza a verdade eterna que é o Indivíduo.’ (KIERKEGAARD, 1986. p.102)

1509BA categoria do indivíduo comporta a interioridade e carrega consigo a

responsabilidade sobre o triunfo do cristianismo. A multidão é o principal obstáculo que se apresenta a tarefa de tornar-se cristão. O devir existencial do homem encontra, por vezes, no acolhimento da multidão um refúgio seguro, no qual a responsabilidade de agir por conta própria, às suas custas é abolida nas sombras do geral. A individualidade tão cara ao cristianismo é, assim, cada vez mais dissolvida na cultura da falsa igualdade.

1510BO esforço de Kierkegaard não se dirige a dissolução ou a conciliação da

dissonância entre o singular e o coletivo, o que de fato ele propõe é espaço para a subjetividade, para a reflexão acerca do mundo e das contradições que permeiam a relação do homem com o exterior. Uma reflexão salvaguardada pela valorização do subjetivo, sem a renúncia ao eterno e ao divino.

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REFERÊNCIAS

1512BKIERKEGAARD, S. A. Ponto de vista explicativo de minha obra como escritor.

Lisboa: Edições 70, 1986.

1513B______________. O conceito de ironia, constantemente referido a Sócrates.

Referências

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